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Full text of "Syntaxe historica Portuguesa"

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Syntaxe  histórica 
portuguesa 


Syntaxe  Histórica 
Portuguesa 


POR 


AUGUSTO  EPIPHANIO  DA  SILVA  DIAS 


ISCí-iqo 


"S .   I  .   õ^  (H 


LISBOA 

LIVRARIA  CLÁSSICA  EDITORA 

DE  A.  M.  TEIXEIRA 

17,  Praça  dos  Restauradores,  17 

1918 


—  COMPOSTO    E 

lUPnKflSO 

NA  — 

TIPOC  Jl/IFI 

^-;sE 

QU  filR/k 

114,  Rua  de  J<w4 

Faloto. 

112 

—  Mito 

AO 


&.'^°  ònr.    íDr.  ^osé  Ceiie  c/e    Yasconce//os 

em  testemunho  de  amizade  e  subida  consideração 


dedica  este  trabalho 


^ngus/o  Qpiphanío  c/a  Silpa  S)ías. 


Designações  abreviadas 


Aff.  de  Albuq.    Comm.=  Commentarios  de  Affonso  de  Albuquerque; 

cita-se  a  pagina. 
Alma  instruída  do  Padre  Manuel  Fernandes:  cit.  o  tomo  e  a  pagina. 
Aniorini=Francisco  Gomes  de  Amorim. 
Andrade,  Aíí5ce/.=  Miguel  Leitão  d'Andrade,  Miscellanea :  cita-se  a 

pagina. 
Ant.  de  Sá=Antonio  de  Sá  (1620—1678) :  cit,  o  titulo  do  sermão  e  a 

pagina. 
Archeol,^=Archeologo  Português:  cit.  o  tomo  e  pagina. 
Arraes=Frei  Amador  Arraes:  cit.  o  numero  do  dialogo. 
\ulegr.=Aulegrafia  de  Jorge  Ferreira  de  Vasconcellos:  cit.  o  acto 

e  a  scena. 
Azurara=Gomes  Eanes  de  Azurara,  Chronica  da  Guiné=Chronica  da 

Conquista  da  Guiné. 
Balthasar  Estaco,  Sonetos . .  ed.  de  1604 :  cit.  o  folio. 
Barreto,  Novos  Es/.  =  Mário  Barreto:  Novos  Estudos  da  Lingoa  Portu- 
guesa—cita-so  a  pagina.  v 
Barros=João  de  Barros: 

Ásia ; 

Iiopica=R.  Pnefma:  cit.  a  ed.  do  Visconde  de  Azevedo; 

Dialogo  da  Viciosa  Vergonha. 
Bern.=Diogo  Bernardes,  O  Lima:  cit.  o  folio  da  edição  de  1596;  ás 

vezes  o  numero  da  écloga. 
Bern.  Ribelro=Bornardim  Ribeiro,  Menina  e  Moça:  cit.  a  parto  e  o 

capitula,»ou  então  o  folio  da  edição  de  1557.    As  eglogas  são 

citadas  pela  edição  de  1557. 
Blut.,  yoc.=Kaphael  Blutoau,  Vocahtdario  Português,  etc. 
Brãchy\.=Brachyologia  de  Príncipes  de  Fr.  Jacintho  de  Deus. 


VIII  SYNTAXK   HIBTOUICA   roKTUGUKSA 


Camillo—Cainillo  Castollo  IJraiico: 

rcrfil—Perfil  do  Marquez  de  Pomba!; 

Jiohcmia—Iiuhcnnu  do  lispirito. 
Caminha-—!*,  do  Andrndo  Caminlia,  Poesias  inéditas  publicadas  pelo 

Dr.  Priebscli,  llallc  a.  S.:  cit.  a  pagina. 
Cartas  Esplrit.=Ca/7as  EnjiirHuais  de  l'"r.  António  das  Cliagas:  cit. 

a  pagina. 
Cast.— -António  Feliciano  de  Castilho: 

Chavc=:A  Chave  do  Euiyma:  cit.  a  pagina  da  ed.  da  Empresa  da 
«Historia  do  Portugal» ; 

FaM.=Os  Faslos  do  Ovidio:  cit.  o  tomo  e  a  pagina; 

Ouiono=0  OtUono:  cit.  a  edição  da  ílmprosa  da  «Historia  de 
Portugal»,  o  tomo  e  a  pagina; 

Quadros  RisL—Os  Quadros  Históricos,  da  ed.  da  £mpresa  otc.: 
cit.  o  tomo  o  a  pagina; 

Misanth.=^0  Misanlhrojw. 
Castanh.  -  Castanheda,  Hist.  du  dc^cobr.  c  conquista  da  índia:  cit.  da 

edição  rollandiana  o  tomo  e  o  capitulo,  quando  não  se  diga 

outra  cousa. 
Ceita- -Frei  João  do  Ceita,  Sermões:  cit.  o  folio. 
Chiado— António  Ribeiro  Chiado: 

Pral.— Pratica  doilo  fiyuras:  cit.  o  folio  da  1.»  edição; 

Rcgal,=Aulo  das  licgateiras,  contido  no  volume  em  (jue  vem  a 
Pratica  das  oito  figuras:  cit.  o  folio  da  1."  edição. 
Chr.  F.— Ciiristovào  Falcão,  Obras  do  — :  cit.  da  ediçãp  de  Epipha- 

nio  Dias  o  numero  da  decima  do  Crisfal. 
Corr.  de  Abusos= Corrcrfão  de  Abusos  do  Fr.  Manoel  de  Azevedo. 
Corte  lmp.=-Corlc  Imperial  (obra  anonyma):  cit.  a  pagina. 
Corte  ReaI=-.Jeronymo  Corto  Real: 

.\auf.=z  Naufrágio  de  Sepúlveda:  cit.  a    pagina   tia   ed.   rollan- 
diana. 
Costa  e  SiIva=Josó  Maria  da  Costa  o  Silva,  Os  Argonautas  de  Apo- 

lonio  de  Khodos:  cit.  a  pagina. 
Crystaes  d'Alma :  de  Cíerardo  do  Kscobar. 
Diego  Aff.— Diogo  Affonso,  Historia  da  vida  e  martyrio  do  glorioso 

S.'"  Thomas,  1554:  cit.  a  pagina.  0 

Doe.  das  Chance!.  Reais--Docun)cntos  das  chancelarias  riais  an- 
teriores a  1531  publicados  por  Pedro  de  Azevedo. 
Eça  de  Queiroz,  Crime=0  Crime  do  Padre  Amaro. 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  IX 


En.  Pori.=Eneida  Forlugueza  de  João  Franco  Barreto. 

Esmeraldo=£'sífíera/íío  de  silu  orbis  de  Duarte  Pacheco  Pereira:  cit. 
a  pagina  da  ed.  de  Epiphanio  Dias. 

Esp[eIho]  de  casados  do  Dr.  João  de  Barros:  cit.  o  folio  da  1.^  edi- 
ção (quando  não  se  diz  outra  cousa). 

Eufros. =£'«/>"osmn  de  Jorge  Ferreira  de  Vasconcellos:  cit.  o  acto  e 
a  scena. 

F.  OIiveira=Fernão  de  Oliveira,  Gramática  portuguesa ;  cit  o  capitulo 

da  edição  de  Tito  de  Noronha. 

Fabul(ario)=0  Livro  de  Esopo,  publicado  pelo  Dr.  Leite  de  Vascon- 
cellos: cit.  o  numero  da  fábula. 

Fernão  Lopes:  D.  João  I=Chronica  de  D.  João  I:  cit.  a  pagina  da 
ed.  do  Arquivo  Histórico  Português. 

Ferreira=:Antonio  Ferreira. 

Figueiredo  =  P.e  António  Pereira  de  Figueiredo,  traducção  da 
Biblia. 

Fonseca  (João  da):  Silva  Moral  e  Histórica:  cit.  a  pagina. 

Fr.  Anton.  de  Sousa,  Man.  de  Epicteto=Frei  António  de  Sousa, 
Manual  de  Epideto,  edição  de  1785:  cita-se  o  capitulo. 

Fragmentos  (Dois)  de  uma  vida  de  S.  Nicolau,  do  século  xiv:  pu- 
blicados por  Pedro  Augusto  d'Azevedo. 

Freire^Jacintho  Freire  de  Andrade,  Vida  de  D.  João  de  Castro:  cit. 
a  pagina  da  edição  rollandiana. 

G.  Barros=Henrique  da  Gama  Barros,  Historia  da  administração 

publica  em  Portugal  nos  séculos  xii  a  xv:  cit.  o  tomo  e  pagina. 

G.  de  Orta=Garcia  de  Orta,  Colloquios:  cit.  o  numero  do  coUoquio. 

Garrett— Visconde  de  Almeida  Garrett: 

Cam. ^Camões :  cit.  o  canto  e  a  pagina  da  4.^  edição; 
Viagens^Viagens  na  minha  terra:  cita-se  a  pagina; 
Alfageme^=Alfageme  de  Santarém:  cita-se  a  pagina. 

Gir.,  Alveit. =^lestve  Giraldo,  Livro  d'Alveitaria:  cit.  a  pagina  da  Re- 
vista Lusitana,  tomo  12. 

Godinho^P.  Manoel  Godinho,  Relação  do  Novo  Caminho — edição  de 
1665:  cita-se  a  pagina. 

Goes=Damião  de  Góes: 

Cat.  M.=Catão  Maior:  cit.  a  pagina  da  ed.  rollandiana; 
D.  Manoel=Chronica  de  D.  Manoel:  cit.  o  tomo  e  a  pagina. 

Grãál=Dois  episódios  da  Demanda  do  Saoto  Graal  publicados  na  Re- 
vista Lusitana,  tomo  6.°. 


SYNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUESA 


H.  P.^IIeitor  i'into,  híalgos:  rit.  o  ^    ^  .    •  da  primeira 

edição. 
Herc.=Alexandro  Ileroi; '■'>■<>  • 

Cas.  Civ.=EstHdos  ^  /    eit.  a  pagina; 

Eur.=Eurico,  o  Prosuyioro:  cu.  a  jtagina; 

Lend.= Lendas  c  narrativas:  cit.  o  tomo  e  a  pagina; 

Monge=0  Monge  de  Cislcr:  cit.  o  tomo  e  a  pairina  ; 

Op.=0pusculos :  cit.  o  tomo  e  a  paírina  ; 

Poes.'~roc.<i(iy:  cit.  a  pr.uina 
Hyssope:  de  Aniouio  Diniz  da  C./.  .,  .....>.  <  ^..çao  do  1804:  cit.  a 

pagina. 
J.  .'Woreira,  I':sl. —Estudos  da  língua  portugiat^u    <it.  a  parte  e  a  pagina. 
Jorge  Ferreira  de  Vasconcellos:  Eufrosina,  od.  de  1786. 
José  Agost.=José  Agostinho  de  Macedo. 
L.  de  Vasconc.=Dr.  Leite  de  Vasconcellos: 

Tíj:I.  ur<lt.-—Ti.rlii.^  <iflh;r ',- :  cit.  a  pagina; 

Pocs.    amor,^^  Poc-sia    amorosa    do   povo    porlngn':z:    cit.    a    pa- 
gina. 
Lang==nenry  It.  Lang,  DusLirnri^^trii  ii,s^  h'",iiri-^  Ih,,'.--  m,,  ['crhifjn!: 

cit.  a  pagina. 
Leal  Conselh,=^4).  Duarte,  Leal  Consdluiro:  .ií,  a  i)airina  da  cdioão 

francesa. 
Lenda  de  BarIaão=7Vx/;  ',//;•;  (i^t  Lnfl-i  '/•/<  .-■mtos  Barlaão . .  pov 

Cr.  de  Vasconcellos  Abreu:  cit.  a  pagina. 
Lendas  da  índia,  de  Gaspar  Correia. 
Livro  de  J.  Ar.  =  Luto  de  Joseph  de  Arimatia,  publicado  na  fícvislít 

Lusitana,  tomo  11.°:  cita-se  a  pagina. 
Lobo  ==  Francisco  Kodrigues  Lobo: 

Carie  na  ald(ea); 

Pastor  peregrino. 
L5fst,   Komm.  =  Philologisehcr  Komttv-  -  "    •  grinatio  .!• 

de  E.  Lofstedt:  cita-se  a  pagina. 
\MS.=Lusiadas  de  Luis  de  CaniTiis:  cit.  da  edição  de  Epiphanio 

Dias  o  canto  e  a  estancia  o  ás  v-zçs  o  vcr.-o. 
Lusít.  transf.  =  Lf<,si7oíiia  tran^fonim'!'!  do  I\'rnão  Alvares  do  Orien- 
te: cit.  o  folio. 
M.  Bernardes,  Pão  prtrtido^yianoel  Bernardes,  Pam  patlido  cm  pc- 
'  ,1.   le  !757.-  cita-se  a  parte  e  o  paragrapho. 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  XI 


Magalhães,  Hisíoria  =  Veáro  de  Magalhães,  Historia  da  provinda  de 
SJa  Cruz:  cit.  o  folio. 

Mal.  Coi\q,  =  Malaca  Conquistada  de  Francisco  de  Sá  de  Meneses. 

Man.   d'tpicteío  =  AfaHí<ai  dEpidefo,  traduccão  de  Fr.  Ant.  de  Sousa. 

Mello  =  Francisco  Manoel  de  31ello,  Carta  de  guia  de  casados. 

Memorial  das  Proesas  (da  Tavola  Redonda).  Vid.  «Vasconcellos>. 

Mendes  Pinto  =  Fernão  Mendes  Pinto,  Peregrinação :  cita-se  o 
folio. 

Mil.  de  S.to  Ant.  =^  Cousas  notáveis  e  Milagres  de  Santo  António  de  Lis- 
boa, textos  antigos  portugueses  publicados  por  José  Joaquim 
Nunes:  cita-se  o  capitulo. 

Miranda  =  Francisco  de  Sá  de  Miranda:  cita-se  a  pagina  da  edição 
(das  Obras  completas)  de  D.  Carolina  Michaelis  de  Vasconcel- 
los,  quando  não  se  diga  outra  coisa. 

Monteiro  Mascarenhas,  Epanaphoras  indicas. 

Orta  =  Vid.  «G.  de  Orta>. 

Passos  =  Soares  de  Passos,  Poesias:  cit.  a  pagina. 

Prestes  =  Antonio  Prestes,  Autqs:  cit.  a  pagina  da  edição  de  Tito 
de  Xoronha. 

Prov.  =  provérbio  (contido  na  obra  < Adágios,  Provérbios.,  recopi- 
lados por  ordem  alfabética  por  F.  [François]  R.  [Rolland] 
I.  [Impressor]  L.  [Livreiro]  E.  [em]  L.  [Lisboa]».  Ediç.  de  18-41. 

Queirós  =  Fernão  de  Queirós,  Vida  do  venerável  irmão  Pedro  de  Basto. 

Quita  =  Domingos  dos  Reis  Quita  {Obras  de):  cit.  o  volume  o  a 
pagina  da  3.a  edição. 

R.  da  Silva  =  Rebello  da  Silva,  Mocidade  de  D.  João  V:  cit.  o  tomo  e 
a  pagina. 

Rev.  Lus.  =  Revista  Lusitana  do  Dr.  Leite  de  Vasconcellos:  cit.  o 
tomo  e  a  pagina. 

Romanceiro  Geral  colligido  pelo  Dr.  Teophilo  Braga:  cit.  a  pagina. 

Roteiro  de  D.  João  de  Castro. 

Toscano  =  Francisco  Soares  Toscano,  Paralellos:  cita-se  o  capitulo. 

Tempo  d'agora  =  0  Tempo  d' agora,  em  diálogos,  de  Martin  Affonso 
de  Miranda. 

Th.  Rib.o=Thomás  Ribeiro,  D.  .Jayme:  cit.  a  pagina  da  10.^  edição. 

Ulyss.  =  r/yssea  de  Gabriel  Pereira  de  Castro:  cit.  o  canto  e  a  es- 
tancia. 

V.  Bemf.  =  T7r/Hosa  Bemfeitoria  do  Infante  D.  Pedro,  Porto  1910: 
cit.  a  pagina. 


XII  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


Vasconc,  Memorial  ==  Jorgo  Ferreira  de  Vasconcellos,  Memorial  da 
segunda  Tavola  redonda.  Edição  de  1567:  cit.  o  folio. 

Vat,  =  Cancioneiro  da  Valicana  publicado  por  E.  Monaci:  cit.  o  nu- 
mero da  poesia. 

Vieira heP.*^  António  Vieira,  Sermões:  cit.  a  parte  e  a  pagina;  algu- 
mas vezes  o  titulo  do  sermão. 

Vis.  de  Tundalo  =  risão  de  Tundalo,  publicada  na  Revisla  Lusiiana, 
tomo  3.". 

ViiIg.  =  T'"/írcí/«. 


PARTE  I 
Da  ligação  das  palavras  na  oração 

SECÇÃO  I 

Da  composição  da  oração;  concordância  do  predicado 
com  o  sujeito 

CAPITULO  I 
Composição  da  oração 

§  1.     O  sujeito  é: 

um  substantivo  (ou  vários  substantivos  coordenados). 

Pobreza  não  é  vileza  (Prov.). 

ou  um  equivalente  do  substantivo,  a  saber: 

1)  um  pronome:  Quem  arreda  o  azo,  arreda  o  pec- 
cado  (Prov.) 

2)  um  nome  numeral:  Três  é  numero  primo. 

3)  um  adjectivo  (ou  participio)  substantivado:  Pelos 
fnáos  perdem  os  bons  (Prov.).  Também  os  ameaçados  co- 
mem pão  (Prov.). 

4)  um  infinitivo:  Tarde  dar  e  negar  estão  a  par 
(Prov.). 

5)  uma  palavra  invariável  tomada  em  accepção  sub- 
stantiva : 

O  seu  si.  sempre  é  fermoso  \  Quando  se  ouve  e  se  lhe  crê, 
Mas  é  mais  que  o  não  danoso  |  Quando  o  não  nele  se  vê. 

(Caminha,  346). 


SVNTAXB  HI8T0KICA    FOKTUGUKSA 


6)  uma  palavra  tomada  materialmente:  mas  é  utna 
conjuncção. 

7)  uma  oração:  6  pouco  crivei  que  as  tradições  dos 
godos  admiitissem  a  pena  de  morte  (Herc,  Op.  v,  283). 

§  2.     a)  O  predicado  ó: 

1)  um  verbo  de  sentido  definido:  A  licença  mata  a 
liberdade  (Herc.  Op.  i,  45). 

2)  ou  um  verbo  de  sentido  indefinido  e  um  nomo 
predicativo:  A  mocidade  é  amiga  de  novidades  (Herc. 
Op.  II,  255).  O  sono  he  morte  em  vida  (Vieira  i,  1116). 

Obs.  Sobre  os  verbos  que  siio  determinados  por 
outro  verbo  no  infinitivo  (v.  g.  poder  fazer  uma  coisa) 
vid.  §  284. 

b)  Tem  nome  predicativo: 

1)  o  verbo  ser  e  os  verbos:  parecer,  (arch.)  seme- 
lhar, estar,  (arch.)  jazer^ andar,  ficar,  sair,  continuar,  pe>i- 
severar,  (arch.)  tornar  [  — tornar-se]. 

O  absolutismo  nada  mais  é  do  que  a  tutela  publiea 
na  sua  manifestação  extrema.  (Herc,  Op.  IV 116).  Aquel- 
le  espantoso  dom  Vasco  da  Oama  conde  Almirante  nam 
fez  elle  cousas,  em  cuja  comparaçam  as  grandezas  anti- 
guas  parecem  pouquidades  ?  (H.  P.,  /  458).  Ter  inimigos 
parece  hum  género  de  desgraça;  mas  não  os  ter,  he  indi- 
cio certo  de  outra  muito  maior.  (Vieira,  Serm.  da  1."  s.  f.** 
da  Q.'*)  Ás  doutrinas  positivas  [das  cscholas  socialistas] 
parecem-me  longos  rosários  de  despropósitos  (Herc,  Op. 
II  139).  e  de  pran  semelha  mays  morta  ca  vyva  (J.  Soa- 
res Coelho,  Vat.  1017).  A  emphyleuse  está  radicada  nas 
tradições  e  nos  hábitos  do  nosso  paiz  (Herc,  Op.  IV  248). 
diz  Séneca  em  a  quarta  tragedia  que  tall  casamento  he 
muylo  penoso,  en  que  a  própria  molher  jaz  avorrecida 
(Virl.  B.  227).     o  cavalleiro  negro  não  tardara  a  appa- 


8YNTAXB   HISTÓRICA    PORTUGUESA 


recer  onde  mais  accesa  andava  a  briga  (Herc,  Eur.  118). 
o  escudo ...  no  qual  todos  os  que  punham  fitos  os  olhos, 
ficavam  pedras  (H.  P.,  /,  276).  Sahio  vencedor  Miguel, 
ficou  vencido  Lúcifer  (Vieira,  Serm.  de  S.^'*  Cath.^).  No 
começo  um  erro  leve  \  Adiante  sai  pesado  ("Mfranda,  387) 
Duas  vezes  foi  este  mesmo  ouro  ao  fogo,  da  primeira  coh- 
servou-se,  e  sahio  idolo,  da  segunda  consumio-se,  e  fic^u 
cinza  (Ant.  de  Sá,  Sermão  de  Cinza,  23).  \  Estes  remédios 
sahirão  inefficazes  (Vieira,  Serm.  de  S.^°  Ant.°).  o  cavallo 
emgrossa  mais  e  torna  mais  manso  (Gir.,  Alveit.,  15)  (e  em 
vários  outros  logares).  a  madre  [de  ChristoJ  ficou  e  per- 
severou sempre  virgem  (Corte  Imp.,  168). 

Obs.  Resultar  com  n.  predicativo,  v.  g.:  O  esforço  re- 
sultou inútil,  não  6  português. 

2)  a  passiva  dos  verbos  transitivos  que  tem  n.  pre- 
dicativo do  compl.  directo  (v.  §  29):  os  casamentos  feitos 
sem  as  solemnidades  da  igreja  eram  reputados  válidos 
(Herc.  Cas.  civ.  21). 

Ohs.  1  O  n.  predicativo  junta-se  aos  infinitos  e  aos 
participios  de  todos  estes  verbos,  ainda  quando  não 
tem  sujeito  próprio: 

Como  é  bom  ser  feliz!  (Herc,  Eur.,  294).  vês  os  meus 
olhos  feytos  fontes  (Bern.,  Ed.,  VI,  19). 

Obs  2  O  n.  predicativo  pode  ser  substituído  por 
expressões  qualificativas  equivalentes  (§51):  Mas  os  que 
expiraram  não  ficarão  sem  vingança  (Herc.,  Eur.,  224). 

Obs.  3  Em  certos  casos  os  verbos  enumerados  em 
1)  empregam-se  como  verbos  de  significação  definida, 
conseguintcmente  sem  n.  predicativo. 

Madv.  §  209. 


8VNTAXK   lUSTOKlCA    rOUTL'<iUK.SA 


§  3.  a)  As  orações  impcssoaes  —  em  sentido  es- 
tricto  (')  formam-sc: 

1)  Com  os  verbos  que  no  sentido  próprio  designam 
phenomenos  meteorológicos  ou  phcnomcnos  devidos  a 
factos  astronómicos:  chovei;  gear,  nevar,  orvalhar,  etc, 
alvorecer,  amanhecer,  escurecer,  anoitecer,  etc, :  |  Rara- 
mente cliove  naquoUa  ilha  [de  Ormuz];  somente  do  noite 
orvalha  (Godinho,  Relação  67). 

Madv.  55  U;G. 

I']stes  verbos  também  se  empregam  pessoalmente 
em  sentido  ti'anslato:  Chovido  tormenles  nos  warlyres 
(Coita,   194). 

É  corrente  um  emprego  de  chover  com  o  sujeito 
agoa  (no  sentido  de  chuva): 

Chovia  agoa  meuda  \  Por  cima  da  verde  folha  (Chr. 
F.  53).  Na  boca  das  mulheres  o  segredo  he  como  a  agua, 
que  chove  nos  telhados;  passa  de  telha  em  telha  ateque 
finalmente  cahindo  no  chão,  por  toda  a  parte  se  derranta 
(Blut.  \oc.  em  <  segredo»). 

Em  latim:  saxa  plnunt  (Estacio,  Tlieb.  8,  417). 

2)  Com  fazer  acompanhado  de  um  compl.  directo, 
significando  assim: 

a)  phenomenos  atmosphericos  ou  phenomenos  de- 
vidos a  factos  astronómicos:  fazer  calor,  frio,   trovões, 


(')  j.iii  .-Muii.ui  i.i.u  í.iii..-:!!  ^iii  ii,ii>cy.-uao3  as  oraç3cs  cuju  iinciu-.ulo  so  ro- 
fero  a  uma  oraç3o  que  faz  as  vezos  do  sujeito  (v.  g.  Imjjorlaqne  isto  se  faça  dcpresna}, 
por  isso  quo  uma  ojaçSo  n3o  é  propriamcato  uma  pessoa  Jtrammatical.  Apesar  do  quo 
«Iguem  tom  diclo  cm  contrario,  continm  a  julgar  a  cxprosstto  «verbo  impessoal»  mais 
característica  do  que  «verbo  unipessoal». 


SYNTAXB  lUSTOlUCA   POUTUGUESA 


vento,  etc;  soL  luar,  etc;  como  fizesse  escuro  (Castanh. 
I,  46). 

Nnnquant  fecil  tale  frigtts:  Nunquam  fecit  tales  cestas 
(S.  Agost.  Scrm.  25,  3,  ed.  de  Veneza  de  1772). 

b)  que  é  decorrido  tanto  tempo  depois  que  uma 
cousa  aconteceu  ou  desde  que  ella  acontece:  fciz  seis 
meses  que  clle  morreu,  que  não  o  vejo. 

Faz  annos. . .  c/tie. . .  (Cast.  Fast.  2,  147). 

3)  com  fazer  mister: 

F.     e  assentai-vos  pêra  alli. 

J.    Não  faz  mester,  de  pé  sou.  (Prestes,  140}. 

4)  com  haver  acompanhado  de  compl.  directo,  signi- 
ficando assim,  no  seu  conjuncto,  a  existência  de  uma  pes- 
soa ou  cousa: 

não  ha  nesta  vida  contentamento,  que  perm,aneça 
(H.  P.  //,  464).  Sem  paixões  violentas  e  exclusivas,  não 
ha  as  energias  que  assombram  (Herc,  Op.  T,  6j. 

lista  construcçuo  ascende  ao  latim  da  decadência: 
Habcbat  autem  de  co  loco  ad  montem  Dei  fm-sitan  quattuor 
millia  (Peregrinatio  Aeiherioí,  1,  2;  v.  o  Lôfst.  Kamm,  pg, 
42  sg.). 

Obs.  Xo  port.  arcli.  mcdio,  juntava-sc  frequente- 
mente ao  verbo  haver  o  adverbio  i  ou  ai.  (No  port.  mo- 
derno só  se  faz  por  affectação  de  archaismo): 

quem  hí  ha  fam  acabado,  que  todo  perfeitamente  di- 
ga e  faça?  (Leal  Conselh.,  386),  na  casa,  onde  ha  hi 
purgas  e  cousas  de  botica  (H.  P.  /,  155j.  Conta  Solino 
que  ha  hi  Juia  fonte  no  Epiro,  onde  se  metem  hua  tocha 
apagada,  saij  accesa  (H.  P.  /,  447. 

5)  Com  acontecer,  succeder  e  synonymos,  acompa- 
nhados de  uma  expressão  adverbial: 


8YNTAXB  HISTÓRICA    PORTUGUESA 


Mas  não  lhe  succedeo  como  cuidava  (Lus.  T,  44,  8). 
Não  succedeu  assim  (Herc.  Op.  Til,  9). 

iVoJi  farfiDii  esl  pi  siciU  CogUahal  (Vulg.  Mach.,  i  6,  8). 

6)  Com  ser  em  certas  ligações: 

a)  Com  expressões  de  modo: 

E  foi  ao  revcz  (contra  factum  est)  (Ceita,  160).  De 
modo  que  passeando  de  vossa  casa  a  fazer  oração  nesta 
Igreja,  he  como  se  fosseis  a  Compostella  (Vieira,  //,  229). 
Nos  fins  do  Sectdo  XV  não  era,  porém,  assim  (Herc.,  Op. 
Ill,  171). 

Km  latim:  ita  est,  sic  esl. 

b)  com  designações  de  tempo  e  lugar: 

Quando  foi  ao  despedir-se  da  moça  (Ceita,  112).  Era 
por  uma  destas  noites  vagarosas  do  inverno  (Herc,  Eur., 
24).  Era  ao  anoitecer  de  um  dia  de  novembro  (Herc,  Eur., 
133). 

Cf.:  Cttm  ad  solis  occasum  cssel.  (Anel.  Bclli  Afric.  70, í). 

c)  com  n.  predicativo  que  signifique  tempo: 

Era  a  hora  em  que  o  homem  está  recolhido  nas  suas 
mesquinhas  moradas  (Herc,  Enr.,  25j. 

d)  na  combinação  é  que. 

7)  com  estar  nas  locuções  está  bem,  bem  está: 
'    Está  muito  bem  assi  (Prestes,  323). 

Em  latim:  bcne  est. 

8)  com  ir  acompaniiado: 

a)  de  um  adverbio,  exprimindo-se  como  correm  as 
cousas  a  alguém: 


SYNTAXE   nrSTOIlICA   i>OKTIIGUES\ 


Cada  um  diz  da  feira  como  lhe  vae  nella  (Prov.). 
el  rey  de  Cochim  lhe  mandou  perguntar  como  lhe  ya  e  cms 
seus  (Castanh.,  /,  74)  como  vos  vay  com  vosso  amo? 
(Chiado,  Prat,  87). 

Substitue  o  latim  esse:  Ntimquam  iam  male  est  Sículis 
qiiin  aliquid  facete  el  commode  dicant.  (Cie.  Vers.,  2,  4,  43). 

b)  das  preposições  em,  para,  exprimindo-se  quanto 
tempo  vae  fazer  que  uma  cousa  acontece  ou  acon- 
teceu : 

vay  em  dous  annos  que  partimos  delias  (Vasconc, 
Meinorial,  75)  vay  em  quatro  meses  no  mais  [=nõ  mais] 
(Chiado,  Regai.,  98  v.j. 

9)  Com  vir  acompanhado  da  prep.  por  ou  a,  expri- 
mindo o  tempo  em  que  uma  cousa  acontece  (E  sintaxe 
pouco  vulgar): 

E,  quando  veo  aos  sete  dias  (Livro  de  José  d'Arim., 
233).  quando  veyo  á  tarde  ordenou-se  hfm  formosa  pro- 
cissão (Sousa,  V.  do  Are,  I,  204).  N'esse  mesmo  dia, 
qtmndo  veio  pela  tarde,  (Cast.,  Q.  Hist.,  2,  107). 

10)  Com  passar  cie; 

Era  principio  de  Agosto  deste  anno  de  663  e  passava 
de  hum  anno  e  meyo  que  o  Concilio  durava,  (Sousa,  V.  do 
Are,  I,  267j. 

11)  Com  a  loc.  de  estilo  litterario  «feito  e  de»,  signi- 
ficando-se  que  uma  cousa  está  perdida: 

Feito  era  talvez  para  sempre,  dos  alterosos  fados  nas- 
centes d'esta  Monarchia,  se  dos  Ceos  lhe  não  assistira 
umu  Providencia,  e  na  terra  um  D.  Egas  (Cast.,  Q.  Hist., 
I,  104). 

É  loc.  que  traduz  o  latim:  Adum  est  de  aliqua  re: 
Si  prorogatur,  adum  est  (Cie,  ad  AU.,  5,  15,  1). 


SYNTAXE  IIISTOUICA   POKTUOUESA 


12)  Com  a  conjug.  reflexa  empregada  como  passiva: 
sobe-se  (v.  §  136,  b). 

13)  Com  tocar  e  tanger:  Já  tocou  a  recolher:  tan- 
ger a  capitulo. 

14)  Com  cheirar  e  synon. : 

não  cheira  aqui  bem  (Prestes,  3Í0). 

15)  Com  doer,  comer  (fallando  do  prurido):  Onde 
lhe  dóe?  Onde  lhe  come? 

Mihi  dolehil,  non  libi,  siquid  ego  slulte  foccro  (Plaut,, 
Men.,  u  3,  84). 

16)  Com  pesar  (a  alguém  de  algo): 
Pesa-me  a  mi  muito  d' isso  (Prestes,  139J. 

Substituiu  o  latim:  pfPtiUd  aliqttem  alicujus  rei. 

17)  Com  lembrar  (a  alguém  de  v.  g.:  ter  ouvido  isto) 
(Construcçào  da  ling.  familiar). 

Sem  te  lembrar  ao  menos  do  teu  gçído  (Quita,  /,  8õ). 

Também  em  latim  se  diz:  mihi  inmruleni  vcnire  illiiis 
lemporis  (Cie,  ad  fam.,  7,  ÍJ). 

18)  Com  dar-se  na  loc.  não  se  me  dá : 

Mas  o  pior  de  tudo  he  que  a  ventura  j  3'ão  aspemos 
os  fez  e  tão  austeros  \  Tão  rtidos  e  de  engenho  tão  remis- 
so i  Que  a  muitos  lhe  dá  pouco  ou  nada  d' isso  (Lus.,  F. 
98).  dá-se-lhes  [aos  filhos]  de  vós  em  fechmxln  os  olhos? 
(Man.  Bernardes,  Pão  partido,  II,  §  7). 

19)  No  port.  arch.  com  prazer,  desprazer  (a  alguém 
de  algo): 

Praz-mh  a  mi,  senhor,  de  morrer  (D.  Dinis,  Vat.,  80). 
sey  que  vos  praz  de  meu  ben  (Martim  de  Caldas,  Vat., 
800).    quãdo  souberon  como  Hercolles  era  viindo  em  Es- 


SYNTAXE  HISTÓRICA  POHTUGUESA 


panha,  prougiie-lhes  ende  muyio  (Esloria  Geral.,  apud.  L. 
de  Vasconc.  Text.  Arck.,  46).  E  o  rroussinol  víq  matar  o 
gaviam,  e  prouve-lhe  tVello  muyio,  (FabuL,  fab.,  31).  des- 
praz-me  de  tanta  vida  (Diogo  Fogaça,  Canc.  Ger.,  7,  483,  26). 

Obs.  Não  foi  incluído  o  verbo  archaico  caler,  em- 
pregado V.  g.  por  D.  Diiiis  (nom  m'en  cal;  Vat,  80)  por- 
que, segundo  o  melhor  parecer,  é  um  provençalismo. 

§  4.  O  infinitivo  e  o  participio  em  —  ndo  de  um 
verbo  impessoal,  combinados  com  um  verbo  pessoal,  tor- 
nam este  impessoal,  v.  g, :  pode  haver  casos;  vae  havendo 
descuidos : 

Em  estes  montes  deve  aver  pedras  e  seixos  (Gir.,  Alveit., 
7).  pode  aver  descuidos  (Sousa,  T^.  do  Are,  I,  293).  Que- 
ria anoitecer  (Cast.,  Fast.,  II,  Í4íj. 

Observação  aos  §§  3.^  e  4".  Na  conversação  descu- 
rada não  se  extranha  dar  aos  verbos  impessoaes  por 
sujeito  grammatical  o  pronome  elle  ou  os  pronomes: 
isto,  isso,  aqiiiUo: 

E  porque  isto  he  noite  rccolhamo-nos  para  o  lugar 
(H.  P.  7,  406)    Isto  são  dez  Jioras  já  (Prestes,  125j. 

Não  que  elle  ha  marotos  muito  grandes  na  tropa! 
(Camillo,  Corja,  24.) 

§  5.  Os  verbos  na  3."^  pess.  do  plural,  podem  empre- 
gar-se  sem  sujeito,  significando-se  d'este  modo  que,  con- 
quanto a  acção  se  conceba  referida  a  uma  pessoa  ou  pes- 
soas determinadas,  todavia  nào  podemos,  ou  não  quere- 
mos nomeá-las: 

Moço,  d  porta  batem,  vê  \  d^essa  janella  quem  é  (Pres- 
tes, 299). 

T5  ampliação  d'uma  praxe  que,  mais  restricta,  exis- 
tia em  latim  (Madv.  §  211,  obs.  2). 


10  «YNTAXB   HISTÓRICA   rOKTUQtfKSA 


§  6.  A  lingoagem  i)opular,  e  ás  vezes  a  própria 
litteratura  arch.  media  empregam  diz  que  com  o  sentido 
de  dizem  que,  diz-se  que: 

Diz  que  as  Parcas  senhoras  são  das  vidas  (Cami- 
nha, 136).  Diz  que  muitas  léguas  ao  lartjo  de  Ceylão  já 
o  gajeiro. . .  percebe  na  fragrância  das  virações  tépidas 
as  selvas  de  cavelleiras  da  ilha  (Cast.,  Chave,  39).  Diz 
que  ha  na,  nossa  gente,  no  exercito  do  nosso  rei,  uns  se- 
nhores. . .  mas  são  muitos  que  se  chama  a  Ala  dos  Na- 
morados e  outros  da  Madresilva  (Garrett,  Alfageme,  87). 

No  latim  da  decadência  occorre  também  dicil,  dical, 
ctc,  em  vez  de  didlur,  etc.;  v.  Lõfst.  A'omm.  pg.  319  esg. 

C.  Giambelli  no  commentario  ao  de  fiuibus  de  Cí- 
cero, pg.  139,  escrevo:  «  qui  in  Firenzo  usa  il  popolo: 
d  ice:  invece  di :  si  dice,  dicono,  etc.  ' 

§  7.  Para  designar  um  sujeito  pessoal  indefinido, 
servia  no  port.  arch.  médio  o  suljstantivo  homem,  cor- 
respondente ao  que  a  grammatica  francesa  costuma  cha- 
mar o  pron.  indefinido  ov: 

E  pode  homem  hyr  de  Santarém  a  Beia  [Beja]  en 
quatro  dias  (Estoria  Geral.,  ap.  L.  de  Vasconc,  Text.  Arch., 
49).  Mas  o  alto  Dios,  que  pêra  longe  guarda  |  O  castigo 
d'aquelle  que  o  merece,  \  Ou,  pêra  que  se  emende,  ás  ve- 
zes tarda  \  Ou  por  segredos  que  homem  não  conhece  (Lus., 
III,  69).     quanto  homem  vive  vê  mais  (Prestes,  32). 

No  port.  moderno  tal  emprego  é  devido  a  reminis- 
cências litterarias. 

Obs.  Deve  notar-so  que  oata  construcção  só  se  em- 
prega em  phrases  do  sentido  geral;  niio  parece  ter-se 
jamais  dicto :  'homem  bate  á  porta*  omquanto  em  francos 
se  diz:  *on  frappe  á  la  porte». 


SYNTAXE  HISTÓRICA  POKTDGUESA        '  11 


CAPITULO  II 

Concordância  do  predicado  com  o  sujeito 

A.     Concordância  do  verbo 

§  8.  Quando  o  sujeito  é  simples,  o  verbo  do  pre- 
dicado vae  para  o  numero  e  pessoa  a  que  pertence  o  su- 
jeito: 

A  memoria  de  João  U  é  odiosa  (Herc,  Op.  III,  166). 
Nesta  hora  não  fora  eu;  foras  tu  quem  deveria  perecer 
(Herc,  Eur.,  201  j.  Todas  as  classes  sodaes,  cujos  interes- 
ses, mais  ou  menos  legitimos,  são  feridos  por  qualquer  opi- 
nião, acham  sempre  essa  opinião  perniciosa  e  dissolvente 
(Herc,  Op.  IV,  228). 

§  9.  a)  Havendo  mais  de  ura  sujeito,  se  um  d'elles 
é  da  í.^  pess.,  o  verbo  vae  para  a  l.*^  pess.  do  plural, 
quando  ó  posposto  aos  sujeitos;  pode  concordar  com  o 
primeiro,  quando  vae  antes  d'elles: 

nê  eu  n?  vós  devemos  de  temer  (Diego  AíT.,  92)  Eu, 
e  o  Francês  fomos  mais  devagar  (Godinho,  81)  Padecemos 
vós  y  eu  (G.  de  Kès.,  Canc.  Ger.,  III,  75,  11)  estávamos 
vós  e  eu  ambos  presos  (Bern.  Ribeiro,  Men.,  7)  num  mes- 
mo tempo  fomos  ambos  elle  salvo  e  eu  perdido  (H.  P.  /, 
285,  V.). 

b)  Se  um  dos  sujeitos  é  da  2.'^  pess.  e  não  ha  ne- 
nhum da  l."*,  o  verbo  vae  para  a  2.''  pess.  do  plural, 
quando  é  posposto  aos  sujeitos;  pode  concordar  com  o 
primeiro,  quando  vae  antes  d'enes: 

Ella  vil  e  tu  vil,  sanctos  sublimes  \  Sereis  ante  meu 
Pae,  (Herc,  Pões.,  133).  Se  são  embusteiros  os  que  nos 
guião  para  a  vida  eteitia,  que  serás  tu,   e  os  teus,  que 


12  SYNTAXB  HISTOUICA    1'0HTUGUE8A 


meteis  a  pique  as  almas  no  inferno?  (Man.  Hernardes. 
Flor.,  IJ,  77,  ap.  Barreto,  189). 

No  sul  (lo  país  não  se  costuma  empregar  na  pratica 
familiar  a  'i."  pessoal  do  plural  mas  a  3.'*,  por  isso  que 
substituímos  o  pronome  vós  pela  palavra  vocês  (v.  §  187). 

c)  Se  os  sujeitos  são  todos  da  3."  pess.,  o  verbo  vae 
para  a  S.**  pessoa : 

1)  Se  são  todos  do  plural,  o  verbo  vae  para  o  plural. 

Os  brandões  já  gastos  e  os  candieiros  mmiiços  derra- 
mavam nma  claridade  suave  pelo  aposento.  (Herc,  Eur., 
195). 

2)  Se  todos  são  do  singular,  e  estào  antes  do  verbo, 
o  verbo  vae  geralmente  (sobretudo  no  port.  moderno) 
para  o  plural;  se  estão  depois  do  verbo,  cmprega-so 
tanto  o  singular  como  o  plural: 

A  ira  c  a  soberba  estragão  as  viiludes  {H.  P.  7,  198 
e  v.).  A  ignorância  e  rudeza  não  excluem  a  faculdade 
du  imaginação  (Herc,  Op.  IV.  137j.  Uma  e  ordra-  cousa 
duraram  apenas  rápidos  instantes  (Herc,  Eur.,  218).  Nin- 
guém sabia  dizer  quando,  de  que  modo  ou  para  onde 
tinham  um  e  outro  partido  (Herc,  Monge,  2.  275).  Tanto 
o  bispo  conu)  o  parodio  podem  encarregar  outro  sacerdote 
de  intervir  na  celebração  do  mulrimonio  (Herc  Cas.  Civ., 
167).  O  urso  fcrocif:simo,  o  javali  indomável,  a  leve  corça 
abasteciam  a  grosseira  mesa  desse.s  godos,  a  cpiem  a  des- 
graça e  a  vida  dura  das  solidões  fizera  mais  feros,  mais 
indomáveis  e  mais  ligeiros  do  que  elles  (Herc,  Eur.,  166). 
Isto  nos  contaram  assi  aquelle  peregrino  como  a  dona 
honrrada  (Diego  AÍT.).  frasbordam-lhe  o  tarro  o  a  eira 
(('ast.,  Outono,  II,  69).  E  que  me  importam  a  mim  esse 
adio  impotente,  essa  lingoagcm  vergonhosa  ?  (Herc,  Op. 
III,  68).  E  é  bello  esse  mundo  de  phantasmas  aéreos  por 
entre  cujos  lábios  descorados  não  transpiram  nem  petju- 


SYNTAXE  lUSTORlCA   TORTUGUESA  13 


rio  nem  dobrei  (Herc,  Em.,  39).  É  necessário  esforço  e 
vigilância  (Herc,  Eiu\,  70).  EUe  folga  e  ri  assentado  no 
throno  que  lhe  deii  a  iraição  e  o  j)erjurio  (Herc,  Eur.,  68). 

3)  se  são  de  números  differentes,  o  verbo  vae,  em 
regra,  para  o  plural.  Quando,  porém,  os  sujeitos  estào 
depois  do  verbo,  emprega-se  perfeitamente  o  singular, 
caso  o  primeiro  sujeito  seja  do  singular: 

Os  ódios  civis,  as  ambições,  a  ousadia  dos  bandos  e 
a  corrupção  dos  costumes  haviam  feito  incriveis  progressos. 
(Herc,  Eur.,  21).  Nas  solidões  do  Calpe  tinha  reboado  a 
desastrada  morte  de  Wiliza,  a  enihronisação  violenta  de 
Ruderico  e  as  conspirações  que  ameaçavam  rebentar  por 
toda  a  parle  e  que  a  milito  custo  o  novo  monarcha.  ia 
affogando  em  sangiie  (Herc,  Eur.,  21). 

Madv.  §  212  o  213. 

§  10.    Particularidades  da  Concordância  do  verbo. 

a)  O  emprego  do  verbo  no  singular,  depois  de  vá- 
rios nomes  de  coisas  (todos  ou  o  ultimo  d'elles  no  singu- 
lar) como  sujeitos,  tem  lugar: 

1)  quando  se  pretende  representar  os  sujeitos  como 
formando  um  todo  uno  (v.  g.  fallando  de  circumstancias 
que  operam  de  concerto  para  produzir  um  effeito): 

A  vozearia  e  estrépito  que  fazia  aquella  mtdíidão 
desordenada  assustou . . .  (Herc,  Lendas.  J,  105).  Em  tal 
sorriso  \  O  passado  e  o  fiduro  estava  impresso  (Herc,  Pões., 
211). 

2)  quando  se  quer  fazer  sobresair  o  ultimo  sujeito: 
Nem  um  pendão  mourisco,  nem  um  albornoz  branco 

alveja  ao  longe  (Herc,  Lendas.  II,  81). 

3)  quando  ha  hendiadys: 

Mas  ó  tu,  geração  d'aqnelle  insano  |  Cujo  peccado  e 


14  SYNTAXK  HISTOUICA  PORTUGUESA 


desobediência  \  Não  somente  do  reino  soberano  \  Te  pôs 
neste  desterro  e  triste  ausência- . . .  (Liis.  IV,  98). 

b)  Ciuando  antecedem  o  verbo  vários  sujeitos  (todos 
ou  o  ultimo  d'elles  do  singular)  ligados  por  ou  ou  nem, 
o  numero  para  que  vae  o  verbo,  deponde  de  razões 
subjectivas,  vendo  que  vae  para  o  plural,  se  quem  falia 
pretende  fazer  sobresair  a  ideia  da  pluralidade  dos  su- 
jeitos, a  que  se  refere  ou  pode  referir  o  predicado;  para 
o  singular  se  tem  em  vista  dar  realce  á  referencia  do 
predicado  a  cada  sujeito  em  separado: 

Qual  Austro  fero  ou  Boreas  na  espessura  |  De  silves- 
tre arvoredo  abastecida  \  Rompendo  os  ramos  vão  da 
mata  escura  \  Com  ímpeto  e  braveza  de^sniedida...  {Lus.  /, 
35).  O  negocio  em  que  vos  vay  a  vida,  ou  a  fazenda,  ou 
a  honra . . .  (Vieira,  //,  84).  Nem  a  fortuna  nem  a  vul- 
garidade se  atrevem,  contra  o  cuidado  {Brachyl.  77)  E 
com  tudo,  nem  David,  nem  Job . . .  iiverão  confiança  para . . . 
(Vieira,  /,  92)  Com  tudo  nem  elle,  nem  sua  mulher  ficha- 
rão contentes  (Vieira,  7,  218-9).  Nem  crocodilo  nem  áspide 
se  vio  mais  naquelta  comarca  [Mon.  Lus.  7,  97.  col.  3,  ap. 
BI.)  Mas  nem  a  lisonja,  nem  a  razão,  nem  o  exemplo, 
nem  a  esperança  bastava,  a  lhe  moderar  as  ânsias,  nem 
as  vozes  (Vieira,  I,  324).  A  7iullidade  ou  a  validade  do 
contracto  que  o  sacramento  sanctificava  eram  assumpto 
de  direito  civil  (Herc,  Cas.  Civ.,  128). 

Quando,  como  sujeitos,  se  coordenara  o  pron.  vós, 
e  outro  nome  do  plural  da  3.^  pess.,  o  verbo  indo  depois 
põe-se  normalmente  na  S.''  pess.  do  plural: 

pecados ...  de  que  nem  vós,  nem  outros  fazem  escrú- 
pulo (Vieira,  /,  503). 

Obs.    E'  obvio  quo  servindo  ou  do  exprimir  corre- 
cçiio,  o  verbo  ha-de  concordar  com  o  segundo  sujeito: 


SYNTAXK  HISTÓRICA  POKT0GUE8A  15 


Eurico  ou,  antes,  a  sua  sombra,  fugiu  do  lado  de 
Thcodemiro  (Herc,  Eur.,  60). 

c)  Quando  se  exprime  reciprocidade,  o  verbo  vae 
sempre  para  o  plural: 

olhos,  onde  luciavam  amor  profundo  e  cólera  violenta 
(Herc,  Eur.,  201). 

d)  Quando  o  n.  predicativo  é  do  plural,  o  verbo 
vae  para  o  plural: 

São  cousas  tão  differentes  e  e^tconiradas  amizade  e 
adulação,  que  nunca  se  amatisarajn,  nem  fezeram  parca- 
ria  (H.  P.  11,  316). 

Madv.  §  212  e  213. 
B.    Concordância  do  adjectivo  ou  participio  do  predicado 

§  11.  a)  Quando  o  sujeito  é  simples,  o  adjectivo  ou 
participio  do  predicado  vae  para  o  género  e  numero  do 
sujeito: 

.4  pretensão  á  infabilidade  é  sempre  ridicula  no  in- 
dividuo (Herc,  Op.  /,  5). 

b)  Quando  o  sujeito  ó  composto,  o  adjectivo  ou 
participio  do  predicado  vae  para  o  mesmo  numero  em 
que  está  o  verbo,  e 

1)  se  os  sujeitos  são  todos  do  mesmo  género,  o 
adjectivo  ou  participio  toma  o  género  dos  sujeitos: 

Esta  (noite)  e  as  que  se  lhe  seguiram  foram  seme- 
lhantes á  antecedente,  povoadas  de  visões  e  terrores  (Herc, 
Monge,  I,  56). 


Obs.    De  igual  modo,  v.  g.;  num  mesmo  tempo  fomos 
ambos  elle  salvo  e  eu  perdido  (H.  P.  I,  285). 


16  SYNTAXK  ;nSTORICA  P0UTD0UE8A 


2)  se  são  de  géneros  diversos,  o  adjectivo  ou  par- 
ticipio : 

1')  no  caso  do  se  empregar  o  singular,  vae  para  o 
género  do  sujeito  mais  próximo:  E'  necessário  esforço  e 
vigilância;  é  necessária  vigilância  e  esforço. 

1")    no  caso  de  se  empregar  o  plural, 

2')  tratando-se  de  seres  animados,  vae  para  o  mas- 
culino: 

O  esposo,  e  a  esposa  estavam  juntos  (Vieira,  1,  286). 

2")  tratando-se  de  seres  inanimados  ou  simultanea- 
mente de  seres  animados  e  inanimados, 

3)  se  os  sujeitos  estão  antes,  vae  para  o  masculino: 
E  ioda  esta  energia,  iodo  este  record-ar-se  da  rica  he- 
rança dir-se-hia  que  eram  suscitados . . .  (Herc.,  Eur.,  84). 
a  alma,  e  o  corpo  de  Jhezu  Christo  foram  ajuntados  em 
huu  e  hunydos  suslançialmente  (Corte  imp.,  21õ).  os  ca- 
saes  e  as  aldeãs,  os  burgos  e  as  cidades  serão  ceifados 
(Cast.,  Q.  HiM.,  4,  115). 

.  3")    se  estão  depois,  vae 

4')  no  port.  arch.  médio,  mais  frequentemente  para 
o  género  do  sujeito  mais  próximo: 

Antes  de  estarem  exploradas  as  mais  terras  e  mares 
do  sul  (Queirós,  11,  375,  ap.  Blut.).  serem  isentas  de  pa- 
gar tributo  as  pessoas,  e  bens  ecclesiasticos  (Vieira,  S.  de 
6'.'''  Ant."). 

4")  no  port.  moderno,  mais  frequentemente  para  o 
masculino : 

São-lhe  negros  noite,  e  dia  (Herc,  Pões.,  206). 

Madv.  §  214. 

§  12.  Quando  o  n.  predicativo  é  substantivo  que 
tem  formas  differentes,  segundo  os  géneros,  emprega  se 


SYNTAXB  HISTÓRICA  PORTUGUESA  17 


a  forma  correspondente  aos  género  dos  sujeitos  (v.  g.:  A 
Historia  é  mestra  da  vida),  a  não  ser  que  o  sentido  que 
se  queira  exprimir,  requeira  o  emprego  do  outro  género. 

Madv.  §  211  b,  ohs.  2. 
C.    Particularidades  da  concordância  do  predicado 

§  13  a)  Quando  um  sujeito  composto  é  resumido 
ou  generalizado  pelos  pronomes  ninguém  ou  nada,  tudo, 
o  predicado  concorda  com  estes  pronomes: 

Justiça,  gloria,  amor,  saudade,  tudo  |  Ao  pé  da  se- 
pultura, é  soyri  perdido  \  De  harpa  eólia  esquecida  em 
brenha  ou  selva  (Herc,  Pões.,  54). 

b)  Quando  um  sujeito  composto  é  seguido  de  cada 
um  ou  cada  qual,  como  appostos,  o  predicado,  indo  após 
estes  pronomes,  concorda  com  elles:  Pae  e  filho  cada  um 
seguia  por  seu  caminho. 

c)  Quando  vários  sujeitos  (da  3.»  pess.)  representam 
uma  só  pess.  ou  cousa  (da  qual  hajam,  ppr  assim  dizer, 
de  considera r-se  appostos),  o  predicado  concorda  com  o 
mais  próximo: 

Este  empregado  modesto,  este  homem  socialmente  obscU' 
ro  [Munoz  y  RomeroJ  é  todavia  um  dos  maiores  eruditos 
da  Hespanha  (Herc,  Op.  III,  238). 

d)  Qunndo  a  um  sujeito  composto  se  liga  um  pre- 
dicado tal,  que  não  pode  referir-se  senão  aos  sujeitos  no 
seu  conjunoto,  vae  o  predicado  necessariamente  para  o 
plural: 

Nos  próprios  tempos  bárbaros  dever  e  direito  são  in- 
separáveis; porque  as  duas  ideias  são  forçosamente  cor- 
relativas (Herc,  Op.  III,  306-7). 


18  6YNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


e)  Quando  o  predicado  se  intercala  entre  os  sujei- 
tos, só  se  attende,  na  concordância  do  predicado,  ao  su- 
jeito ou  sujeitos  que  estão  antes: 

um  hymno  pio  \  A  solidão  lhe  ensinará  e  a  noite 
(Herc,  Pões.,  134).  O  vento  gelado  \  Só  reine  e  as  pro- 
cellas  (Id.,  ibd.,  164). 

§  14  a)  Quando  o  sujeito  é  uma  expressão  de  trata- 
mento (v.  g.  Sua  Santidade),  o  predicado  concorda  com 
o  nome  próprio  da  pessoa  que  recebe  o  tratamento: 

Sua  Santidade  não  fora  servido  de  livrar  de  tamanha 
carga  a  quem  era  ião  pouco  pêra  ella  (Sousa,  V.  do  Are. 
I,  327). 

b)  De  igual  modo,  quando  o  sujeito  ó  o  pron.  vós, 
empregado  como  expressão  de  tratamento,  para  designar 
uma  só  pess.,  o  n.  predicativo  e  o  participio  do  predi- 
cado (como  também  o  apposto)  vão  para  o  singular: 

Sois  injusto  comigo  (Herc,  Monge  II,  34).  Vós  mes- 
mo haveis  de  alisar  essa  fronte  sempre  enrugada  e  som- 
bria (Herc,  Monge  II,  235). 

c)  A  mesma  regra  mandam  observar  alguns  gramá- 
ticos, quando  o  sujeito  é  o  pron.  nós,  empregado  em  vez 
de  eu  (v.  g.:  «antes  sejamos  breve  que  prolixo»);  tal  re- 
gra, que  não  se  funda  na  tradição  da  grammatica  latina, 
com  razão,  não  é  seguida  da  maior  parte  dos  escritores: 

E  nós  deste  dito  nom  somos  comtemte  (Fern.  Lopes, 
D.  João  I,  3).  Entre  o  desejo  de  alimentar  a  curiosidade 
do  leitor  e  o  receio  de  faltar  á  exacção  histórica,  hesitá- 
vamos perplexos  (Herc,  Monge,  2,  354). 

§  15.  Nas  expressões  abreviadas  constituídas  por 
um  adverbio  negativo  (v.  g.  não,  nunca)  e  senão  ou  mais 
(do)  que,  o  predicado  concorda,  por  attracção,  normal- 
mente com  as  palavras  ligadas  por  senão  ou  mais  (do) 
que : 


SYNTAXB   HISTÓRICA   PORTUGUESA  19 


Não  entrão  nelle  (porto)  senão  barcos  pequenos  (Bar- 
ros, II,  3,  8).  Neste  estado  de  tanto  aperto,  em  que  se 
não  ouvião  mais  que  clamores  ao  ceo,  chegou  Moyfés  ao 
Egypto  (Vieira,  XI,  523).  Ao  redor  de  toda  a  cidade  se 
não  vem  mais  que  sepulturas  de  Turcos  (Godinho,  161). 

§  16.  As  expressões  mais  de,  menos  de,  passante  de, 
cousa  de,  obra  de,  cerca  de,  antepostas  a  nomes  de  nu- 
mero, são  tidas  na  conta  de  advérbios,  e  porisso,  quando 
pertencem  para  um  sujeito,  é  com  este  que  o  predicado 
concorda : 

Mais  de  sete  séculos  são  passados  depois  que  tu,  oh 
Christo,  vieste  visitar  a  terra  (Herc,  Eur.,  34).  Logo  ao 
sábado  vierão  obra  de  duzentos  negros  (Castanh.,  1,  3). 
ao  outro  dia  vierão  obra  de  quinze  onde  estava  a  nossa 
frota  (Castanh.,  I,  2). 

Em  latim  ad  emprega-se  também  adverbialmente, 
antes  de  numeraes,  sem  influir  no  caso:  ad  duo  milia 
et  quingenti  vivi  capiuntur  (Tit.  Liv.,  iv,  59). 

§  17  a)  Quando  o  sujeito  é  palavra  substantiva  de 
significação  partitiva,  o  predicado  pode  concordar  com 
a  determinação  partitiva,  clara  ou  subentendida,  como  se 
esta  fosse  o  sujeito: 

os  Imigos  erão  muytos  em  demasia,  e  a  môr  parte 
delles  bem  armados  (Castanh.,  III,  56).  Ho  geral  das 
molheres  som  (z=são)  mui  opiniáticas  (Espelho  de  casados, 
7).  Os  amigos  de  António  parte  foram  mortos,  parte  des- 
baratados (H.  P.,  7,  281,  V.).  A  maior  parte  das  ruas 
doesta  cidade  (de  Baçorá)  são  navegáveis  por  esteiros  que 
manão  do  Eufrates  (Godinho,  92,  ap.  Blut.).  Uma  parte 
dos  cavalleiros  offerecer-lhes-hiam  débil  resistência  (Herc, 
Eur.,  273).    Seria  bem  triste  que  essa  porção  de  compa- 


20  SYNTAXK  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


tricios  meus . .  me  cressem  traidor  á  santa  causa  da  Pá- 
tria (Herc,  Op.  III,  64).  O  comum  dos  morgados  em 
Portuigal  foram  instituídos  em  terços,  de  que  os  institui- 
dores podiam  livremente  dispor  (Herc,  Op.  /F,  38).  Com 
a  cultura  racional  em  vez  de  tradicional^  metade  dos  ter- 
renos fundeiros  produziriam  o  dobro  ou  mais  (Horc,  Op. 
IV,  161-162).  Então  o  grosso  dos  cavalleiros . .  acom- 
mette-los-hiam  pelas  costas  (Herc,  Eur.,  272). 

Madv.  §  215. 

b)  Também  quando  o  sujeito  é  numero  ou  género 
ou  outro  substantivo  de  significação  semelhante,  acompa- 
nhado de  uma  determinação  do  género  da  3.*  pess.  do 
plural,  o  predicado  pode  concordar  com  esta  determina- 
ção, como  se  ella  fosse  o  sujeito: 

E  logo  aquella  ora  se  ajuntarom  de  ante  Santo  An- 
tónio tamanha  mullidom  de  pexes  grandes  e  pequenos 
(Mil.  de  S.^"  Ant.y  1).  Grande  numero  de  cavalleiros  cor- 
riam pelas  praças  (Herc,  Op.  7,  112).  Então  um  grande 
numero  de  crianças,  de  velhos  e  de  mulheres . .  atraves- 
sam por  meio  de  duas  fileiras  de  soldados  (Herc,  Eur., 
151).  As  prestações  agrarias  que  pagavam  esta  espécie 
de  colonos-servos . .  (Herc,  Op.  III,  302).  Neste  momento 
nma  grande  multidão  de  crianças,  de  velhos,  de  mulheres 
penetraram  na  caverna  (Herc,  Eur.,  300).  um  grande 
numero  de  velas  branquejavam  sobre  as  aguas  do  Estreito 
(Herc,  Eur.,  63). 

Madv.  §215. 

c)  Quando  o  sujeito  é  o  plural  de  um  pron.,  ou  pa- 
lavra adjectiva  de  significação  partitiva  (quaes,  quantos. 


1 


SYNTAXB  HISTOKICA  PORTUGUESA  21 


alguns,  nenhuns,  muitos,  poucos),  o  predicado  concorda 
com  a  determinação  partitiva  do  plural,  como  se  esta 
fosse  o  sujeito : 

Qiiaes  d' entre  vós . .  sois  neste  mundo  sós  e  não  tendes 
quem  na  morte  regue  com  lagrymas  a  terra  que  vos  cobrir? 
(Herc,  Eur.,  188). 

d)  Quando  o  sujeito  ó  que  de  —  equivalente  de  quan- 
to,  quanta,  quantos,  quantas,  o  predicado  concorda  com 
a  determinação  que  é  regida  da  prepos.  de: 

Que  de  corações  se  não  finavatn  com  saudade  (Cast., 
Q.  Hist.,  4,  60). 

e)  Ligar  um  predicado  do  plural  a  uma  simples  pa- 
lavra de  significação  collectiva,  que  não  tem,  clara  nem 
subentendida,  uma  determinação  partitiva  ou  de  género, 
é  irregularidade,  que  se  encontra,  por  exemplo,  em: 

Se  esta  gente  que  busca  outro  Hemispherio  \  Cuja  va- 
lia e  obras  tanto  amaste  j  Não  queres  qu£.  padeção  vitu- 
pério . .  (Lus.  I,  38). 

Semelhante  pratica  também  em  latim  era  irregula- 
ridade :  Madv.  §  215,  o,  obs. 

Ohs.  O  povo  liga  frequentemente  a  gente  com  o 
valor  de  nós  o  predicado  no  plural  da  1.»  pessoa. 

§  18.  Quando  a  um  sujeito  se  liga,  pela  prepos. 
com,  o  que  haveria  de  ser  segundo  sujeito,  a  concordân- 
cia do  predicado  pode  fazer-se,  como  se  realmente  o  su- 
jeito fosse  composto: 

Mas  ha-se  de  soffrer  que  o  fado  desse  \  A  tão  poucos 
tatnanho  esforço  e  arte,  \  Quem  co  grão  Macedónio  e  o 
Romano  \  Demos  logar  ao  nome  Lusitano?  (Lus.  I,  75). 
Constantino  de  Abreu  e  Lifna  com  sua  fatnitia  sahiram 
do  Porto  para  uma  quinta  nas  vizinhanças  de  Barcellos, 


22  SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA 


um  anno  depois  do  Iragico  festim  (Camillo,   Vingança, 
240,  ap.  Barreto,  202). 

Ipse  dux  cum  aliquot  prínãpibtts  capiuniur  (Tit.  Liv., 
21,  60.  Vid.  Madv.  §  215,  c). 

§  li).  Os  infinitivos,  as  orações  e  as  palavras  toma- 
das materialmente,  consideram-se  do  numero  singular  e 
do  género  masculino. 

§  20.  O  verbo  concorda  com  o  n.  predicativo  (do 
plural) : 

1)  Quando  algum  dos  pronomes:  is/o,  isso,  aquillo, 
tudo,  o  (que)  =- aquelle  (que),  ou  uma  expressão  de  sen- 
tido collectivo  (o  resto,  o  mais)  é  sujeito  dos  verbos  ser 
ou  parecer  : 

Como  tudo  nelle  [deserto]  sejão  planicies  a  perder  de 
vista  (Godinho,  115).  Que  sam  isto  senão  effeitos  dhum 
Deos,  que  he  amm-  ?  (H.  P.,  7,  71  v.).  Que  sam  isso  sena^n 
enganos  do  demónio?  (H.  P.,  I,  78).  O  que  ouço  são  con- 
tinuos  repiques  das  vossas  torres  (Vieira,  9,  35,  ap.  Blut.). 
Tudo  são  traças  do  mesmo  Aman,  para  que  a  execução 
da  morte  universal  dos  Hebreos  se  não  pudesse  revogar 
(Vieira,  »S.  de  S.  Estan.).  Isto  não  são  citações  fal^a^ 
(Herc,  Op.  III,  209). 

A  concordância  com  o  sujeito  é  rara. 

Em  latim  a  concordância  do  verbo  com  o  substan- 
tivo predicativo  tambom  so  dava,  quando  o  vorbo  ia 
logo  depois  d'este  substantivo,  v.  g. :  amantitim  irae  amo- 
ris  integratio  est;  v.  Madv.  §  216. 

2)  Quando  o  verbo  ser  está  na  accepção  de:  ser 
constituido  por: 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  23 


Minha  vida  ssam  tristezas  (Jorge  de  Res.,  Canc.  Ger. 
III,  345).  A  sua  figura  [do  u  consoante]  são  duas  costas 
de  triangulo  com  o  canto  para  hayxo  (F.  Oliveira,  cap. 
14).  ho  comercio  que  aquy  pode  haver,  sa^n  escravos, 
(Esmeraldo,  117).  Toda  a  carga  das  caravelas  foram, 
mantimentos  (na  versão  inglesa :  The  whole  of  the  cargo 
of  the  caravels  consistet  of  provisions)  (Lendas  da  índia). 
O  segundo  género  de  hospedes  do  paço  erão  os  ecclesiasti- 
cos  que  em  algum  tempo  avião  sido  seus  familiares  (Sou- 
sa, V.  do  Are,  I,  129).  O  fructo  serão  desgostos,  ódios, 
guerra  (Id.  ibd.,  I,  421). 

3)     Quando  o  sujeito  é  o  interrogativo  quem: 

quem  são  os  meu^  irmãos?  (Vieira,  Serm.  de  S.  José). 
•  4)    Quando  o  verbo  ser  é  empregado  impessoalmante : 

Erão  já  vinte  e  tantos  de  May  o  (Godinho,  165). 

ao  outro  (dia)  que  farão  dezasete  de  Dezembro  (Cas- 
tanheda, /,  39). 

Obs.    Fora  cVestes  casos,  a  concordância  do  verbo 
com  o  n.  predicativo  é  irregularidade: 
Netn  he  oiúra  cousa  os  desvarios  e  desalentos  dos  que 
a}não  (Lobo,  C.  na  ald.,  110,  ap.  Blut.). 

§  21.  E'  liberdade  poética  e  imitação  do  latim  con- 
cordar o  predicado  não  com  o  sujeito  mas  com  um  ap- 
posto  do  sujeito: 

Vede'  los  Alemães,  soberbo  gado,  \  Que  por  tão  largos 
campos  se  apacenta,  \  Do  successor  de  Pedro  rebellado,  | 
Novo  pastor  e  nova  seita  inventa  (Lus.,  VII,  4). 

Moschi,  gens  ante  alias  sócia  Romanis,  avia  Armeniae 
incursavit  (Tac,  Ann.  xill,  37). 


24  8YNTAXR  HISTÓRICA   PORTUGUESA 


§  22.  Nas  locuções  ser  necessário,  ser  preciso,  em- 
pregadas como  predicados  antepostos  ao  sujeito,  os  adje- 
ctivos necessário,  preciso  podem  empregar-se  substanti- 
vamente : 

Nam  é  necessário  mais  aucloridades  (Barros,  Ropi- 
ca,  178). 

E'  necessário . . .  uma  derradeira  prova  d'esforço 
(Herc,  Eur.,  246). 

Com  outros  aíljectivos  tal  pratica  é  insólita: 

Nam  te  parece  que  lhe  fora  mais  saudável  menos 
perfeições  intelectuaes ?  (Barros,  Dial.  da  Vic.  Verg., 
263). 

He  lambem  perigoso  práticas  deshonestas  (Fr.  Ant.  de 
Sousa,  Man.  de  Epicteto,  cap.  55). 

Varitim  et  mutabile  semper  femina  (Verg.,  Aen.  iv,  569 ; 
vid.  Madv.  §211,  b,  obs.  1). 

§  23.  O  pron.  relativo  (que)  6  do  género,  numero  e 
pess,  a  que  pertence  o  seu  antecedente,  e  por  este  ó  que 
se  regula  a  concordância  do  predicado : 

Passatnos  a  grande  ilha  da,  Madeira,  |  Que  do  muito 
arvoredo  assi  se  chama  (Lus.,  5,  5), 

r 

Madv.  §  318, 

Quando  o  relativo  pertence  para  um  vocativo,  o  re- 
lativo consideríi-se  da  2.*  pessoa: 

Alma  minha  gentil,  que  te  partiste  |  Tão  cedo  desta 
vida  descontente  (Camões,  son.  19).  homem  que  me  pedes 
amor,  sabe  que  eu  te  detesto  (Herc,  Eur.,  201). 

Quando  o  relativo  pertence  para  um  nome  (ou  pron.) 
que  se  liga  appositiva  ou  predicativamento  a  ura  pron. 


synTaxr  histórica  poktuguesa  25 


das  duas  primeiras  pess.,  o  relativo  pode  ser  considera- 
do da  pess.  a  que  pertence  o  pron.  pessoal: 

terei  eu,  verme  que  passo  á  sombra  dó  meu  nada,  di- 
reito de  offender-me . .  ?  (Herc,  Op.  Ill,  33).  fui  o  primeiro 
que  tentei  fazer  sentir  aos  escriptores  hespanhoes  a  impor- 
tância.. (Id.  ibid.,  III,  288).  Es  o  primeiro  |  que  esse  mal 
padece?  (Cast.,  Fastos,  I,  53). 

Se,  porém,  o  que  se  liga  appositiva  ou  predicativa- 
mente  a  um  pron.  das  duas  primeiras  pess.  (claro  ou  sub- 
entendido) ó  o,  a,  os,  as  (=--aquelle,  aquella,  aquelles, 
aquellas),  é  de  regra  ser  o  pron.  relativo  considerado  da 
pess.  do  pron.  pessoal: 

Eu  sam  ( ==  sou)  o  que  me  venci  \  e  vós  quem  me  co- 
nheceo  (Man.  de  Goyos.  Can.  Ger.,  III,  547).  por  culpa  do 
impressor  que  é  mui  bom  valhacouto  aos  que  compomos 
alguma  cousa  (Barros,  ///,  5,  10).  Esta  ilha  pequena  que 
habitamos  \  He  em  toda  esta  terra  certa  escala  \  De  todos 
os  que  as  ondas  navegamos  I  De  Quiloa,  de  Mombaça  e  de 
Sofala  (Lus.,  I,  54).  vós  sois  o  que  vos  culpais  [fallando 
a  uma  só  pessoa]  (Chiado,  Regateiras) .  Amai  a  justiça 
os  que  julgais  a  terra  (H.  P.,  /,  158).  De  todos  os  que  ví- 
nhamos em  sua  guarda,  só  eu,  acaso,  pude  escapar  (Herc, 
Eur.,  183).  Porque  voltastes,  sem  vo-lo  eu  ordenar,  vós 
os  que  tínheis  jurado  obedecer-me  em  tudo?  (Id.  ibd., 
227).  Sois  vós  o  que  me  faltou  (Balth.  Estaco,  191). 

O  pron.  quem  leva  o  verbo  a  3.^  pess.  do  sin- 
gular : 

Eu  fui  quem  te  adestrou  nos  verdes  annos  (Quita,  10). 
Eu,  o  silencio  e  a  solidão  éramos  quem  estava  ahi  (Herc, 
Eur.,  54). 

Obs.  Em  expressões  como :  um  dos  que  mais  traba- 
lharam, ó  erro  concordar  o  predicado  da  oração  rela- 
tiva com  a  palavra  um  e  dizer:  um  dos  que  mais  traba- 


26  SYNTAXE  HISTÓRICA  P0RTDGDE8A 


Ihou.  Este  erro  commetteu  Fr.  Luis  de  Sousa,  quando 
disse:  Esla  cidade  foy  húa  das  qiie  maia  se  corrompeo  da 
heregia  (V.  do  Are.  i,  191)  (*). 

SECÇÃO  II 

CAPITULO  I 

Das  palavras  nominaes  em  geral 

§  24.  Dos  casos  do  latim  só  restam  em  Português 
vestígios:  em  expressões  que  se  tornaram  advérbios (^apora, 
ogano  [arch,];  em  substantivos  avulsos,  nos  quaes,  porém, 
a  desinência  casual  perdeu  o  seu  valor  syntactico  (v.  g. 
Deos,  que,  representando  o  nominativo  Deus,  se  emprega 
em  qualquer  f uncção  syntactica) ;  e  em  alguns  pronomes  (-). 

A  funcção  syntactica  de  uma  palavra  nominal,  ou  é 
indicada,  já  pela  collocação  (v.  g.:  «Alfredo  louva  Eduar- 
do» e  «Eduardo  louva  Alfredo»)  (v.  a  Parte  iii),  já  por 
uma  flexão  (v.  g.:  «Pastes  escriptores  cita  Alexandre  Her- 
culano na  Historia  de  Poriugah),  já  por  uma  prepos. 
(v.  g.:  «E«succedeo  que  afrontando  de  palavra  a  Xavier 
hú  homem  descomedido,  lhe  respondeo  o  santo: >)  (Viei- 
ra, VIII,  468),  já,  na  falia,  pela  intonação,  e  na  escripta, 
pelos  signaes  orthographicos  (v.  g.:  «Alfredo  sae>  e: 
«Alfredo,  sae»),  ou  se  infere  do  sentido  geral  da  phrase 
(v.  g. :  em  requerimentos  e  assentos:  «F.,  filho  de  F.,  natu- 
ral de  tal,  fez  exame  de. .»)  (^). 


(>)  Foi  escolhido  este  passo  do  Fr.  Luis  do  Sousa,  justamente  para  mostrar  qne 
as  re(;ras  mais  certas  da  ^rammatica  silo  áâ  vezes,  por  descuido,  violadas  i)or  aquellos 
que  mellior  conhecem  a  lin^oa  pátria. 

O  Sobre  este  ponto  v.:  Dr.  I^ite  do  VasconceUos  — Liçõe»  de  PhUdogia  Porlu- 
giiesa,  pg.  42  c  se$rg.,  e  as  obras  alli  citidas. 

O  Esta  collocaçSo  continua  a  pratica  dos  Romanos;  v.  g.i  Epaminondaa,  I'o- 
limnidis  filius,  Thebanus;  Milliades,  Cinwnis  filins,  Atheniensi»  (Corn.  Nep.). 


SYNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUESA  27 


Mas  ah,  que  doesta  prospera  victoria  |  Com  que  des- 
pois  virá  ao  pátrio  Tejo  \  Quasi  lhe  roubará  a  famosa 
gloria  \  Hum  successo  que  triste  e  negro  vejo!  (Lus.,  X,  37). 

§  25.  Um  nome  ou  pron.  emprega-se  por  si  só: 
1.°  Como  sujeito,  n.  predicativo  do  sujeito,  compl.  obje- 
ctivo directo,  predicativo  do  compl.  directo;  2.°  Consti- 
tuindo certas  determinações  particulares;  3.»  Como  voca- 
tivo;  4.°  Nos  titulos,  letreiros,  e  indicações  semelhantes 
que  não  constituem  orações. 

Sobre  o  apposto,  v.  §  45. 

Dos  casos  dos  pronomes,  tratar-se-ha  no  §  66. 

§  26.  Acerca  do  nome  empregado  como  sujeito  e 
n.  predicativo  do  sujeito,  nada  importante  tem  de  accres- 
centar-se  ao  que  está  na  secção  i. 

§  27.  O  compl.  objectivo  directo  (^)  é  ou  pode  ser, 
em  algnns  casos,  precedido  da  prepos.  a. 

E  de  regra  o  emprego  da  preposição: 

1)  Com  o  pron.  relativo  quem: 

Mas  o  velho,  a  quem,  tinhão  já  obrigado  \  Os  traba- 
lhosos annos  ao  sossego  \  Estando  na  cidade  cujo  prado  j 
Enverdecem  as  agoas  do  Mondego . .  (Lus.,  III,  80).    Hum 
valle  aprazivel,  a  quem  corta  pelo  meyo  hum  ribeyro  de 
agua  cristallina  (M.  Lus.,  9,  64,  cl.  2,  ap.  Blut.) ; 

2)  Com  as  formas  tónicas  dos  pron.  pessoaes: 
Vedes  agora,  a  fraca  geração  \  Que  de  hum  vassallo 

meo  o  nome  toma,  \  Com  soberbo  e  altivo  coração  j  A  vós 
e  a  mi  e  o  mundo  todo  doma  (Lus.,  VI,  30). 
Não  havia  esta  regra  no  port.  archaico: 
Aquele  he  verdadeyro  agradecedor,  que  per  leda  voou- 


(')  o  complemento  objectivo  representa  ou  o  que  já  existe,  quando  a  acção  se 
realiza  (v.  g. :  demolir  uma  torre),  ou  o  que  é  resultado  daacçSo  (v.  g.:  construir  uma 
torre). 


28  SYNTAXB  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


tade  he  prestes  a  satisfazer,  aynda  que  testemunha  não 
tenha  do  seu  boo  falante,  se  nom  sy  mestno  (Bemf., 
248). 

3)  Na  designação  da  reciprocidade,  com  um  — outro  : 
Sem  se  verem  hm  aos  outros  com  o  fumo  (Aff.  de 

Albuq.,  Comm.,  32). 

4)  Quando  por  causa  da  collocacào  do  compl.,  a 
omissão  da  prepos.  torna  o  sentido  ambíguo: 

E  succedeo  que  afrontando  de  palavra  a  Xavier  h/i 
homem  descomedido,  lhe  respondeo  o  Santo:  (Vieira,  N, 
463). 

E'  facultativo  o  emprego  da  prepos.  quando,  em  g(5- 
ral,  o  compl.  designa  pess.  ou  ser  personificado  [ou  en- 
volve em  si  a  ideia  de  personalidade].  No  port.  moderno, 
esta  prática  pode  dizer-se  que  se  limita  aos  verbos  que 
exprimem  sentimentos  ou  manifestações  do  sentimentos. 

Diz-se  sempre :  « Amar  a  Deos  *  como  tradição  da 
syntaxc  antiga  conservada  no  catholicismo,  e  «temente  a 
Deos». 

mimos,  e  regalos,  com  que  no  mais  vivo  do  conflicto, 
alentava  aos  soldados  (Freire,  112).  Por  vencedor  de 
todos  apregoa  |  a  Cloanto  (Eu.  Port.,  5,'59).  A  brisa  fri- 
gidissima  da  madrugada  consolava-o  como  ao  febrici- 
tante a  aragem  de  um  sol  posto  do  outono  (Herc,  Eur., 
281).  Convida  Christo  aos  homens  para  a  acceitação  e 
observância  da  sua  ley  (Vieira,  S.  de  S.'"  Ant.)  No  calvá- 
rio os  soldados  crucificarão  a  Christo  (Vieira,  »S.  de 
S.'"  Cath.).  Porque  os  remédios  curem  ao  enfermo  (Vieira, 
»S.  de  S.'"  Ant.).  A  funda  de  David  derrubou  ao  gigante 
(Vieira,  /,  29).  Nunca  desajuda  a  fortuna  aos  esforçados 
(M.  Lus.,  J,  329,  cl.  2,  ap.  Blut),  ensinando  ao  Sertão  a 
conhecer  suas  mesmas  forças  (Freire,  71).  Mal  poderá  go- 
vernar aos  outros,  quem  não  sabe  governar  a  si  (H.  P., 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  29 


//,  49  V.).  bradou  de  fora  ao  general  Abuer  que  guardasse 
melhor  ao  seu  Rey  (Vieira,  S.  da  1.°'  6.°^  f.  da  Q.).  e  lhe  dis- 
se que  hospedasse  hum  dia  aos  Rechabitas  (Vieira,  S.  da 
1.".  6"  f.  da  Q.).  Introduz  o  principe  dos  poetas  lati- 
nos ao  Deos  Neptuno  (Vieira,  S.  das  40  h.).  doesse  matis 
que  aos  olhos  labirintha  (Cast.,  Fast.,  3,29).  Lia  Alexan- 
dre a  Homero  de  maneira  \  Que  sempre  se  lhe  sabe  á  ca- 
beceira (Lu^.j  V,  96).  a  muitos  navios  meteo  nas  mãos 
dos  piratas  a  carga,  não  por  muita,  mas  por  descom- 
passada (Vieira,  S.  de  S.^^  Ant.J.  Oução  os  Médicos  ao 
seu  Hippocrates  (Vieira,  S.  de  S.  Lucas).  O  desregido 
Absalão  reprêdia  ao  bom  Rei  David  de  mao  regimêto 
(H.  P.,  I,  97).  a  hum  sarou,  aos  outros  adoeceo  (Vieira, 
/,  611).  Assi  o  quis  o  conselho  alto  celeste  \  Que  vença 
o  sogro  a  ti,  e  o  genro  a  este  (Lus.,  III,  73).  Mas  quando 
virão  a  S.  Francisco  Xavier  pelas  ruas,  sem  capa..  (Vieira, 
10,  298,  ap.  Blut.). 


Esta  construcção,  communi  — e  em  maior  extensão 
—  ao  castelhano,  e  ao  menos  em  casos  avulsos,  a  outros 
dialectos  românicos  (v.  M.  Lúb  ,  III,  §  350),  parece  não  se 
encontrar,  segundo  Diez  (iii,  91),  antes  dos  princípios  do 
século  XI,  a  que  pertence  o  passo:  «ad  illa  una  matabit 
=  á  la  una  mato*,  que  vem  na  Espana  Sagrada. 

Obs.    Também  é  compl.  directo  o  que  se  liga  ao 
verbo  impessoal  haver  e  a.    eis  (rigorosamente   abre- 
viação de  haveis): 
Perigos,  e  defeitos  em  ioda  a  parte  os  ha  (Man.  Ber- 
nardes, Luz  e  Calor,  I,  50).    Se  num  quando,  ey-lo,  vem 
(Annryque  da  Motta,  Canc.  Ger.  III,  514). 

§  28.    O  ser  transitivo  um  verbo  depende  do  modo 
como  a  acçào  que  elle  significa,  é  representada  na  ima- 


30  SYNTAXB  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


ginação  (^);  conseguintemente  sobre  este  ponto  ha  de 
consultar-se  o  diccionario;  aqui  só  tem  cabimento  algu- 
mas observações: 

a)  Sào  transitivos: 

1)  A  maioria  dos  verbos  que  representam  etymologi- 
camente  verbos  latinos  transitivos,  v.  g:  ajudar,  amar,  ler, 
medir,  parir,  pedir,  pender,  vedar,  vender. 

Já  em  latim,  mormente  na  decadência,  occorrem 
verbos  depoentes  intransitivos  com  o  participio  do 
pretérito  empregado  com  significação  passiva,  v.  g: 
auxilialus  em  Lucilio  o  Vitruvio;  pairocinatus  em  Tertul- 
liano. 

2)  Os  verbos  que  normalmente  substituíram  os  ver- 
bos latinos  que,  ou  absolutamente  ou  em  certas  signifi- 
cações, não  se  conservaram  em  port.  v.  g:  quebrar,  que 
substituiu  frangere. 

3)  Os  verbos  factitivos  derivados,  v.  g:  amenizar, 
fertilizar. 

b)  Verbos,  aliás  intransitivos,  empregam-se  transi- 
tivamente,  tendo,  por  compl.  directo,  um  substantivo 
cognato  ou  de  significação  correspondente  á  do  verbo 
(v.  g:  viver  vida  modesta).  Este  compl.  é  acompanhado, 
em  regra,  de  uma  expressão  attributiva : 

Ou  que  pecado  pecou  \  Enone . .  ?  (J.  R.  de  liUcena, 
Canc.  Ger.  II,  558-9).  esta  he  a  melhoria  que  tem  os  que 
neste  mundo  são  mais  altos:  caírem  maiores  quedas,  e  suas 
maiores  glorias  serem  convertidas  em  maiores  calamida- 
des, tristezas  e  desaventuras  (D.  Jorge  da  Costa.  Ms.  da 
Bibl.  Nac.  de  Lisboa,  N/1/26).     Chorou  miiytas  lagrimas 


(')    Ao  passo  qua  em  port  so  diz:  <3eg:uir  alguém»,  o  verbo  allemSo  correa- 
pondente  folgi^  conatnie-se  com  dativo. 


SYNTAXB  HISTÓRICA  PORTUGUESA  31 


(Diego  Aff.,  92).  quando  dormir  ao  lado  delle  somno  per- 
petuo no  campo  de  batalha  (Herc,  Eur.,  179).  viver,  tra- 
balhando, vida  modesta  e  tranquilla  (Herc,  Op.  IV,  110). 
a  democracia  não  apaixonava  demasiado  os  ânimos,  so- 
bretudo os  ânimos  dos  que  haviam  pelejado  desde  os  Aço- 
res até  Evoramonte  as  batalhas  da  liberdade  (Herc, 
Op.  I,  20). 

Ha  casos  em  que  a  expressão  attributiva  natural- 
mente se  dispensa : 

se  cuydar,  e  recuydar  os  annos  próprios,  já  vividos . . 
(Vieira,  V,  301,  ap.  Blut.). 


Ego  vesíros  paires . .  vivere  arbitro?' . .  et  eam  guidem 
ritam,  quae  est  sola  vila  nominanda  (Cie,  Cal.  m.  21)  (Madv. 
§  223,  c,  obs.  4). 


c)  Alguns  verbos,  originariamente  intransitivos,  tem 
significações  em  que  se  empregam  como  transitivos,  v. 
g.:  andar,  correr  (v.  g.  terras,  perigo),  saltar  (  =  transpor 
de  um  salto),  dansar  (v.g. :  um  minuete),  e7-rar  (v.  g.:  uma 
conta,  um  verso),  f aliar  (v.  g. :  uma  lingoa),  servir  (v.  g. : 
um  officio) : 

Correram  tamanha  tormenta  (Diego  Aff.  112).  For- 
tíssimos consócios,  eu  desejo  \  Ha  muito  já  de  andar  ter- 
ras estranhas  (Lus.  VI,  54).  sem  f aliar  outra  palavra 
(Vieira  XI,  270).  Errei  a  chronologia  (Herc,  Op.  III, 
196). 

Era  latim:  stadium  ctirrere  (Cie,  De  Off.  3,  10). 

Obs.  1.".    Alguns  (Vestes  verbos  pertencem  exclusi- 
vamente ao  estilo  litterario: 
Ria  esperanças   a  vinha  (Cast.,  Fast.,  3,  39).    Não 


82  SYNTAXE  HISTOKIOA   PORTUGUESA 


tarda  que  esses  paramos  tão  mmlos  \  brotem  habitações, 
pullulem  povo  (Cast.,  Fast.,  í,  57). 

[corvua]  oviparos  pullulet  fdus  (Fulgencio,  Mithol.  1. 13). 

Obs.  2.".    É  do  notar  o  emprego  do  verbo  poder, 
como  vorbo  aparentemente  transitivo,  sondo  que  de- 
pois d'ell6  so  subentende  o  infinito  fazrr: 
Isto  piideram  saudades  de  um-  mundo  todo  (Ceita, 
35  V). 

Em  particular,  grandíssimo  numero  de  verbos,  in- 
transitivos  originariamente,  empregam-se  transitivamente, 
com  significação  cansativa;  v.  g:  voar  (failando  de  uma 
mina  =  fazer  ir  pelos  ares . .)  ('), 

Ao  rebentar  da  mina,  a  qual  com  tremendo  estam- 
pido voou  pelos  ares  toda  a  face  do  muro  (Freire,  176»^. 

d)  Alguns  verbos  que  na  lingongem  usual  moderna 
são  iutransitivos  (v.  g:  resistir,  incorrer)  eram  no  port. 
arch.  médio  também  empregados  como  transitivos: 

em  todos  os  almazês  de  Deos  se  não  acharão  armas 
com  que  as  resistir  (Vieira,  788).  encorria  a  indignação 
do  Emperador  (Vieira,  VII,  78).  desejando  unir-se  com 
elle,  e  servi-lo  e  agrada-lo  (Man.  Bernardes,  Pão  partido^ 
2,  §  4). 

e)  Alguns  verbos  transitivos  emprcgam-se  em  cer- 
tas significações  intransitivamcnte : 

E  he  certo  que  com  estes  dous  simples  sarou  e  tomou 
em  si  (Vieira,  XI,  230). 

Mores  quidem  populi  Romani  quanlum  mulaveriní,  (T. 


O    No    tOenio  da  Lingua  Porlugueta*  de  Erariato  LconI,  vem  atua  lista  dM 
principaes. 


SYWTAXB   HISTOIllCA  PORTUGUESA  33 


Liv.,  39,51).    Os  exemplos   de  Plauto  foram  colligidos 
por  Bennett,  Syntax  of  carly  Lalin  —  Boston,  1910. 

f)  Um  certo  numero  de  verbos  podem  empregar-se 
com  a  mesma  significação  geral,  de  dois  modos:  v.  g. : 
tisar  algo  ou  de  algo,  gozar  algo,  gozar  (ou  gozar-se)  de 
algo,  admirar  alguém  ou  algo  e  ádmirar-se  de,  ensinar 
algo  a  alguém  e  ensinar  alguém  a  fazer  algo,  esquecer 
algo  e  esquecer-se  de  (também  se  diz :  algo  esquece  a 
alguém),  perguntar  algo  a  alguém  e  perguntar  alguém 
sobre  algo  (ou  com  or.  interrogativa). 

Obs.  No  port.  arch.,  a  par  de  rogar  a  alguém  que 
faça  uma  cousa,  dizia-se  rogar  alguém  que  faça  uma  cousa : 

rogo  o  apostoligo  [papa]  que  el  recebia  [receba]  en 
sa  comêda  (Test.  de  D.  A  ff.  11,  ap.  L.  de  Vasconc,  Lições 
de  Phil.  Port.,  71).  E  estonce  os  rogou  que  lhes  dissessem, 
quall  era  a  maoor  villanya  do  mundo  (V.  Bemf.,  153). 

Ainda  hoje  se  diz,  v.  g. :  querer  ser  rogado;  depois  de 
muito  rogado. 

§  29.  a)  Tem  n.  predicativo  do  compl.  directo — n. 
predicativo  que  passa  a  pertencer  ao  sujeito  do  verbo  na 
voz  passiva — : 

1)  os  verbos  que  significam  tornar  tal  ou  tal:  fa- 
zer, pôr  : 

Com  que  os  pólos  gelados  accendia  \  E  tornava  do 
fogo  a  esphera  fria  (Lus.,  11,  34).  A  temperança  do  ar 
faz  a  terra  fértil  (H.  P.,  J,  215).  o  muyto  vinho.,  faz  o 
homem  boto  (H.  P.,  //,  522).  [a  caça]  faz  os  homens 
muyto  montanheses  e  intratáveis  (Aulegr.  1,  7). 

Em  particular,  são  de  notar  as  locuções:  1)  fazer  (al- 
guém ou  algo)  pedaços;  2)  fazer  prestes  =  aprestar;  3) 
fazer  bom  =  pôr  por  obra  (o  que  se  disse): 


34  SYNTAXK   HISTOKICA   PORTUGUESA 


Os  baxios,  em  que  podia  tocar  a  Arca  de  Noé,  e  fa- 
zer-se  pedaços,  erão  quantos  montes,  e  serras  havia  no 
mundo  (Vieira,  VI,  322,  ap.  Blut).  mandou  fazer  prestes 
seis  nãos  (Comm.  de  Aff.  de  Albuq.,  1).  O  que  eu  digo, 
eu  o  farey  bom  (Aulegr.  1,  6). 

Obs.    Também  é  clássico  fazer  em  pedaços: 

Faze-a  em  pedaços  (Vieira,  /,  822). 

2)  a  maior  parte  dos  verbos  que  exprimem  a  ideia 
do  constituir:  crear,  designar,  eleger,  fazer,  instituir,  no- 
mear, jurar,  levantar,  reconhecer,  coroar,  sagrar,  ungir: 

foi  constituido  principe  ou  alcaide-mor  de  todos  elles 
(Ceita,  73  V.). 

Obs.    Note-se  a  loc.  meler-se  frade: 
que . .  se  foy  meter  frade  em  França  (H.  P,,  //,  66). 

3)  Muitos  dos  que  exprimem  a  ideia  de  declarar  tal 
ou  tal:  acclamar,  escrever,  confessar-se,  pregoar,  saudar: 

Com  esta  penna  te  escreves  reo  de  todos  os  males,  que 
fizer  (Vieira,  ///,  169,  ap.  Blut.)  As  batalhas  mais  inven- 
cíveis são  as  do  entendimento ;  porque  onde  os  feridas  não 
tirão  sangue,  nem  a  fraqueza  se  vê  pela  côr,  nenhum  sá- 
bio se  confessa  vencido  (Vieira,  VIII,  33). 

4)  A  maior  parte  dos  que  exprimem  a  ideia  de  re- 
presentar, fazer  parecer,  o  os  verbos  reflexos  que  expri- 
mem a  ideia  de  parecer:  afigurar-se,  entolhar-se : 

Os  seus  systemas  de  reforma  social,  afiguram-se-me 
abstrusos  (Herc,  Op.  IV,  123). 

5)  Os  que  exprimem  a  ideia  de  appellidar:  cogno- 
minar, intitular: 

São  Bernardo  chama  á  ociosidade . .  madrasta  das 
virtudes  (H.  P.,  /,  148). 


SYNTAXE   HISTÓRICA  PORTUGUESA  35 


6)  A  maior  parte  dos  que  exprimem  a  ideia  de  re- 
futar: achar,  considerar,  crer,  estimar,  julgar,  suppor: 

homens  de  tanta  fama,  e  tanta  presumpção,  que  todos 
se  estimavão  banhados  na  lagoa  Estygia  (Vieira,  VIII,  32). 
cri  certa  a  bonança  (Çast.,  Outono,  I,  149).  o  amor  tudo 
suppõe  fácil  (R.  da  Silva,  Mocidade,  3,  89).  Todas  as 
classes  sociaes,  cujos  interesses  mais  ou  menos  legitimos 
são  feridos  por  qualquer  opinião,  acham  sempre  essa  opi- 
nião perniciosa  e  dissolvente  (Herc,  Op.  IV,  228). 

7)  Alguns  dos  que  significam  provar;  v.  os  exem- 
plos dos  §§  30  a  e  31  c. 

8)  haver  na  locução  litteraria  <í  haver  mister  uma 
cottóa  » : 

nam  desejo  muyto  as  forças  corporaes,  nem  nas  ei 
mister  (Góes,  Cat.  M.,  57).  o  que  era  mais  fácil,  por  ser 
obra  que  não  havia  mister  medida,  disposição,  ou  enge- 
nho (Freire,  114).  E  bem  hão  mister  os  meus  esquecimen- 
tos as  suas  merãorias  (Chagas,  Cartas  esp.,  21). 


Com  respeito  aos  números  1-6,  vid.  xVIadv.  §  227. 
Obs.  ao  §  29  a.    O  nomo  predicativo  junta-se  ao 
compl.  directo  dos  verbos  citados,  ainda  quando  este 
compl.  é  o  pron.  reflexo  da  3.»  pess.,  pertencente  ácon- 
juncção  reflexa  empregada  como  passiva: 
Por  muito  tempo  se  reputou  entre  nós  luxo  litteraria 
escusado    um   diccionario   da   lingua   castelhana   (Herc, 
Op.  II,  14Õ). 

b)    Alguns  verbos  podem  construir-se  com   um  n. 
predicativo  do  compl.  directo,  em  vez  de  terem  ligada  a 
si  um  a  or.  substantiva  de  ser  ou  estar.  Taes  são: 
1)     Consentir: 

Consente-se  o  príncipe  communícado,  mas  não  apal- 
pado (Brachyl.,  226). 


36  SYNTAXE   HtSTOUIOA   PORTUGUESA 


2)  Desejar,  querer,  tomar  (na  forma  condicional  to- 
mara) : 

Antes  me  quero  solteira  |  que  cuidados  tão  azinha 
(Prestes,  145).  de  que  se  nos  derivou  o  costume  de  depre- 
car  boas  estreas  àquelles,  que  desejamos  bem,  succedidos 
(Mon.  Lus.,  6,  80,  cl.  1,  ap.  BJut.j.  E  não  são  menos  des- 
arresoados  os  que  me  querem  muito  caridoso  pêra  com 
meus  parentes  (Sousa,  V.  do  Are,  1,  503). 

Em  particular,  emprega-se  d'este  modo  querer  na 
conjugação  reflexa,  na  3.^  pess.,  para  exprimir  o  que  6 
necessário  que  seja  uma  pessoa,  ou  cousa: 

As  imagens  grandes  querem-se  vistas  ao  longe  (H.  P., 
/,  108  V.).  a  dor  do  peito  \  Quer-se  desabafada  em  peito 
amigo  (Garrett,  Cam.,  38). 

Em  latim :  non  uxor  salvum  te  vtill  (Hor.,  Sal.,  1, 1,  84)^ 
Mas  neste  caso  ha  propriamente  ellipse  do  esse. 

3)  Achar,  sentir: 

Abraçou-se  com  a  amendoeira  e  acharão-se  parentes. 
(Prov.). 

4)  provar,  demonstrar. 

5)  Saber: 

Sabia-a  manchada  de  um  grande  peccado  (Garrett, 
Viag.,  271). 

Obs.  Esta  construcção  —  corrente  em  francês  com 
o  vorbo  correspondente  savoir — rarissimamente  occorre 
nos  bons  escriptoros  portugueses  e  ó  do  todo  extranha 
á  lingoagem  oral. 

6)  Esperar: 

Vós,  que  esperamos  jugo  e  vitupério  |  Do  torpe  Ismae- 
lita cavalleiro  (Lus.,  I,  8). 


SYNTAXE   HISTÓRICA    PORTUGUESA  37 


Em  latim :  propitium  hunc  sperant,  illum  iratum  putarU 
(Cie.  ad  AU.,  VIU,  16). 

Os  escriptores  antigos  empregaram  ás  vezes  d'esta 
maneira,  mas  com  a  prepos.  por,  em  lugar  do  simples  n. 
predicativo,  outros  verbos  mais,  por  ex,  Man.  Bernardes 
o  verbo  «e^ar; 

Mas  do  filhinho,  que  faria  ?  Não  quis  nega-lo  por  seu 
(Man.  Bernardes,  N.  FL,  í). 

§  30.  a)  A  maior  parte  dos  verbos  de  que  trata  o 
§  29  a,  nos  números  2,  3,  5,  6,  7,  em  vez  de  terem  sim- 
ples n.  predicativo,  podem  construir-se  com  a  prepos.  por 
anteposta  ao  nome.  Esta  práctica,  porém,  era  muito  mais 
frequente  no  port.  arch.  médio  do  que  no  moderno: 

El-Rey  Assuero  nomeou  a  Aman  por  primeiro  minis- 
tro de  todo  o  império  (Vieira,  S.  da  í."  6.*  f.  da  Quar.,  3). 
eleyto  por  goardiam  \  vay  huum  frade  preguador  (J.  Fo- 
gaça, Can.  Ger.,  2,  180).  Em  todos  seus  testamêtos  \  a  de- 
crarou  por  molher  (G.  de  Rès,  Canc.  Ger.,  III,  622).  Por 
vencedor  de  todos  apregoa  \  a  Cloanto  (Eu.  Port.,  5,  59). 
Desta  rota  escapou  seu  filho  a  quem  saudarão  por  Enipe- 
rador  (Mon.  Lus.,  2,  322,  cl.  1,  ap.  Blut.).  Confessando-se 
por  vassalos  (Ceita,  308).  todos  reconhecerão  por  Rainha 
a  águia  (Vieira,  <S.  da  1."  ô."'  f.  de  Quar.,  5).  Confessan- 
do-se por  escravos  humildes  (Vieira,  I,  218-9).  quizerão- 
no  acclamar  por  Rey  (Vieira,  II,  238).  logo  se  intitularão 
por  Reis  de  aquella  povoação  (Barros,  2,  5,  cl.  3,  ap.  Blut.). 
julgar-tn' a  por  seu  iraedor  com  mui  gram  razom  (Lang., 
35).  Os  antigos  julgarão  esta  região  por  totalmente  estéril 
(Godinho,  10,  53).  e  serey  eu  por  doido  reputado  (Mal. 
Conq.,  6,  88,  ap.  Blut.).  tu  meu  mal  julgas  por  leve  (Ber- 
nardes, Ecl.  3).  Quantos  julgadores,  que  ou  no  voto,  ou 
na  tenção,  ou  na  sentença,  reputão  por  descrédito  o  re- 


38  SYNTAXK   HISTOIUOA   P0UTU0UE8A 


tretar- se  (Vieira,  3,  141,  np.  Blut.).  a  ley  de  amar  os  pró- 
prios inimigos  era  ião  nova,  e  se  reputava  por  tão  repu- 
gnante (Vieira,  S.  da  i.«  e  6.^  /".«  de  Quar.).  Eu  te  julgo 
por  infeliz  e  desgraçado  (Vieira,  ihid.).  Esta  mua  pód'  el 
provar  por  sua  (Lang.,  102). 

Tem  exclusivamente  esta  construcçào  muitos  verbos 
correspondentes  (etymologicamente  ou  na  significação)  a 
verbos  latinos  que  tem  accusativo  predicativo;  v.  cap.  da 
preposição. 

1'Jsta  syntaxo  corresponde  ami)lia(lamento  ao  em- 
prego latino  da  prepos.  pro  em  expressões  como  aliquid 
pro  nihilo  pufare  (Cie.  in  Caeciliam,  7). 

b)  Imitando  a  syntaxe  francesa,  o  port.  moderno 
construo  frequentemente  o  verbo  considerar  com  a  par- 
tícula como  : 

o  numeroso  clero  das  parochias  vizinhas  cofisidera- 
va-o  como  o  mais  venerável  entre  os  seus  irmãos  no  sa- 
cerdócio (Herc.  Eurico,  18). 

c)  Dos  verbos  de  que  trata  o  §  29  a  no  n.**  2,  al- 
guns só  se  construem  com  para  (com  palavra  substan- 
tiva) e  alguns  também  se  construem  no  port.  arch.  médio 
com  em  (com  palavra  substantiva) : 

quando  algua  ouvessem  d'enleger  em  abadesa  doesse 
moesieiro  (Chron.  br.  do  Arch.  Nac,  ap.  L.  de  Vasconc, 
Text.  Arch.  33).  Pello  que  foi  creado  Lúcio  Quinto  Cincin- 
nato  dos  Senadores  em  Dictador  (Góes,  Cat.  M.,  80). 
quando  foy  sagrado  e  ongido  em  rey  pollo  padre  Theo- 
baldo  (Diego  Aff.,  270).  foy  eleyto  em  arcebispo  (Id.,  31). 
ser  sagrado  em  arcebispo  (Id.,  33).  foi  levantado  em  rei 
(Ceita,  124). 

Em  latim:  lecius  in  judicem  (A.  Gell.,  14,2). 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  39 


§  31.  a)  Tanto  o  n.  predicativo  propriamente  dicto, 
como  o  que  é  precedido  de  por  ou  como,  pode  ser  subs- 
tituido  por  expressões  qualificativas  equivalentes : 

não  teríeis  aquelle  fysico  por  sem  juizo  (H.  P.,  //,  76  v.). 

b)  Os  verbos  de  que  trata  o  §  29  a  —  no  numero  6 
—  e  o  §  29  6  podem  construir-se  com  a  designação  de 
uma  circumstancia  que  pertence  propriamente  para 
um  participio  que  haveria  de  estar  na  or.  como  n.  pre- 
dicativo do  compl.  directo: 

Lia  Alexandre  a  Homero  de  maneira  \  Que  sempre 
se  lhe  sabe  á  cabeceira  (Lus.,  V,  96).  Tomára-me  eu  já  lá 
(Garrett,  Fr.  L.  de  Sousa,  acto  I). 

c)  O  participio  passivo  dos  verbos  que  tem  n.  pre- 
dicativo do  compl.  directo,  pode,  acompanhado  de  um 
n.  predicativo  (ou  equivalente  do  n.  predicativo),  ligar-se 
a  qualquer  elemento  nominal  de  uma  oração : 

o  bufete,  onde  algumas  rosas  murchas,  a  lâmpada  es- 
fnigalhada  e  as  imagens  feitas  pedaços  harmonisavam 
tristemente  com  essas  duas  ruínas  humanas  que  jaziam 
próximas  (Herc,  Monge,  2,  217).  não  creio  n'uma  fabula 
provada  tal  até  a  saciedade  (Herc,  Op.,  III,  176). 

.  .  fundi,  deterioris  fadi  culpam  (Paulo,  Senteniiae, 
2,18,2).  magistro  equitum  creato  .  ,  filio  suo  (T.  Liv.,  4,  46). 
(V.  Madv.  §  297,  c,  obs.  4). 

§  32  a)  Quando  o  compl.  directo  é  simples,  o  n. 
predicativo  adjectivo  concorda  com  elle  em  género  e 
numero : 

Cri  certa  a  bonança  (Cast.,  Outono,  I,  149). 

b)  Quando  o  compl.  directo  é  composto,  o  adjectivo 
vae  para  o  plural,  de  preferencia,  ou  para  o  numero  do 
compl.  mais  próximo : 


40  SYNTAXE   HISTOUICA   1'OKTUGUESA 


Tinha  tornado  inúteis  a  intelligencia  e  o  braço  do 
homem  (Herc,  Eur.). 

Se  todos  os  com  pi.  directos  são  do  mesmo  género,  o 
adjectivo  toma  o  género  dos  compl.  directos: 

Mas  alma  e  vida  julgo  por  ditosas  (Caminha,  116). 
Ella,  por  onde  passa,  o  ar  e  o  vento  \  Sereno  faz  com 
brando  movimento  (Lus.,  9,  24). 

Se  pertencem  a  géneros  diversos,  o  adjectivo  toma 
o  género  masculino,  de  preferencia,  ou  o  género  do 
compl.  mais  próximo. 

c)  As  particularidades  de  concordância  que,  segundo 
os  §§  13,  14,  15,  16,  17,  23,  se  dão  com  o  adjectivo  ou 
particif)io  do  predicado  com  relação  ao  sujeito,  dào-se 
semelhantemente  com  o  n.  predicativo  do  compl.  directo 
em  relação  ao  compl.  directo;  v.  g:  julgo-vos  feliz  (fallando 
a  uma  só  pessoa). 

§  33.  Servem  de  significar  a  ampitude  da  acção  e  a 
intensidade  da  qualidade,  com  verbos  e  adjectivos:  algu- 
ma cou^a,  algo,  (arch.)  já  quvnto  (=  algum  tanto),  muito, 
pouco,  um  pouco,  nada,  tanto,  um  tanto,  algum  tanto, 
quanto,  que  (interrogativo);  com  verbos:  (arch.)  nenhu- 
ma cousa,  (arch.)  migalha,  (arch.)  nemigalha;  com  alguns 
verbos:  (arch.)  vem  (=nada),  coi^sa  (=nada),  parte  (= 
nada);  que  referido  a  o  muito,  o  pouco,  etc. : 

Algfia  cousa  desagastarã  a  Bimnarder  as  palavras 
do  ermitã  (Bern.  Ribeiro,  Men.  179).  E  a  fundo  d' ella,  já 
quanto,  estavam  outras  duas  cadeiras  miiy  ricas  e  tnuy 
fremosas  (Corte  Imp.,  5).  Um  pouco  se  desrugue  a  austera 
fronte  (Cast.,  Fast,  3,  25).  Que  vay  [  =  que  importa]  que 
ladre  sempre  cão  raivoso  \  Se  não  he  mordedura  o  seu 
ladrado?  (Balth.  Estaco,  Sonetos  etc,  33  v.).  Que  importa 
qus  nos  cancemos  em  fechar  as  cidades  de  muros?  (Vieira, 
vn,  120).  Que  te  presta  padecer  \  que  Vaproveyta  chorar? 


SYNTAXE   HISTOKICA   PORTUGUESA  41 


(Jorge  d'Aguyar,  Can.  Ger.,  2,  4).  Cousa  nUúa  approvei- 
tará  cõ  seu  trabalho  (Diego  Aff.  166).  nhua  cousa  duvido 
I  Como  ella  he  azo  de  danos  (Bern.  Ribeiro,  Men.  72).  De 
amigo  que  não  ralha,  e  de  faca  que  não  talha,  não  me  dá 
migalha  (Prov.,  ap  Blut.).  e  de  vós  non  curo  rem  (Lang, 
61).  Mais  non  sabem  de  mia  fazenda  ren  (Rodr.  Eann. 
Redondo,  ap.  L.  de  Vasconc,  Text.  Arch.,  20).  e  defen- 
dia-sse  o  milhor  que  podia,  dizendo  que  lhe  nom,  prestara 
cousa  (Fabid.,  fab.  4).  O  imperador  Dedo,  pelo  muito  que 
amava  o  principe  Dedo,  seu  filho,  determinou  coroá-lo 
em  sua  vida  (Toscano,  cap.  42). 


Nos  aliquid  Rutulos  contra  juvisse  nefandum  esí?  (Verg., 
En.  10,  84).  Thebani  nihil  moli  siint,  quamquam  nonnihil .  . 
sticcensebant  Romanis  (T.  Liv.,  42,  46).  Quid  mihi  fingere  pro- 
dest?  (Ov.,  Mct,  13,  43õ). 


§  34.     A  designação  da  medida  não  tem  preposição: 

1)  Com  os  comparativos; 

2)  Com  as  expressões  comparativas:  antes,  depois, 
acima,  abaixo,  àquem  (e  locuções  equivalentes),  àlern 
(e  locuções  equivalentes) ; 

3)  Com  os  verbos,  adjectivos  e  advérbios,  que  signi- 
ficam distancia,  afastamento  ou  differença,  ainda  quando 
se  subentenda  a  ideia  de  distante  e  com  os  que  envolvem 
a  ideia  de  augmento  ou  deminuição,  superioridade  ou 
inferioridade : 

A  escada  era  mais  cúria  dous  degraos  (Vieira,  Serm. 
de  S.  José).  Qailoa,  que  he  húa  ilha  na  costa  da  Ethiopia 
cem,  legoas  avante  de  Moçambique  (Castanh.,  i,  66).  Cana- 
nor,  que  he  hiia  cidade  na  costa  do  Malabar  trinta  e  hita 
legoa  de  Calicid  (Castanh.,  i,  82).  e  sendo  já  do  castello 
duas  jornadas  (Bern.  Ribeiro,  Men.,  142).  Os  godos  api- 


42  SYNTAXE  HISTÓRICA   TOKTUGUKSA 


nhados  em  roda  recuaram  alguns  passos  (Herc,  Eur.,  188). 
Sete  ou  oito  partes  acima  dos  paços  do  Concelho  (Herc, 
Lendas,  1).  A  alma  tinha-me  envelhecido  v mie  awwos  (Herc, 
Monge,  1,  48). 

Obs.  Empregar  a  propôs,  de,  dizendo  v.  g.  «o  facto 
significa  qne  peso  e  acceiaraçào  augmontaram  da  mes- 
ma quantidade,  «envelheceu  de  dez  annos  naquelle  dia> 
são  gallicismos. 

aliqiiantum  iniquior  (Ter.,  HcaiU.,  1,  2,  27). 

Quod  (Teanum)  abest  a  Lavino  XVIII  milia  passuum 
(Cie.  pro  Chtentio,  9). 

quantum  praestilerunt  nostri  majores  prudentia  [no  co- 
nhecimento de  direito]  celeris  gcniibtis  (Cie.  de  Or.,  1,44). 

§  35.  É  latinismo  raro  construir 'os  adjectivos  que 
significam  dimensões,  com  a  designação  da  dimensão 
sem  preposição: 

Os  anuros  erão  alfas  duzentos  pés  (Godinho,  20,  124). 
hua  casa  larga  duzentos  palmos  (Id.,  20,  128). 

§  36.  A  simples  designação  do  tempo  que  ura  facto 
dura,  não  tem  preposição.  Realça-se  a  ideia  de  duração 
com  por,  durante: 

Sanlo  Ignacio  viveu  sessenta  e  cinco  annos  (Vieira, 
Serm.  do  bea.  Estanislau).  sustentarão  o  trabalho  em 
pezo,  grande  pedaço  {Mon.  Lus.,  1,  189,  cl.  3,  ap.  Blut.). 
Por  hum  quarto  de  hora  durou  o  maremoto  (Lucena,  241, 
cl.  1,  ap.  Blut.).  Por  trinta  e  seis  annos  serviu  Fertião 
Lope^  de  guarda  dos  archivos  (Herc,  Op.,  V,  6).  E  o  meu 
supplicio  durará  por  mezes  (Herc,  Pões.,  73).  Um  dia 
bastava  para  anniquilar  o  império  que  durante  quatro 
séculos  fora  o  mais  poderoso  e  civilisado  entre  as  nações 
germânicas  (Herc,  Eur.,  126). 


SYNTAXK   HISTÓRICA   POIITUGUESA  43 


[Claudius]  vixU  annos  IIII  d  Lx  (Eutr.,  7,  13).  Ludide- 
cem  per  dies  facii  suni  (Cie.  in  Catil.,  3,  8). 

§  37.  Depois  dos  verbos  pesar,  valer,  custar,  a  de- 
signação do  peso  e  do  preço  nào  tem  preposição: 

vinte  sólidos  valliam  huQa  livra  ^ernão  Lopes, 
D.  João  I,  87).  todes  estes  motivos  .  .  não  pesão  hum 
átomo    (Vieira,   Serm.  da    1."   sexta-feira    de  Quaresma). 

[thynnos]  talenta  XV  pependisse  (Plin.,  n.  h.,  9,  §  44).. 
denos  aeris  valebat  (Varr.,  ling.  lat.,  6,  36). 

A  construcçào  de  custar  é  devida  à  analogia  de  sen- 
tido entre  custar  e  valer. 

§  38.  Quando  se  diz  que  uma  cousa  se  compra  ou 
vende  ou,  em  geral,  se  obtém  por  tal  ou  tal  preço  cor- 
respondente a  certa  unidade,  a  designação  da  unidade 
não  tem  preposição: 

escravos,  que  se  vendem  por  manilhas  de  latam  a 
doze  e  quinze  manilhas  a  peça  (Esmeraldo,  p.  117).  pa- 
gar a  razão  de  duzentos  cruzados  cada  cavallo  (Barros, 
2,  104,  col.  4,  ap.  Blut.). 

§  39,  Alguns  poetas  tem  ligado,  bem  que  raríssimas 
vezes,  a  participios  passivos  um  substantivo  sem  prepos. 
para  designar  a  parte  da  pess.  ou  cousa,  com  respeito  á 
qual  o  participio  é  atribuído  a  esta  pess.  ou  cousa: 

Onde  em  eneos  grilhões  ligado  os  membros  \  Jaz  Pro- 
metheo  (Costa  e  Silva,  Os  Argonautas,  105).  Junto  d'elle, 
de  pennas  variegadas  \  Cingido  a  frente  e  rins,  imberbe 
um  homem  |  De  brônzea  tez,  jazia  malferido  (Garrett, 
Camões,  III,  2).  Eis  Calliope  surge,  a  flor  do  rancho,  \ 
De  heras  cercada  as  espargidas  comas  (Cast.,  Fast, 
III,  13). 


44  8YNTAXK   HISTOUICA   POKTUOUESA 


...  Esta  syntaxo  6  imitação  do  accusativo  latino  liga- 
do, por  hellenismo,  a  adjectivos  e  participios  para  de- 
signar a  mencionada  relação  grammatical:  Miles .  . 
multo  jam  fraclus  membra  labore  (Hort.,  Sat.,  1,  1,5). 


§  40.  a)  O  tempo  em  que  uma  cousa  acontece 
pode  designar-se  sem  prepos.: 

1)  Com  a  palavra  dia  e  as  demais  expressões  de  tem- 
po (manhã,  tarde,  noite,  semana,  mês,  etc.)  acompanhadas 
de  expressão  attributiva  (v.  g:  esta  noite,  dia  de  Paschoa): 

Nunalvarez  chegou  aita  noite  a  Évora  (F.  Lopes,  262). 
Crecia  o  amor  com  a  cofnmunicação,  porque  cada  dia 
hia  descobrindo  um  no  outro,  cousas  que  os  obrigavão  a 
se  amarem  mais  (Sousa,  V.  do  Are,  1,  316).  Hum  dia 
que  pregando  ao  povo  estava  \  Fingiram  entre  a  gente 
hum  arroido  (Lus.,  X,  117). 

No  port.  arch.  também  se  dizia;  v.  g:  E  finou-se  sete 
dias  de  janeiro  da  era  de  mil  e  trezentos  e  sessenta  e  Irez 
annos  (Chron.  breve  do  Arch.  Nac.  ap  L.  de  Vascon., 
Text.  Arch.,  33). 

2)  Com  os  dias  da  semana:  chegou  domingo,  segunda 
feira  (etc);  domingo  passado;  chega  domingo,  segunda 
feira  (etc),  domingo  próximo,  domingo  que  vem. 

3)  Com  vez  acompanhado  de  expressão  attributiva: 
Contasse  que  foy  híia  vez  gram  demanda  antre  o  cam 

e  o  carneyro  (Fabul.,  fabul.  4). 

4)  Com  certas  expressões  adverbiaes  (v.  g. :  um  tem- 
po [=-olim]): 

mal  dia  naci  (Vasco  Roiz  de  Calvelo,  Vai.,  582).  a 
má  erva  se  se  não  arranca,  cada  dia  multiplica  (H.  P., 
II,  95).  elle  cada  hora  se  aventejava  em  obras  santas 
(Sousa,  V.  do  Arco,  1,  122).  e  diz  que  muyto  maa  ora — 
se  meteu  no  seu  cortiço  (Álvaro  de  Brito,   Can.   Ger.  L 


SYNTAXE   HI8T0K1CA   POUTUGUESA  45 


217).  Certo  eu  naci  maa  ora  (Anrrique  da  Mota,  Canc. 
Ger.  III,  484).  a  populosa  hum  tempo  Cingapura  (Mal. 
Conq.  1,  118,  ap.  Blut.). 

Obs.  O  arch.  nulla  sazon  (=em  tempo  nenhum)  deve 
ser  provençalismo,  como  bem  pensa  o  Dr.  Leite  de 
Vasconcelos  (Tcxl.  arch.,  pg.  435). 

b)  Designa-se  sempre  sem  prepos.  com  as  expres- 
sões: todos  os  dias,  todas  as  semanas,  etc. 

Já  em  latim  se  dizia,  v.  g.:  quos  ego  . .  ad  me  id  tem- 
poris  venturas  esse  praediveram  (Cie.  in  Caiil.,  1,4), 

§  41.  a)  Em  outras  determinações  sem  prepos.  ha 
propriamente,  ou  ellipse,  ou  anacoluthia. 

Obs.  Nas  expressões  como:  Partiram  caminho  de 
Roma,  parece  que  o  compl.  caminho  é  «ievido  á  influen- 
cia das  locuções:  tomar  o  cammho  de,  seguir  o  caminho  de: 

quando  ssora  [=ss'oraJ  foy  sa  vya  (Fernão  Roiz  de 
Calheiros,  Vai.,  234).  Antes  de  chegar  a  Santiago,  N. 
Coelho  apartou-se  de  V.  da  Gama  e  foi-se  caminho  de 
Portugal  (Cast.,  /,  29). 

b)  Nào  são  fáceis  de  explicar  as  expressões  des- 
criptivas  constituidas  por  um  substantivo  seguido  ou 
precedido  de  uma  expressão  predicativa: 

Encostado  ao  seu  cajado  |  ha  (a)   çapata  na  outra 
mão   (Bern.  Ribeiro,   écloga,   2).     cego   o  vedes  pintar,  \ 
menino,  e  arco  na  mão  (Prestes,  423).     com  penitencia  de 
assistirem  certos  Domingos  á  porta  de  suas  Igrejas,  pés 
descalços,  e  cabeças  descobertas  e  velas  acesas  nas  mãos 


46  SYNTAXR  HISTÓRICA   POKTUQDKSA 


em  quanto  se  cantasse  a  Missa  do  dia  (Sousa,  Vida  do 
Archeb.,  1,  322).  e  ambos  a  pé  suas  capas  ás  costas  e 
bordões  nas  mãos  a  uso  monástico  põe-se  em  caminho 
(Sousa,  Vida  do  Archeb.,  J,  466).  Chaves  na  mão,  melena 
desgrenhada,  \  Batendo  o  pé  na  casa,  a  Mãi  ordena  (N. 
Tolentino,  Obras,  I,  1801,  57).  Olhos  em  brasa,  á  tur- 
ba pavorosa  \  Charonte  acena  (A.  J.  Viale,  Canto  3.o  do 
Inferno  de  Dante). 

§  42.  Dos  nomes  empregados  por  si  sós  (correspon- 
dentes a  nominativos  latinos)  v.  g.:  em  titulos  de  obras, 
letreiros,  e  outros  dizeres  que  não  constituem  orações, 
não  é  necessário  fallar  na  grammatica. 

§  43.  A  respeito  do  vocativo  só  tem  de  observar-se 
que  ó  empregado,  já  quando  se  chama  por  alguém  ou  se 
dirige  a  falia  a  uma  pess.  ou  coisa  personificada,  já  em 
simples  exclamações: 

ó  tu  Sertório,  ó  nobre  Coriolano,  \  Catilina,  e  vós  ou- 
tros dos  antigos  |  . . .  Dizei-lhe  que  lambem  dos  Portugue- 
ses I  Alguns  tredores  houve  algúas  vezes  (Lus.,  IV,  33). 
Bem  poderás,  ó  Sol,  da  vista  doestes  |  Teus  raios  apartar 
aquelle  dia,  \  Como  da  seva  mesa  de  Thyestes  |  Quando 
os  filhos  por  mão  de  Atreu  comia!  (Lus.,  III,  133).  Al- 
cançou ser  amado  (ó  sorte  rara !),  |  Da  fermosa  Lianor 
(ó  rara  sorte!)  (Corte  lieal,  Naufr.,  X,  17). 

§  44.  Das  preposições  que  substituíram  os  casos  la- 
tinos (de,  a,  para,  em,  com,  por)  tratar-se-ha  conjunctíi- 
mente  com  as  demais  preposições  no  capitulo  respectivo. 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  47 

CAPITULO  II 

Das  palavras  nominaes  em  particular 

A.    Do  substantivo 

§  45.  a)  O  apposto  em  sentido  estricto  liga-se  dire- 
ctamente, isto  é,  sem  estar  posto  em  relação  particular 
com  D  predicado,  a  uma  palavra  nominal: 

Vede  coino  concorda  S.  Paulo  com  S.  João,  os  dons 
mayores  iheologos  da  Escola  de  Christo  (Vieira,  XI,  523). 
a  congregação  de  S.  Mauro,  aquelle  brilhante  Seminário 
de  homens  illtistres,  creou  a  diplomática  (Herc,  Op.,  III,  69). 
Tu  também,  grosso  Silva,  lustre  e  gloria  \  da  tua  Pátria, 
antiga  Torres  Vedras,  |  Doutor  em  Anno-historico,  não 
foste  I  Dos  últimos. .  (Hyssope,  107,  8).  He  assi  ínesmo 
muito  abundante  de  arroz,  mantimento  commum  naquellas 
partes  (Godinho,  10).  per  meo  dos  sentidos,  portas  e  ser- 
ventia do  entendimento  (H.  P.,  I,  7  v.).  Aprendeo  [D.  João 
de  Castro]  as  Mathematicas  com  Pedro  Nunez,  o  maior 
homem,  que  desta  profissão  conheceo  Portugal  (Freire,  4). 
Desde  essa  epocha  a  distincção  das  du,as  raças,  a  conquis- 
tadora ou  goda  e  a  romona  ou  conquistada,  quasi  desap- 
parecera  (Herc,  Eur.,  2). 

Um  apposto  d'esta  espécie  pode  pertencer  para  uma 
oração : 

Dizendo  isto,  Lourenço  Telles  estava  roxo  de  cólera,. . 
tomava  rapé  a  miúdo  e  com  sofreguidão,  indicio  vehemente 
do  furacão  que  o  revolvia  (R.  da  Silva,  Mocidade,  1,  87). 

.  ,  sed  príncipes  quidam  jiiventutis  invenii,  manifesta 
fides  publica  ope  Volscos  hosfes  adjufos  (T.  Liv.  6,14).  V. 
Draeger,  Hist.  Synt.,  §  309. 


48  SYNTAXK  HISTOUIOA   FORTUQUESA 


Quando  o  apposto  serve  de  explicar  (app.  epesege- 
tico)  ou  de  enumerar  (app.  enumerativo),  pode  ser  pre- 
cedido de:  «a  saber»;  < convém  a  saber:»: 

duas  cousas. .  convém  a  saber:  vida  e  honra  (Espelho 
de  Casados,  2,"  ed.  21).  O  restante,  a  saber:  capitel,  es- 
phera,  e  coroa  fez-se  pedaços  (Gast,  Q.  Hist.,  2,  66). 

Corresponde  ao  latim  scilicd,  empregado  também 
d'este  modo  na  lingoa  post-classica. 

Pode  dizer-se  v.  g:  os  dois  poderes,  temporal  e  espi- 
ritual; os  dois  poderes,  o  temporal  e  o  espiritual. 

Orationes  Campana  et  Lcontina  (Cic.  Philip.,  2,39). 

b)  O  apposto  em  sentido  lato  constitue  ao  mesmo 
tempo  uma  determinação  do  predicado. 

Obs.  Parece  dever  considerar-se  apposto  a  uma  or. 
a  locução  mercê  de  alguém  ou  de  algo  (=graQas  a) : 

mercê  da  longa  experiência  [como  parenthesej  (Lusii. 
transf.  f.  6). 

Quando  se  pretende  exprimir  tempo,  hypothese, 
concessão,  causa,  comparação,  ou  debaixo  de  que  res- 
peito é  considerada  a  pess.  ou  cousa,  o  apposto  é  em 
regra  precedido  de  um  adverbio  ou  do  uma  expressão 
tomada  adverbialmente;  na  lingoagem  litteraria,  porêra, 
também  se  liga  immediatamente  ao  nome  para  que  per- 
tence: 

Quando  soldado,  nnnca  entre  as  balas  mudou  os 
cores  (Vieira,  I,  392—3).  [ Abrahão]  temeo  que,  como 
mulher  e  mãe  [Sara],  não  tivesse  valor  para  consentir 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  49 


no  sacrifício.  .(Vieiva,  /,  603).  Verideo  [S.  Pedro  NolascoJ 
todas  as  riquezas  que  possuía,  como  grande  Senhor  que 
era  no  mundo  (Vieira  //,  209). 

§  46.    Os  nomes  próprios  vão  para  o  plural: 

1)  quando  representam  mais  de  uma  pess.  ou  cousa, 
que  tem  o  mesmo  nome:  os  dois  Apollodoros  (em  fran- 
cês: les  deux  Apollodore) ;  os  Sás;  os  Moreiras  de  Sá;  os 
For  jazes : 

Os  Correias  de  Sá  (Camillo,  Perfil,  11). 

2)  quando  se  designa  emphaticamente  uma  pess.  ou 
cousa  de  grande  nomeada: 

Os  Augustos,  os  Claudios,  os  Tiberios,  os  Vespasianos, 
os  Titos,  os  Trajanos,  que  he  deites  (Vieira,  I,  116).  os  tra- 
balhos práticos  dos  Pestalozzis,  Lemaces,  Jacotots,  e  Froe- 
beis,  são  credores  de  universal  agradecimento'  (Cast.,  Out. 
I,  18). 

3)  quando  servem  de  representar  emphaticamente 
pess.  ou  cousas  d'aquella  classe: 

Por  isso,  e  não  por  falta  de  Natura,  \  Não  ha  também 
Virgilios  nem  Homeros,  j  Nem  haverá,  se  este  costume 
dura.  j  Pios  Eneas  nem  Achilles  feros  (Lus.,   V,  98). 

4)  quando  se  designam  as  obras  de  um  autor  ou 
artista:  achei  na  estante  seis  Vergilios. 

§  47  a)  Fallando-se  de  uma  cousa  que  pertence  sin- 
gularmente a  cada  um  de  vários  sujeitos,  é  corrente  no- 
mear-se  no  singular  (v.  g.:  «puseram  o  chapéo  na  cabeça»). 

Quando  as  expressões  do  typo  de:  vigário  da  vara, 
chapéo  de  sol,  vão  para  o  plural,  o  substantivo  regido 
conserva-se  no  singular:  vigários  da  vara,  chapéos  de 
chuva. 

b)  Em  certas  locuções  emprega-se,  em  sentido  col- 
lectivo,  o  singular  em  vez  do  plural :  de  pé  descalço,  des- 
calço (descalços)  de  pé  e  perna,  o  cair  da  folha: 


50  SYNTAXB  HISTÓRICA  POKTUGUESA 


O  pobre  monge,  que,  de  pé  descalço  \  dum  mundo  fal- 
so os  areaes  percorre  (Th.  Kib.,  D.  Jayme,  53). 

c)  Acompanhado  cie  muito,  pouco,  tanto,  pode  em- 
pregar-se  o  singular  em  vez  do  plural;  muito  homem, 
pou^a  laranja,  tanta  desgraça. 

§  48  a)  Alguns  substantivos,  que  não  pertencem  á 
categoria  dos  pluralia  tantum,  empregam-se  ou  podem 
empregar-se  em  certos  casos  no  plural,  quando  era  de 
esperar  o  singular.  I)iz-se:  a  margem  direita,  a  margem 
esquerda  de  um  rio,  mas,  se  não  se  especializar  a  margem, 
diz-se,  V.  g.:  D.  Affonso,  filho  de  D.  João  II,  morreu  da 
queda  de  um  cavallo  nas  margens  do  Tejo,  junto  a  San- 
tarém. Bons  dias!  (também:  Muito  bom  dia!);  Boa^i  noi- 
tes! (também:  Boa  noite!): 

Feitas  as  pazes  (Comm.  de  Aff.  de  Albuq.,  3). 

Weissenborn,  annotando  este  passo  de  Tito  Livio 
(II,  11):  ripisquc  Tiberis  castra  postiit,  diz:  «ripis»  bezei- 
chnet  also  nur  das  cine  Ufer. 

Cf.  em  Platão,  Protágoras  (2):  xôiv  vuxií&v  (faltando 
de  uma  só  noite). 

b)  O  uso  dos  numeraes  cardinaes,  em  vez  dos  ordi- 
naes  (v.  g. :  Luis  XIV),  trouxe  comsigo  o  empregar-se  o 
plural,  em  vez  do  singular,  em  algumas  expressões,  v.  g. : 
aos  5  capitulos  (no  port.  ai*ch.  médio)  (=no  capitulo  5.°); 
a  paginas  4  (=na  pagina  4.");  a  paginas  tantas;  a  folhas 
10,  a  folhas  tantas;  (quasi  antiquado)  aos  7  dias  de  Abril; 
aos  7  de  Abril  (=a  7  de  Abril,  em  7  de  Abril): 

Aos  V  capitulos  de  S.  Matheus  (H.  P.,  /,  158).  Aos 
doze  dias  de  Agosto  de  1543  se  fez  á  vela  toda,  a  armada 
(Freire,  19). 

Diz-se  sempre:  ás  4  hoi-as;  a  tantas  horas;  são  3  ho- 
ras; que  horas  são? 


SYNTAXE   HISTOUICA   PORTUGUESA  51 


§  49.  Em  alguns  casos"  emprega-se  um  substantivo 
concreto  (ou  adjectivo)  (precedidos  de  preposição),  onde 
era  de  esperar  um  substantivo  abstracto  (ou  o  verbo  ser 
com  n.  predicativo).  Dá-se  isto  principalmente: 

Com  as  designações  dos  differentes  períodos  da  vida 
(com  as  prep.  desde,  em,  para) : 

Os  que  em  velhos  começão  a  ser  hons,  pouco  tempo 
lhes  fica  para  usarem  da  virtude  (Lobo,  Corte  na  ald., 
221,  ap.  Blut.).  não  gosta,  como  rei,  que  lhe  lembrem  que 
estudou  pouco  em  príncipe . .  (R.  da  Silva,  Mocidade,  3,  67). 

Em  latim:  a  puero  (desde  creança). 

Obs.  Nas  expressões  como:  accusar  alguém  de  pró- 
digo (=de  prodigalidade),  estudar  para  medico,  etc,  deve- 
rão antes  ver-se  casos  de  ellipse  do  infinitivo  do  verbo 
ser,  de  que  ó  n.  predicativo  o  substantivo  ou  adjectivo 
que  se  segue  á  preposição  de;  vid.  §  411. 

§  50.  Conquanto  não  pertença  propriamente  á  gram- 
matica,  mas  sim  á  estilística,  consignar-se-ha  neste  lugar, 
que  se  diz,  não  só,  v.  g.:  ir  ao  Bertrand  (=á  livraria  do 
Bertrand),  comprar  um  livro  no  Lavado,  senão  também, 
V.  g. :  ir  á  Trindade,  á  Rua  dos  Condes,  ás  Variedades 
(=ao  theatro  da  Trindade,  etc.)  fao  Variedades,  é  barba- 
rismo recente);  sabe  o  que  vae  hoje  em  S.  Carlos?,  em 
D.  Maria?  (=no  theatro  de  S.  Carlos,  D.  Maria,  etc); 
amanhã  ha  festa  em  S.  Nicolao,  na  Magdalena  (=na  igre- 
ja de  S.  Nicolao,  da  Magdalena);  e  de  igual  modo :  ir  para 
os  Açores,  para  a  Madeira  (=para  as  ilhas  dos  Açores, 
para  a  ilha  da  Madeira). 


Ad  tonsorem  ire  dixit  (Plauto,  Asin.,  2,3,14);  ego  ibo  ad 
medicum  (id.  Men.  3,7,17). 


52  SYNTAXK  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


§  51.  Funccionam  como  substantivos,  além  das  pa- 
lavras tomadas  materialmente : 

1)  adjectivos  (participios) :  o  temerário  e  o  impossí- 
vel da  empresa; 

2)  pronomes  (entre  elles  o  pron.  pessoal  eti,  sobre 
tudo  na  lingoagem  philosophica); 

3)  algumas  palavras  invariáveis  em  certas  combina- 
ções: até  hoje; 

4)  certas  combinações  de  prepos.  com  substantivo: 
um  sem  numero  (  =  uma  infinidade)  de  vezes  e  com  ha 
tanto  tempo : 

um  sem  numero  de  mysteriosas  harmonias  (Herc, 
Lendas,  II).  sermões  de  ha  sessenta  annos  (Herc.,  Op. 
Ill,  9). 

B.    Do  adjectivo 

§  52  a)    O  adjectivo,  como  tal,  é: 

ou  attributo:  cidade  popidosa ; 

ou  nome  predicativo:  esta  cidade  é  poptdosa; 

ou  apposto  (e  neste  caso  designa  o  modo  de  ser  da 
pess.  ou  cousa  no 'tempo  em  que  se  dá  a  acção  do  verbo): 

mal  pode  ter  a  vara  direyta  quem  tem  a  cofisciencia 
torta  (H.  P,,  /.  178  v.).  A  aurora  rompeu  meiga  e  serena 
(Herc,  Eur.,  113).   Que  o  valor,  e  virtude  preeminente  \ 
Presente  desagrada,  ama-se  ausente  (Ulyss.,  5,  67). 

Obs.  Quando  o  apposto  exprime  causa,  pode  ante- 
pôr-se-lho  a  prepos.  de,  para  dar  realce  ao  estado  ou 
qualidade: 

. .  E  nisto  de  mimosa  \  O  rosto  banha  em  lagrimas 
ardentes,  \  Como  co  orvalho  fica  a  fresca  rosa  (Lus. 
II  41). 


SYNTAXK   HISTÓRICA   PORTUGUESA  53 


.  •  naturam  ipsam  de  immorlalitate  animoruni  tadtam 
judicare  (Cie.  Tusc,  1,  14).  Cursu  festinns  Anhelo  advolat 
(Ovid.  Met.,  II,  347-48).  V.  Madv.  §  300. 


b)  Ainda  que  6  ponto  que  pertence  propriamente  á 
estilística,  observar-se-ha  neste  lugar,  que  a  litteratura 
clássica,  imitando  o  latim,  quando  um  adjectivo  pertence 
para  um  de  dois  substantivos  ligados  pela  prepos.  de, 
concorda  ás  vezes  o  adjectivo  com  o  outro  substantivo : 

Vem  arneses  e  peitos  reluzentes,  |  Malhas  finas  e  lami- 
nas seguras,  \  Escudos  de  pinturas  di ff er entes,  \  Pelouros, 
espingardas  de  aço  puras  (Lus.,  I,  67). 

Genere  levi  armaiurae  (T.  Liv.,  xxxv,  27);  Monumenio- 
rum  arduiim  d  operosum  honorem  (Tácito.  Germ.,2"). 

§  53  a)  O  adjectivo  attributo,  quando  pertence  pára 
um  só  substantivo,  toma  o  género  e  numero  do  substan- 
tivo :  Vagas  rumorosas :  sol  esplendido. 

Obs.  1."  Quando  pertence  para  uma  expressão  de 
tratamento,  o  adjectivo  toma  o  género  do  nome  próprio 
da  pess.  a  quem  se  dá  o  tratamento ;  Cf.  §  14  a. 

Obs.  2."  Diz-se,  v.  g.:  os  volumes  4."  e  õ.°,  o  4."  e  5."  vo- 
lumes, o  4.0  volume  e  o  5.°,  o  volume  4.°  e  a  õ.°,  (menos 
frequentemente)  o  volume  4.°  c  5.°: 

O  quarto  e  quinto  Affonsos . .  (Lus.,  I,  13).  sam  Ma- 
teus no  primeiro  e  segundo  capitolos  (Corte  imp.,  133). 
na  decima  e  undécima  proposições  que  referistes  (Man. 
Bernardes,  Luz  e  Calor,  169,  apud  Barreto,  228). 

in  undeviccssimam  et,  vícessimamlegiones  (T.  Liv.,  27,  38); 
prima  et  terlia  legione  (Id.  40,  41). 


54  SYNTAXE  HISTÓRICA   POKTUGUKSA 


b)    Quando  pertence  para  vários  substantivos, 

1)  SC  todos  elles  são  do  mesmo  género,  toma  o  gé- 
nero dos  substantivos  o 

a)  sendo  todos  do  plural  (ou  de  números  diversos), 
vae  para  o  plural:  Lemistes  e  selins  cortesãos. 

b)  sendo  todos  do  singular,  vae  para  o  plural,  de 
preferencia,  ou  para  o  singular: 

dotada  de  conformidade  e  resignação  heróicas  (Herc, 
Monge,  1,  250).  o  seio  e  o  rosto  da  monja,  suavemente  pal- 
lidos  (Id.,  Eiir.,  159).  a  destreza  e  pericia  árabes  (Herc, 
Lendas,  II,  83).  cujo  saio  e  cavallo  negros  (Id.,  ibid..  223). 
para  uma  e  outra  coisa  juntas  (Cast.,  Q.  Hist.,  I,  116). 

2)  se  os  substantivos  são  do  géneros  diversos,  e: 
o)    do  plural,  vae  para  o  plural  e  para  o  género  do 

substantivo  mais  próximo : 

Dictes  e  sentenças  furtadas  (Góes,  Cat.  M.,  6).  Leis  e 
CQstumes  pátrios  (Herc.  Cas.  Civ.). 

b)  se  do  singular,  vae  de  ordinário  para  o  singular 
e  para  o  género  do  substantivo  mais  próximo,  quando 
está  immediataniente  antes  d'este  e  de  ordinário,  para  o 
plural  masculino,  quando  vae  depois  dos  substantivos: 

Assim  como  aquelle  pérfido  deu  a  lançada,  manou  da 
ferida  sangue  e  agoa  verdadeiros  (Bernardes,  Nov.  Flor. 
ap.  Barreto,  Est.  193).  A  existência  e  esplendor  antigos 
(Herc.  Cas.  Civ.). 

c)  se  de  números  diversos,  vae  para  o  plural,  de 
preferencia,  e  para  o  género  masculino,  ou  para  o  numero 
e  género  do  substantivo  mais  próximo: 

As  calças  e  jubão  de  ouro  lavrados  (C.  Real.,  Naufr, 
73).  Com  os  cânones  e  com  a  disciplina  promulgados  em 
Trento  (Herc,  Cas.  civ.). 

§  54)  A  regras  de  concordância  do  adjectivo  como 
nome  predicativo,  vão  nos  §§  11  e  32. 


SYNTAXK   mSTOlUCA   POKTUGUESA  55 


§  55)  As  regras  de  concordância  do  adjectivo  em- 
pregado como  apposto  são  as  mesmas  que  a  do  adjectivo 
empregado  predicativamente : 

E  siipitamente  lhe  apareceo  sam  Framçisquo  com 
samto  António  vistidos  de  avitos  respramdecentes  e  cimgi- 
dos  com  cordas  (Mil.  de  S.  Ant.,  66).  A  maior  parle  do 
qual  [GambeaJ  corre  turtuoso  em  voltas  meudas  (Barros, 
/,  3.  8).  Mas  de  quanto  vos  quero  descuidada  \  sempre 
áspera  vos  vejo,  sempre  dura  (Caminha,  50).  A  imagina- 
ção e  o  orgidho  exercem  grande  poder,  e  correm  mais 
fogosos  do  que  pensas  (R.  da  Silva,  Mocidade,  3,  115). 

Obs.  Um  adjectivo  do  plural  pode  estar  apposto  a 
um  sujeito  do  singular  que  venha  depois,  quando  este 
sujeito  é  algum  dos  pronomes  cada  um,  cada  qual,  ne- 
nhum, ninguém,  referidos  a  certas  pess.  ou  cousas  já 
mencionadas: 
sobresaltados  com  esta  vista,  procurava  cada  um  pòr- 
se  a  salvo. 

§  56.    Sobre  a  gradação  dos  adjectivos,  v.  cap.  iii. 
§  57.  a)    Com  o  valor  de  substantivos,  empregam-se 
os  adjectivos  (e  participios  passivos) : 

1)  designando  pessoas:  o  fraco,  o  forte;  os  vivos,  os 
mortos ; 

2)  designando  cousas  (no  singular):  o  promettido  é 
devido. 

Obs.    Um  pequeno  numero  também  se  emprega 
deste  modo  no  plural  (possível,  impossivel). 

3)  em  vez  de  substantivos  abstractos,  no  singular, 
quando  queremos  dar  realce  á  qualidade  ou  estado  de 
um  dado  objecto  (o  temerário  da  empresa): 

nem  os  molestava  o  estirado,  e  desconjuntado  dos 
membros  (Vieira,  I,  992).  A'  altura  da  queda  e  ao  ím- 
peto das  águas  ajunctava-se  o  agudo  dos  rochedos  (Herc, 


56  8YNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


Eur.,  242).    pesavam  mudos  o  temerário  e  o  impossível 
da  empreza  (Cast.,  Q.  Hist.,  II,  10-11). 
b)    Em  particular  substantivam-se: 

1)  alguns  adjectivos,  designando  a  parte  respectiva 
de  um  objecto:  o  alto  da  cabeça,  o  alto  de  um  monte; 

2)  os  comparativos,  designando  o  momento  respe- 
ctivo de  um  acontecimento:  no  mais  agro  da  tormenta: 

Amor  com  brandas  mostras  apparece,  j  Tudo  possível 
faz,  tudo  assegura,  \  Mas  logo  no  melhor  desapparece 
(Cam.,  Sou.,  180).  Achava-se  D.  João  no  melhor  de  seus 
annos  (Freire,  11). 

3)  alguns  adjectivos,  no  singular  masculino,  desi- 
gnando aquillo  que  tem  a  respectiva  qualidade,  conside- 
rada de  modo  geral,  independentemente  dos  objectos 
concretos  em  que  ella  se  manifesta:  o  bello,  o  sublime; 

4)  os  adjectivos  designativos  de  cores  em  expressões 
como:  vestido  de  prelo;  ser  oiro  sobre  azul; 

5)  os  adjectivos:  alto,  largo,  comprido,  quando  de- 
signam dimensões  (v.  g. :  ter  tantos  metros  de  alto): 

muro  de  madeira  de  dez  palmos  de  largo  e  vinte  de 
alto  (Comm.  Aff.  de  Alb.,  24). 

(vallis)  habcl. . .  in  longo  millia  passos  forsilan  scdcrim, 
in  lato  aiUem. . .:  Aeth.  per.,  2,  1). 

6)  um  ou  outro  adjectivo  em  sentido  especial,  em 
certas  combinações:  ao  antigo  =  (i  moda  antiga;  saber  ao 
certo : 

Hum  cavalleiro  vestido  ao  antigo  (M.-Lus.,  2,  333, 
cl.  2.  ap.  Blut.). 

Obs.  Antigamente  empregava-so  o  adjectivo  peque- 
no (e  o  diminuitivo  pequenino)  no  sentido  de  pedaço  (pé' 
(lacinho): 


SYNTAXE   HISTÓRICA  POIITUGUESA  57 


ê  toda  parte  lia  hu  peqno  de  muo  caminho  (Esp.  de 
Casados,  37,  v.). 

§  58.  a)  Alguns  adjectivos  empregam-se,  em  certas 
combinações,  referidos  a  um  substantivo  que  se  suben- 
tende. 

Um  adjectivo  substantivado  está  referido  a  uma  de- 
terminada ideia,  porém,  não  a  uma  determinada  palavra 
que  designe  essa  ideia ;  um  adjectivo  elliptico  está  refe- 
rido não  só  a  uma  determinada  ideia,  mas  também  a  uma 
determinada  palavra  que  designa  essa  ideia. 

Diz-se:  á  direita,  d  esquerda  (também:  á  mão  direita, 
á  mão  esquerda);  á  portuguesa,  á  francesa,  etc. 

aã  dexteram,  ab  dextra,  dextra  (Ces.  Bel.  Civ.,  2,  15); 
dexdra  ejus  (flioiíinisj  accoliint  Deximontani  (Plin,  Nat.  Hisl., 
6,  99);  ad  sinistram,  ad  lacram,  etc. 

D'este  modo  empregam-se  até  adjectivos  formados 
de  nomes  próprios:  botas  d  Frederica,  cabello  cortado  á 
Saint-Simonia.  Não  me  recordo  de  ter  encontrado  es- 
cripta  esta  palavra,  mas  ouvi-a  muitas  vezes  em  pequeno. 
Actualmente  diz-se,  e  seria  difficil  dizer- se  d'outro  modo, 
V.  g. :  trajo  á  Luís  XV. 

b)    A  esta  categoria  pertencem  as  expressões: 

ás  claras,  ás  escondidas,  ás  escancaras,  ás  avessas, 
etc. ;  vir  ás  boas ;  viver  á  larga  (antigamente :  á  la  larga) ; 
andar  á  solta';  chegar  á  justa;  levar  a  melhor,  levar  a 
peor: 

e  cada  vez  os  lobos  levavam  a  peor  (Fabul,  fab.  38). 

§  59.  Um  pequeno  numero  de  adjectivos  empre- 
gam-se também,  no  sing.  masc,  adverbialmente :  dema- 
siado, nimio,  raro,  continuo,  súbito,  alto  (fallar,  voar); 
caro  (custar,  comprar,  vender);  serio  (fallar): 

E  por  esto  se  diz  que  a  fretnosura  gabada  sobejo,  per 


58  SYNTAXK   HISTOIUCA   PORTUGUESA 


vezes  se  torna  em  fealdade  {V.  Bemf.,  276).  Doce  tanges, 
Pierio,  doce  cantas  (Ferreira,  egl.  2.,  ap.  Moraes). 

Obs.  O  adjectivo  meio  (junto  de  adjectivos  e  parti- 
cipios)  emprega-se  adverbialmente  ou  em  forma  inva- 
riável ou  concordando,  por  attracção  ('),  com  o  substan- 
tivo para  (lue  pertence  o  adjectivo  ou  participio: 

miseiaveis  ruinas,  ou  meyo  sepultadas  já,  ou  cober- 
tas de  era  (Vieira,  S.  de  «S.'"  Cath.).  Olhos  meio  fechados 
(Cast.,  Chave,  41).  Huns  caem  meios  mortos  (Lus.  III,  50). 
Outros  meios  mortos  se  afogavão  (Id.,  ibd.,  113).  Na  quasi 
solitária  e  meia  arruinada  Carteia  (Here.,  Eiir.,  12). 

Attracção  semelhante  se  dá  com  os  adjectivos  caro  e 
barato : 

disposto  a  vender  cara  a  vida  (Camilo,  Cego  de  Lan- 
dim, ap.  Barreto,  Est.,  261).  Os  monumentos  custam  caros 
(Reb.  da  Silva,  De  noite  todos  os  gatos  são  pardos,  ap. 
Barreto,  Est.,  261).  Da  cavalgada  ao  Mouro  já  lhe  pesa, 
I  Que  bem,  cuidou  comprá-la  mais  barata  (Lus.   I,  90). 

D'estas  palavras  umas  representam  formas  adjectivas 
latinas  que  se  empregam  adverbialmente  (raro,  continuo, 
súbito,  nimio),  outras  são  empregadas  adverbialmente, 
por  analogia  de  significação  (demasiado,  por  analogia  de 
nimio),  outras  são  pura  imitação  litteraria  do  latim,  como 
no  passo  acima  citado,  de  Ferreira  (dulce  ridentem  Lalu- 
gen  amabo,  dulce  loquentem  [Hor.,  Carm.  I,  22,  23-24]. 

§  60.  Os  adjectivos  podem,  nas  suas  diversas  func- 
ções  vsyntacticas,  ser  substituídos  por  equivalentes  de 
adjectivos,  a  saber,  por:  1)  nomes  precedidos  de  prepo- 


(')    V.  Dr.  Leite  de  Vasconcellos,  As  Lições  de  Luig.  do  snt:  Oiwd.  de  Fiyueittdo' 
10  e  II. 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  59 


siçào;  2)  infinitivos  precedidos  de  preposição;  3)  alguns 
advérbios : 

Ca  par  Deus,  semelha  mui  sem  razoyn  j  (Taver  eu  mal 
d'u  o  Deus  nom  pos,  nom  (D.  Denis,  Lang.,  34).  Nem  cui- 
demos que  he  louvado  por  de  grande  e  nobre  coraçom  o 
que  faz  m.ercee  onde  a  nom  possa  perder  (V.  Bemf.  108). 
a  minha  pena  he  sem  medida  (Camões,  Son.,  181).  de  ter 
por  sem  duvida  (H.  P.,  J,  7).  homens  sem  consciência 
(Vieira,  VII,  52).  Um  portuguez  ás  direitas  (Garrett, 
Fr.  Luiz  de  Sousa,  I).  nas  luctas  sem  gloria  (Herc, 
Eur.,  84).  a  crypta  estava  em  silencio  (Id.,  ihid.,  164). 
não  ficarão  sem  vingança  (Id.,  ibid.,  224). — Como  tudo 
nelle  [desoioj  sejão  planicies  a  perder  de  vista  (Godinho, 
115). — Nunca  vi  coisa  assim  (Garrett,  Viagens,  35). 

C.    Do  nome  numeral 

a.    líumeraes  propriamente  dietos 

§  61  a)  Empregam-se  os  cardinaes  em  vez  dos  ordi- 
naes:  nas  datas  dos  annos,  nas  dos  dias  do  mês,  na  indi- 
cação das  horas,  na  das  paginas,  folhas  (facultativamente), 
dos  capítulos,  paragraphos;  v.  g. :  em  1872,  no  anno  de 
1872;  a  3  de  Maio,  aos  3  de  Maio,  em  3  de  Maio,  no  dia 
3  de  Maio:  domingo,  3  de  Maio;  mas  diz-se:  em  um  de 
Maio  ou  no  primeiro  de  Maio ;  domingo,  um  de  Maio,  ou 
dia  primeiro  de  Maio;  é  meia  hora  depois  do  meio  dia,  é 
uma  hora  da  tarde;  ás  4  horas  da  tarde,  5  horas  e  meia 
da  manhã;  a  paginas  1,  et  paginas  2,  na  pagina  1,  na 
pagina  2;  também:  na  primeira  pagina  ou  na  pagina 
primeira ;  mudar  de  rua  e  bairro  todos  os  três  mezes  (Gar- 
rett, Viag.,  20)  (=de  três  em  três  meses).  Diz-se:  quarto 
n.^  1,  n.°  2,  etc,  ou  quarto  1,  9,  2;  cavallaria  1,  infanta- 


60  SYNTAXE  HISTOIUCA   POnTUGDESA 


ria  2,  artilharia  3,  o  1   de  cavallaria,  o  2  de  infanta- 
ria, etc. 

Segundo  já  se  notou  (no  §  48  b)  antigamente  também 
se  dizia,  v.  g. :  aos  nove  capitulos  =  no  capitulo  nono,  aos 
ires  dias  — RO  (no)  terceiro  dia. 

Obs.  E'  irregularidade  (frequente  na  V.  Bemf.)  em- 
pregar o  ordinal  com  o  substantivo  (capitulo,  etc.)  no 
plural,  V.  g. :  aos  vigésimo  segundo  capilullos  dos  provérbios 
(pag.  90). 

b)  Na  distincção  de  príncipes,  etc,  do  mesmo  nome, 
os  cardinaes  podem  empregar-se,  em  vez  dos  ordinaes,  de 
11  em  diante  (isto  é,  desde  que  os  ordinaes  deixam  de  ser 
do  conhecimento  geral): 

Luiz  11  de  França,  o  papa  Leão  13  (mas,  v.  g.:  D.  Af- 
fonso  1°). 

O  mesmo  acontece  com  século. 

c)  Na  designação  das  fracções  diz-se  meio  (v.  g.:  meio 
litro,  meia  legoa,  meio  pão  ou  metade  de  um  pão),  dois 
terços,  3  quartos,  4  quintos,  5  sextos,  6  sétimos,  7  oitavos, 
8  nonos,  9  décimos  (e  também:  duas  terças  parles,  etc); 
d'ahi  por  diante  emprega-se  o  termo  avos  (v.  g. :  2  on^e 
avos). 

P'óra  do  calculo  das  fracções  ordinárias,  também  se 
empregam  alguns  outros  numeraes  ordinaes,  v,  g. :  5  duo- 
décimos, 3  vigessimos. 

§  62,  Em  certas  condições  um  vem  a  equivaler  a 
o  mesmo : 

Oh  cousa  para  espantar!  \  Que  ambos  a  ferida  tem  | 
Dlium  tamanho,  em  hum  lugar!  (Camões,  Amphitriões, 
acto   V,  scena  I)  (^).  eram  ambas  irmaãs  filhas  do  dicto 


O    Esta  obscrvaçíTo  é  devida  a  Júlio  Moreira,  Estudos,  I,  pag.  43. 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  61 


Rei  dom  Sancho  posto  que  nom  fossem  dhua  ^  madre  (F. 
Lopes,  538). 

§  63  a)  Tanto  se  diz,  v.  g.  r  vinte  e  um  dia,  como,  o 
que  é  mais  usual,  vinte  e  um  dias: 

bella  occupação  para  um  homem  de  vinte  e  um  annos 
(Garrett,  Viagens,  108). 

b)  No  port.  arch.  médio  dízia-se,  v.  g. :  ires  quatro, 
por  3  ou  4i 

não  levava  mais  que  três  quatro  [=3  ou  4]  negros 
(Mendes  Pinto,  14). 

c)  No  port.  arch.  dizia-se,  v.  g. :  duas  tanto  por  duas 
vezes  tanto: 

a  qual  ssoomhra  parecia  a  elle  que  era  duas  tanta 
carne  (Fabul.,  fab.  V). 

d)  Escreve-se  v.  g. :  «33  varas  e  meia>  (Cast.,  Q.  Hist., 
2,  62).  e  <16  e  meio  palmos»  (Cast.,  Q.  Hist.,  2,  62);  mas 
fallando-se,  só  se  diz:  16 palmos  e  meio. 

e)  Diz-se  ellipticamente:  ás  duas  por  três;  de  duas 
uma;  ou  —  ou — ;  á  uma  (em  contraposição  a  «em  segundo 
lugar»,  «depois»): 

mas  a  fortaleza  se  nam  fez,  a  huma  porque  o  tempo 
não  deu  pêra  isso  lugar,  e  á  outra  por  serem  perdidas 
estas  munições  (Góes.,  D.  Manoel,  IV,  45). 

b.     líumerais  indefinidos 

§  64.  a)  Tantos  serve  de  representar  o  numeral 
que  não  se  individua: 

Trinta  e  tantos  (Ceita,  195,  v.).  explicar  por  um  ca- 
pitulo tantos..  (Herc,  Lendas,  2,  217). 

b)  Diz-se,  por  attracção:  uma  pouca  d'agoa,  umas 
poucas  de  obras;  mas  também  se  diz,  v.  g. :  um  pouco  de 
boa  vontade: 


62  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


hua  pouca  de  hisca  (Fabul,  fab.  I).  húa  pouca  de 
pólvora  (H.  P.,  J/,  465,  v.J.  hiias  poucas  de  palmeiras 
(Aff.  de  Albuq.,  Comm.,  I,  22).  Uma  pouca  de  palha 
(Herc,  Bobo,  256). 

Conf. : 

T-ijv  nXzlQZTtW  z-fjç  o-paxiãç  (TllUC,  7,  3). 

§  65.     Diz- se  ellipticamente :  dizer  as  ultimas  a  alguém. 


D.    Dos  pronomes 


a.     Pronomes  pessoaes 

§  66.  a)    Como  sujeitos  ou  appostos  do  sujeito  ou 
nomes  predicativos  empregam-se: 

l.a  pessoa  2.^  pes.  d.^  pes. 

eu  tu  elle  ella 

nós  vós  elles  ellas 

Tu  e  vós  também  funcionam  como  vocativos. 
Como  complementos  directos  átonos  empregam-se: 

me  te  o  as 

nos  vos  os  as 

se  (reflexo) 

Como  complementos  indirectos  átonos  empregam-se: 

me  te  lhe 

nos  vos  lhes 

se  (reflexo) 


8YNTAXE   HISTÓRICA   POKTUGUKSA  63 


Precedidos  de  preposição  empregam-se : 


mim 

ti 

elle  ella 

nós 

vós 

elles  ellas 

si  (reflexo) 

Obs.  1."  No  port.  arch.  médio  é  frequente  a  forma 
lhe  como  plural,  e  ainda  é  muito  vulgar  na  linguagem 
do  povo;  occorre  ás  vezes  nos  próprios  escriptores  mo- 
dernos, nomeadamente  em  Bocage,  e  é  a  forma  que  tem 
de  empregar-se  na  combinação  com  o  pronome  o  a: 


Deixão  dos  sete  ceos  o  regimento  \  Que  do  poder  mais 
alto  lhe  foi  dado  (Lus.,  i,  21). 

Obs.  2."    As  formas  arch.  mego,  tego,  sego;  migo,  tigo, 
sigo;  nosco,  vosco,  cederam  o  lugar  ás  formas,  que  pode- . 
mos  chamar  pleonasticas:  comigo,  coiútigo,  comsigo,  com- 
nosco,  comvosco. 

Diz-se,  porem,  com  nós,  com  vós,  quando  os  prono- 
mes são  acompanhados  de  um  apposto  ou  attributo  ou 
or.  relativa:  com  ambos  nós,  com  vós  todos: 

. . .  mas  com  tudo  \  Nenhum  sinal  aqui  da  índia  acha- 
mos I  No  povo,  com  nós  oídros  quasi  mudo  (Lus.,  V,  69). 

Obs.  3."  No  fallar  popular  antigo  accorre  mi  e  ti 
por  eu  e  tu: 

mais  o  coraçom  pôde  mais  ca  mi  (Lang.,  57).  -esta 
dama  que  servires  \  nam  valha  menos  que  ty  \  por  linha- 
gem (Barbato,  Canc.  Geral,  /,  475),  Ora  vamos  eu  e  ti 
00  longo  doesta  ribeyra  (Gil  Vicente,  ap.  L.  de  Vasconc, 
Text.  arch.,  67). 


64  SYNTAXK  msTOKICA   FOUTUQUESA 


Obs.  4."  E'  grande  irregularidade  dizer:  cSenhora, 
entre  vós  o  eu  |  e  perante  João  Antào  |  me  soffrei  uma 
reprensão»  (Prestes,  4õõ). 


b)  O  port.  arcli.,  a  par  com  as  formas  actuaes,  em- 
pregava : 

1)  Como  forma  do  sujeito  da  3.*  pess.  masc.  do  sing. : 
e/(ell): 

ell  queria  hir  beber  {Fabul,  fabtil.  34). 

2)  Como  formas  do  compl.  directo: 

1)  átonas  (e  sô  em  combinações  com  outros  prono- 
mes átonos):  xi,  xe; 

2)  tónicas  (e  emphaticas)  mi,  mim,  ti,  elle.  elUi,  si, 
nós,  vós,  elles,  ellas,  si: 

. .  .pêra  calçar  sy  e  eles  (~a  si  e  a  elles)  (lAvro  das 
doações  de  D.  Dinis  7io  Archeol.  XII,  pag.  160).  Perdi  ela 
que  foy  arre  (=a  rem)  mdhor  (D.  AíT."  Sanches,  1^at.,  21). 
desque  vi  ela  (Vasco  Rodrigues  de  Calvelo,  Vat.,  585). 
mais  siganos  elle  que  he  nosso  criador  mostrando  ben- 
querença  que  devemos  a  todos  (V.  Bemf.,  51).  Conhece 
ty  mesmo  (Idem.,  73).  Ca  eu  nom  temo  ty  (Fabul, 
fabul.  22).  e  o  senhor  disse  ao  alcayde  que  sse  lh'o 
furtassem  per  ssua  maa  guarda  que  eíiforcariam  ell 
(Idem,  34). 

S)  Como  formas  do  compl.  indirecto:  mi  (mim),  ti, 
Ihi,  si,  xi,  xe,  Ihis,  si,  xi,  xe: 

me  Ihi  leixe  tanto  dizer  (Fernão  Velho,  Vat.,  54). 

4)  precedido  de  preposição:  mi  (forma  que  ó  ainda 
a  que  predomina  nos  Lusíadas),  el: 

A  dona,  que  já  d'ell  era  namorada  muito  (Fabul., 
fabul.  34). 

§  67.  As  combinações  normaes  de  pronomes  áto- 
nos são: 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  65 


m'o,  m'a,  m'os,  m'as 

se  me 

t'o,  etc. 

►   se  te 

lh'o,  etc. 

se  lhe 

no-lo,  etc. 

se  nos 

vo-lo,  etc. 

se  vos 

lh'o,  etc. 

se  lhes 

No  port.  arcb.  a  par  de  t'o,  fa,  havia  c'ho  ch'a,  e  a 
par  de  se  twe,  se  te,  etc,  havia  xi  (xe)  me,  etc: 

Esto  me  ffez  ventura  que  xi  me  tornou  madrasta  e  en- 
miga  a  Graal  (na  Rev.  Lus.,  VI,  343). 

Nos  outros  casos  substituem-se  as  formas  átonas  do 
compl.  indirecto  pelas  formas  tónicas  respectivas  (prece- 
didas da  prepos.  a): 

A  ti  me  converto ...  a  ti  me  queixo  (Man.  Bernardes, 
Luz  e  Calor,  582,  ap.  Barreto,  137). 

Obs.    Aqui  e  acolá  occon-em  combinações  que  não 
são  normaes: 

quando  te  me  deu  por  guardador  e  por  meu  guiador 
(Visão  de  Ttmdalo,  Rev.  Lus.  III,  105). 

§  68.  a)  Os  pronomes  pessoaes  que  tem  formas  cor- 
respondentes á  diversidade  de  géneros,  seguem  as  re- 
gras de  concordância  dos  adjectivos,  mas  referindo-se  a 
mais  de  um  nome,  hão-de  ir  para  o  plural: 

A  generosidade,  o  esforço  e  o  amor  ensinaste-os  tu  em 
toda  a  sua  subliynidade  (Herc,  Eur.,  35).  Depois  do  amor, 
a  paz  e  o  esquecimento  só  os  dá  a  morte  (R.  da  Silva,  Mo- 
cidade, 2,  267). 

b)  nos  e  vos  referindo-se  a  seres  de  diferente  sexo, 
consideram-se  do  género  masculino: 


66  SYNTAXB  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


O  orgulho  que  a  ambos  [Eurico  e  HermengardaJ  nos 
fez  desgraçados  (Herc,  Eur.,  293)]. 

§  69.  a)  Si,  comsigo  emprega  m-se  na  conversação 
também  sem  signiflcação  reflexa,  representando  a  pess. 
com  quem  falíamos  e  a  quem  tratamos  na  3.»  pess.,  v.  g.: 
Este  livro  é  para  si : 

nem  mesmo  comsigo^  swr."  D.  Josepha  (Eça  de  Quei- 
roz, Crime,  73,  ap.  M.  Lubke). 

b)  As  vezes  a  1.^  pess.,  fallando  de  si,  emprega,  por 
modéstia,  o  plural  do  pron.  da  1.^  pess.,  em  vez  do  sin- 
gular. Fazem  isto  principalmente  os  autores  de  obras 
littefrarias. 

Vice- versa  emprega-se  ás  vezes,  referido  a  uma  só 
pess.,  o  plural  do  pron.  da  2.»  pessoa. 

c)  No  sul  do  país  não  costumamos  empregar  na 
conversação  o  plural  do  pron.  da  2.*  pess.;  substituímos: 

a  forma  vos  do  compl.  directo  por  os,  as 
>  >  vos  >  »  indirecto  por  lhes 
»       >       vós  por  vocês. 

d)  Na  conversação  emprega-se  a  gente  com  o  valor 
do  pronome  nós:  Venha  com  a  gente. 

§  70.  Na^emphase  os,  pronomes  pessoaes,  já  empre- 
gados nas  formas  átonas,  repetem-se  nas  formas  tónicas 
6  vice-versa: 

ella  engordou  |  E  fes-me  hétego  a  mim!  (L.  de  Vasc, 
Tx.  Arch.,  68).  Eu  avarento  cuyda  que  tem  dinheyro,  e 
o  dinheyro  tem-no  a  elle  (H.  P.,  /,  209).  a  mim  me  parece 
que . .  (Idem,  II,  32).  isso  te  entrará  a  ti  por  casa  (Eufros., 
III,  2).  Quem  vos  levanta  a  vós,  a  mi  me  exalta  (Bnltli., 
Estaco,  71.  V.).  Izabel  não  buscava  coroas,  antes  as  coroas 
a  buscavão  a  ella  (Vieira,  //,  20).    E  que  me  importam  a 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  67 


mim  esse  ódio  impotente,  essa  linguagem  vergonhosa? 
(Herc,  Op.  Ill,  68). 

A  repetição  nas  formas  tónicas  ó  de  regra  na  coor- 
denação no  port.  moderno  (deu-me  a  mim  e  a  meti  irmão): 

Maldiz-se  a  si  e  a  providencia  e  o  mundo  (Herc, 
Pões.,  187). 

Emphaticamente  podem  concorrer  os  pronomes  átonos 
com  os  nomes  que  funcionam  como  complem.  directo 
ou  indirecto: 

Ao  homem  ousado  a  fortuna  lhe  dá  a  mão  (Prov.).  Não 
lhe  fora  melhor  a  Sichem  não  ver  a  Dina  (Vieira,  I,  890). 

§  71.  Em  lugar  de  nós,  vós,  pode  dizer-se  nós  outros, 
vós  outros,  quando  se  quer  contrapor  emphaticamente 
nós  e  vós  a  outras  pessoas: 

Vós  outros  me  chamaes  mestre  e  senhor  e  dizes  bê, 
ca  eu  o  som  (Fios  Sanctorum,  f.  3,  v.).  Saberás,  pois,  ó 
leitor,  como  nós  oídros  fazemos  o  que  te  fazemos  ler 
(Garrett,  Viug.,  31). 

§  72.  Os  escriptores  antigos,  tendo  empregado  um 
substantivo  era  certa  accepção,  representaram-no,  tomado 
em  outra  accepção,  na  mesma  phrase,  pelo  pron.  pessoal 
da  3.^  pessoa: 

pareceria  falta  de  memoria  não  a  fazer  aqui  d'elles 
(H.  R). 

§  73.  A  forma  o,  a,  os,  as,  pode  empregar-se  refe- 
rida a  um  substantivo  tomado  em  sentido  indefinido : 

quero  Weu  ben  e  que-lo  el  ami  (J.  Baveca,  Vat.,  832). 
Cordões  de  oiro,  se  os  ha  [em  francês:  sHl  y  en  a]  enri- 
quecem . .  o  collo  da  imagem  (Lat.  Coelho,  Semana,  II). 

§  74.  Em  algumas  phrases  familiares  emprega-se 
eliipticamente  o  pron.  pessoal  da  3.**  pess,,  feminino:  fi- 
seste-a  bonita;  has-de  pagar-m,''as;  aqui  (ou  agora)  é  que 
são  ellas. 


68  8TNTAXK   HI8T0KICA   F0RTCGUR8A 


b.     Pronomes  possesaivos 

§  75.  a)  Os  pronomes  possessivos  funccionam  como 
attributos  e  como  nomes  predicativos. 

b)  Fornias  arch.  empregadas  só  aítributivamente 
são:  iiiía  (escripto  mha),  nha  (oscripto  inha),  ta,  sa;  noslro 
(só  em  Nostro  Senhor  =  Deo3). 

c)  Empregadas  attributiva  e  prodicativamente:  ton^ 
8on. 

§  76.  a)  Para  obviar  á  confusão  que  traz  o  pron. 
possessivo  da  3.*  pess.,  com  respeito  aos  géneros  e  nú- 
meros, juntam-se,  sobretudo  na  lingoagom  familiar,  as 
expressões:  d'elle,  d'ella,  íVclles,  d'ellas,  ou  se  substituem 
os  pronomes  possessivos  por  estas  expressões,  podendo, 
tanto  num  caso,  como  no  outro,  juntar-se,  em  appos.,  o 
substantivo  respectivo: 

dizédo  que  quiria  fallar  com  elles  alguiias  cousas  que 
eram  seu  proveito  delles  (F.  Lopes,  150).  iomando-lke 
suas  fermosas  mãos  antrc  as  suas  d'elle  (B.  liib.,  Men„  11^ 
93).  a  culpa  d'isso  era  sua  delles  (Aff.  de  Albuq.  Comm., 
I,  26).  para  exercerem  o  cargo  cm  quanto  fôr  mercê 
d'elle,  rei  (G.  Barros,  Hist.,  Hl,  704). 

b)  seu,  sua  também  se  refere  á  pess.  com  quem 
falíamos  e  a  quem  tratamos  na  3.*  pessoa:  encontrei  o  seu 
filho. 

§  77.  Pode  ter  cabida  aqui  uma  observação  quo 
pertence  rigorosamente  á  estilistica,  e  é  que  o  portiiguôs, 
além  do,  geralmente,  fazer  pouco  uso  dos  possessivos, 
quando  a  clareza  o  não  requer,  substituo  frequentcmento 
estes  pronomes  pelas  formas  átonas  dos  pronomes  pes- 
soaes  empregados  como  compl.  indirecto: 

O  Senhor  não  me  escutou  as  preces:  7ião  me  acceilou 


8YNTAXE  HISTÓRICA   P0UTUGUE8A  69 


a  resignação  (Herc,  Eur.,  80).  alguma  vergontea,  que 
lhe  rompia  da  enrugada  epiderme  (Herc,  ibid.,  241). 

Metie  dinheiro  na  bolsa  (J.  A.  de  Freitas,  tr.  do  Olhello 
de  Shaksp.  ^  Ptíí  money  in  thy  piirse  [acto  I,  se.  lUJ). 

§  78.  É  raro  o  emprego  dos  pronomes  possessivos 
em  sentido  objectivo: 

nã  achado  hi  ho  arcebispo  se  partira  logo  ao  dia  se- 
guinte em  sua  busca  (Diego  AíT.,  114).  Mova-te  a  piedade 
sua  e  minha  (Liis.,  Ill,  127). 

§  79.  Com  o  pron.  possessivo  podem  concorrer  os 
pronomes  demonstrativos,  indefinidos  e  numeraes,  v.  g. : 
este  meu  filho,  os  meus  três  filhos. 

§  80.  a)  Diz- se,  v.  g.:  pessoa  dos  seus  [de  uns]  cin- 
coenta  anrios. 

b)  Em  phrases  como:  A  empresa  tem  suus  difficul- 
dades,  o  pron,  possessivo  é  uma  expressão  reservada,  em 
lugar  de  alguns: 

Ha  sua  notável  differença  n^estes  dois  modos  de  acu- 
dir ao  pensamento  (Garrett,  Viag.,  147). 

c)  Os  pronomes  possessivos  tem,  ás  vezes,  o  sentido 
de:  devido: 

Porque  o  amor  fraterno  e  puro  gosto  \  De  dar  a  todo 
o  Lusitano  feito  \  Seu  louvor  (Lus.,  V,  100). 

d)  E  de  notar  o  emprego,  na  conversação,  em  tom 
exprobrativo,  dos  pronomes  meu  e  seu,  juntos  a  um  vo- 
cativo,  ou  a  um  apposto  d'um  vocativo,  v.  g. :  meu  men- 
tiroso ! 

vá-se  d'aqui,  seu  mata-genle  (Amorim,  Amor  da  Pá- 
tria, 19). 

§  81 .  Os  pronomes  possessivos  empregam-se  substan- 
tivamente : 

1)  no  sing.  masc. :  dar  do  seu;  dar  o  seu  a  seu  dono» 
ter  de  seu  [=ter  bens  próprios]  (Prestes,  420);  (antiquado) 


70  SYNTAXK   HISTÓRICA   PORTUGUESA 


de  seu  =  por  si  só,  por  si  mesmo :  eles  [instrumentos]  de 
seu  se  tangiam  (Tundalo,  na  Bev.  Lus.,  II,  117).  Per- 
doado he  elle  de  sseu  (Fernão  Lopes,  D.  João  J,  28). 

2)  no  plural  masc.  referidos  aos  parentes,  concida- 
dãos, partidários,  etc: 

Mas  louvar  os  meus  próprios,  arreceio  \  Que  louvor 
tão  suspeito  mal  me  esteja  (Lus.,  3,  4). 

3)  na  locução  arch.  pollo  (pelo)  meu,  teu,  seu,  nosso^ 
vosso  (que  significam:  por  meu  interesse,  por  minha  causa, 
€tc.) : 

como  eu  peno  cada  dia  \  pollo  seu,  com  saudade 
(Nuno  Pereyra,  Canc.  Ger.,  I,  251). 

§  82.  Os  pron.  possessivos  erapregam-se  elliptioa- 
mente  em  algumas  locuções  familiares,  v.  g.:  fazer  das 
suas,  querer  dizer  na  sua. 

C.    Pronomes  demonstrativos 

§  83.  a)  Os  pron.  este  (isto),  esse  (isso),  aquelle  (aquil- 
lo),  são  pron.  demonstrativos  directos,  que  correspondem, 
respectivamonte,  aos  pron.  pess.  da  1.*,  da  2."  e  da  3.* 
pessoa. 

Aquelle  ó  também  pron.  demonstrativo  indirecto. 

b)  A  um  substantivo  apposto,  a  que  se  liga  uma  or. 
relativa  ou  outra  determinação  equivalente,  pode  pospor- 
se  o  iH'on.  este  ou  esse: 

Omifiindo  o  mais  que  se  innovou  com  boa  mão  para 
o  ensino  prompto  de  calligraphia  popular . .  e  para  a 
leitura  . .  dos  números,  tanto  arábigos  como  romanos,  pe- 
quenos benefícios  esses  que  a  ingratidão  pode  pagar  á  sua 
moda  (Cast.,  Outono,  28).  a  madrugada,  o  sol,  e  a  íwa 
com  a  alegria,  com  os  resplendores,  com  a  devoção,  coisas 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTDGUESA  71 


e^tas  todas  de  Deus,  mas  rudes  e  sem  entendimento  (Cast., 
Q.  Hist.,  II,  23). 

c)  O  pron.  esse  emprega-se  também  emphaticamente, 
representando  uma  pess.  ou  cousa  como  devendo,  pela 
sua  celebridade,  etc,  estar  na  mente  das  pessoas  a  quem 
falíamos  ou  a  quem  se  suppõe  que  falíamos: 

Que  é,  pois,  a  caixa  económica,  essa  arvore  que  pro- 
duz iaes  fructos  de  benção  ?  (Herc,  Op.,  I,  161). 

d)  Esse,  como  apposto,  emprega-se  em  gradações: 
O  marido  esse  adorava-a  (Eça  de  Queiroz,  Crime,  6, 

ap.  M.  Lúbke,  575). 

Com  este  fim  o  latira  emprega  vero,  v.  g.:  Scimus 
enim  ynusicen  nostrís  moribus  abesse  a  principis persona,  sal- 
tare  vero  etiam  in  tntiis  poni  (Com.  Nep.,  Epamin.,  i). 

e)  Esse,  na  significação  de  tal,  como  n.  predicativo 
ou  equivalente  do  n.  predicativo,  servia,  no  port.  arch. 
médio,  de  evitar  a  repetição  de  um  nome: 

Oh  que  certeza  tamanha,  o  muito  peccador  não  se  co- 
nhecer por  esse!  (Camões,  Filodemo,  II,  2). 

§  84,  a)  Quando  os  pron.  isto,  isso^  aquillo  são  de- 
terminados por  uma  or.  relativa  que  tem  um  substaniivo 
(ou  adjectivo  substantivado)  por  n.  predicativo  do  pron. 
relativo,  os  clássicos  substituem  frequentemente  aquelles 
pron.  substantivos  pelos  pron.  adjectivos  este,  esta,  esse, 
essa,  aquelle,  aquella: 

A  censura  deste  que  se  chama  costume, . . .  (Vieira, 
IL  124). 

Eu  porém  não  me  quero  escudar  por  isso  de  dar  razão 
deste,  que  parece  impossível  (Vieira,  /,  631).  A  razão  ver- 
dadeira desta  qxie  ao  principio  parecia  mudança  . .  (Vieira, 
VIII,  31). 


72  SYNTAXB  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


Quíie  apud  alioa  iracundia  dicitur,  ea  in  império  super- 
bia  cUque  crudclilas  appcllatur  (Sall.,  Cal.  51). 

b)  Semelhantemente,  quando  aos  pron.  isto,  isso, 
aquillo  se  liga,  como  n.  predicativo,  um  substantivo  pre- 
cedido do  artigo,  aquelles  pron.  são  de  preferencia  substi- 
tuidos  pelos  pron.  adjectivos  este,  esta,  esse,  essa,  aquelle, 
aquella : 

He  eMa  uma  observaçcLo  que  me  admiro  não  fizessem 
aqui  os  Historiadores  (Vieira,  S.  de  SJ'^  Cat.",  10). 

Obs.  O  port.  arch.  ia  mais  mais  longo  nesta  substi- 
tuição, fazendo-a,  ás  vezes,  quando  a  referência  era  a 
nomo  de  pessoa: 

porque  este  (Virgem  Maria)  foi  húu  castello  muyto 
bem  guarnido  de  cava  de  humildade  e  de  muro  de  virgin- 
dade (L.  de  Vasconcellos,  Tx.  Arch.,  36). 

c)  No  port.  arch.  também,  quando  o  pron.  aquillo, 
seguido  de  uma  or.  relativa,  tinha  de  ser  n.  predicativo 
do  sujeito,  substituia-se  ás  vezes  por  aquelle  ou  aquella, 
segundo  o  género  do  sujeito: 

a  fremusura  da  alma  he  aquella  que  afremosenta  o 
corpo  (Fahul,  20). 

d)  Os  pron.  este,  esse,  aquelle,  determinados  por  or. 
relativa,  substantivam-se,  designando  pessoas: 

Esse  que  bebeo  tanto  da  agoa  Aonia,  |  Sobre  quem  tem 
contenda  peregrina  \  Entre  si  Rhodes,  Smfp-na  e  Colopho- 
nia,  I  Athenas,  los,  Argo  e  Salamina  (Lus.,  V,  87). 

§  85.  O,  a,  os,  as,  emprega-se  na  qualidade  de  pron. 
demonstrativo  propriamente  dicto : 

1)    seguido  de  uma  determinação,  referido  a  pessoas : 

o  que  muito  miige  tira  sangue  (Espelho  de  Casa- 
dos, 41). 

Saiba  morrer  o  que  viver  não  soube  (Bocage,  son.). 


SVNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUESA  73 


2)  no  siiig.  masc.  como  equivalente  do  pron.  aquillo 
(determinado  por  uma  or.  do  relativo  que): 

digamos  também  ho  a  que  somos  enmados  (Diego 
AíT.,  Í2í). 

rogou  que  lhe  dissesse  ho  pêra  que  ho  levava  (Bern. 
Rib.,  Men.,  I,  26). 

o  que  sabemos  d^ouvido  pode  ser  incerto,  mos  o  que 
sabemos  de  vista,  he  certíssimo  (H.  P.,  i,  6  v.).  Logo  direi 
o  para  que  trago  tudo  isto  (Cast.,  Outono^  II,  121). 

Quando  a  or.  relativa  tem  por  n.  predicativo  do  rela- 
tivo que  um  substantivo,  os  clássicos  concordam  frequen- 
temente o  pron.  o  com  o  n.  predicativo : 

Variamente  pintarão  os  Antigos  a  que  elles  chamarão 
Fortuna  (Vieira,  XI.  5).  zombavam  das  nossas  que  elles 
chamúvão  ceremonias  (Id.,  ibid.,  502). 

Com  o  que  empregado  como  sujeito  ou  n.  predica- 
tivo, ou  apposto,  dá-se,  de  ordinário,  uma  anasírophe,  a 
qual  consiste  em  antepor  ao  pron,  o  a  prepos.  que  rigo- 
rosamente pertence  para  o  pron.  relativo  (v.  g.:  do  que 
eu  me  admiro  é  — ) : 

replicar  seriamente  a  homens,  não  só  ignorantes  e  ine- 
ptos, do  que  elles  não  tem  cidpa,  mas  que  falsificam, 
truncam,  omitfem  as  palavras  do  adversário  (Herc,  Op. 
III,  67). 

Eis  do  que  nos  acctisa  o  snr.  Visconde  (Herc,  Cas. 
civ.,  8). 

o)  no  sing.  masc,  servindo,  como  n.  predicativo  do 
sujeito,  de  evitar  a  repetição  de  qualquer  expressão  qua- 
lificativa, e,  na  voz  passiva,  de  evitar  a  repetição  do  par- 
ticipio  passivo : 

Uma  nação  não  é  só  metaphor içam  ente  uma  grande 
familia,  é-o  também  no  rigor  da  palavra  (Herc,  Len- 
das 11,  190). 


74  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUQURSA 


sendo  eu  sincero,  como  elles  o  tinham  sido  ^ast., 
Chave,  83). 

se  abundassem  por  cá  os  palmares  . .  cabal  lhes  seria 
a  illusão  da  Pátria,  que  já  por  tantos  outros  modos  o  era 
sua  (Cast.,  Q.  Hist.,  I,  61). 

De  Guimarães  o  campo  se  tingia  \  Co  sangue  próprio 
da  intestina  guerra,  \  Onde  a  mãi,  que  tão  pouco  o  pare- 
cia, I  A  seu  filho  negava  o  amor  e  a  terra  {Lus.  3,  31). 

Francisco  Manoel  do  Nascimento  empregou  inexa- 
ctamente a  em  vez  de  o  no  seguinte  logar:  Dirá  que  elles 
descendem  da  elegância  \  Da  lingoa  dos  Romanos,  que  a 
foi  nossa  (Obras  completeis,  l,  31-32). 

Obs.  No  port.  arch.  inedio.  cm  vez  do  pron.  o  tam- 
bém SC  empregam  emphaticamente  os  pron.  adjectivos 
esse,  essa,  tal: 

não  tenho  a  7iossa  língua  por  grosseira  nem  por  bons 
os  argumentos  com  que  alguns  querem  provar  que  é  essa 
(Lobo,  Corte  na  ald.). 

4)  no  sing.  masc,  referido  a  um  sentido,  servindo 
de  complem.  directo: 

essas  horas  (bem  o  sabem  todos  os  que  amaram)  de- 
viam-me  parecei'  eternidades  (Cast.,  Chave,  23). 

Obs.  Em  logar  de  o  que  (cousa  que),  no  port.  arch 
médio  também  se  dizia  simplesmente  qup  (»m7í  latim 
quod).  K'  pratica  inteiramente  antiquada: 

seria  necessário  despovoarem-se  todas  as  cidades,  e 
irem-se  todos  aos  desertos,  que  seria  grande  inconveniente 
(H.  P,  11,  10). 

Este  pelo  seu  povo  injuriado  (  A  si  se  entrega  só,  firme 
e  constante:  \  Essoutro  a  si  e  os  filhos  naturaes  \  E  a  con- 
sorte sem  culpa,  que  doe  mais  (Lus.,  VIU,  15). 


SYNTAXB  HISTOUXCA  PORTUGUESA  75 


§  86.  a)  o  pron.  mesmo,  além  de  designar  identida- 
de, e  de  equivaler  a  em  pessoa  (própria  e  tropologica- 
mente):  Era  Christo  a  mesma  Innocencia  (Vieira,  I,  395), 
também  se  emprega  na  significação  de  próprio,  até: 
ao  mesmo  demónio  se  deve  fazer  justiça,  quando  elle 
a  tiver  (Vieira,  S.  do  Demónio  mudo),  os  mesmos  animaes 
de  carga,  se  lh'a  deitam  toda  a  huma  parte,  cahem  com  ella 
(Vieira,  S.  de  SJ''  Ant.\  4). 

Os  clássicos  não  empregam  mesmo  adverbialmente 
senão,  por  ventura,  junto  de  advérbios  pronominaes: 
aqui  mesmo,  já  mesmo,  agora  mesmo  {nunc  ipswti). 

b)  Também  se  substantiva  no  singular,  precedido  do 
artigo  definido,  equivalendo  a  mesma  cousa: 

A  caridade,  pois,  não  é  o  mesmo  que  a  philanthropia 
(Garrett,  Cam.  135).' 

Obs.  Xote-se  a  loc.  do  port.  arch.  raedio  isso  mesmo 
(anteriormente  essa  meesmo,  essa  mestno,  esso  mêdês)  no  sen- 
tido de:  «tarabem»: 

E  esso  mesmo  o  criador  vos  aministra  viandas  neces- 
sárias por  que  possades  viver  (Milag.  de  S.  Ant.'^,  2).  vendo 
esse  mesmo  que  no  povo  faria  muyto  fruyto  se  em  pessoa 
fosse  ao  Papa  dar-lhe  conta  do  que  passava  (Diego 
Aff.  72).     . 

§  87.  a)  Outro,  além  de  significar  o  contrario  de 
mesmo,  e  equivaler  a :  um  segundo,  mais  um,  emprega-se, 
como  adjectivo  propriamente  dicto,  com  o  sentido  de 
mudado,  differente  (do  que  era),  tendo  neste  caso  por  su- 
perlativo muito  oídro: 

poderia  fazer  outra  cousa  do  que  tinha  ditlo  (aliud 
ac  dixerat)  (Ceita,  122).  logo  forão  muito  outros  do  que 
dantes  erão  (Vieira,  Vil,  13).  E  a  vida  que  daquella 
hora  em  diante  fez  o  bom  fidalgo  foy  tanto  outra,  que  tes- 


76  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTDGUBSA 


timunhou  bem  a  força  das  palavras  do  Arcebispo  (Sousa, 
Vida  do  Are,  I,  434). 

Obs.  Xote-se  a  loc.  ao  oulro  dia— -no  dia  imme' 
iliaio: 

Ao  outro  (dia)  que  forão  dezasete  de  Dezembro  (Cas- 
tanh.,  /,  39). 

b)  A  loc.  outro  que  tal  equivale  a  outro  inteiramente, 
tão  bom  como  elle  (ordinariamente  em  mao  sentido): 

Com  o  titido  de  Impressões  de  Viagem,  ou  otdro  que 
tal  (Garrett.,  Viay.,  15). 

Obs.  Júlio  Moreira  (Est.,  i,  45-49)  vê  (acertadamente, 
no  inou  parecer)  neste  que  o  latim  aeque  com  aphorese 
(la  syllaba  inicial. 

c)  Ninguém  outrem  por  ninguém  mais,  está  inteira- 
mente antiquado : 

e  ninguém" outrem  ha  dezia  (Bern.  Kib.,  ecl.  I,  225  v). 

§  88.  a)  (Um)  tal  ou  qual  equivale  quasi  a:  (um) 
certo  (servindo  de  atenuar  uma  expressão  que  parecia 
exaggerada). 

b)  Tal— tal  também  se  emprega  no  sentido  de  um  — 
outro : 

Tal  se  rif  do  meu  bem,  que  força  o  riso;  \  Tal  chora 
de  meu  mal,  que  finge  as  dores  (L/us.  Transformada,  fls.  41). 

§  89.  Tal  substantiva-se  em  algumas  locuções :  wão 
ha  tal,  fulano  de  tal. 

§  90.  O  pron.  antiquado  ai  (=  outra  cousa,  mais) 
funcionava  como  substantivo : 

c  ho  pez  seia  mais  ca  todo  o  ali  (Gir.,  Alu.,  43). 

ai — ai  significava  uma  cousa  —  outra  cousa: 

fazem  maas  obras,  porque  ali  dizem  com  as  limguoas 
e  ali  teem  nos  sseus  coraçõoes  (Fabul.,  fab.  3). 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  77 


§  90-A.  Alguns  pronomes  demonstrativos  usam-se 
ellipticamente  em  algumas  locuções  pertencentes,  em  ge- 
ral, á  lingoagem  familiar,  v.  g:  ora  essa!  doesta  escapei  eu, 
cair  noutra,  essa  é  boa !  diga-me  d'essas : 

e  sse  d'aquella  podia  escapar,  era  sseguro  (FabuL, 
fab.  44).    e  porque  não  aconteça  outra  que  tal  (Ceita,  22/2) 

d.     Pronomes  relativos 

§  91.  a)  O  iron.  relativo  que  refere-se  a  qualquer  an- 
tecedente, ou  seja  pess.  ou  cousa;  todavia  no  port.  mo- 
derno, fallando-se  de  pess.,  prefere- se  que^n  a  que,  pre- 
cedido de  preposição : 

Vem  mi  gram  mal  de  vós,  ai  mha  Senhor,  j  em  que 
nunca  pos  mal  nostro  senhor  (Lang,  20). 

b)  Precedido  de  prep.,  emprega-se  sem  antecedente 
expresso,  em  orações  relativas  íinaes: 

Ainda  me  fica  com,  que  responder  a  quaesquer  artigos, 
da  nova  razão  (Vieira,  ///,  63,  ap.  Blut.). 

Corresponde  ao  latira  qui  em:  in  tanta  paupertate 
decessit,  ut,qui  efferrelur,  vix  reliquerit  (Corn,  Hep.,  Arist.,  3). 

c)  Na  qualidade  de  n.  predicativo  ou  apposto,  pode 
referir-se  a  adjectivos  (ou  participios),  servindo  de  real- 
çar a  qualidade  ou  estado : 

1)  nos  participios  absolutos:  acabada  que  esteja  a 
obra. 

2)  nas  expressões  concessivas,  como :  por  sábio  que 
elle  seja. 

3)  quando  o  adjectivo  ó  precedido  da  prepos.  de: 
Tornou-se  o  estudo,  de  abslruso  que  sempre  fora,  emi- 
nentemente claro  (Cast.,  Out.,  I,  29). 


78  6YNTAXE  HISTÓRICA  POUTUGDE8A 


§  92.  a)  Quem,  como  simples  pron.  relativo,  só  se  em- 
prega precedido  de  preposição: 

ninguém  ama  aquelles,  de  queni  se  leme  (Arraez,  IV,  1). 

No  port.  moderno  refere-se  geralmente  a  pess.  e 
ainda  a  animaes,  e  a  coisas  personificadas,  mas  no  port. 
arch.  médio  referia-se  a  qualquer  antecedente : 

Hum  valle  aprazível,  a  quem  entra  pelo  m,eyo  hum 
ribeyro  de  agua  Cristallina  (M.  Jbus.,  9,  64,  cl.  2,  ap.  Blut.). 
Grito  feroz  e  agudo  só  comparável  ao  bramido  de 
cem  leoas  a  quem  os  caçadores  do  Atlas  houvessem,  na 
auzencia  d'ellas,  roubado  os  seus  cachorrinhos  (Herc,  Eur., 
305-306).  E,  como  débil  flor,  a  quem  fallece  \  O  radical  hu- 
mor de  que  vima  (Cam.,  Elegia  X).  A  rapidez  da  corrida 
era  quem  o  podia  salvar  (Id.  ibid.  226). 

b)  Equivale  também  a  aquelle  (=a  pess.,  uma  pes- 
soa) que: 

Quem  abrolhos  semeia,  espinhos  colhe  (Prov.). 

Outrosim  equivale  a  o  que  (=a  cousa  que)  nas  peri- 
phrases  formadas  com  o  verbo  ser,  servindo  de  sujeito  a 
verbos  que  exprimam  acções  próprias  de  seres  animados: 

E  a  vingança  era  quem  o  impellia  (Herc,  Eur.,  106). 

§  93.  a)  Qual,  como  pron.  relativo  em  sentido  estri- 
cto,  ó  sempre  precedido  do  art.  definido. 

Não  tem  lugar  quando  a  or.  relativa  limita  a  exten- 
são do  antecedente  do  relativo. 

Só  se  refere  a  substantivos  (e  não  a  pronomes,  assim 
diz-se  exclusivamente:  «eu  que — aquelle  que  —  >)  e  de- 
mais, que  não  sejam  acompanhados  de  pron.  interrogati- 
vos, indefinidos,  ou  nomes  numeraes  (v.  g.:  «que  homem, 
nenhum  homem,  muitos  homens»). 

Emprega-se  em  vez  dos  relativos  que  e  quem,  para 
evitar  obscuridades  ou  dissonâncias;  antes  das  preposi- 
ções de  mais  do  duas  syllabas ;  prefere-se  a  qu^e  depois 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  79 


das  locuções  prepositivas;  emprega-se  a  par  de  que  e 
quem,  antes  das  preposições  de  uma  syllaba  e  de  duas : 
parecia  tambetn  jazer  um  vulto  sobre  telas  mais  deli- 
cadas que  os  espojos  d'animaes  silvestres,  as  quaes  eram, 
talvez,  ainda  restos  do  anterior  luxo  dos  paços  de  Tárraco 
(Herc.,  Eur.,  264).  atirando-se  ao  meio  da  espécie  de  vora- 
gem aberta  na^ fileiras  christans,  a  qual  como  que  tra- 
gava uns  após  outros  os  esquadrões  mosselemanos  (Lá. 
ibid.,  121).  E'  a  nobre  dama  recemchegada,  á  qual  nem 
o  cansaço  de  trabalhosa  jornada,  nem  o  habito  dos  com- 
modos  do  mundo  poderam  impedir  acompanhasse  na  ora- 
ção aquellas  que  o  tracto  de  poucas  horas  já  lhe  fazia 
amar  como  irmans  (Id.  ibid.,  136).  Uma  selva  de  ferros 
em  volta  dos  dous  capitães  inimigos,  através  da  qual  de- 
balde o  conde  de  Septum  buscara  muitas  vezes  abrir  cami- 
nho (Id.  ibid.,  108).  tiros,  que  se  lhe  empennavam  no  es- 
cudo ou,  roçando  por  este,  vhiham  bater-lhe  na  armadura, 
debaixo  da  qual  manava  já  o  sangue  de  algumas  feridas 
(Id.  ibid.,  119)..  no  momento  em  que  dera  a  primeira  pas- 
sada para  transpor  essa  meta,  além  da  qual,  unicamente, 
existia  a  esperança  (Id.  ibid.,  250).  e  os  rochedos  sobre  que 
eu  estava  assentado  vacillavatn  nos  seus  fundamentos  (Id. 
ibid.,  55). 

Ohs.  Quando  o  qual  está  distante  do  seu  antece- 
dente, alguns  repetem  o  antecedente  junto  do  pron. 
o  qual'. 

porque  muytas  vezes  ouvi  queixumes,  doidros  velhos 
do  meu  tempo  (provérbio  antiguo  he,  que  todollos  de  hfca 
idade,  e  callidade  convém  antre  sim  facilmente),  os  quaes 
queixumes  Caio  Salinator,  e  Spurio  Albino . .  soyam  re- 
citar (Góes.,  C.  M.,  18). 

A  construcção  fica  menos  pesada,  repetindo  o  ante- 
cedente e  ligando-lhe  o  pron.  que  (queixumes  que). 


80  STNTAXB  HISTOKICA  FOilTUGURSA 


b)  Qual  emprega-so  em  sentido  comparativo : 

1)  nos  similes  e  nas  exemplificações: 

O  orar  fervente  as  lagrimas  enxuga^  \  qual  prado  o 
leste  (Herc,  Poesias,  157). 

[a  poesia  épica]. .  quer  estas  vozes  peregrinas,  como 
ensinão  os  legisladores  doesta  arte,  quaes  forão  Aristóte- 
les, Horácio,  e  outros  (En.  Port.,  Prologd^. 

Neste  caso  os  escriptores  antigos  empregavam  ás  ve- 
zes qual  invariável,  ú  maneira  do  adverbio  como : 

Qual  dous  leões  famintos  sobre  a  prc^a  \  Do  veado 
que  morto  tem  diante,  \  Cheia  a  boca  de  sangue,  e  de  bra- 
veza, I  Cada  qual  mais  cruel,  mais  arrogante  (Ulyssea,  VI, 
77).  ^ 

E  pratica  antiquada.  Na  litteratura  moderna  6  imita- 
ção affectada  de  Archaisrao : 

qual  sócm  \  Ao  pôr  do  sol  phantusticas  figuras  |  As 
nuvens  debuxar  pelo  horizonte  (Garrett.,  Cam.  45). 

2)  Com  o  valor  da  partícula  comparativa  como,  já 
por  si  só  (na  lingoagem  litteraria),  já  em  correlação  cora 
ial: 

com  que  industria . .  não  vão  ali  setneados  toques  de 
moral,  de  philosophia,  de  saudade,  e  de  amor  á  Natureza, 
quaes  ao  Mantuano  cahiani  sempre  sem  se  sentir!  (Cast., 
Out.,  186).  Assim  descia  Giraldo  semi-nu,  qual  havia  trepa- 
do á  torre,  (Cast.,  Q.  Hist.,  4,31).  Mas  emfim  tal  qual  esta 
minha  traducção  he,  foy  approvada  de  muitos  homens 
doutos  (En.  Port.,  Prologo). 

3)  Com  o  valor  de  quanto: 

ponhamlho  queente  quall  ho  poder  sofrer  sobrela  es- 
padoa  (Gil-.,  Alv.,  43). 

c)  Equivalendo  a  aquelle  que,  nas  expressões  seja 
qual  fôr,  fosse  qual  fosse. 

§  94.     Cujo  emi)rcga-so  em  sentido  possessivo  e  ás 


SYNTAXE   HISTÓRICA  PORTUGUESA  81 


vezes  em  sentido  objectivo  (cf.  §  175).  É  immediatamente 
seguido  do  substantivo  ou  palavra  substantiva  com  quem 
concorda : 

A  triunfante  Jerusalém,  de  cujos  muros  a  cantaria 
erão  pedras  preciosas  (Sousa,  Vida  do  Are,  1,2S7).  O  mes- 
tre de  Aviz,  de  cuja  Índole  militar  e  de  cuja  paixão  pela 
montaria  e  altanaria  nos  restam  não  equívocos  documen- 
tos (Herc,  Monge,  2,  250).  Os  parentes  de  Oppas  e,  por 
isso,  de  Witiza,  cujo  irmão  este  era  (Id.,  Eur.,  83).  in- 
vencivel  Hidra,  cuja  batalha  [contra  a  qual  a  batalha] 
fora  de  immenso  trabalho,  e  a  victoria  (vencendo)  de  ne- 
nhuma fama  (En.  Port.,  Prologo). 

No  port.  arch.  médio  empregava-se  também  como 
n.  predicativo : 

dar  o  seu  a  cujo  he  (H.  P.,  I,  157).  torna  os  vestidos, 
a  cujos  são  (Id.,  //,  50). 

»  Observação  a  este  §.  É  erro  grosseiro  empregar  cujo 

em  sentido  partitivo  e  dizer,  v.  g.:  symbolos  cujos  princi- 
paes  são  os  seguintes  (em  vez  de :  dos  qtiaes  os  pr.  ou  os 
príncipaes  dos  quaes). 

§  95.     Quanto,  como  relativo,  emprega-se : 

1)  em  correlação  com  o  pron.  tanto; 

2)  em  correlação  com  os  pron.  todo  e  ttido,  prono- 
mes que  podem  occultar-se: 

E  seu  amor  me  deu  quanfeu  buscava!  (João  Guilhade, 
ap.  L.  de  Vasc,  Tex.  Arch.,  19).  Foi  sonho  quanto  viu! 
(Garrett,  Cam.,  32).  não  lhe  bastarão  todas  quantas  Escrit- 
turas  havia  (Vieira,  /,  787-8). 

O  nome  a  que  o  pron,  quanto  se  refere,  pode  trans- 
por-se  para  a  or.  de  quanto  e  ligar-se  a  este  pronome : 

não  lhe  bastarão  todas  quantas  Escritturas  havia 
(Vieira,  I,  787-8). 


82  SYNTAXB  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


8)    na  loc.  quanto  a  c  (com  o  verbo  claro)  quanto  c  a  : 

E  quanto  he  aa  (=á)  citação  (Diego  Aff.,  262). 
Quanto  he  ao  que  dessestes  (H.  P.,  /,  265).  quanto  é  ao 
feito  seu  I  não  tem  que  me  vir  lembrar  (Prestes,  197). 

§  96.  Quejando,  como  pron.  relativo  (arch.),  equivale 
a  qual,  pron.  correlativo  de  tal: 

Assy  como  em  a  cousa  redonda  quejanda  he  a  pella 
nom  he  hua  parte  mais  baixa  nem  de  moor  alteza,  nem 
mais  primeyra,  nem  postumeyra  que  a  outra  (Virt.  B.,  20). 
tal  quejando  o  linha  (Diego  AíT.,  132). 

e.     Pronomes  interrogativos 

§  97.  a)  Que,  como  adjectivo,  ó  .sempre  acompa- 
nhado do  seu  substantivo.  —  Exprime  uma  pergunta  rela- 
tiva não  só  á  individualização,  senão  também  ás  qualida- 
des e  circumstancias  de  uma  pess,  ou  cousa  (comprehen- 
de  assim  os  valores  dos  interrogativos  latinos  quis,  qualis, 
quofus): 

Que  dia  da  semana  é  hoje  ?  Comendo  alegremente  per- 
guntavão  \  Pela  Arábica  lingoa,  d' onde  vinhão,  \  Quem 
erão,  de  que  terra,  que  buscavão,  |  Ou  que  partes  do  mar 
corrido  tinhão  (Lus.,  I,  50). 

b)  Como  substantivo,  equivale  a  <que  cousa^,  e, 
em  interrogações  indirectas,  pode  ser  substituído  por 
«o  que»  (o  pron.  demonstrativo  seguido  do  pron.  rela- 
tivo) : 

Que  sXim  os  applausos  da  fama,  senam  reclamo  dos 
ódios  ?  (P.''  António  de  Sá,  serm.  da  Cinza,  13).  no  dia  do 
nacimento  ninguém  pode  saber  para  que  wace  (Vieira  7,149). 
Que  te  fez  este  pobre  Povo  ?  (Id.  ibid.  /,  459). 


SYNTAXE  mSTOlUCA   PORTUGUESA  83 


§  98.  No  estilo  familiar  também  se  emprega  o  pron. 
composto  que  tal,  sem  substantivo,  como  n.  predicativo : 

Que  tal  parece  ao  meu  amigo  a  erudição  arábica 
da  parte  sarracena  da  nossa  Academia?  (Herc,  Op., 
III,  202). 

§  99.  a)  Comq  pron.  interrogativo,  quem  só  costuma 
dizer-se  de  pessoas : 

Romeiro,  romeiro !  quem  és  tu  ?  (Garrett,  Fr.  L.  de 
Sousa,  II,  15) 

b)  Também  se  emprega  com  o  valor  do  pron.  in- 
terrogativo substantivo  que,  na  qualidade  de  u.  predica- 
tivo do  verbo  ser:  Quem  é  Deos?  {QYíiívímGès:  Qu'est-ce 
que  Dieu  ?). 

c)  quem — quem  equivale  a  este — aquelle  (um— outro)  : 
Huns    não  nas  almadias  carregadas,  \  Hum  corta  o 

mar  a  nado  diligente,  \  Quem  se  afoga  nas  ondas  encur- 
vadas, 1  Quem  bebe  o  mar  e  o  deita  juntamente  (Lus.  1, 92). 

§  100.  Cujo,  como  pron.  interrogativo,  pertence  ao 
port.  arch.  médio.  Emprega-se  em  sentido  possessivo, 
equivalendo  a  de  quem  (interrogativo) : 

Bem  sabe  o  gato  cujas  barbas  lambe  (Prov.).  cujas  sõ 
estas  coroas  tã  esplandeçentes  ?  (Lenda  de  Barlaão,  47). 
Cujo  filho  és  ?  (Cam.,  Seleuco,  Prologo). 

No  port.  moderno  emprega-se  o  interrogativo  que: 
Bem  sabe  a  rola  em  que  mão  pousa  (Prov.),  ou  se  usa  de 
outro  modo  de  dizer,  v.  g.:  Bem  sabe  o  gato  a  quem 
lorãbe  as  barbas. 

Obs.  Cujo,  como  pron.  interrogativo,  persiste  ainda 
no  dialecto  indo-português  de  Gôa  (Rev.  Ltts.  vr,  68). 

§  101.  a)  Qual,  interrogativo,  emprega-se,  quando  se 
pretende  distinguir  uma  pess.  ou  cousa  d'entre  varias  da 


84  SYNTAXK  HISTÓRICA   PORTUGUESA 


mesma  espécie.  Pode  estar  no  sentido  de  «qual  cousa»  e 
ató  referir-se  a  adjectivos : 

Orgulho  humano,  qual  és  lu  mai^?  — feroz,  estúpido 
ou  ridículo  ?  (Hcrc,  Eur.,  26).  acção,  que  não  sei  qual  será 
mais,  se  covarde,  se  dcspiedada  (Id.,  Op.,  Ill,  16). 

b)  Qual— qual  equivale,  como  quem — quem,  a  este— 
aquelle  (um — outro): 

qual  dá  cresta  \  aos  violaes,  qual  aos  áureos  bem- 
me-queres  (Cast.,  Fast.,  II,  153). 

c)  É  de  notar  o  emprego  de  qual  em  orações  pa- 
rentheticas,  como: 

. .  os  trances,  qual  mais  doloroso,  por  que  sucessiva- 
mente passara  (Herc,  Eur.,  288). 

§  102.  a)  Quanto,  como  interrogativo,  aplica-se  á  quan- 
tidade discreta  e  á  continua :  A  quantos  do  mês  estamos  hoje? 

b)  O  interrogativo  quanto  substantiva-se,  tanto  no 
singular,  como  no  plural. 

§  103.  Quejando,  interrogativo,  equivale  a:  de  que 
qualidade  ?  em  que  estado  ?.  Pertence  actualmente  á  lin- 
goagem  familiar  e  está,  pode  dizer-se,  antiquado : 

que . .  se  enxergasse  quejando  prelado  na  eggreja  de 
Deos  avia  de  ser  (Diego  Aff.,  14).  Espere,  que  quero  olhar- 
me  I  quejando  estou  neste  espelho  (Prestes,  Í86). 

f.     Pronomes  indefinidos 

§  104.  a)  Todo,  no  singular: 

1)  anteposto,  designa:  a)  a  totalidade  numérica. 
Neste  caso  o  substantivo,  no  port.  moderno,  ó  geralmente 
acompanhado  do  art.  definido  (v.  g.:  «em  todo  o  lugar»), 
excepto  em  algumas  locuções  como:  «de  todo  ponto»); 
no  port.  arch.  médio  era  mais  usual  não  levar  o  artigo: 


SYNTAXE   HISTÓRICA   POUTUGUESA  '  85 


Virão  os  nossos . .  dar  sepultura  ao  corpo  com  todo 
o  funeral  militar  (Freire,  llõj.  Toda  a  guerra  civil  é  triste 
(Garrett,  Viag.,  54). 

h)  a  totalidade  das  partes  (v.  g.  percorrer  toda  a 
cidade,  todo  eu  era  uma  chaga) : 

E  assi  perseverou  toda  a  noite  ê  oraçõ  (Lenda  de 
Barlaão,  25).  Do  mar  temos  corrido  e  navegado  \  Toda 
a  parte  do  Antárctico  e  Callisto,  \  Toda  a  costa  Africana 
rodeado,  |  Diversos  ceos  e  terras  temos  visto  (Lus,,  I,  51). 
Começa  a  embandeirar-se  toda  a  armada  \  E  de  toldos  ale- 
gres se  adornou  (Lus.,  I,  59). 

Obs.  No  port.  moderno,  os  puristas  não  dizem,  v.  g. 
toda  uma  cidade  j^or  uma  cidade  toda,  uma  cidade  inteira; 
antigamente  era  prática  vulgar: 

toda  hua  casa  [=uma  casa  inteira]  (H.  P.,  7,  3  v.). 
todo  hu  povo  (=um  povo  inteiro)  (Id.  ibid.,  223  v.). 
Hum  só  grão  podre  corrõjje  todo  hum  cacho  (Id.,  //, 
307). 

2)  posposto,  designa  a  totalidade  das  partes  (v.  g : 
percorrer  a  cidade  toda ;  a  cidade  estava  toda  [toda 
ella]  embandeirada;  eu  todo  era  [eu  era  todo]  uma 
chaga) : 

Mas  não  diz  a  verdade  toda  (Garrett.,  Fr.  L.  de  Sou- 
sa, II,  1). 

b)  Todo,  no  plural,  designa  a  totalidade  numérica 
(v.  g :  todos  os  homens  são  egoistas ;  os  homens  são  todos 
[todos  elles]  egoistas;  posposto  ao  verbo,  pode  também 
designar  a  totalidade  das  partes,  o  que,  todavia,  em  geral, 
produz  amphibologia  (v.  g :  os  livros  estão  todos  mancha- 
dos de  tinta) : 

lavrou  seis  estradas  encubertas,  que  todas  hião  a  pa- 
rar no  postigo  da  Fortaleza  (Freire,  115).    vendo  [D.  João] 


80  SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA 


estar  penduradas  humas  calças  de  obra  . .  pedio  D.  João 
de  Castro  huma  iisoura,  com  que  as  cortou  todas  (Idem,  25). 

Obs.  Como  apposto,  diz-se  v.  g.:  lodos  3,  todos  4,  otc, 
sem  o  art.  definido  (Mas  6  correcto,  v.  g.:  todos  os  3  dias 
=:do  3  em  3  dias). 

c)  Todo  emprega-se  substantivamente  nâ  expressão 
adverbial  de  todo  (=--  totalmente).  Demais,  é  perfeitamente 
substantivo,  quando  empregado  com  o  sentido  que  tem 
em : 

O  todo  c  maior  que  cada  uma  das  parles,  e  na  loc. 
adverbial  ao  iodo. 

Km  latim  ex  tolo:  já  em  Ovídio  (cx  totó  descrere)  [ex 
Ponto,  4,  8,  72].  singiila  servari  totitis  intercsl  [importa  ao 
todo  a  conservação  de  cada  uma  das  partes]  em  Séneca 
(de  ha,  2,  31). 

d)  No  port.  arch.,  todo  tambein  tem  o  valor  de  tudo: 
e  arraposa  lambia  todo  com  a  lingiioa  (Fab.,  fab.,  XIX). 

e)  todo  o  que,  (emphaticamente)  todo  aquclle  que, 
substituiu  o  latim  quicumque. 

í)  Note-se  o  sentido  de  tudo  (tudo  isto),  em  phra- 
ses  como  a  seguinte) : 

Hum  Saul  arroja  lanças  a  David  e  o  traz  homiziado 
(=obriga-o  a  andar  homiziado),  tudo  (=e  isto  unica- 
mente) por  lhe  cantarem  uma  letrinha  (Ceita,  66'1). 

§  105.  a)  Tudo,  alem  de  se  empregar  como  subs- 
tantivo, funcciona  também  como  adjectivo,  ligado  a  isto, 
isso,  aquillo,  o  que  (tudo  o  que,  tudo  aquillo  que),  o  mais, 
o  ai  (antiquado): 

faremos.,  que  el  confesse  que  todo  aquello  f=tudo 
aquillo]  que  ensinou  ao  teu  filho  erã  cousas  falsas  <'  d'' 
grande  erro  {Lenda  de  Barlaão,  19). 


SYNTAXE   HISTÓRICA  POUTUGUESA  87 


b)  Também  se  emprega  appositivamente,  com  a  si- 
gnificação de  «  em  todas  as  suas  partes  » : 

As  abobadas,  pilares,  e  paredes,  são  tudo  cantaria 
(Sousa,  Hist.  de  S.  Dom.). 

§  106).  Algum,  posposto  do  substantivo,  emprega-se 
(revezando  com  nenhtim)  em  orações  negativas,  em  inter- 
rogações oratórias,  e  depois  de  substantivos  precedidos 
immediata  ou  mediatamente  da  prepos.  sem : 

Nunca  juizo  algum  alto  e  profundo  \  Nem  cithara  so- 
nora  ou  vivo  engenho  \  Te  dê  por  isso  faina  nem  memo- 
ria, I  Afãs  comtigo  se  acabe  o  nome  e  gloria  (Lus.,  IV,  102). 
solemnidade  alguma  (Herc.  em  Cast.,  Q.  Hist.,  IV,  143). 
avidtava  uma  torre  alta,  redonda,  de  grossa  cantaria, 
sem  porta  nem  entrada  por  parte  alguma  (Id.,  ibid.,  14-15). 

No  port.  arcli.  médio  pospõe-se  ao  substantivo,  ainda 
em  orações  inteiramente  affirmativas: 

Doesta  gente  refresco  algum  tomamos  j  E  do  rio  fresca 
agoa  (Lus.,  V,  69). 

Obs.    Xo  port.  arch.  médio  também  se  pospunha  o 
adverbio  negativo  ao  substantivo  seguido  de  alguvi  : 

Metal  algum  não  se  acha  naquellas  ilhas  (Barros,  ///, 
5,ÕJ. 

§  107.  Certo,  como  pron.  indefinido  (um  certo),  em- 
prega-se attributivamente  e  antepõe-se  ao  substantivo  : 

também  lhe  achavom  certas  duvidas  (F.  Lopes,pa£r.  146). 

Como  adjectivo  propriamente  dicto  (=  exacto,  com 
que  se  pode  contar,  etc),  pospõe-se  ao  substantivo  (amigo 
certo);  mas  no  port.  arch.  médio  também  se  antepunha: 

Porem  dizem-lhe  todos,  que  tem  perto  \  Melinde,  onde 
acharão  piloto  certo  {Lus.,  II,  70). 

§  108.  Nenhum  no  port.  arch.  também  equivalia  a 
ninguetn : 


88  8YNTAXK  HISTÓRICA  P0UTC0UE8A 


As  campas  de  aquella  cidade  nom  as  tangendo  ne- 
hum,  por  sy  mesmas  elas  se  tangiam  (Mil.  de  SJ"  António,  29). 

§  109.  Sobre  ambos  de  dois  vid.  §  176. 
,§  110.  a)  Cada  O  só  se  emprega  adjectivaraente; 
substantivamente  diz-se  cada  um  ou  cada  qual.  Junta-se 
a  nomes  do  singular  (v.  g :  cada  ovelha  com  a  sua  pare- 
lha), mas  também  se  diz,  por  ex :  cada  27  de  Julho,  por 
isso  que  27  tem  o  valor  de  numeral  ordinal ;  a  substan- 
tivos do  plural  só  se  junta,  quando  o  substantivo,  prece- 
dido de  um  numeral  cardinal,  representa  um  conjuncto  ; 

E  porque  cada  dama  hum  tenha  certo,  \  Lhe  manda 
que  sobre  elles  lancem  sortes,  \  Que  ellas  só  doze  são;  e 
descuberto  \  Qual  a  qual  tem  caído  das  consortes,  \  Cada. 
hua  escreve  ao  seu  por  vários  modos,  \  E  todas  a  seu  Rei, 
e  o  Duque  a  todos  (Lus.,  VI,  50).  uma  escada  para  cada 
doze  homens  (Cast.,  Q.  Hist.  II,  117). 

Obs.  i."  Xo  port.  ai'cli.  também  se  dizia  cada  uns: 

cada  huús  ésperavom  de  rreçeber  parle  (F.  Lopes,  228). 

Obs.  2."   o  port.  arch.  médio   também  empregava 
cada  um  adjectivamente; 

Cada  huú  homem  tem  desejo  de  conservar  sua  vida 
(Virt.  Bemf.,  166).  junto  a  cada  hum  altar  (Const.  do  Bisp. 
da  Guarda,  183  v.,  ap.  Blut.). 

Obs.  3."  No  port.  arch.  diz-se  cada  ít=om  toda  a 
parte  onde,  cada  que  —  cada  vez  que  (v.  §  396) : 


(■)  Cada,  como  substantivo  (v.  ji:  os  sabonetes  custam  2  tostOes  cada),  6  imi- 
taçfio  viciosa  do  francês,  onde  as  pessoas  que  faliam  menos  correctamente  dizem  cha- 
gue om  vez  do  chacun.  J.  Moreira  foi  o  primeiro,  que  eu  íhH»,  quo  registou  este 
facto  (v.  Est.  I,  õl). 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  89 


Cada  hu  vou  [=  em  toda  a  parte  aonde  vou]  (Fer- 
iiam  Padrom,  Vat.,  563). 

b)  Na  lingoagem  familiar  cada  em  exclamações  tem 
o  sentido  que  se  vê  em :  tens  cada  lembrança !  =  Tens 
lembranças  tão  extraordinárias! 

§  111.  O  port.  arch.  médio  empregava  qualquer  no 
sentido  de  cada  um  (=  lat.  quisque) : 

A  qualquer  seus  amigos  favorecem  (Lus.,  I,  34). 

Obs.    Xo  port.  arch.  era  frequente  separar  quer  do 
qual: 

Qual  cousa  quer  que  Jii  faça  (doe.  de  1269  na  Rev. 
Lus.,  V,  127);  qual  delles  quer  que  . .  (Ibid.).  provará  ante 
qual  juiz  quer  (Lang,  102). 

§  112.  O  port.  ainda  no  século  16  empregava  homem 
{=um  homem,  uma  pess.,  homem  algum)  e  pessoa,  como 
equivalente,  até  certo  ponto,  do  francês  on. 

Ha-de  dizer-se  «até  certo  ponto »,  por  isso  que  taes 
expressões  tem  uso  muito  mais  restricto,  sendo  que  o 
sem  emprego  só  tem  lugar,  por  via  de  regra,  quando  se 
falia  do  que  acontece  geralmente  (no  port.  moderno  só 
na  literatura  archaizante) : 

mais  nunca  ornem  per  mi  saberá  \  quem  é . .  (Lang, 
36).  que  venham  os  trabalhos,  ha  homem  de  estar  pêra 
elles  apercebido  de  paciência  (H.  P.,  II,  101).  e  enterran- 
do, sem  remordimento  da  Consciência,  a  única  moeda  com 
que  homem  pode  comprar  o  proveito  de  outrem  (Cast., 
Q.  Hist.,  I,  20). 

Com  anteposição  do  art.  indefinido,  um  homem,  uma 
pessoa,  pertencem  á  linguagem  corrente. 

§  113.  O  que  tem  de  dizer-se  a  respeito  das  loc. 
pronominais  indefinidas  seja  quem  for,  fosse  quem  fosse ; 


90  SY'NTAXE  HISTÓRICA   POUTUGUESA 


seja  qual  for,  fosse  qual  fosse;  quem  quer  que  seja,  quem 
quer  que  fosse;  o  que  quer  que  c,  vae  na  secção  dos  mo- 
dos e  tempos. 

§  114.  No  port.  arch.  havia  o  pron.  relat.  indefinido 
que  quer  que  =  qualquer  cousa  qtie  : 

e  tirar  ende  espinhas  ou  o  que  quer  que  jasça  dentro 
(Gir.,  Alv.,  44). 

§  115.  Sobre  d'elles  (d'ellas),  como  equivalente  de 
uns  (d'elles)  ou  alguns  (d'elles),  e  d'elles-^d'elles  como 
equivalente  de:  uns  —outros,  v.  §  176. 

E.    Appendice  aos  pronomes  e  nomes  numeraes 
a.     Artigo  definido 

§  116.  Não  se  antepõe  art.  aos  vocativos  e  aos  no- 
mes determinados  pelos  pron.  demonstrativos  este,  esse, 
aquelle. 

Dispensam  o  art.  definido  os  nomes  que  fazem  parte 
de  uma  enumeração,  v.  g :  os  rios  principaes  de  Portugal 
são :  Minho,  Douro,  Mondego,  Tejo,  Sado  e  Guadiana. 

§  117.  Os  nomes  próprios  levam  o  art.,  quando  são 
precedidos  de  qualificação  (a  formosa  Itália)  ou  segui- 
dos de  determinação  que  represente  estados  ou  tempos 
differentes  (o  Portugal  de  então,  a  Roma  dos  Césares),  ou 
de  or.  relativa  que  sirva  de  distinguir  pess.  ou  coisas  do 
mesmo  nome  (o  Plolemeo,  a  que  elle  se  refere,  é  Plolemeo 
Philadelpho).  Com  os  nomes  de  Santos,  porém,  a  designa- 
ção de  Santo  (e  São)  considera-se  parte  do  nome  (Santo 
António,  São  Bernardo). 

A  soberba  Veneza  está,  no  meio  \  Da^s  agoas . .  (Lus., 
III,  14). 

§  118.    Dos  nomes  geographicos  levam  o  artigo: 


SYNTAXB   HISTOKICA   PORTUGUKSA  91 


1)  OS  dos  continentes  e  das  grandes  regiões  da 
terra :  residir  na  Europa,  voltar  para  a  índia. 

Africa  também  se  usa  sem  art.,  quando  traz  prepo- 
sição :  ter  estado  em  Africa, : 

não  cabião  já  os  cativos  nas  masmorras  de  Africa 
(Freire,  Í5). 

2)  os  dos  Estados  (modernos  e  antigos)  levam,  em 
geral,  o  artigo  (sempre  os  do  plural) :  louça  da  China, 
do  Japão,  vir  do  Pe7-ú,  couro  da  Rússia,  as  cidades  da 
Grécia,  residir  na  Bélgica^ : 

A  terra  de  Guipiisciui  e  das  Astúrias  (Lus.,  IV,  11). 

Empregam-se  sem  o  art :  Portugal,  Aragão,  Castella, 
Navarra,  os  estados  que  tem  os  mesmos  nemes  que  as 
suas  capitães  {Andon-a,  Mónaco,  S.  Marino) : 

Emquanto  Castella  esteve  separada  de  Aragão  (Gar- 
rett, Cam.,  13Õ). 

Alguns  nomes  de  estados  europeus  também  se  usam 
sem  o  artigo,  quando  não  são  sujeitos  ou  compl.  directos : 
vir  de  Hespanha,  de  França,  de  Inglaterra,  de  Escócia; 
fava  de  Itália. 

Sempre  se  diz:  Leão  de  França  [— Lí/om],  Leão  de 
Hespanha  [  =  León]. 

Ser-vio  alguns  annos  nas  guerras  de  Itália  (Freire,  70). 

3)  os  de  províncias  (districtos,  etc):  a  Beira,  o 
Algarve,  a  Galliza,  a  Normandia,  a  Alvernia,  o  Delfi- 
nado. 

Exceptuam-se  alguns  nomes  de  províncias  estrangei- 
ras e  os  de  províncias  ultramarinas  portuguesas  (Angola, 
Moçambique),  e  Tras-os-Montes. 

Sempre  se  diz,  sem  artigo,  Flayidres  (folha  de  Flan- 
dres). 

Obs.    O  port.  arch.  meúio  deixava  muitas  vezes  de 
pôr  os  artigos  nos  casos  de  que  faliam  os  n."®  1,2,  e  3: 


92  SYNTAXE  HISTÓRICA  POKTDGUK8A 


partio  para  Egipto  (Arraes,  VIIJ.  as  flores  de  Egi- 
pto (lá.  Md.). 

4)  os  de  archipelagos :  as  Berlengas,  as  Cycladas,  as 
Maldivas. 

Os  nomes  de  ilhas,  em  geral,  não  levam  artigo :  che- 
gar a  Delos,  a  Chypre,  a  Creta,  a  Timor,  a  Borneo,  a 
Cuba.  Algumas  ilhas  da  Europa,  de  ordinário,  tem  o  ar- 
tigo :  a  Sicilia,  a  Córsega,  a  Islândia. 

5)  os  de  desertos :  o  Sahará. 

6)  os  de  montes :  o  Gerez,  o  Suajo,  os  Appeninos. 

7)  os  de  rios :  o  Tejo,  o  Zêzere,  o  Sena,  Miranda  do 
Douro,  M.  do  Ebro : 

Cujo  poder  a  tanto  se  estendeo,  \  Que  o  Ibero  o  vio  e 
o  Tejo  amedrontados,  \  E  emfim  co  Betis  tanto  alguns  po- 
derão, I  Que  á  terra  de  Vandalia  nome  dérão  (Lu^.,  III, 
60). 

p]ntrando,  porém,  na  designação  de  regiões  não  tem 
artigo:  Entre  Douro  e  Minho,  Também  se  diz:  Ponte  de 
Lima,  Ponte  de  Sôr,  etc. 

8)  os  de  mares:  o  Atlântico,  o  Báltico. 

9)  o  Cairo: 

Chegou  a  ser  Thesoureiro  do  Cairo  (Freire,  7Í). 

10)  os  nomes  em  que  se  conserva  a  lembrança  da 
sua  origem  appellativa :  o  Porto,  a  Guarda.  . 

§  119.  a)  Dos  nomes  de  corpos  celestes  e  constella- 
ções  tem  o  artigo : 

1)  o  Sol,  a  Ijua. 

2)  os  constituídos  fundamentalmente  por  nomes 
appelativos:  a  Coroa  de  Ariadne,  a  Lyra. 

b)  Levam  o  artigo,  segundo  a  melhor  pratica,  os 
nomes  dos  pontos  cardinaes  e  os  dos  intermédios,  assim 
no  sentido  próprio,  como  quando  designativos  de  regiões : 
ficar  ao  norte  de,  ao  nascente  de  [mas  a  leste  de,  porque 


SYNTÃXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  93 


em  leste  já  entra  o  artigo];  America  do  Norte  (ou  Ame- 
rica Setentrional),  A.  do  Sul  (ou  A.  meridional). 

Obs.  Pólo  norte,  Pólo  sul  são  expressões  modernas 
incorrectas,  em  lugar  de  Polo  do  norle  (P.  boreal),  P.  do 
sul  (P.  austral). 

§  120.  a)  São  precedidos  do  art.  os  cognomes  e  al- 
cunhas: D.  Affonso,  o  Sábio;  Miguel  Rodrigues  Coutinho, 
o  Fios  secos;  José,  o  Salta  pocinhas;  mas:  Frederico  Bar- 
ba-roxa,  Ricardo  Coração  de  Leão,  e  os  cognomes  gre- 
gos, ou  latinos  correspondentes  a  gregos:  Ptolemeo  Ce- 
rauno,  Artaxerxes  Longimano.  (De  igual  modo:  Plinio  o 
velho  (o  antigo),  PI.  o  moço;  mas:  António  de  Carvalho 
Sénior,  Júnior). 

b)  Na  conversação  antepõe-se  o  art.  aos  nomes 
[próprios]  das  pess.  e  animais,  conhecidos  das  pess.  com 
quem  falíamos. 

c)  Os  nomes  de  escriptores  e  artistas  é  mais  usado 
não  levarem  o  art.  Fallando-se,  porém,  de  italianos,  diz-se 
frequentemente :  o  Ariosto,  o  Dante,  o  Tasso : 

Diz  o  Petrarcha  (H.  P.,  II,  560).  condenando-se  o 
Tasso,  por  ser  o  seu  dizer  muito  grande,  e  o  Ariosto,  por 
o  ter  muito  humilde  (En.  Port.,  Prologo). 

§  121.  Levam  o  art.  os  nomes  de  obras  litterarias  e 
artísticas :  a  Eneida,  o  Phedon  de  Platão ;  o  Apollo  de 
Belvedere,  a  Vénus  de  Mito: 

lendo  meyo  livro  de  cada  hum  dos  doze  da  Eneida 
(En.  Port.,  Prologo).     . 

§  122.  a)  Diz-se  (com  o  art.),  entre  outras  combina- 
ções : 

o  homem  da  capa  parda,  das  botas  grandes;  Ale- 
xandre d  a  Natividade,  d  a  Conceição,  d  a  Assumpção ; 
ferias  do  Natal,  da  Paschoa;  pôr  escritos  pelo  S.  Miguel; 


94  SYNTAXE  HISTÓRICA   POllTUOUESA 


guardar  algo  para  o  Entrudo;  [na  Quaresma] ;  Paschoa 
da  Resurreição  ;  uma  vez,  duas  i)ezes  no  dia,  na  semana ; 
chegar  aos  domingos  (ou:  ao  domingo);  comprar,  ven- 
der algo  a  tostão  o  litro  [cada  litro];  pagar  um  trem  a 
cinco  tostões  a  hora;  a  guerra  dos  30  annos ;  aos  20 
annos  já  era  doutor. 

b)  Diz-se  com  o  art.  (em  substituição  do  pron.  pos- 
sessivo): lavar  a  cara  (em  ing.:  to  wust  one's  face),  esten- 
der o  braço. 

§  123.  a)  Nos  superlativos  exclusivos  não  se  repete 
o  artigo:  o  Jiomem  tnais  alto  (e  não:  o  homem  o  mais  altoj. 

b)  Precedido  de  prepos.,  emprega-se  sem  art.  o 
nome  casa  (e  na  lingoa  archaica  também  cas  de) :  entrar 
em  casa  (em  c.  de  alguém),  sair  de  c,  ir  a  c,  voltar  para 
c,  dormir  fora  de  c. 

c)  Diz-se  (sem  o  art.),  entre  outras  combinações: 
declarar  guerra,  fazer  guerra  a  (em  fr. :    déclarer, 

faire  la  guerre) ;  ter  direito  a ;  fatiar,  entender  inglês ;  tra- 
duzir, verter,  etc,  de  francês  em  [para]  português: 

pois  eu  traduzia  este  poema  em  Portuguez  ÍEn.  Porf., 
Prologo). 

ir  a  bordo  (a  b.  de  um  navio),  voltar  para  b.,  vir  de 
b.,  pôr  a  b.;  pôr  em  terra,  deixar  em  terra,  saltar  em 
terra,  vir  de  t.,  ir  para  terra ;  ir,  vir  por  terra,  por  mar : 

Quero,  se  me  deixais,  hir  só,  por  terra,  \  Porque  eu 
serei  comvosco  em  Inglaterra  (Lus.,  VI,  54). 

joelho  em  terra;  andar,  etc.  de  trem,  de  carruagem ; 
andar,  etc.  de  sobrecasaca,  de  chapéu  alto ;  estar,  pôr-se, 
etc.  de  joeilios;  estar,  etc.  de  boca  aberta,  de  braços  cru- 
zados, de  mãos  postas,  de  perna  estendida;  dormir  a 
somno  solto,  atravessar  a  pé  enxuto;  rir  a  bandeiras  des- 
pregadas, vir  a  voga  surda;  passar  a  nado  (em  fr.:  à  la 
nage) ;  professor  de  grego  moderno  (em  allemão :  des  Neu- 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  95 


griechischen) ,  de  português;  Faculdade  de  Leiras  (em  fr. : 
des  Letlres),  Academia  de  Musica  (Na  denominação  official 
Academia  Real  das  Sciencias  ha  gallicismo):  dia  de  Na- 
tal, de  S.  Miguel;  2."  feira  de  Entrudo,  4."-  feira  de  Cinza, 
5."  feira  de  Ascenção,  domingo  de  Paschoa;  prim,eira  se- 
mana de  Qiiaresma ;  fazer  uma  cousa  a  pedido  de,  a  rogo 
de;  obter  uma  cousa  a  poder  de  supplicas. 

Obs.  No  port.  arch.  médio  dizia-se,  v.  g.:  cidade  to- 
mada a  força  doarmos;  no  port.  moderno  começou  a 
abrir-se  o  a.  para  se  distinguir  a  prep.  a  do  art.  a.  Ou- 
tro tanto  se  ha-de  dizer  de:  á  maneira  de,  fechar  á  chave 
(mas:  fechar  a  sele  chaves,  a  cadeado).  Vid.  em  Os  Ltisia- 
das,  edição  de  Epipbanio  Dias,  o  Registo  Philologico 
na  preposição  a. 

a  rédea  solta  (H.  P.,  //,  587,  v). 

Comprar  algo  a  razão  de ;  em  nome  de  (em  fr. :  au 
nom  de),  em  beneficio  de  (em  fr. :  au  bénéfice  de),  em  pro- 
veito de,  em  favor  de;  (edição,  etc.)  para  uso  de  (em  fr.: 
d  Vusage  de) ;  de  [por]  ordem  [mandado]  de ;  por  con- 
selho de ;  antes  de  tempo  (cm  fr. :  avant  le  iemps),  fora 
de  tempo,  fora  de  horas;  de  dia,  de  noite,  de  madrugada, 
de  manhã,  de  tarde ;  em  um  de  Março  (mas :  no  primeiro 
de  M.),  em  dois,  três  de  Março ;  chegar  por  3  de  Março  ; 
em  Julho,  em  Julho  próximo  (mas :  no  próximo  Julho),  em 
J.  que  vem,  em  J.  passado ;  chegou  domingo  (etc),  d. 
passado,  chega  d.,  d.  próximo,  d.  que  vem ;  uma  vez, 
duas  vezes  por  dia,  por  semana ;  de  direito; por  descuido 
(etc.)  de  alguém ;  por  falta  etc.  de  algo  ;  uma  cousa  a 
modo  de ;  a  exemplo  de ;  pagar  um  trem  a  cinco  tostões 
por  hora;  Fim  (no  remate  d'ama  obra)  (em  inglês:  The 
end). 


96  STNTAXE  HISTÓRICA  P0UTU0UE8A 


§  124.  a)  Depois  de  saber  «,  cheirar  a  [e  synony- 
mos],  a  prática  mais  usual  é  nào  pòr  o  art.  definido 
(saber  a  mel,  cheirar  a  chamusco) ;  mas  em  algumas  par- 
tes do  país  emprega-se  o  artigo. 

b)    Diz-se  entre  outras  combinações : 

ter,  V.  g. :  olhos  pretos  ou  ter  os  olhos  pretos  (e  em- 
^haticamente :  ter  uns  olhos  encantadores);  nós '[nós 
outros]  Portugueses  ou  nós  os  Portugueses;  em  dia  ou. 
no  dia  de  Natal,  de  Paschoa;  aos  5  ou.  a  5  de  Março; 
em  [por]  fins  ou  nos  [pelos Jf.  de  Março;  em  [por] 
princípios  ou  nos  [pelos]  princípios  de  M ;  em  [por] 
meados  ou  nos  [pelos]  meados  de  M. ;  chega  no  domingo, 
no  dom.  próximo  (no  próximo  d.),  no  dom.  que  vem,  ou 
chega  dom.,  dom.  próximo,  etc. ;  chegou  no  dom.  passado 
ou  :  o  dom.  passado. 

§  125.  Geralmente  fallando,  sobretudo  no  port.  mo- 
derno, os  pron.  possessivos  são  acompanhados  do  art. 
definido  (salvo,  já  se  vê,  a  doutrina  do  §  116).  (No  país 
ninguém  dirá  por  ex.:  Meu  relógio  está  parado;  aqui  tens 
tua  bengala). 

Em  particular  sempre  se  põe  o  artigo,  quando  se 
subentende  o  substantivo: 

nõ  teemos  aqui  nossas  molheres;  ca  eu  tenho  a  minha 
em  Lisboa,  e  ell  tem  a  sua  em  Évora  (F.  Lopes.,  113). 

Dispensa-se  o  artigo: 

nos  nomes  de  parentes:  Fallei  a  teu  sobrinho  ou 
ao  teu  sobrinho.  Sempre  se  diz  Nosso  Pae  —  o  Santís- 
simo; 

no  substantivo  casa:  vem  a  minha  casa  ou  á  minha 
casa; 

quando  os  pron.  possessivos  estão  no  sentido  lato 
que  tem  em  locuções  como:  isto  tem  suxts  difíiculdades, 
tem  seus  quês. 


SYNTAXB  HISTÓRICA  PORTUGUESA  97 


No  port.  arch.  médio  era  muito  mais  vulgar  que  no 
moderno  a  omissão  do  artigo. 

Não  se  põe  o  artigo: 

nas  locuções  em  que,  estando  o  pronome  possessivo 
em  logar  da  prepos.  de,  o  substantivo  determinado  não  tem 
o  artigo,  V.  g. :  a  meu  pedido  (como  a  pedido  de  alguém) ; 

em  varias  locuções  avulsas:  a  meu  ver,  a  seu  bel- 
prazer. 

Obs.    Sobre  o  emprego  do  art.  com  todo,  vid.  §  104. 

§  126.  Sobre  o  art.  definido  com  infinitos  e  or.  in- 
terrogativa, vid  §§  282  e  351. 

§  127.  Quando  acompanhado  de  determinação,  o 
art.  definido  pode  ter  occulto  o  seu  substantivo,  se  este 
já  se  encontra  na  clausula  (*):     ^ 

Quem  tem.  telhado  de  vidro  não  atira  pedras  ao  [te- 
lhado] do  vizinho  (Prov.);  não  ha  lavoura  menos  depen- 
dente do  tempo,  ou  chova  ou  faça  sol,  que  a  da  Medicina 
(Vieira,  S.  Lucas,  7).  Mas  a  constância  é  a  virtude  do  ho- 
mean  \  E  a  paciência  a  do  christão  (Garrett.,  Cam„  p.  38). 

Neste  caso  o  art.  pode  ser  substituído  pelo  demons- 
trativo aquelle,  mas  só  quando  ha  grande  emphase: 

era  necessário  ser  socorrido  com  banhos  de  agua  fria 
para  que  não  se  abrasasse  totalmente,  e  se  convertesse  em 
um  carvão  seráfico  como  aquelle  de  Isaias  (Vieira,  S.  de 
S.  Estan.,  5). 

b.    Artigo  indefinido 

§  128.  a)  A  respeito  do  emprego  do  art.  indefinido 
só  tem  de  fazer-se  uma  observação  estilística,  e  é  que  o 


0)    «Clausula»  ó  o  termo  que  o  Padre  António  Vieira  (Se»mô'>s,  XI,  497)  emprega 
part  sigfniflcar  aqaiilo  que  nós  impropriamente  chamamos  «período  gramatical». 

7 


98  SYNTAXK   HISTÓRICA   PORTUGUESA 


port.  não  sobrecarrega  o  discurso  com  este  art.  e  pode 
muito  bem  supprimi-lo,  quando  a  clareza  ou  a  emphase 
o  não  requer: 

Não  eras  tu  emanação  e  reflexo  do  céu  ?  (Hcrc,  Eur.^ 
46).  Lá,  no  tumulto  dos  cortezãos,  onde  o  amor  é  calculo 
ou  sentimento  grosseiro,  terás  achado  quem  te  chame  sua 
(Herc,  Eur.,  47). 

Em  particular,  o  art.  indefinido  que  apresenta  o 
individuo  como  representante  da  classe  respectiva 
pode  omittir-so  em  provérbios  e  mais  phrases  senten- 
ciosas : 

Pastor  que  a  seus  redis  tem  doestes  guardadores  \  Es- 
cusa de  tremer  dos  lobos  rapladores  (Gast.,  Georg.,  197). 

b)  Uns,  seguido  d'um  numeral,  designa  aproxima- 
ção ;  V.  g.:  tem  uns  trinta  annos: 

pella  qual  morte  e  feridas  se  fora  pêra  o  couto  de 
Maruam  e  estevera  em  ell  húus  sete  annos  (Doe.  de  1439: 
Docum.  das  Chancel.  Reaes,  72). 

c)  No  port.  arch.  médio  empregava-se  um  como 
pron.  indefinido,  equivalente  a  uma  pessoa : 

Regra  he  geral  que  não  deve  hum  louvar-se  a  si  pró- 
prio (Man.  Bern.,  N.  Flor.,  1,  353,  ap.  Barreto). 

c.     Artigo  partitivo 

§  129.  O  port.  arch.,  e  ainda  por  vezes  o  raedio, 
empregava  do  da  dos  das  com  o  valor  do  chamado'  art. 
partitivo  francês: 

esfreguem-lhas  (queixadas)  muito  com  do  sall  e  com 
do  farello  (Gir.,  Alv.,  15);  depois  filhem  a  calda  coada  e 
deytem-lhe  do  mell  e  do  sall  e  do  azeite  (lá.,  ibid.,  31); 
lava  o  logar  com  do  vinho  quente  (Id.,  ibid.,  39).  Alcido 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  99 


tens  ovelhas,  e  tens  cabras,  \  De  que  tiras  da  lãã,  tiras  do 
leyte  (Bern.,  ed.  3). 

invenerunt  atilem  stib  iunicis  inlerfectorum  de  donariis 
idolorum  qune  apud  Jamniam  fuerunt  (Vulg.,  Machab.  2, 
12,  40).  ampullam,  in  qtia  de  óleo  beali  Marlini  co}úineba- 
///r— (Vita  Aridii).  Vid.  outros  exemplos  do  latim  deca- 
dente em  Lõfstedt,  K.,  pg.  106-108  (onde  vem  os  dois 
precedentes)  e  nas  obras  ahi  citadas  (^). 

CAPITULO  in 
Do  verbo 

§  130.  Sobre  o  que  na  guammatica  se  ha-de  dizer  a 
respeito  da  construcção  dos  verbos,  vejam-se  os  §§  28-31 
(dos  verbos  transitivos),  os  §§  relativos  ás  preposições,  e 
a  Sjntaxe  dos  modos). 

§  131.  Sobre  o  infinitivo  activo  empregado  (appa- 
rentemente)  em  sentido  passivo,  vid.  na  Syntaxe  dos  mo- 
dos os  §§  relativos  ao  infinitivo. 


{})  Os  lugares  do  latim  prèclassico  e  clássico  que  tem  sido  citados  como  cor 
respondentes  graniaticaes  exactos  do  art.  partiiivo,  devem,  no  meu  entender,  expli- 
car-se  d'outro  modo.  Por  ex.  em  Planto  :  Ibo  inlro  ad  libros  et  discam  de  dictis  meliori- 
bus  (Stidius,  2,  2,75),  a  pi-ep.  de  quer  dizer  »com  respeito  a»;  em  (Lycus):  Siqitid 
boni  adporiatis,  habeo  gruiiam,  [Advocatí]  Boni  de  nosiro  iibi  nec  fetimnsnec  damus 
(Poemdus,  3,  3,  27-2S),  o  segundo  boni  é  repetição  da  palavra  boni  (de  bom)  do  verso- 
precedente;  outro  tanto  se  dá  em:  [Theuropides]  Quod  me  apsente  hic  tecum  fi- 
^ius  I  negoli  gessil?  [Si mo]  Mecum  ul  ille  hic  gesscrit,  \  dv.m  lit  hinc  abes,  twgoíi?  (Mos- 
iellaria,  4,  3,  24-2G).  No  lugar  de  St."  Agostinho:  tUritmjusli  ensenl  qui  sacríficarent  de 
animalibus,6  no  deFulgencio:  Marti  de  homine  sacrificabal  (Sermmies  anliqtii,  6),  de  ani' 
malibus  e  de  homine  hã-de  eonsiderar-se  designação  do  meio,  como  o  simples  ablativo 
em  sacrificas  \  ilico  Orca  hostiis  ^Plauto,  Epidictts,  ',  1),  em  (qiiadraginta  majoribus  hostiis 
sacriflcare(T.  Liv.,  41,  17,  11  j,  e  ci<ni  faciam  nitida  pro  frugibus  fVergil.,  Bucol,  3,  77);  ora 
de  em  vez  do  simples  abl.  instrumental  é  vulgar  no  latim  da  decadência  f  v.  g.:  de  ipso 
medicamine  fiigabis  serpentes,  Marcello  Empir.,  7,  23^. 


100  SYNTAXE   HISTÓRICA   I*0RTU0UK8A 


§  132.  Alguns  verbos  intransitivos  que  tem  compl. 
indirecto  podem  pôr-se  na  passiva,  tendo  por  sujeito  o 
compl.  indirecto:  taes  são:  obedecer,  responder: 

prosegnÍH  em  tom  brando,  mas  firme,  como  quem 
queria  ser  promptamevle  obedecido  (Herc,  Eur.,  Í97). 

§  133.  a)  Alguns  verbos  cmpregam-se  unicamente 
na  conjugação  reflexa;  v.  g.:  absler-se,  jactar-se,  gloriar-se, 
arrepender-se. 

Tacs  verbos  representam  verbos  latinos  reflexos 
(se  abstitiefc,  se  jadarc;  poenitcbis  te  nas  Sorles  Sangallen- 
ses  ap.  Lõfst.,  Komm .,  142),  ou  depoentes  (gloriari). 

b)  Alguns  verbos  em  certa  significação  só  se  empre- 
gam na  conjugação  reflexa;  v.  g.:  Jembrar-se  de,  doer-fte 
de,  ir-se  (embora). 

Obs.  A  conjugação  reflexa  do  chamar  substituiu  o 
rocari  latino  (ego  vocor  Lyconidcs  em  Plauto)  e  a  do  tor- 
nar o  /feí-í  latino. 

c)  Alguns  verbos  intransitivos  também  se  empre- 
gam nu  port.  arcli.  médio,  na  conjugação  reflexa,  muitas 
vezes  sem  differença  sensível  de  sentido : 

E  pêro  quem  vos  diz  que  nom  \\  Irobo  por  vós  que 
sempramei  \  mais  por  grayn  sabor  que  m'cnd'ei  \  mente.. 
(Lang,  22)..  e  tod'esto  foi  porque  se  cuidou  \  que  anda^^a 
d'outra  vamorado  (Id.,  30).  Amor . .  \  He  hum  estar-se 
preso  por  vontade  (Cam.,  Son.,  81). 

Tal  prática,  no  port.  moderno,  afora  com  alguns  ver- 
bos (v.  g.:  gozo-me  de^  fioo-me  por  aqui),  é  da  litteratura 
archaizante : 

pareciam  querer  decorál-o  para  o  repetirem  á  s^ua 
rainha,  quando  cila  se  jazesse  em  amoroso  ócio  (Gast., 
Chave,  II,  57).    os  sinos  eram  para  elle^  aves  de  outra  es- 


SYNTAXE  HISTÓRICA    POUTUGURSA  101 


pecie,  inoffoisivas  também,  só  com  a  dijferença  de  se  esta- 
rem captivas  n'uma  gaiola  alta  {lá.  ibid.,  II,  87).  Uma 
tarde  de  verão,  que  me  eu  estava  acompanhado  só  de  mi- 
nhas cogitações  (Id.  ibid.,  //,  Í15). 

Lofst.,  pag.  140-143,  cita  vários  exemplos  (l'esta  pra- 
tica no  baixo  latim: 

gtislavimits  nobis  (Peregr.  Aethetiae);  sedde  vobis  (ibid.), 
tnde  tíbi  (Sortes  Sangallenses) ;  fugicl  sibi  (Mulomedicina 
Chironis)  etc. 

No  port.  arch.  médio  empregava-se  costumar-se  no 
sentido  de  ser  costume : 

coslumava-se  antigamente  vestirem  os  que  baidizavão 
vestedura  branca  (João  da  Fonseca,  Sylva  M.  e  H.,  13). 
Como  se  costuma  nos  collegios  da  Companhia  (Id.  ibid.^ 
533). 

d)  Quando  o  compl.  directo  dos  verbos  fazer,  deixar, 
mandar  ó  um  pron.  pessoal  e  a  este  se  attribue  o  iníiniti- 
A'o  d'um  verbo  reflexo,  pode  supprimir-se  o  pron.  reflexo: 

nom  ha  hi  morte  mais  chea  de  peçonha,  nem  que  assim 
destrua  as  cidades  e  villas  e  que  as  faça  mais  asinha 
perder  (F.  Lopes,  D.  João  L,  203). 

134.  A  conjugação  reflexa  também  serve  de  expri- 
mir reciprocidade : 

uns  aos  outros  se  davam  os  parabéns  (Cast.,  Q.  Hist., 
II,  98).  Os  dons  cavaleiros  godos  acometteram-se  com 
toda  a  fúria  (Herc,  Eur.,  104). 

A  ideia  de  reciprocidade  exprime-se  mais  claramente, 
ajuntando-se  um  ao  ido,  etc.)  outro,  ou  o  que  ê  menos 
usual,  entre  nós  (entre  vós,  entre  si). 

saudarom-sse  huum  ao  outro  (Mil.  de  S.  Ant.*^,'  28). 

colciit  inter  se  ac  diUgent  (Cie,  Lael.  32);  inter  se  coni- 
plexi  (Nep.,  Exm.  4). 


102  SYNTAXB  HISTOUICA   1'0UTUGCKSA 


§  135.  O  emprego  de  verbos  transitivos  na  conjug. 
reflexa,  sendo  o  pron.  reflexo  coinpl.  indirecto,  pertence 
quasi  exclusivamente  á  lingoagem  litteraria: 

os  muytos  annos  que  se  promettia  de  vida  (Vieira,  »S., 
/,  1099).  pergunie-se  cada  hum  a  si  mesmo,  quantos  annos 
tem  (Id.  ibid.,  1107). 

§  13G.  a)  A  conjug.  reflexa,  na  3.-i  pess.,  também 
serve  de  voz. passiva;  no  port.  moderno,  porém,  em  ge- 
ral, só  quando  não  se  designa  o  agente : 

Ffazem-se  aos  cavallos  muylos  jnchaços  e  desuairados 
nas  coixas  (Gir.,  Alv.,  pag.  44).  Por  elle  o  mar  remoto  na- 
vegamos, I  Que  só  dos  feios  phocas  se  navega  (Lus.,  I,  52). 
Aqui  se  escreverão  novas  historias  \  Por  gentes  estrangeirais 
que  virão  (Id.,  VII,  55).  Vê  Meroe,  que  ilha  foi  de  antiga 
fama,  \  Que  ora  dos  naturais  Nobá  se  chama  (Id.,  X,  95). 
abalou  o  exercito . .  com  as  bandeiras  desenroladas,  que 
se  vião  tremolar  dos  nossos  (Freire,  139).  os  soldados  não 
se  vencem  com  argumentos  de  palavras,  senão  com  syllogis- 
mos  de  ferro  (Vieira,  S.  de  Ȥ.'"  Cath.).  Quantas  vezes  com 
nomes  supposlos . .  se  roubão  os  prémios  ao  benemérito  e 
triunfa  com  elles  o  indigno !  (Id.,  S.  I,  535-36).  as  verdades 
poucas  vezes  se  dizem,  e  menos  vezes  se  ouvem  ('Sousa,  V. 
do  Are,  I,  435).  Quando  Lainez  ponderou  que  não  se  de- 
viam prohibir  de  modo  absoluto  os  casamentos  clandesti- 
nos (Herc,  Cas.  civ.,  85). 

E  obvio  que  este  modo  de  exprimir  a  passividad*  •^'' 
ha-de  emj)regar-se  quando  não  possa  haver  equivoco. 

Obs.  E'  incorrocção  dar  a  um  verbo  empregado 
d'esto  modo  um  compl.  directo,  v.  g.:  Quanto  viais  se  U 
a  este  illtistrc  clássico  (Fr."  J.  Freire)  (em  v  '  ''Quanto 
mais  SC  lê  este  iilustrc  clássico). 

b)    Os  verbos  intransitivos  (e  os  tran-^titivos  empre- 


SYNTAXE  HISTOUIOA   PORTUGUESA  Í03 


gados  intransiti vãmente)  podem  empregar-se  na  conju- 
gação reflexa,  na  3/^  pess.  do  singular,  em  sentido  im- 
pessoal, V,  g:  combaíe-se,  estuda-se.  No  port.  moderníssimo, 
por  falsa  analogia  com  o  francês  on  est  heureux,  esta 
prática  extende-se  aos  verbos  que  se  construem  com  n. 
predicativo  (estar,  ser): 

Em  quanto  se  trabalhava  na  mina   (Freire,    148). 
Ou  seé  amigo  ou  não  (Oast.,  Misanth.)  {^) 

Esta  conjug.  reflexa,  como  já  se  disse,  substituo  as 
passivas  impessoaes  latinas  covn.oipiignatur,pugimi'iim  est. 

§  137.  Do  emprego  dos  modos  e  tempos  trata-se  na 
segunda  parte  da  Syntaxe. 

§  138.  Nos  tempos  compostos  dos  auxiliares  ter  e 
haver  com  o  partic.  passivo,  o  port.  arch.,  e  ainda  o  mé- 
dio, concordava,  ás  vezes,  o  partic.  dos  verbos  transitivos 
com  o  compl.  directo : 

O  quall  avia  treladados  novamente  de  grego  em  la- 
tim os  livros  de  Sam  Dionísio  (Mil.  de  St.°  Ant.,  15).  tinha 
feitas  muy  grandes  presas  (Azurara,  Chron.  da  Guiné, 
237).  benefícios  e  honras  que  lhe  tinha  feytos  (Diego  Aff., 
26).  Deocleciano,  depois  de  ter  muytos  annos  govetnado 
o  império,  e  alcançadas  grandes  victorias,  e  edificadas 
aqueUas  espãtosas  thermas  de  Roma . .  renunciou  total- 
mente o  império  (H.  P.,  /,  344,  344  v.).  São  offerecimentos 
verdadeiros  |  E  palavras  sinceras,  não  dobradas  \  As  que 
o  Rei  manda  aos  nobres  cavalleiros  \  Que  tanto  mar  e 
terras  tem  passadas  {Lus.  II,  76). 

§  139.  Os  verbos  ter  e  haver  na  formação  dos  tem- 
pos compostos  não  tem  dijferença  de  sentido,  mas   no 


(')    M.  Barreto  nos  Nocos  Estudos,  pg.  59,  colligiu  exemplos  de  Garrett,  Castilho, 
Rebello  da  Silva  e  Cauiillo  Castello  Branco. 


104  STKTAXK  HISTÓRICA   PORTUGUESA 


port.  moderno  haver  pertence,  pode  dizer-se,  exclusiva- 
mente á  lingoagem  selecta. 

§  140.  De  evitar  a  repetição  do  verbo  da  of.  siibor- 
dinante  serve  o  verbo  fazer  : 

Per  vemiura  o  faz  porque  nom  Irebelho  [brincoj  com 
elle,  como  faz  este  hramchele  (FabuL,  fab.  17).  ela  nom  po- 
deria ja  nunca  achar  homem  que  a  tamlo  amasse  cotno 
sseu  marido  fazia  (Idim,  fab.  34J.  Nunca  então  pensei  em 
que . .  o  (livro)  houvesse  eu  em  tempo  algum  de  explicar y 
como  agora  estou  fazendo  (Cast.,  Chave.  JT,  78). 

CAPITULO  IV 

Da  Preposição  (^) 

A.    Preposições  que  substituem  casos  latinos  (^) 

a.     Preposições  que  substituem  o  dativo  e  o  acousativo 

§  141.  O  dativo  latino  foi  substituido  já  pela  prep. 
a,  já  pela  prep.  composta  para  ou  (segundo  a  pro- 
nuncia mais  antiga)  pêra.  O  dativo  conserva-se  excepcio- 
nalmente nos  pron.  pessoaes  e  no  pron.  reflexo  (v.  §  66). 

No  próprio  latim  preromanico  o  emprego  tio  dativo  ou 
de  od  é  ás  vezes  indlfferonto  (Ulleras  millerc  alictii  ou  ad  ali- 
quem).  Nos  Cómicos  e  de  T.  Lívio  era  diante,  oc<íorre  ad, 
em  lugar  do  dativo  da  prosa  clássica,  por  ex.  em  Planto : 


O  Nesta  primeira  |>arte  da  Syntaxo  trata-se  das  preposiçSeâ  s^i  emquanto  aa- 
tecedetn  nomes  e  pronomes ;  das  preposiçúet;  emquanto  antecedem  iiiflnitiTO^  e  ora- 
çSee,  trata-se  na  se^nnda  parte. 

O  Para  maior  commodidade,  tratando-se  de  cada  uraa  d'e8Ua  preposlç^>««, 
Aillamos  do  emprego  que  elUts  tem,  ainda  qaando  nSo  substituem  casos  latiaoi». 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  .     105 


utinam  meus  nnnc  mortus  [=^Hiortuus]  pater  ad  me  nuntiehtr 
{Mosldl.  I,  3,  76);  aeqiiipcrarc  suas  virlutis  [  =  virtutes]  admeas 
{Mil.  glor.  I,  1,  12);  hunc . .  ad  carnificem  tradercnt  {Rud.  4,  6, 
19);  em  T.  Liv:  ad  Q.  Fulviíim  Coiisulem  Hirpini . .  dedide- 
runt  scse  (27,  15);  ad  spcm  cvcntus  respondit  (28,  6;  a  par  de  :  td 
prodígio  responderei  cveníus,  i^  45,  7);  em  Scribonio:  (dolores) 
ad  nullum  malagma  cedebant  (229) ;  em  Vegecio :  ad  praecepta 
obtempere nt  (3,  9). 

O  accusativo  empregado  em  sentido  local  (v.  g:  Ro- 
fnam  veni)  foi  substituído  pelas  mesmas  preposições. 

A  prei>osiçSo  a 

§  142,  a)  A  prepos.  a,  designando  o  objecto  a  que 
vae  referir-se  a  acção  de  um  ve^bo,  e  os  pron.  pessoaes 
nas  formas  átonas  correspondentes,  junta-se  em  primeiro 
lugar:  aos  verbos  que  representam  (como  dar)  ou  que 
substituíram  (como  pagar  que  substituiu  pendere,  sol- 
vere)  verbos  latinos  que  pedem  dativo  ou  ad.  Taes  são : 

dar,  doar,  ministrar,  prestar,  restituir,  vender ;  con- 
ceder, negar,  recusar;  offerecer,  prometter ;  propor,  dever; 
extorquir,  subtrahir ;  annunciar,  dizer,  declarar,  mostrar, 
revelar;  equiparar,  comparar;  commetter ;  ligar,  unir; 
appor ;  associar;  oceidtar ;  immolar,  sacrificar;  antepor, 
preferir,  pospor;  siiggerir ;  accomodar,  adoptar;  expor, 
oppor ;  attribuir,  adjudicar,  assignar,  imputar;  dedicar, 
consagrar;  prazer;  succeder,  competir;  sobrar;  assistir; 
convir,  quadrar,  repugnar,  assentir;  sobrevir;  occorrer; 
obviar,  obstar;  ceder,  succumbir;  resistir,  sobreviver;  ad- 
herir;  accrescer;  alludir;  servir;  —  entregar,  tornar,  deixar, 
tributar,  pagar;  tirar,  tombar,  furtar,  roubar,  conquistar; 
ganhar;  encobrir;  confiar;  desejar;  igualar;  ajuntar, 
accrescentar,  acostumar,  afazer,  avezar;  aconselhar ;  acon- 


106  SYNTAXB  HISTÓRICA   POUTLOUESA 


tecer;  agradar;  obedecer;  apparecer ;  parecer ;  pertencer, 
tocar;  faltar;  acudir;  bastar: 

. .  brandura  he  de  amor  mais  certo  arreio  |  E  não 
convém  furor  a  firme  amante  (Lus.  VI,  89).  resistir  ás  ten- 
tações (Vieira,  I,  792).  Não  ha  riqueza  no  Mundo  que  se 
iguale  á  saúde  do  corpo  (Idem,  XI,  251).  As  causas  que 
obstam  ao  desenvolvimento  agrícola  (Herc,  Op.  IV,  159). 
[Fernão  Lopes]  com  o  sopro  do  génio  dá  alma,  e  vida,  e 
linguagem  ao  que  era  pó,  e  morte,  e  silencio  (Herc,  Op., 
V,  29).  Todas  as  bestas  muares  se  parecem  mais  aos  jumen- 
tos, e  jumentas,  do  que  aos  cavallos,  e  egoas  (Galvão, 
—  Trat.  da  Gin.  114,  ap.  Blut.) 

Semelhantemente  junta-so  a  prep.  a  (e  as  formas 
átonas  cios  pron.  pessoaes)  ás  locuções  constituídas  por 
um  verbo  com  um  compl.  directo,  que  no  seu  conjuncto 
exprimem  uma  acção  que  suppõe  uma  pess.  ou  cousa  a 
que  a  mesma  acção  vai  referir-se,  locuções  que  represen- 
tam ou  substituem  phrases  latinas  que  se  construem  com 
dativo  (v.  g:  morem  gerere  alicui,  fazer  a  vontade  a  al- 
guém). Taes  são :  pôr  fim  a  algo,  pôr  nome  a,  franquear 
ou  tolher  a  entrada  a  alguém,  levantar  testemunho  a,  le- 
var vantagem  a,  fazer  guerra  a ;  ter  amor,  ódio,  horror, 
respeito  a  ;  ter  rosto,  as  pélas  a : 

lhes  ouve  dali  por  diante  tamanho  medo  (Castanh.,  II, 
37).  pondo  pausa  (=  termo)  a  tantas  insolências,  largue- 
zas, e  devassidões  (Tempo  dragara,  I,  1,  54). 

Em  particular  são  de  notar  as  locuções : 

chamar  nomes  a  alguém.  Dahi  vem  o  construir-se  o 
verbo  chamar,  tratando-se  de  nomes,  de  ordinário  com 
a  pessoa  ou  cousa  por  compl.  indirecto,  e  o  nome  (ainda 
quando  adjectivo)  por  compl.  directo : 

Apresenta-se  diante  delle,  reprende-o  com  lingoagem 
e  sembrante  senhoril,  chamalhe  juiz  injusto,  escravo  vil 


SYNTAXE   HISTOIIICA   PORTUGUESA  107 


do  inferno,  lobo  do  sangue  humano,  e  cruel  ministro  de 
vãos  e  cruelissimos  Emperadores  (Sousa,  V.  do  Are,  I, 
372). 

pôr  nome  com  um  apposto  (substantivo  ou  adjectivo) : 

Quem  o  seu  cão  quer  matar,  raiva  lhe  põe  nome 
(Prov.) .  lhe  pusemos  nome  Coquo  (Orta,  Colloq.^  16).  Já  que 
á  bruta  crueza  e  feridade  \  Poseste  nome  esforço  e  valen- 
tia (Lus.,  IV,  99).         ^ 

O  port.  arch.  também  dizia  querer  bem  alguém  a  par 
do  querer  bem  a  alguém' 

queredes  grã  ben  !  oídra  molher  (Vai.,  530). 

b)  Em  segundo  lugar  junta-se  a  verbos  que,  embora 
representem  ou  substituam  verbos  latinos  que  não  se 
construem  com  dativo,  seguiram,  todavia,  a  syntaxe  de 
verbos,  de  significação  análoga,  que  se  construem  com 
dativo.  Taes  são :  prohibir,  vedar  (como  interdicere),  tole- 
rar (como  permittere) ;  pedir,  rogar  (como  supplicare) ; 
recordar  (como  suggerere) ;  fugir  (como  se  subtrahere) ; 
ensinar  (que  substituiu  docere  e  monstrare): 

menos  a  [resolução]  podia  tolerar  ao  sócio  que . . 
(Herc,  Op.,  II,  153). 

c)  Em  terceiro  lugar,  junta-se  a  verbos  que  repre- 
sentam ou  substituíram  verbos  latinos  que  se  construem 
com  ad.  Tal  é :  pertencer. 

Como  expressão  technica  grammatical,  diz-se:  perten- 
cer para. 

§  143.    Observações  ao  §  142. 

a)  Alguns  verbos  podem  ter,  ou,  em  certos  sentidos, 
tem  outra  construcção.  Sobre  este  ponto  tem  de  consul- 
tar-se  o  diccionario.  Aqui  vão  alguns  exemplos : 

parecer-^e,  construe-se  mais  frequentemente  com  a 
prep.  com  do  que  com  a  ; 

distribuir  e  repartir  só  na  linguagem  litteraria  se 


108  SYNTAXE   HISTÓRICA   POUTUOUKSA 


construem  com  a  (ou  com  as  formas  átonas  correspon- 
dentes dos  pron.  pessoaes) ;  fora  d'ahi  construem-se  com 
por  ou  entre;  também  se  diz:  repariir  com  alguém  (em 
contraposição  a :  ficar  com  tudo) ; 

dividir  construe-se  com  por  ou  enlre^  c  também  com 
a  prep.  com : 

Repartiam-se-lhes  as  terras  (Herc,  Op.,  VI,  204).  ellc 
pretendera  provar  que  os  filhos  do  servo  e  da  serva  de 
diff crentes  senhores  se  dividiam  entre  estes  (Idem,  ibid..  ///, 
319). 

captas  favcs]  anciipes   dicidunl  ciim  his  (Plin.  Nat. 
II%9t.,  X,  23). 

Substituir  alguém  ou  algo  a,  bem  que  represente 
uma  construcção  latina  {ila  treceniis  Siculis  Romani  equi- 
tcs  substitidi  (se.  sunt;  T.  Liv.  29,  1,  10),  ó  raro  nos  bons 
escriptorcs,  que  dizem  de  preferencia:  substituir  alguém. 
ou  algo  por. 

b)  No  port.  arch.  médio  dizia-se :  crê-me  islo  =^ 
crê-me  quando  digo  isto : 

creed'  esVami  [^  crede  esto  a.  mim=  crede  nisto  que 
digoj  (D.  João  d'Aboim,  Vat.  1013), 

Sobre  uma  particularidade  dos  verbos  mandar,  dei- 
xar, fazer,  sentir,  ver  e  ouvir  vid  §  289. 

§  144.    A  prep.  a  junta-se: 

a)  a  vários  substantivos  abstractos  correspondentes 
a  verbos  intransitivos  ou  reflexos,  que  se  construem  com 
«,  V.  g:  obediência,  submissão,  sujeição  ás  leis. 

Em   Cícero:    oblemperatis    legibus    (De   Ifgg.    I.    15); 
V.  Madvig,  §-244,  b,  obs.  6. 

b)  a  substantivos  abstractos  que  entram  (como  compl. 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  109 


directo)  em  locuções  (v.  g:  fazer  guerra)  que  se  cons- 
truem com  a,  por  ex :  horror ;  guerra,  ataque ;  pretensão ; 
afferro  : 

Este  honor  ao  livro  (Herc,  Op.,  IV,  163).  ataque  bru- 
tal á  liberdade  de  pensamento  (Id.,  ibid,,  III,  7).  a  preten- 
são á  infallibilidade  é  sempre  ridicnla  no  individuo  (Id. 
ibid.,  7,  adv.  prévia),  o  aferro  . .  a  antigas  praxes  (Id.  ibid., 
IV,  146). 

§  145.    Construem-se  com  a  : 

a)  Os  adjectivos  (e  substantivos  tomados  adjectiva- 
mente)  que  exprimem  qualidades  que  vão  referir-se  a  um 
objecto  e  correspondera,  ou  etymologicamente  ou  na  si- 
gnificação, a  adjectivos  latinos  que  se  construem  com 
dativo  ou  com  ad.  Taes  são:  uiil,  nocivo,  prejudicial; 
agradável,  desagradável ;  caro,  acceito ;  favorável,  desfa- 
vorável, contrario,  hostil,  avesso ;  semelhante,  igual,  idên- 
tico, equivalente;  conforme,  dessemelhante;  parallelo,  fiel, 
infiel,  traidor ;  obediente,  rebelde ;  dócil,  indócil ;  sensível, 
insensível,  surdo,  cego,  inexorável;  attento,  desattento,  in- 
differente ;  coevo,  coetâneo,  contemporâneo ;  indébito,  inde- 
cmite;  próximo,  vizinho,  circumvizinho,  propinquo ;  inter- 
médio : 

Os  costumes  avessos  a  toda  a  razão  (Lucena,  156, 
cl.  I,  ap.  Blut.).  as  semelhanças  de  Abrahão  unidas  fazião 
a  Abrahão  dessemelhante  a  todos  (Vieira,  414).  Seria  bem 
triste  que  essa  porção  de  compatricios  meus . .  me  cressem 
traidor  á  sancta  causa  da  pátria  (Herc,  Op.,  IV,  64.  cego 
á  luz,  surdo  á  voz,  mudo  á  força  da  razão,  a  que  não  po- 
dia resistir,  nem  queria  ceder  (Vieira,  S.  de  S.  Estan.,  5). 
Coevos  a  Alexandre  Magno  (Vieira,  10,  392).  partes  cir- 
cumvizinhas  á  parte  dolorosa  (Corr.  de  Abusos,  164). 
(velhice)  vizinha  ao  extremo  da  booa  [=-boa]  e  virilidade 
(Góes.,  Cat.  M.,  5). 


110  8YNTAXE  HISTOUICA  PORTUGUESA 


tUilis  alicui,  gralus  alicui,  etc;  vid.  Madvig,  §  247. 

Obs.  Coevo,  coetâneo,  contemporâneo,  próximo,  vizinho, 
circumtnzinho,  propinqiio  também  se  construem,  e  ó  o 
mais  usual,  com  de. 

Como  loc.  preposicional,  também  se  diz:  conforme  a: 
Conforme  aos  merecimentos  (II.  P.,  /,  170  v.). 

b)  os  adjectivos  em  -nie  derivados  de  verbos  que 
se  construem  com  a,  taes  como:  coi-respondenle,  sobrevi- 
vente : 

[canto]  sobrevivente  á  sua  lingua  (Cast.,  Fast.,  pro- 
logo.). 

c)  os  participios  passivos  de  verbos  reflexos  que  se 
construem  com  a,  taes  como  paro<-'''^''  ■'  opposto:  'f^-^^^f'/- 
m  a  do ,  afeito ,  ha  b  itua  do  : 

São  parecidos  os  aduladores  áquelles  quatro  animaes 
do  Apocalypse  (Vieira,  IV,  237,  ap.  Blid.). 

Obs.    Também  se  diz,  o  é  o  usual  na  conversação,  pa- 
recido com. 

d)  OS  adjectivos  (que  perderam  o  valor  de  compa- 
rativos) anterior,  posterior,  superior,  inferior  e  os  seus 
synonymos,  como  segundo  (nó  port.  litterario): 

os  decretos  forão  dons,  um  posterior  ao  outro  ^Vieira, 
2,  30  2,  ap.  Blid.).  [sepiútura]  na  traça  ..ena  esculptnra  .  . 
a  nenhuma  segunda  (PYeire,  332). 

haud  idli  veterum  virtute  secundits  (Verg.  Aetu  11,  -l-ll). 

Obs.    E'  rarissimo  construir  esses  adjectivos  (que  per- 
deram o  valor  do  comparativi.-;)  <>(>ni  a  prepos.  de: 

Oenie  tanto  inferior  da  Romana  (Andrada,  MisceL 
105). 


SYNTAXE   HISTÓRICA   POKTUGUESA  111 


e)  OS  advérbios  em  -mente  formados  dos  adjectivos 
de  que  trata  este  paragrapho. 

Obs.  a  este  §.  Quando  algum  dos  adjectivos  d'este  §  é 
11.  predicativo  do  sujeito,  podo  juntar-se  ao  verbo  a  pre- 
pos.    a,  ou   as  formas  átonas  correspondentes  dos  pron. 

pessoaes: 

A  nenhum  dos  dous  irmãos  [a  Leandro  e  Sf.°  Izidoro, 
bispo  de  Sevilha]  era  cara  a  memoria  de  Leovigildo, 
grande  príncipe,  mas  ferrenho  ariano  (Herc,  Op.,  V,  268). 

§  146.  Ha-de  ver-se  influencia  da  syntaxe  dos  adje- 
ctivos igual  e  semelhante  nas  seguintes  construcções  po- 
pulares : 

a)  se  eu  fosse  a  elle,  faria  assim  ■: 

curar  mia  (=  curar- me-hia)  eu  sa  vos  (=se  a  vós) 
fosse  (Chiado,  Regat.,  102). 

b)  ser  (proceder,  etc.)  como  a. 

§  147.  Ao  verbo  ser,  com  um  substantivo  predica- 
tivo, junta-se  a  prepos.  a  (ou  as  formas  atonas  corres- 
pondentes dos  pron.  pessoaes)  para  designar  a  pess.  ou 
cousa,  á  qual  vae  referir-se  o  predicado,  como  útil  ou 
prejudicial : 

Por  ser  aos  mais  espelho  (Eur.  Port,  II,  110).  De 
hiia  trave  quadrada  de  cem  pes,  que  pode  ser  quilha  a 
hiía  nao  da  índia  (Vieira,  9,  89,  cl.  I,  ap.  Blid.).  sê  mãi, 
conforto,  providência,  filha  \  ao  velho  martyr  (Th.  Rib., 
D.  Jayme,  124). 

Esse  ducem  alicui  (v.  Cie,  Verr.  2,  3,  21). 

§  148.  Em  vez  de  ligar-se  uma  expressão  possessiva 
ao  compl.  directo  ou  ao  sujeito  de  um  verbo,  é  frequen- 
tíssimo juntar-se  ao  verbo  um  compl.  indirecto  (ordina- 
riamente na  forma  do  pron.  pessoal) : 


112  SYNTAXE   HISTOKICA   POKTCQDESA 


Ver-me-has  ainda  notando  os  fundatnenios  \  ás  mo- 
dernas usiiaes  solemnidadps  (Cast.  Fast.,  /.  S). 

Sokbanl  ei  ma  nus  iremp-e  (Plin.  Ep.  2,  1). 

§  149.  Cora  os  verbos  de  ohler  pode  designar-se 
para  quem  uma  cousa  ó  obtida,  cora  as  formas  do  compl. 
indirecto  dos  pron.  pessoaes, 

§  1 50.  Nas  expressões  de  admiração  ou  censura,  n&s 
recomendações  e  instancias,  e  nas  interrogações  acerca 
de  alguém,  serve  o  compl.  indirecto,  na  forma  do  pron. 
pessoal,  de  indicar  que  a  acção  importa  á  pess.  desi- 
gnada pelo  pronome  ; 

Disse  mhami  [=m'a  mi]  meu  amigo  \  quando  ssora 
[=s'oi'aJ  foy  sa  vya  [=viaj  |  que  non  Ihestivesseu  [=^lh* 
estevess'euj  triste  (Fern.  11.  de  Calheiros,  Vai.,  234).  OlJiae- 
me  para  as  avesinhas  do  réo;  vede  lá  se  ellas  semeiam, 
ou  ceifam,  ou  encelleiram  cousa  alyuma,  (Cast.,  Chave,  51). 
Ó  senhor  Juiz-de-fóra,  \  Ponha  justiça  na  terra,  \  Pren- 
da-me  aquelles  dois  olhos,  \  Que  estão  àquella  janella. 
(L.  de  Vasconcellos,  Pões.  amor,  99). 

Obs.  A  esta  categoria  parece  pertencer  o  pron.  lhe  em 
phrases  familiares,  oomo :  beba-lhe  bem. 

Representa  o  dativo  othico  da  grammatica  latina; 
Madv.  §  248. 

§  151.  A  prep.  a  entra  em  certas  combinações  com 
o  sentido  de  «com  relação  a  alguém»  considerado  agen- 
te, a  origem  etc,  a  saber,  em: 

a)  querer  algo  a  alguém  {=  de  alguera) :  que  lhe  que- 
res?— 

b)  merecer  algo  a  alguém  (isto  é,  da  parte  de  alguera)  ; 
E  se  vires  que  pode  merecer-te  \  algúa  coíisa  a  dôr 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTDGUESA  113 


que  me  ficou  \  Da  mágoa,  sem  remédio,  de  perder-te  (Ca- 
mões, Son.,  19). 

c)  aturar  (e  synonymos)  algo  a  alguém: 

Que  injustiças  não  soffreram  as  MoUucas  aos  [Por- 
tugueses] que  as  governavam?  Monterroso  Mascar.,  í.« 
Epanaph.  Indica,  23). 

d)  Ouvir  algo  a  alguém  (isto  é,  da  boca  de  alguém): 
Aos  Pregadores  ouvi  isso  algumas  vezes  (Man.  Bernar- 
des, Pão  partido,  §  29). 

§  152.  Quando  se  quer  dizer  que  se  nota  ou  sup- 
põe  em  alguém  uma  cousa,  pode  substituir-se  a  deter- 
minação com  em  por  um  compl.  indirecto: 

eu  depoys  que  tive  feyta  esta  obra . . ,  vilhe  tantas  im- 
perfeições que..  (H.  P.,  Prologo). 

De  modo  semelhante  diz-se:  achar  graça  a  alguém, 
aos  dictos  de  alguém. 

pecori  rugas  invenias  (Pelagonio,  §  1). 

Em  algumas  locuções  que  se  construem  com  em  (v. 
g. :  dar  uma  bofetada,  etc,  em  alguém)  substitue-se  sem- 
pre a  prepos.  acompanhada  de  um  pron.  pessoal  pelas 
formas  do  compl.  indirecto  dos  pron.  pessoaes  (v.  g. :  dei- 
Ihe  uma  bofetada). 

Outro  tanto  acontece  com  os  verbos  intransitivos 
mexer,  bolir,  pegar,  tocar. 

§  153.  Depois  de  verbos  que  suppõem  um  movi- 
mento, emprega-se  ás  vezes  a  (ou  as  formas  do  compl. 
indirecto  dos  pron.  pessoaes),  no  sentido  de  contra;  v.  g.: 
^açular-lhe  os  cães»  (v.  Moraes  em  açular). 

§  154.    Construem-se  com  a  prepos.  a: 

1)  exhortar,  incitar,  e  os  mais  verbos  de  significa- 
ção semelhante; 


114  SYNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUESA 


2)  obrigar,  o  os  mais  verbos  de  significação  seme- 
lhante; 

3)  condemnar,  sentenciar- 

4)  os  nomes  de  acção  correspondentes  a  estes  ver- 
bos; V.  g.:  incitação  á  revolta. 

§  155.  A  propôs,  a  serve  do  designar  o  ponto  de 
mira,  a  direcção,  o  termo  do  movimento  ou  de  uma  ex- 
tensão, no  sentido  próprio  e  no  translato: 

alvo  a  que  enderençam  seus  cuydados  (H.  P.,  //,  265,  v.). 

O  intento  da  parábola .  .  a  dons  pontos  tira  (Ceita, 
49  e  v). 

A  cor  de  suas  agoas  he  tirante  a  verde  escuro  (Bem. 
de  Brito,  Geogr.,  4,  ap.  Blut.).  a.  differença  da  era  de 
César  ao  anuo  de  Christo  (Herc,  Cas.  civ.,  32). 

quae  pars  colUs  ad  orientem  solem  spedabal  (Cesar,  6. 
Gall.,  7,  69).  Creta  altero  latere  ad  aiislrum  altero  ad  se- 
ptentrionem  versa..  (Plin.,  n.  hist.,  4,  58).  Pervenit  res  ad 
istius  aures  (Cie,  Verr.,  2,  4,  28). 

D'esta  maneira  diz-se  agan-ar-se  a  (v.  g. :  a  uma  ta- 
boa),  apertar  a  (v.  g. :  alguém  ao  peito,  e  não  contra  o 
peito),  pendurar  a  (v.  g.:  algo  ao  pescoço),  etc. 

Et  trepidae  matres  prcsscre  adpcctora  natos  (Verg.,  Aen., 
VJI,  518);  ad  collum  suspendes  haec  (Marcoll.  Emp.,  21,  1). 

Esta  prepos.  tem  lugar  também  depois  dos  verbos 
tomados  em  sentido  pregnante,  v.  g.:  melhorar  a  =  pas- 
sar, com  melhoria,  a  : 

Do  qual  officio  [de  jornaleiro]  se  melhorou  ao  de  re~ 
coveyro  (Mon.  Lusitana,  1,  209,  cl.  2,  ap.  Blut.). 

Depois  de  alguns  verbos,  o  nomes,  de  movimento 
para  um  logar  (ir,  vir,  voltar,  tornar,  ida,  etc),  a  dá  a  en- 


SYNTAXB  HISTOKICA  PORTUGUESA  115 


tender  que  a  ida,  etc,  é  só  para  certo  fim,  voltando-se 
depois,  ao  passo  que  para  não  envolve  tal  ideia.  Antes, 
porém,  de  certos  substantivos,  a  e  para  tem  outra  diffe- 
rença  de  significação,  assim  em  ir  para  a  aula,  para  só 
designa  o  termo  do  movimento,  em  ir  á  aula,  a  allude 
ao  que  lá  se  vae  fazer. 

Sempre  se  emprega  para,  depois  de  partir,  fazer-se 
de  vela,  embarcar,  navegar  (mas  em  relação  aos  rumos 
também  se  diz,  v.  g.:  navegar  ao  sul),  continuar,  seguir, 
proseguir,  também  depois  de  deitar  (no  sentido  em  que 
se  diz:  a  janella  deita  para  o  jardim). 

Com  03  verbos  de  aproximar,  avizinhar,  é  mais  vul- 
gar o  emprego  da  prepos.  de;  vid.  §  167. 

§  156.  a)  Em  certas  combinações  a  designa  proxi- 
midade, contiguidade: 

Aqiielle  pobre  cuberto  de  chagas,  que  jazia  á  sua  por- 
ta, morto  de  fome,  a  quem  o  Rico  Avarento  tantas  vezes 
offendia  todos  os  dias,  quantas  se  assentava  á  mesa  (Viei- 
ra, Ã  da  í."  6."  f."  de  Q.,  10). 

Ad  portam  adesse  (Cie,  cie  divin.,  l,  27);  ad  focuin  se- 
dere  (Cie,  Cat.  m.,  16). 

b)  Equivale  a  em,  em  algumas  expressões  avulsas: 
está  escripto  aos  dezasete  capítulos  dos  Números  (H. 

P.,  /,  Í81  V.). 

c)  As  vezes,  com  nomes  de  acção  (ou  infinitivos),  de- 
signa a  coincidência  no  tempo,  podendo  designar  conjun- 
ctamente  o  que  dá  occasião  a  um  facto :  por-se  de  pé  á 
chegada  de  alguém. 

ad  adventum  imperaíorum  de  foro  decesserat  titnens  pro- 
scriptionem  (Nepos.,  Att.,  X). 


116  8YNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


d)  Designa  o  tempo  em  que:  com  o  substantivo 
hora;  com  os  números  dos  dias  dos  meses  (concorrente- 
mente com  em);  com  os  dias  da  semana,  quando  se  falia 
do  que  é  costume  acontecer;  com  dia  acompanhado  de 
numeral. 

e)  Em  algumas  combinações,  serve  de  designar  o 
fim,  V.  g. :  ir  á  pesca,  tocar  á  missa. 

Obs.  1."  Cora  substantivos  concretos,  tem-se  na 
mente  um  verbo,  v.  g. :  ir  á  carne  =  \r  buscar  a  carne. 

Ohs.  2."  È  de  notar  o  latinismo  raro  roflrar  (  =  ap- 
plicar-se)  a  alguma  coisa  =  vacarc  alin<i  rei,  vid.  Madv., 
§261. 

f)  Em  algumas  locuções  exprime  referencia  de  uma 
cousa  a  outra  que  serve  de  norma  ou  typo: 

Canta  ao  som  da  viola  (F.  M.  do  Nascimenlo,  //,  264). 

Canlarc  ad  chordannn  sonum  (Xepos.,  Epam.,  2). 

D'este  modo  emprega-se,  depois  de  cheirar,  saber 
(  =  ter  sabor)  (e  seus  synonymos),  soar: 

Cheirar  ao  alho  (Sá  de  Mir.,  524).  Querem  que  os  li- 
mões..  saybam  a  açúcar  (H.  P.,  II,  58).  a  perdiz  me  cheira 
a  pato  (Prestes,  245).  Aijorrecia  aqnelle  animo  limpíssimo 
de  cubica  toda  a  cousa  que  cheira/va  a  interesse  (Sousa,  /, 
102).  A  cabeça  toa-lhe  a  vasio  (Camillo,  Bohemia,  254). 

A  esta  categoria  pertencem  as  loc.  a  meu  ver,  a  meu 
juizo,  ao  que  parece: 

A  meu  juizo  (Vieira,  S.  do  b.  Eslan.,  2). 

g)  Serve  de  exprimir  a  ideia  de:  olhando  a,  em 
phrases  como: 

Ao  tempo  que  te  não  vi,  \  Já  o  caminho  tem  hervas: 
(L.  de  Vasconc,  Pões.  Amor.,  110). 


SYKTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  117 


A'  dôr  que  te  cruciava  j  melhor  te  fora  morrer  (Th. 
Rib.,  24). 

h)  Em  algumas  loc.  designa  o  instrumento,  o  meio: 
calcar  aos  pés,  enxotar  á  pedrada ;  ir  á  vela,  pescar  á  li- 
nha; levar  aos  ombros,  ás  costas,  á  cabeça;  matar  á  foriie: 

fazem  as  barbas  aa  f^^áj  navalha  (Castanh.,  I,  13). 

Abrir  ao  buril  (Ceita,  29,1).  Eterno  Ser ..  \  A  cujo 
aceno  tremem  abaladas  \  As  columnas  do  ethereo  firma- 
mento (Passos,  88-89). 

No  port.  moderno,  é  mais  usual  dizer-se  jogar  um 
jogo  (as  cartas,  a  pélla,  etc);  antigamente  dizia-se  jogar 
a  mn  jogo. 

Cum .  .  ad  lafruncidos  hideretur   (Vopisco,  Proculus, 

13,  2). 

i)  Em  algumas  loc.  designa  o  modo:  ir  a  galope;  ás 
cegas,  ás  claras,  ás  escondidas;  a  pouco  e  pouco  (melhor 
do  que  apouco  a  poucos): 

dormia  a  sono  solto  (Man.  Bernardes,  Pão  iiartido, 
§  20).  Chovem-lhe  os  frutos  aos  mil  (Cast.,  Outono,  II,  69). 

j)  Equivale  a  na  razão  de,  quando  se  declara  o 
preço  correspondente  a  certa  unidade,  pelo  qual  uma 
cousa  se  compra  ou  vende  ou,  em  geral,  se  obtém. 

b.     Pava 

§  157.  Para  designa,  como  determinação  geral  (^), 
em  proveito  ou  desproveito  de  quem  uma  cousa  se  dá : 


(')  Chamo  detenninaçuo  (complemento)  gorai  aqnella  que  não  é  requerida  pela 
significação  da  expressão  determinada,  v.  g. :  ensinar  com  paciência;  determinação  es- 
pecial aquella  que  é  requerida  pela  significação  da  expressão  determinada,  v.  g. :  «n- 
siiiar  os  ignorantes. 


118  SYNTAXB  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


Ho  avarento  faz  tesouro,  e  nom  ssabe  pêra  quem  o 
guarda  (Fabul,  fab.,  42).  nam  nascemos  somente  pe^a  nós 
(H.  P.,  /,  315). 

Si  domus  puMtra  sil,  iuteMigamus  eam  dominis  aedifi- 
catam  esse  non  nntribu-s  (Cie,  iial.  d.,  3,  iO). 

Obs.  Sobre  o  emprego  das  formas  do  compl.  indi- 
recto nesta  funcção  grammatical,  v.  §  149. 

§  158.    Para  designa  que  uma  attirmaçào  ú  válida: 

1)  em  relação  ao  sentir  de  alguém  (  =  aos  olhos  de 
alguém) : 

Para  as  turbas  o  cheiro  do  sangue  é  perfume  suave 
(Herc.,  Op.,  I,  33).  devendo-se,  por  isso,  suspeitar  que  Azu- 
rara foi  dUiquelas  pessoas,  para  quem  o  respeito  ao  di- 
nheiro é  o  principal  de  todos  os  respeitos  {lá.  ibid.,  V,  12). 
O  casamento  era  para  os  Romanos  um  contracto  pura- 
mente civit  na  sua  essência  (Id.,  Cas.  C,  13). 

non  cadem  omnibus  esse  honesta  atque  tiirpia  (Nepos, 
Prefacio). 

2)  em  relação  ás  condições,  ou  estado  de  alguém,  ou 
de  alguma  coisa: 

Como  os  nossos  forão  a  terra,  começarão  eles  de  tã- 
ger  quatro  fraldas  acordadas  a  quatro  vozes  de  mimca, 
que  pêra  negros  cõccrtavão  bc  (Castanh.,  /,  3). 

§  159.    Para  craprega-se: 

1)  na  designação  da  proporcionalidade:  3  está  para 
6  como  2  para  4 ; 

2)  fallando-se  da  capacidade,  era  loc.  como:  alguém 
não  c  para  tal  trabalho,  tal  trabalho  não  é  para  alguém; 

Sua  Santidade  não  fora  servido  de  livrar  de  tama- 
nha carga  a  quem  era  tão  pouco  pêra  ella  (Sousa,  V.  do 
Are,  7,  527/ 


SYNTAXE   HISTOaiCA   PORTUGUESA  119 


3)  na  designação  do  quo  uma  cousa  requer  para  ser 
effectuada:  jornada  para  15  dias;  trabalho  para  4  horas; 

4)  na  designação  do  tempo  em  relação  ao  qual  uma 
cousa  é  dada,  exigida,  etc, :  mantimentos  para  um  mês. 

§  160.    a)    Para  designa  (como  determinação  geral): 

1)  a  pess.  ou  cousa,  o  tempo  a  que  uma  cousa  ó  des- 
tinada : 

O  mel  não  é  para  a  boca  do  asno  (Prov.). 

2)  o  fim  d'ama  acção :  dar  dinheiro  para  a  repara- 
ção d'um  edifício. 

Obs.  1."  Por  abreviação  de  expressão  (no  sentido 
de:  para  adquirir,  conservar,  ele.),  antepõe-se  a  nomes 
concretos:  dar  a  alguém  dinheiro  para  amêndoas. 

Em  particular,  emprega-se  para  com  os  nomes  de 
pess.  que  exercitam  uma  profissão,  depois  dos  verbos  es- 
tudar, aprende?',  etc: 

Aprendia  para  clérigo  (G.  Correia,  L.  da  índia),  (na 
tradução  inglesa :  He  ivas  studying  to  be  a  priest). 

Obs.  2."  Esta  prepos.,  ás  vezes,  designa  não  pro- 
priamente o  fim,  senão  a  consequência  (v,  g:  para 
minha  desgraça  s-ttccedeu  que  —  (cf.  ánl  y.ay.fõ  àvgptóroo 
o(5í)poj  âvsú.oTjTa:  (Heródoto,  1,  68). 

b)  As  vezes,  emprega-se  no  sentido  de:  em  compa- 
ração de: 

he  nada  par'o  que  vemos  (Franc.  de  Viveiro,  Canc. 
G.«^  ///,  45). 

§  161.  Antes  de  nomes  concretos  emprega-se  para 
com  o  verbo  tomar  (concorrentemente  com  por),  e  depois 
dos  verbos  de  eleger  (concorrentemente  com  o  simples  n. 
predicativo). 


120  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


§  162.  Sobre  para  na  designação  do  termo  do  mo- 
vimento, V.  §  155. 

Na  designação  do  lugar  onde,  emprega-se  em  con- 
traposição ao  lugar  em  que  se  está  (e  reforça-se  a  expres- 
são com  o  adverbio  lá):  Está  {lá)  para  a  quinta. 

§  163.    Para  designa: 

a)  o  tempo  a  que  ó  destinada  a  realização  de  uma 
acção ; 

b)  o  tempo  em  que  uma  cousa  se  realizará,  em  con- 
traposição ao  tempo  em  que  se  está  (e  reforça-se  a  ex- 
pressão com  o  adverbio  lá): 

Cedo  espero,  se  Deos  me  der  vida,  ao  menos  lá  para 
o  fÍ7n  do  anno,  estar  perto  desse  Convento :  (Chagas,  Car- 
tas esp.,  164). 

quem  [Furnium]  ad  annum  [=no  anno  próximo] /ri- 
buniim  jilebis  videbam  fore  (Cicero,  ad  Alt.  5,  2), 

§  164.  a)  Depois  dos  adjectivos  que  designam  cou- 
sa que  redunda  em  bem  ou  em  mal  de  alguém,  e  que  não 
pertencem  ao  numero  d'aquelles  que,  segundo  o  §  145, 
se  construem  com  a  prepos.  a,  emprega-se  para.  v.  g. : 
honroso,  deshonroso,  decoroso,  indecoroso,  odioso  para 
alguém. 

b)  Para  pode  empregar-se  depois  de  vários  substan- 
tivos e  adjectivos  que  exprimem  disposição  de  animo  com 
relação  a  alguém  ou  algo,  v.  g.:  indulgente. 

Neste  sentido  diz-se,  sobretudo  modernamente,  para 
com. 

Substituo  in  com  accusativo. 

b.     Preposições  que  substitueatn  o  ablativo  e  õ  genetivo 

§   165.    O  ablativo    foi    substituído   pelas  preposi- 


SYNTAXK  HISTÓRICA  PORTUGUESA  121 

ções  de,  em,  com,  por;  o  genitivo,  em  geral,  pela  pre- 
pos.  de. 

de 


§  166.  Sobre  a  prepos.  latina  de,  que  veiu  a  tomar 
também,  ainda  no  período  preromanico,  o  lugar  de  ah  e 
ex,  V.  Sõfstedt.  Komm.,  pg.  103  a  109,  e  as  obras  ahi  ci- 
tadas. 

§  167.  a)  De  emprega-se,  designando  já  a  origem  de 
um  movimento,  extensão,  direeção,  e  a  provenienciu  (no 
sentido  preprio  e  no  translato),  já,  depois  das  palavras 
que  envolvem,  de  algnm  modo,  a  ideia  de  separação, 
aquilo  a  que  a  separação  se  refere :  sair  de  um  país,  cair 
de  um  cavallo,  andar  de  porta  em  porta  pedindo  esmola, 
varado  de  lado  a  lado,  passado  de  mão  em  mão,  vêr  da 
janela,  faltar  da  rua  para  o  segundo  andar,  passar  dos 
quarenta  annos,  esperar  de  alguém  boas  obras,  exigir  de 
alguém  o  pagamento  de  uma  divida,  saber  de  boa  fonte 
uma  cousa,  abster-se  de  vinho,  distinguir  o  bem  do  mal, 
discordar  de  alguém,  deshabituar  alguém  de  algo,  curar-se 
de  uma  enfermidade,  privar  alguém  da  vida,  carecer  do 
necessário  para  viver,  livre  de  cuidados : 

E  se  Ihi  mostrass'  algum  desamor,  \  nom  se  podia 
guardar  de  morte  (Lang.,  70)  passa,  de  ssabedor  aquelle 
que  sse  d'ela  [molherj  pode  aguardar  (Fabid.,  fab.  34). 
.  .dado  muitas  graças  ao  Alto  Deos  que  os  assi  desabafara 
do  poder  de  seus  enimigos  (Fern.  Lopes,  D.  João  I,  281). 
nam  cuidem  os  principes  secidares . .  que  são  escusos  da 
obrigaçum  da  mansidam  e  humildade  (H,  P.,  /,  200). 
. .  louvar-vos  \  Com  discurso  que  baixe  de  divino  (Cam., 
Soneto  CVI).  houve  tanta  differença  de  olhos  a  olhos 
quanta  vay  de  homem  a  Deos  (Ceita,  7311).  mas 
nem  assim  dobrou  de  resolução  de  proseguir  o  cerco,  es- 


122  SYNTAXR  IIISTOHICA  PORTUGUESA 


perando  a  ultima  fortuna  (Freire,  205).    eu,  que  expur- 
gara de  tendais  fradescas  a  historia  do  berço  da  monar- 
'chia  (Herc,  Op..  Ill,  5). 

de  nacibits . .  egredi  (De  bell.  Afr.,  11).  Copias  de  castris 
omnibus  cdnaint  (Idem,  58).  de  Gallia  rediens  (Exuporan- 
cio,  6).  crudilatcs  de  modo  [quantidade],  non  de  qualilate 
provenire  (Macr.,  Sat.  7,  5,  24).  de  iigride  nalus  (Ovid..  Met^ 
9,  612).  qvae . .  de  aére  nascnnlur  (Vitruv.  8,  pref).  oito 
de  malre  fatnilias  Tarquinensi  di40  fHics  procreansset  {Cie. 
de  rcpubl.,  2,  19).  lucerna  biltfchnis  de  camera  pendebat 
(Petr.  30),  de  qua  [tutela].,  feminae  liberantur  (Macr., 
Somn.  I,  õ,  71).  aegrum  eripere  de  pericidis  (Vitruv.,  l,  1,  15). 
rfe  fanfis  periailis  nos  redimere  cnrarlt  (de  Constanfino  Ma- 
gno, 29). 

A  esta  categoria  pertence  o  emprego  da  prepos.  de-. 

1)  com  os  verbos  avizinhar-se  e  aproximar,  com 
próximo  e  com  perlo. 

A  prepos.  designa  d'onde  se  observam  as  cousas. 

iam  prope  a  Sicilia  (Cie.  Yen:  2,  5,  2).  pra.vimits  a 
domina  . .  scdelo  (Ovid.,  ars  am.  1,  139). 

Obs.    Depois  destes  verbos  e  adjectivos  também  se 
emprega  a  prepos.  a: 
ousaram  approximar-se  ao  antro  dos   leões  (Herc, 
Eur.,  271). 

2)  com  mais,  menos  (concorrentemente  com  que  e 
ca,  no  port.  arch.),  quando  se  segue  um  nome  numeral 
ou  a  palavra  metade  (e  ainda  fora  d'este  caso,  em  algu- 
mas phrases  familiares,  como:  não  digo  menos  d'isso 
[=não  contesto]);  no  port.  arch.  médio  com  qualquer 
segundo  termo  de  comparação.  A  prepos.  designa  o 
ponto  d'onde  as  cousas  se  observam: 

todollos  chrístãos  pouco  menos  de  dous  mill  forom 
traeidos  aas   mãos  dos  bárbaros  (Mil.  d^  S.*°  Ant.,  20). 


SYNTAXK  HISTÓRICA  PORTUGUESA  123 


Besefeu  mui  mais  (Toiítra  rem  |  o  que  mi  pequena  prol 
tem  (Lang.,  26).  nam  ha  mayor  gloria  da  que  se  alcança 
servindo  a  Deos  (Esp.  de  Casados,  32).  Mayor  espectá- 
culo, ó  RomU,  ves  estes  dias  tu  nas  tuas  praças,  palácios 
e  templos,  daquellc  que  viste  antigamente  no  teu  bárbaro 
amphitheatro  (Vieira,  7,  561).  mays  ca  três  (Port.  M.  H., 
Leges  et  Cons.,  274).  São  mais  que  duas  as  que  litigão 
(Vieira,  XI,  273). 

Oculare  [remédio  para  os  olhos].,  qnod..  melius  sit 
áb  omnihus  collyriis  (Pelagonio,  427).  inida  et  perca  aptio- 
res  sunl  ab  aliis  piscibus  (Anthimo,  39).  íuferae  mcliores  ab 
aliis  boliiis  [=  boletis]  siwt  (Id.  38). 

Obs.  l."  mais  de,  wenos  de  empregam-se  adverbial- 
mente  sem  influírem  na  construção  da  or.,  como  se  vê 
de  alguns  dos  exemplos  citados  (cf.  em  latim:  mimts 
qtiindecim  dies  sunt,  qnani  —  (Plauto  Trin.  4,  2íJ. 

Obs.  2."  Depois  de  alguns  adjectivos  (e  participios) 
substantivados  também  se  diz  mais  de,  menos  de,  om  vez 
de  mais,  menos  do  que  e  — (como  em  latim.  v.  g:  soliio 
plus;  V.  Madv.  304,  obs.  4.*). 

3)  na  designação  do  lugar  onde,  em  certas  locuções 
que  suppõem  um  espaço  dividido  em  duas  regiões,  taes 
como:  da  direita,  da  esquerda;  de  cima,  de  baixo;  d'àquem, 
d' alem. 

Em  bom  latim:  a  dextra,  a  sinistra. 

Em  sentido  translato  diz-se:  estar,  por-se  da  parte 
[do  lado,  da  banda]  de  alguém. 

Pões-te  da  parte  da  desdita  minha?  (Lus.,  9,80).' 

coadi  sunf  civn  eis  pug-nare  . .  ab  iisque  stare  qnos  reli' 
querant  (Com.  Xep.  Datames,  6). 


124  SYNTAXE  HISTÓRICA    PORTUGUESA 


4)  depois  de  padecer,  soffrer.  etc:  padecer  do  estô- 
mago. 

Cum  ex  renibiis  laborarei  (Cie,  Tiisc,  2,  25). 

4')    depois  de  triumphar. 

De  me  trinmphal  atnor  (Propercio,  2,  8,  40). 

4")    depois  de  vingar-se. 

me  de  illis  . .  vindicabam  (S.  Agost.  Conf.  1,  G,  2).  se  de 
senatti  posset  ulcisci  (Sparciano,  Scv.  11,  3).  wc  ab  illo  vin- 
dtcare  (Séneca,  benef.  6.  5). 

5)  depois  dos  verbos  de  descansar  o  cessar : 
respirar  de  fadigas  (Chagas,  259). 

Em  latim:  ab  apparalu  operum  cessare  (T.  Liv.  21,  8), 
requiescere  a  rei  publicae  muneríbtis  (Cie.  de  off.  3,  1). 

6)  depois  de :  indemnizar  alguém,  resarcir.  etc. 
b)    Esta  prepos.  applicada  ao  tempo,  designa : 

1)  a  origem  da  contagem:  de  Janeiro  a  Março, 
d' esta  semana  em  diante,  de  dia  em  dia,  de  dia  para  dia. 

Em  particular  equivale,  em  algnmas  combinações,  a 
ha  (havia)  tanto  tempo  que  uma  cou^a  acontece  (aconte- 
cia): 

Nova  de  tanto  tempo  desejada  (Lus.,  II,  57). 

2)  O  tempo  em  que  uma  cousa  acontece,  em  algu- 
mas locuções  em  que  se  considere  um  espaço  de  tempo 
dividido  em  duas  partes:  de  manhã,  de  tarde;  de  dia,  de 
noite,  de  verão,  de  inverno.  (Também  se  diz  de  madru- 
gada —  de  manhã  muito  cedo) : 

de  grande  madrugadv  (Diego  AfT.,  111).  fidallgos  que 


SYNTAXK  HISTÓRICA  PORTUGUESA  125 


O  sempre  acompanhavam  de  dia  e  de  noite  (Fern.  Lopes, 

D.  João  1,  3). 

Xo  latim  clássico  dizia-se  de  die,  de  node,  mas  em 
outro  sentido:  Hanuibal,  surge  de  node  [sendo  ainda 
noite]  solitus,  ante  nodem  non  requiescebat  (Frontin.  Straf., 
4,  3,  7).  Vos  convivia  lauta  sumpiuose  de  die  [sendo  ainda 
dia]  facilis  (Catull.,  47). 

§  168.  Emprega-se  a  prepos.  de,  depois  dos  verbos 
de  fabricar  e  de  ser  composto,  constar. 

Com  este  sentido  liga-se  immediatainenta  a  substan- 
tivos, designando  a  matéria. 

fadtim  de  mármore  signum  (Ovid.  ^fet.  14,  313).  terra., 
de  qua  [lateres]  ducnntur  (Vitruv.  2,  3,  4,).  pons  de  cadave- 
ribus . .  fadtis  (Flor.  i,  22,  18).  oynne  mtindi  corpus  de  igni 
et  terra  insiiitiere  (Macrob.  Somn.  Scipio.  1,  6,  30).  partiam 
de  quibtts  constai  (id.  ibid.  l,  6,  5).  convivium  de  assaturis 
maxime  fuit  (Vopisc.  Aurel.  49).  de  hordeo  tisana  (Palagon., 
152).    cataplasmam  de  farina  hordei  (Id.,  261). 

§  169.  De  emprega-se  em  sentido  limitativo,  expri- 
mindo em  querespeito  se  attribue  a  um  ser  uma  qua- 
lidade ou  acção: 

1)  junto  dos  adjectivos  (participios)  e  verbos  intran- 
sitivos  quando  se  falia  de  qualidades  physicas  ou  moraes, 
ou  das  condições  em  que  uma  pess.  ou  cousa  está : 

hum  mouro  Arménio  de  nação  (Aff.  de  Albuq.,  Comm., 
31).  Como  são  largos  de  lingua  os  apertados  da  bolsa 
(Ceita,  248).  Os  mais  sulis  de  entendimento  (fieira,  »S.  de 
St."-  Cath.).  Que  importa  que  o  ministro  seja  limpo  de  res- 
peitos ?  (Id.,  /,  583,  ap.  Blut). 

2)  junto  dos  verbos  intransitivos  que  envolvem  a 
ideia  de  ser  diferente  ou  de  mudar: 

mudou  e  melhor-ou  de  pensamento  (Vieira,  1,  1087). 
Os  agarenos  redobram  então  de  energia  (Herc,  Eur.,  234). 


126  SYNTAXB  HISTÓRICA   PORTUGUESA 


iVb  mesmo  prédio  as  folhas  de  chão  variam  muito  de  qua- 
lidade (Reb.  da  Silva,  Econ.  rur.,  275). 

Oba.  1."  Diijer  nesto  sentido,  v.  g:  não  mudãn  hignr 
(Vieira,  i,  650)  6  latinismo. 

Obs.  2."  Na  designação  do  respeito  em  que  uma 
cousa  6  comparada  com  outra,  cinprega-so  em;  v.  §  185. 

cum  cocperil  jumenlum  claudicare  modo  de  príoribt*s 
(Pclagon.,  14). 

§  170.  a)  De  junta-se  aos  verbos  que  exprimem  a 
ideia  de  encher  e,  em  geral,  de  prover: 

Barcos  pequenos  atulhados  de  gente  (Barros,  2,^,  cl.  /, 
ap.  Blut).  fornecela  [a  armada]  de  todas  as  cousas  ne- 
cessárias (Aff.  de  Albuq.,  Comm.,  12). 

Muitos  destes  verbos  podem  construir-se  com  a  pre- 
pos.  com.,  V.  §.  Também  alguns  dos  verbos  intransitivos, 
que  exprimem  a  ideia  do  estar  cheio  e  provido,  se 
construem  com  de: 

Os  mais  verbos  intransitivos  construem-so  com  em;  v.  §. 

Construem-se  egualmente  com  de  alguns  adjectivos 
de  significação  correspondente  á  dos  verbos  intransitivos 
(cheio,  revlelo). 

Os  mais  adjectivos  desta  categoria  construem-se  com 
e*w;  V.  §. 

naves  suas .  .  de  infiniíis  mcrcimoniis  nobilibus  impleve- 
runt  (de  Constantino  Magno,  14).  navibus  de  bonis  mcrci- 
moniis oneratis  (id.,  7)  ipsumquc  de  bonis  i^cslibus  inductties 
(id.,  7).  filium  de  prctiosis  vcslibus  indutum  (id.  27). 

b)  Igualmente  se  junta  aos  verbos  de  *  encarregar* 
alguém : 

O  asco  incumbe-se  não  raro  do  papel  da  compaixão 
no  theatro  do  mundo  (Herc,  na  Renascença,  3). 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  127 


c)  Designa  o  instrumento  e  o  meio ; 

1)  servindo  de  formar  ura  complemento  geral,  em 
locuções  avulsas : 

Picão  de  esporas,  largão  rédeas  logo,  j  Abaixão  lan- 
ças, fere  a  terra  fogo  (Lus.,  VI,  63). 

2)  servindo  de  formar  um  complem.  especial,  junto 
dos  verbos : 

iisar  {que  também  se  emprega  transiti vãmente),  gozar 
(que  também  se  emprega  transitivamente),  lograr-se,  va- 
ler-se^  ajudar-se,  soccorrer-se,  sustentar-se,  apascentar-se : 

E  se  não,  ajudese  a  razão  da  experiência  (Vieira,  J, 
157).  Gozão  seguramente  de  paz,  e  descãço  (Id.,  1117). 
.  .goza  . .  todos  os  privilégios  ('Id.,  1113). 

d)  O  agente  da  passiva  designa-so compor  (v.  198  b); 
todavia  com  um  grandíssimo  numero  de  verbos  —  pode 
dizer-se  que  se  exceptuam  unicamente  os  que  exprimem 
a  ideia  de  construir  e  fabricar  —  pode  empregar-se  de, 
em  particular  com  os  que  exprimem  sentimentos  e  ma- 
nifestações de  sentimentos : 

[D.  Affonso  V]  foy  huniversalmente  amado  de  todos 
seus  súbditos  (Esmeraldo,  p.  99). 

D'este  modo  diz-se :  acceito,  querido,  bemquisto,  mal- 
quisto d' alguém. 

§  171.  De  em  sentido  causal  emprega-se  com  verbos 
intransitivos  (e  reflexos  de  sentido  intransitivo)  e  adjecti- 
vos, designando  aquillo  debaixo  de  cuja  acção  se  dá  o 
facto  ou  o  estado  significados  pelo  verbo  ou  adjectivo 
(morrer  de  fome),  particularmente  o  sentimento  de  que  é 
effeito  o  facto  ou  o  estado  significados  pelo  verbo  ou  adje- 
ctivo (morrer  d' amor)  : 

Também  de  prazer  se  chora!  (Miranda,  444).  Sabe 
arrebentar  de  riso!  Quando  entende  que  convém  (Cami- 
nha, 309).    Finavãose  de  riso   todos  os  seus  (Sousa,    V. 


128  SYNTAXE  HISTOllICA   PORTUGUESA 


do  Are,  I,  405).  Grande  mal,  he  não  sarar  com  os  re- 
médios, mas  adoecer  dos  remédios  ainda  he  mal  mayor 
(Vieira,  J,  551). 

A  esta  categoria  pertence  o  emprego  d'esta  preposi- 
ção : 

1)  em  expressões  como :  caiu  de  cansado  (v.  §  52  a 
obs.) ; 

2)  nas  locuções ;  de  [por]  ordem  de,  de  mandado  de. 
§  172.    De  designa  o  modo,  mas  geralmente  fallan- 

do,  só  em  locuções  avulsas:  ir  de  corrida;  estar  de  joe- 
lhos, de  mãos  postas,  de  braços  cruzados,  dormir  de  costas, 
de  bruços: 

E  sse  forem  dous  he  derem  juizo  (i.  é.  sentença)  de 
ssenhas  guyssas  (i.  e,  cada  um  de  sua  maneira)  {P.  Mon. 
Hist.,  Leges,  274)  quasi  nf/ca  de  jogo  nem  de  veras  disse 
cousa  contra  ha  verdade  (Diego  Aff.,  16). 

§  173.    De  designa : 

a)    O  objecto  a  respeito  do  qual  se  dá  uma  acção : 

a)  Com  verbos  intransitivos  ou  empregados  intran- 
sitivamente,  taes  como :  duvidar,  desconfiar,  desesperar, 
queixar-se,  julgar,  faltar,  tratar,  syndicar,  entender  (de 
musica) ;  saber  (=ter  noticia  de) : 

Quem  esciúa  de  si  ouve  (=^ouve  falar)  (Prov.).  tanto 
que  soube  de  sua  prisão,  parti-me  logo  de  minha  terra 
(H.  P.,  //,  297  V.). 

dubilare,  desesperare  de  aliqiia  re;  qiieri  de  aliqua  re ; 
existimare,  loqui  de  aliqua  re ;  agere  de  aliqua  re. 

b)  Com  informar,  certificar  alguém. 

Ccrtiorem  aliquem  facere  de  aliqua  rc. 

c)  Com  accusar,  requerer  (=accusar),  arguir,  culpar 
alguém : 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  129 


Sendo  Susanna  requerida  de  amores  por  dous  juizes 
do  povo  (Mon.  Lus.,  I,  101,  cl.  3,  ap.  Blut.). 

accusare  aliqitem  de  veneficiis,  de  vi,  posttdare  aliquem 
de  repeiundis. 

d)  Com  convencer,  persuadir  alguém . 

e)  Com  louvar,  notar  alguém : 

quem  te  louva  do  beneficio  outorgado,  logo  pede  que 
lhe  des  outra  vez  (Yirt.  B.,  259).  Esses,  disse  o  Florentino, 
não  louvo  eu  de  suas  cavillações  (H.  P.,  II,  269  v.).  e  o 
Alcihiades  foy  notado  de  grandes  vidos  (Id.,  831  v.).  Nem 
elle  pode  jaa  mais  com  verdade  ser  fiotado  de  gula,  7iem 
de  muyto  affeiçoado  a  algum  género  de  iguarias  (Diego 
Aff.,  44). 

f)  Com  prezar -se,  jactar-se,  vangloriar-se : 
Apontey  isto  para  que  desta  nossa  própria  e  natural 

nobreza  nos  prezemos  e  nam  fabidizemos  ou  mintamos  pa- 
tranhas estrangeyras  (Fern.  Oliveira,  Gram.,  3). 
muyto  se  maravilharão  de  tão  grande  crueza. 

g)  Nas  locuções  qtie  é  feito  de  ?,  que  é  de  ?  ; 

que  será  de  mim  agora  ?  (Lang,  51).  Que  f^que  é] 
do  teu  rabil  prezado  \  teu  cajado  e  teu  çurram  ?  (Bern. 
Rib.°,  ecl.  I).  que  é  do  Senhor  nosso  irmão?  (Prestes, 
193). 

h)  Na  locução  isto  (etc.)  entende-se  de  alguém  ou  de 
algo  : 

Isto  se  entende  dos  médicos  cobiçosos  (Vieira,  XI,  259). 

i)    Com  os  verbos  de  saber,  Ur,  referir,  etc. 

b)  Outrosim  designa  o  assumpto,  depois  dos  sub- 
stantivos tratado,  compendio,  etc. 

TheophrasH  . .  liber  ille  . .  de  beata  mta  (Cie,  defin.  5, 28). 


130  8YNTAXK   III8T0KICA   P0KTUGUK8A 


§  174.  a)  A  prepos.  de,  ligando  um  substantivo  (ou 
equivalente  do  substivo)  a  outro  substantivo, —  já  dire- 
ctamente, já  por  intermédio  do  verbo  ser,  julgar,  etc.  (fa- 
zendo as  vezes  de  n.  predicativo)— ,  serve  de  designar  a 
pess.  ou  cousa  a  que  a  outra  pertence  por  qualquer 
respeito  (posse,  parentesco,  etc),  v.  g.:  quinta  de  Alfredo, 
filhos  de  Zebedeo,  virtudes  de  Sócrates,  poesias  de  Bocage, 
conquistas  de  Affonso  de  Albuquerque,  pés  de  mesa,  folha 
de  hera,  monumento  de  uma  cidade,  entrada  da  rua, 
igreja  da  Magdalena,  Avenida  do  Almirante  Reis  [dedi- 
cada á  memoria  do  A.],  Rua  de  24  de  Julho  (e  nào :  K. 
24  de  J.),  Rua  dos  Fanqueiros  [onde  sào  os  estabeleci- 
mentos dos  fanqueiros],  Travessa  do  Leonardo  (onde 
mora,  ou  morou,  o  L.),  Theatro  da  Rua  dos  Condes,  Mi- 
randa do  Douro,  America  do  Sul,  batalha  de  Aljubarrota, 
dia  do  julgamento,  Estrada  de  Bemfica,  guerra  da  Inde- 
pendência, baixella  do  aparador : 

A  aurora  he  o  riso  do  ceo,  a  alegria  dos  campos,  a 
respiração  das  flores,  a  harmonia  das  aves,  a  vida  e  alento 
do  mundo  (Vieira,  /,  2õl). 

folium  de  hcdera  (Pelagon.,  435),  ossa  de  pcrsicis  (=  ca- 
roços de  possego)  (.Mareei.  Emp.,  I,  97),  reues  de  porco 
(Anthim.,  16). 

A  prepos.  de,  tomada  neste  sentido,  ô  em  port.  (e  nas 
demais  lingoas  românicas)  de  emprego  mais  lato  do  que 
o  genet.  possessivo  do  latim  clássico,  sendo  que  muitas 
vezes  esta  relação  tinha  de  ser  expressa  por  um  adje- 
ctivo ou  por  uma  periphrase  adjectiva,  v.  g.:  estrada  de 
Ostia,  via  Ostiensis;  batalha  de  Marathona,  pugna  Mara- 
thonia,  pugna  ad  Marathona  fada,  ou  simplesmente  p.  ad 
Marathona. 

Os  pron.  possessivos  e  o  pron.  cujo  (no  port.  moderno 


SYNTAXK  HISTÓRICA  PORTUGUESA  131 


SÓ  quando  ligado  directamente)  exprimem  por  si  sós  a 
relação  que  aliás  é  designada  por  de  possessivo. 

Diz-se:  ser  (ser  julgado  etc.)  de  alguém,  no  sentido 
de :  próprio  de  alguém : 

O  gosto  de  vingança  he  breve  e  de  espiritus  baixos 
(Aidegr.  111). 

Também  se  diz,  v.  g :  preços  do  costume. 

ncgavit  moris  esse  Graecorum,  ut  \  (Cie.  Verr.,  1,  26). 

Obs.  Uma  loc.  como  alvo  de  neve  =  alvo  como  neve 
parece  tcr-so  formado,  estando  na  mente  a  expressão 
que  lem  a  alvura  da  neve. 

b)  Igualmente  se  junta  aos  adjectivos  coevo,  coetâ- 
neo (que  menos  frequentemente  se  construem  com  a) : 

Copia . .  coeva  de  Affonso  I  (Herc,  Op.  III,  23). 

§  175.  De  serve  de  designar  uma  pess.  ou  cousa 
como  objecto  de  uma  acção  ou  sentimento  (ou  manifes- 
tação de  sentimento),  de  um  conhecimento  ou  capacida- 
de: 

a)  com  substantivos  e  adjectivos  (em  particular  com 
os  formados  com  os  sufíixos  -dor  e  -tivo) : 

NunAlvarez  foi  ledo  com  este  rrecado,  como  aqiiell 
que  dhomrrosos  feitos  era  um  desejador  (F.  Lopes,  254). 

Obs.  1.^  Os  escriptores  antigos  também  construíam 
o  adjectivo  tenaz  com  de;  6  mais  vulgar,  porém,  ligar- 
ee-llie  em: 

homem  tenacíssimo  do  que  mandai;»  (Vieira,  7J7,  34^ 
ap.  Blut.). 

tenacem  proposili  viruni  (Horac,  Carm.,  3,  3), 
Obs.  2."    Alguns  substantivos  e  adjectivos  designa- 
tivos de  sentimento  podem  coiisíruir-se  com  a,  outros 
só  se  construem  com  a  ou  para  com. 


132  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUQDESA 


São  de  notar  as  locuções :  estar  á  obediência  e  rece- 
ber á  obediência  de : 

estar  á  obediência  dei  Rey  de  Portugal  (AíT.  de  Al- 
buq.  Comm.,  24).  que  os  receberia  á  obediência  dei  Rey 
de  Portugal  (Id.  ibid.,  24). 

Parece-me  pertencer  a  esta  categoria  o  emprego  da 
prepos.  de  com  os  adjectivos  digno  e  indigno : 

e  contudo  não  sabe  o  homem  se  é  digno  d'amor,  ou 
de  ódio  (Figueiredo,  Eccles.,  9,1-2). 

digmis  com  o  gen.  é  já  de  Plauto;  indignus  de  Ver- 
gilio. 

b)    com  certos  verbos  e  locuções  synonymas : 

1)  lembrar-se,  esquecer-se;  compadecer-se,  doer-se, 
condoer-se,  atnercear-se,  apiedar-se  (ter  dó,  piedade,  etc); 
arrepender-se,  pesar  a  alguém  : 

qui  de  perdilionc  ipsorum  miscrli  eos  ad  Romam  per- 
dttxerunl  (De  Constara.  Magno,  38). 

Muyto  pesou  aos  mercadores  mouros  de  Coulão  do 
assento  da  nossa  feytoria  (Castanh.,  162). 

2)  agradar-se,  enamorar-se; 

3)  admirar-se,  maravilhar-se : 

Muyto  se  maravilharão  de  tã  grande  crueza  (Diego 
Aff.,  135). 

justitiaene  prius  mirer,  helline  laborum  ?  (Verg.,  Aen.  xi, 
126). 

4)  escarnecer  [fazer  escarneo],  motejar,  rir  ou  rir-se, 
zombar : 

mofando  das  relíquias  (Vieira,  X,  189.    No  Psalmo 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  133 


cento,  e  treze,  zomba  David  dos  ídolos  da  Gentilidade 
(Vieira,  I,  626).  D'ysto,  padre,  nam  rryays  (Sym.  de  Mi- 
randa, Canc.  Ger.,  Ill,  140). 

õ)     apoderar-se,  assenJiorear-se. 

6)    depois  da  interjeição  ai/: 

Ai  dxiquelle  que  o  "matar !  (Herc,  Eur.,  220). 

Por  analogia,  aos  adjectivos  infeliz,  feliz  e  seus  sy- 
nonymos  junta-se  a  prepos.  de:  infeliz  de  mim !  infelizes 
de  nós!: 

Triste  de  mym . .  (J.  Roiz  de  Lucena,  Canc.  GS^^,  II,  551). 
Tristes  d'elles  que . .  tendo-se  por  sabedores  são  ignorantes 
(H.  P,,  //,  254  V.).  Desgraçado  do  que,  ferido,  cahia  em 
terra  (Herc,  Eur.,  117). 

Em  latim:  vac  niihi,  lae  tergo  mco. 

Obs.  ao  §  175.  A  prepos.  de,  na  função  de  que  trata 
este  §  ,  coincide  muitas  vezes  com  a  mesma  preposição, 
quando  tem  a  função  de  que  trata  o  §  173. 

Também  em  latim  diz-se  por  ex.;  conscientia  cidpae 
(T.  Liv,  28,19)  e  conscientia  de  [=tocante  a]  culpa  (Sallust., 
Catil.,  35). 

§  176.  a)    De  serve  de  designar  o  todo : 

1)  depois  de  palavras  partitivas  (substantivos,  no- 
mes numeraes  [propriamente  dictos,  e  indefinidos],  super- 
lativos) : 

mãdo  que  segia  partido  eguahnête  en  cinque  partes, 
das  quaes  una  den  a  Alcobaza  (Test.  de  D.  Aff.  II,  ap.  L. 
de  Vasconcellos,  Lições  de  Phil.  Port.,  73).  Santarém  que 
he  hãa  das  grandes  e  melhores  villas  que  ha  no  reino  de 
Portugal  (Fern.  Lop.,  D.  João  I,  111). 

Depois  de  superlativos  e  numeraes,  de  pode  ser  sub- 
stituído por  entre  para  dar  realce  á  ideia : 


134  SYNTAXB   HISTÓRICA   PORTUGUESA 


Aristóteles  disse  que  entre  todas  as  cousas  terriveiSf  a 
mais  terrível  he  a  morte  (Vieira,  /,  Í35J. 

2)  depois  do  verbo  ser  ; 

Fui  dos  filhos  aspérrimos  da  Terra  (Lus.,  V,  51).  Se 
não  sois  dos  ditosos,  sede  dos  diligentes  (Ceita,  213  v.). 
não  somos  dos  que  folgayn  de  limpar  do  musgo  dos 
séculos  o  mármore  dos  edifícios  anciãos  (Cast.,  Q.  Hist., 
J,  32). 

3)  quando  se  juntam  varias  pess.  ou  cousas  debaixo 
de  uma  só  denominação,  e  depois  se  menciona  cada  uma 
em  particular: 

Neste  sê  tido  interpretão  a  Visão  de  Izaias,  dos  Padres 
gregos  S.  Cyryllo,  e  dos  latinos  S.  Jeronymo  (Vieira,  /, 
580). 

magna  pars  de  exercitu  Hannibalis  sauciatur  (Eutrop., 
3,  10).  pcrcusstim  esse  ab  uno  de  illis  (Cie.  p.  Mil.  24).  ali- 
quem  de  tribns  nobis  (Cie  de  Icg.,  3). 

lUc  Crocsus  inlcr  reges  optdenlissimns  (Sen.,  Conlrov.,  2,1). 

de  parlibus  Marianis  fiiil  (Exuperancio,  4;  em  Eutro- 
pio,  6,  1 :  qui  partium  Marianarnm  fueral). 

V.  Madvig,  §  284,  obs.  2. 

A  esta  categoria  pertence : 

1)    a  expressão  ambos  de  dois: 

De  ambos  de  dons  a  fronte  coroada  |  Ramos  não  co- 
nhecidos e  ervas  tinha  (Lus.,  IV,  72).  Nós  viemos  prati- 
cando I  ambos  de  dous . .  (Prestes,  153).  E  ambos  de  dous 
entrega  á  morte  dura  (Eneida  Port.,  11,  166). 

ulerque  jios/>ít«!  =  ambos  nós. 
Obs.    Também   se  diz,  pleonasticamente,  ambos  oa 
dois,  ambos  dois.  (São  corruptelas  populares:  ambos  e  dois, 
ambos  a  dois): 

O    certo    é    que    ambos    os   dous    monges    caminha- 


SYNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUESA  135 


vatn  juntos  (Herc,  Monge,  I,  99,  ap.  J.  Moreira, 
Est.,   l  6)    (1). 

2)  a  expressão  elliptica  archaica  d'elles,  d'ellas  = 
alguns  (d'elles),  algumas  ;  (Telles  —  cVelles  =  uns  —  outros : 

delias  morre  casadas  (Bern.  Ribeiro,  ed.  I).  delas 
[imagens]  tinkão  tamanhos  dentes  que  lhe  sayão  fora  da 
boca  hi/a  polegada  (Cast.,  I,  37).  contam  elles  cousas 
d'ellas  [=umasj  tam  lascivas  e  deshonestas,  d'ellas  tam 
frívolas  e  vãs  (H.  P.,  II,  276  v.).  em  zamhiicos,  almadias, 
e  delles  [=alguns]  a  nado  (Aff.  de  Albuq.  Comm.,  I,   10). 

b)    De  emprega-se  também  com  sentido  partitivo : 

1)  depois  dos  verbos  intransitivos  de  participar : 
Quem  aconselha  participa  do  acto  praticado  (R.  da 

Silva,  Mocidade,  1,  71). 

2)  depois  de;  dar,  repartir  (do  que  ê  seu);  pagar, 
coHar  (^corte-me  d'esta  fazenda  >). 

date  nobis  de  óleo  vestro  (Vulg.,  S.  Matt.,  2õ) ;  Cicero, 
porém,  diz:  cum  et  natura  semper  aã  largiendum  ex  alieno 
fuerim  reslridior  (ad  fam.  3,  8,  8). 

3)  depois  de  beber,  comer,  provar. 

§  177,  a)    De  serve  de  designar  o  género : 

1)  depois  dos  substantivos  que  designam  quantidade: 
um.  pedaço  de  pão,  uma  resma  de  papel,  uma  colher  de 
licor,  um  chuveiro  de  frechas ; 

2)  depois  de  alguns  pronomes,  adjectivos  e  advér- 
bios empregados  substantivamente :  nada,  alguma  cousa, 
algo,  um  tanto,  um  pouco,  que!  assaz,  tanto,  quanto  e 
como  (correlativo  a  tanto) : 

Vedes   amigos  que  de  perdas   ey   (D.   Aff.   Sanches, 


(')    J.   Moreira  (Esí.,  I,  8)  entende  que  ambos  de  dois  provem  de  ambos  e  dois, 
tendo  o  d  de  dois  feito  apparccer  um  d  antes  do  e,  por  prolepse  phonetica. 


136  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


Vat.  21).  E  promeieo  que  daria  aos  pobres  outro  tanto 
quanto  pesasse  o  moço  de  trigo  (Mil.  de  St.**  Ant°,  47). 
cõ  assaz  de  paixão  (Bem.  Rib.,  Men.,  165).  o  que  assaz 
de  mal  lhe  quero  . .  (Lus.,  II,  40).  pergídaram-lhe  de  que 
cousa  queria  tantas,  como  aquella  roman  tinha  de  grãos 
(H.  P.,  7,  304  V.).  Não  falto  dos  doctos  e  virtuosos,  de  que 
sey  que  hai  muytos  (Id.,  //,  271  v.).  Que  de  ouro  falso .  .  ? 
(Ceita,  196).  quanto  tem  de  palavras,  tanto  tem  de  mys- 
terios  (Id.,  308).  E  que  tem  de  loquaz,  e  de  arengueiro  \ 
Quanto  de  taciturno  tem  o  oídro  (Hyssope,  102-103). 

A'  prepos.  de  nesta  funcção  sjntactica  pode  juntar-se 
um  adjectivo  substantivado,  v.  g.:  nada  de  novo  (em  la- 
tim :  nihil  novi);  mas  vários  escriptores  fogem  do  empre- 
gar d'esta  maneira  adjectivo  que  não  termine  em  o,  isto  é, 
que  não  corresponda  á  2.^  declinação  da  lingoa  latina 
(onde  também  os  adjectivos  da  3.^  declin.  não  se  empre- 
gavam d'esta  maneira;  v.  Madv.,  §  285): 

Tudo  o  que  ha  mais  custoso  e  excellente  {Ulyss.,  III,  95). 
O  que  ha  mais  vasto  e  profundo  (Herc,  Lendas,  II, 
198).  Mas  que  pode  haver  commum  entre  o  guein-eiro  e  o 
sacerdote  ?  (Idem,  Eur.,  299).  Mas  que  teve  de  grande  este 
amor?  (Vieira,  VII,  141). 

Com  respeito  á  attracção  de  concordância  que  ha  em, 
V.  g. :  uma  pouca  de  areia,  v.  §  64,  6. 

Com  attracção  semelhante,  diz-se,  por  ex.:  não  ter 
muito  (nada)  de  esperto  ou  de  esperta,  ter  pouco  de 
esperto  ou  esperta  (e  no  plural:  de  espertos  ou  de  es- 
pertas): 

He  pelo  que  esta  questão  tem  para  vós  de  nova,  e 
curiosa  (Man.  Bernardes,  Pão  partido). 

b)    A  esta  categoria  pertence: 

1))     a  construcção:  de  soldados  morreram  três  mil: 

A  recuvagem  deste  exercito  não  se  podia  numerar. 


SYNTAXB   HISTOKICA  PORTUGUESA  137 


porque  somente  de  mulheres  publicas  passavão  de  vinte 
mil  (Barros,  5,  94,  cl.  4,  ap.  Biut.). 

2)  a  construcção  como:  doestes  homejis,  homens  does- 
tes : 

Pastor  que  a  seus  redis  tem  doestes  guardadores  |  es- 
cusa de  tremer  dos  lobos  raptadores  (Cast.,  Georg.,  197). 
Ha  tantas  illusòe^s  doestas  na  vida!  (Id.,  Chave,  119). 

3)  o  chamado  art,  partitivo  do  port.  arch.:  do,  da, 
dos,  das;  vid.  ex.  do  §  129. 

4)  de,  na  loc.  ter  (muito,  etc.)  de  seu : 

avendo  dous  annos  que  estava  na  índia,  e  com  tão 
bons  dous  cargos  como  teve,  não  tinha  de  seu  cousa  algua 
(Castanh.,  VI,  133). 

c)  A'  mesma  categoria  parece  pertencer  a  prepos. 
de  em:  dar  de  conselho: 

dar-nos  hia  de  cõselho  que . .  (Bern.  Ribeiro,  Mew., 
52). 

d)  Nas  receitas,  facturas,  contas,  etc,  em  vez  de 
juntar  á  designação  da  quantidade  a  designação  do  gé- 
nero com  a  prepos.  de,  o  usual  é  pôr  a  designação  do 
género  e  juntar-lhe,  á  maneira  d'apposto,  a  designação 
da  quantidade,  v.   g.:  Agoa  destillada  cem  gr  animas. 

dabis  portulacam  manum  plcnam   ( 2JuIomed.   Chir.). 
V,  Lõfstedt,  Komm.  126. 

§  178.  a)  Depois  de  certos  substantivos,  de  serve  de 
nomear  o  objecto  particular  a  que  se  applica  a  designa- 
ção geral  constituída  por  aquelles  substantivos,  ou  de  in- 
dicar o  nome  próprio  do  objecto  designado  appelativa- 
mente  por  os  mesmos  substantivos :  titulo  de  conde,  etc, 
mês  de  Março,  anno  de  1911 ;  reino  de  Saxonia,  império 
da  Rússia,  provinda  da  Beira,  districfo  de  Braga,  cidade 


138  SYNTAXB   HISTÓRICA   PORTUGUESA 


de  Lisboa,  villa  de  Constância,  serra  de  Monchique,  etc; 
o  livro  do  Êxodo,  a  epopeia  dos  Lusíadas,  etc;  a  família 
dos  Sequeiras,  a  classe  dos  sargentos,  etc;  a  virtude  da 
temperança,  o  vicio  da  embriaguez,  etc;  o  trabalho  da 
cava,  etc: 

no  anno  de  seiscHos  e  trinta  e  três  da  fundação  de 
Roma  (H.  P.,  II,  521  v).  o  mal  da  fome  não  se  cura  com 
remédios  tardos  (Freire,  30).  no  coração  doesta  grande 
bola  da  ten'a  (Man.  Bernardes,  Pão  part.,  I,  §  2). 

Substitue  o  gen.  definitivo  (ou  epexegotico)  latino, 
o  qual  tinha  emprego  em  parte  mais  lato,  em  parte  mais 
restricto  do  que  a  prepos.  portuguesa,  por  ex.:  dlz-se 
em  latim  vox  vobtplatis  «a  palavra  prazer»;  mas:  mensis 
Martins  (adjectivo),  ex  oppido  Gergovia  (César,  de  bello 
Gall.,  7,  61);  porem,  já  no  de  bello  Afric:  cx  oppido  Thys- 
drae  [36],  in  oppido  Zamae  [91],  ad  oppidum  Paradae  [87]. 

Obs.  1."  Da  arbitrariedade  do  uso  é  que  dependo 
o  empregar-se  a  preposição,  v.  g.:  o  nome  de  Augusto,  a 
cidade  de  Lisboa,  ou  a  aposição,  v.  g.  a  palavra  Au- 
gusto, o  r  i  o  Tejo. 

Obs.  2."    Alguns  escriptores,  mormente  poetas,  em- 
pregam ás  vezos  a  apposição,  em  lugar  da  preposição 
e  vice-versa: 
.  .  o  Reino  Melinde  .  .  (Lus.,  II,  73). 
No  port.  arch.  também  se  dizia  ás  vezes,  v.  g:  o  rio 
de  Tejo  (Est.  G.«',  ap.  L.  de  Vasconc,  Tex.  arch.,  48). 
b)    De  ó  também  empregado  em  sentido  definitivo: 
1)     em  expressões  como:  o  demónio  do  homem: 
O  coitado  do  Taballiam  (Fernão  Lopes,  D.  João  I,  26). 
o  pobre  do  zagalejo  \  Não  tem  onde  se  acolher  (Miranda, 
ecl.  2,  ap.   Blut.).   vê  o  que  faz  |  esse  velho  de  meu  pae 
(Prestes,  239).   , 

monslrum  [vocativo]  hominis  (Ter.,  Eunuch.,  4,  4,  29). 


SYNTAXE   IIISTOUICA  PORTUGUESA  139 


2)     depois  dos  pron.  isto,  isso,  aquillo: 

Infelizmente,  isto  de  consciência,  se  fosse  entidade  de 
músculos  e  ossos,  iria  muitas  vezes  dar  com  elles  nas  gallés, 
ou  em  Africa,  por  testemtmha  falsa  (Herc,  Monge,  I,  202). 

§  179.  De,  ligando  um  substantivo  a  outro  — já 
immediatamente,  já  por  intermédio  dos  verbos  ser,  julgar, 
etc,  e  fazendo  as  vezes  de  simples  n.  predicativo  —  em- 
prega-se  qualificativamente,  e  serve  de  indicar: 

1)  em  primeiro  lugar:  a)  as  qualidades  de  uma  pes- 
soa ou  cousa,  de  modo  geral:  sujeito  de  muito  siso;  p)  o 
que  ella  requer:  empresa  de  grande  ti-ahalho;  y)  a  classe 
a  que  pertence:  sujeito  de  baixa  classe;  s)  a  sua  grandeza 
material,  e  quanto  ao  tempo:  armada  de  40  vasos;  creança 
de  dez  annos;  e)  a  matéria  de  que  é  feita:  taça  de  prata;  g) 
o  que  serve  de  a  caracterizar:  a  alfandega  das  sete  casas: 

O  homem  das  calças  vermelhas  (Prestes,  355).  Dessa 
cor  he  o  meu  panno  /"=  assim  penso  lambem  (Expr.  prov., 
Tempo  d' Agora,  1,  1,  34)].  Hum  grande  candieiro  de  prata 
de  quatro  lumes  (Id.,  56).  Esta  era  a  santinha  dos  escrú- 
pulos (Vieira,  IX,  77,  ap.  Blut.).  Em  Portugal  não  ha  re- 
ligião de  nenhuma  espécie  (Garrett,  Viagens,  263).  fomos 
amigos  de  tu  (R.  da  Silva,  Mocidade,  3,  48).  Tira-me  por 
esta  espada,  disse  (Saul)  ao  seii  pagem  da  lança,  e  mata- 
me (Vieira,  /,  216). 

Substitue  o  genetivo  e  o  ablativo  de  qualidade 
latinos :  peregrini  marmoris  columnae  (Plinio,  nal.  hist., 
36,  §  7). 

Alguns  substantivos  podem  empregar-se  em  sentido 
particular,  não  carecendo,  por  isso,  de  ser  acompanhados 
do  respectivo  attributo,  v.  g.:  talento,  engenho,  siso  (sujeito 
de  talento  =  de  bastante  talento);  idade  =  idade  adeantada 


140  SYNTAXE  HISTOUICA   POUTUGUESA 


(sujeito  já  de  idade);  côr =côr  que  não  seja  a  branca 
(lenço  de  côr). 

Obs.  1."  Nas  pinturas  e  retratos  ^hmí.ih  L.jui>k- 
nar-se  a  adjectivos  determina<;ões  d'este  género  com 
omissão  da  prepos.  de: 

Este,  que  vês  robusto  e  bem  disposto,  côr  parda,  nariz 
alto  (Ulyss.,  4,  94). 

Obs.  2."  Com  o  substantivo  côr  6  usual  dizer  sim- 
plesmente, V.  g.:  côr  de  rosa,  em  vez  de  =  de  côr  de  rosa: 

bracinhos  côr  de  leite  (Cas.,  Fast.,  3,  27). 

2)  em  segundo  logar:  o  sentimento  do  qual  uma 
cousa  é  manifestação  ou  ef feito:  lagrimas  de  arrependi- 
mento. 

§  180.  a)  Alguns  verbos  equivalentes  a  locuções  em 
que  entra  um  substantivo  seguido  da  prepos.  de  emprega- 
da em  sentido  epexegetico,  v.  g.:  alcunhar  (=dar  a  alcu- 
nha de),  ordenar-se  (tomar  ordens,  p.  ex.,  de  pesbytero), 
construem-se  com  esta  preposição: 

eslimays  vos  de  pação  [=^ palaciano]  (Chiado,  Pra- 
tica, 87  V.).  [Bossuet]  taxou  de  velhaco  o  papa  Eugénio  IV 
(Herc,  Op.,  III,  57).  uma  fraude  dessas  que  os  hipócritas 
qualificam  de  pias,  e  que  cu  qualificarei  de  immoraes 
{lá.,  ibid.,  III,  29). 

Obs.  No  port.  arch.  também  se  dizia  chamar  de: 
Que  te  chama  de  ratinhos  (Gil  Vicente,  vol.  II,  435,  ap.  J. 
Moreira,  Est.,  I,  138). 

b)  Construem-se  com  de,  provavelmente  cm  conse- 
quência d' uma  ellipse,  alguns  verbos  em  certas  combina- 
ções: servir  de  secretario,  de  obstáculo,  etc. : 

fica-me  de  lição  (R.  da  Silva,  Mocidade,  3,  53). 

c)  Construem-se  com  de  alguns  verbos  em  certos 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  141 


sentidos  em  que  é  obscura  a  origem  de  tal  construcção, 
V.  g.:  fiar  de  alguém  uma  cousa,  crer-se  de  alguém: 

.  .  sabe  quanto  erra  \  Quem  se  crê  de  seu  pérfido  adver- 
sário (Lus.,  I,  85).  aquelles,  que  de  mulheres  fião  segre- 
dos da  primeira  plana  (Alma  instruída,  2,  64). 

d)  Também  se  emprega  com  o  sentido  de  como,  na 
qualidade  de  em  certas  combinações: 

Gomez  Eanes .  .  nos  disse .  .  que  nos  pedia  de  merçee 
que.  .  ho  mandasemos  apousentar(Doc.  de  1443,  Doe. 
das  Chancel,  227-8). 

§  181.  É  hebraismo  introduzido  pela  Igreja  a  cons- 
trucção  que  se  vê  em  «por  todos  os  séculos  dos  séculos»: 

A  desgraça  das  desgraças  he  que  perderão  a  Deos 
para  sempre  (Man.  Bernardes,  Pão  partido,  I,  §  2). 

§  182.  No  port.  moderno,  em  lugar  de  se  dizer 
quando  foi  a  invasão  francesa,  tem-se  introduzido  o 
dizer-se  quando  foi  da  invasão  francesa.,  e  abreviada- 
mente quando  da  invasão  francesa.  Esta  construcção 
incorrecta  é  devida,  creio  eu,  á  má  adaptação  da  loc. 
francesa  lors  de  =  no  tempo  de  {^). 

Aristóteles  mal  teria  a  barba  russo,  quando  foi  d'a- 
quelle  seu  idtimo  namoro  (Garrett,  Viag.,  69).  quando 
foi  do  terremoto  (Camillo,  Perfil,  4). 

Com  requinte  de  barbarismo  até  se  escreve  a  quando 
de,  no  que  eu  vejo  influencia  do  a  do  francês  alois. 

em 

§  183.  a)  A  prepos.  em  designa  o  lugar  onde  uma 
cousa  está  ou  se  põe,  tanto  no  sentido  próprio  como  no 


(')  J  Moreira  (Est.,  II,  68)  ponsa  que  a  confusão  sintáctica  de  v.  g. :  quando 
foi  a  guerra  dos  franceses  e  no  tempo  da  guerra  dos  franceses,  deu  origem  á  cons- 
trucção quando  foi  da  guerra  dos  franceses,  que  depois  se  abreviou  em  quando  da 
guerra  dos  franceses. 


142  SYNTAXE  KI8T0R10A   POUTUGUESA 


translato,  ou  onde  acontece:  estar  em  casa j  pôr  o  jantar 
na  mesa,  eslar  em,  erro,  andar  em  francêz,  bater  com  o 
pé  no  chão,  fundar-se  em  razões  solidas,  escrever  em  per- 
gaminho, vingar-se  em  alguém: 

Isto  he  o  em  que  consiste  a  verdadeyra  philosophia 
(H.  P.,  I,  84  V.).  Ó  progne  crua,  ó  magica  Medea,  \  Se  em 
vossos  próprios  filhos  vos  vingais .  .  (Ltts.,  III,  32). 

Pela  analogia  de  significação  com  a  locução  pôr  a 
mão  em,  construem-se  com  em  os  verbos  intransitivos 
bolir,  mexer,  pegar,  tocar  (mas  com  os  pron.  pessoaes  em- 
pregam-se  as  formas  do  compl.  indirecto,  v.  §  152). 

ut  in  oerario  ponercniitr  [tabulae  icstanienti]  (César,  bel. 
civ.  3, 108).    in  dextra  inamt  fruges  íenentem  (Hisl.  ApoL,  10). 

Ellipticamente  liga-se  em  com  sentido  qualificativo 
(designando  estado)  a  nomes  de  productos  da  natureza 
ou  da  industria:  ouro  cm  pó,  algodão  em  rama,  ferro  em 
hraza. 

estava  inda  em  herva  esta  esperança  (H.  P.  //,  571). 

Obs.  O  livro  (etc.)  em  questão  em  lugar  de  o  livro  de 
que  se  trata,  o  livro  de  que  se  falia,  este  livro,  esse  livro, 
aquelle  livro,  o  tal  livro,  6  gallicismo, 

b)  Com  alguns  verbos  o  locuções  (entrar),  os  verbos 
que  exprimem  a  ideia  de  deixar  entrar  ou  fazer  en- 
trar, v.  g.  admiltir,  receber;  deitar  [por  ex.:  vinho  em  um 
copo],  lançar,  metter;  a  loc.  dar  com  algo,  v.  g.  em  terra, 
com  a  herança  em  vasabarris,  saltar  em  terra  [quem  vai 
embarcado],  o  termo  do  movimento  (no  sentido  próprio 
e  no  translato)  designa-sc  não  como  tal,  mas  como  lugar 
onde,  sendo  que  se  considera  prolepticamente,  não  o 


SYNTAXE  HISTOKICA   POKTUGUESA  143 


movimento,  a  que  se  referem  aquelles  verbos  e  locu- 
ções, mas  o  estado  que  se  segue  áquelle  movimento  (^). 

Os  das  gallés . .  saltaram  todos  em  terra  (Fern.  Lo- 
pes, D.  João  I,  205).  Esta  pergunta  dá  em  terra  com  todo 
o  meu  panegyrico  (Vieira,  S.  do  b.  Estan.).  Cedo  nos  ve- 
remos, se  Deos  não  ordenar  o  contrario,  ou  houver  outra 
cousa,  que  dê  comigo  em  Trás  os  Montes  (Chagas,  Cartas 
esp.,  97). 

A  mesma  syntaxe  occorre  no  port.  arch.  médio  com 
outros  verbos  avulsos:  sair,  ir,  em  terra  (fallando  de 
quem  vae  embarcado),  passar,  passar-se,  v.  g.:  em  Itália: 

sse  a  alma  vay  em  parayso . .  a  alma  está  benta.  (Fa- 
buL,  fab.  43).  Tanto  que  sairdes  em  terra  (Diego  Aff., 
180). 

in  sextario  hujtis  permixiíonis  iria  cocliaria  olei  viri' 
dis  miUanUtr  (Marcello  Emp.,  16,  104);  haec  in  ore 
missa.,  viasiicabis  (Id.,  5,  11);  in  tépida  aqua  mittantur 
[ova]  (Anthimo,  35);  in  musli  congio  coiciuníur  cydonia 
quiiique  (Plinio  Secundo,  2,  4). 

Ohs.  í."    Xoíe-se  a  loc.  dar,  v.  g.,  em  doido : 
Dei  agora  em  rebelde  (Chagas,  Cartas  esp.  õ5). 

Obs.  2.«'  Diz-se  entrar,  v.  g.  na  sala,  e  para  a  sala; 
entrar  em  refere-se  simplesmente  ao  termo  do  movi- 
mento, entrar  para  allude  ao  fim  para  que  se  entra. 

§  184.    Em  designa  :  1)  quando  uma  cousa  acontece; 


0)  Júlio  Moreira  (Est.,  cap.  xxrv)  vê  neste  emprego  de  em  a  continuação  do 
nso  clássico  da  prepos.  latina  in  com  accusativo.  Os  textos  que  cito  do  latim  da  ex- 
trema decadência,  aos  quaos  poderia  ajuntar  outros  (Vid.  os  Índices  da  edição  Teu- 
bneriana  de  Marcello  e  do  Anthinio),  parece  que  justificam  a  minha  interpretação. 


144  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


2)  quanto  tempo  uma  cousa  leva  a  effectuar-se ;  3)  dentro 
de  quanto  tempo  uma  cousa  fica  effectuada : 

[a  cidade]  cardeo  toda  em  quatro  dias  que  não  ficou 
casa  nem  cousa  nenhna  que  não  fosse  queimada»  (Castanh., 
4,19). 

E  pode  homem  hyr  de  Santarém  a  Beia  (Beja)  em 
quatro  dias  (Esioria  Geral,  ap.  L.  de  Vasconc,  Tx.  arch.. 
49). 

Obs.  Sobre  a  designação  do  tempo  era  que  sem 
preposição,  v.  §  40. 

§  185.  Em  emprega-se  em  sentido  limitativo  (isto  é, 
para  significar  debaixo  de  que  respeito  um  predicado  se 
applica  a  uma  cousa): 

1)  designando  aquillo  em  que  uma  cousa  ó  supe- 
rior, inferior,  ou  igual  a  outra: 

A  vós  qu'em  cavalaria  |  e  valentya  \  dais  toque  f=ex- 
cedeis]  a  Çepyam  (Conde  de  Tarouca,  Canc.  Ger.,  II,  65). 

2)  com  os  verbos  de  competir: 

Vossos  olhos,  Senhora,  que  competem  \  com  o  sol  em 
belleza  e  claridade  (Camões,  Son.  LXV). 

3)  com  enganar-se  (v.  g. :  na  data); 

4)  em  loc.  avulsas : 

Apparecérão  enfim  os  Filósofos  em  uma  sala  que  era 
o  theatro  de  famosa  Disputa,  não  menos  em  numero  que 
cincoenta,  e  tão  vários  cada  hum  nos  trajos,  e  no  mesmo 
aspecto,  como  nas  seitas  (Vieira,  5.  de  Santa  Calhar.). 

§  186.    Construe-se  com  em  : 

1)  abundar : 

2)  nadar,  escorrer  (em  sangue); 

3)  arder,  estar  acceso,  etc.  (em  cólera); 

4)  Os  adjectivos  fértil  e  fecundo. 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  145 


Obs.    É  fora  do  usual  arder  com  (correspondente  ao 
abl.  de  causa) : 

ardendo  cõ  sede  (H.  P.,  /,  59  v.). 

§  187.  Em  designa  o  preço  cora  os  verbos  de  ava- 
liar e  taxar. 

§  188.    Em  certas  combinações  em  designa : 

1)  a  forma  pela  qual  uma  acção  se  effectua  (fallan- 
do-se  do  meio  que  se  emprega) :  pagar  em  metal  sonante, 
celebrar  em  verso,  redigir  em  latim,  encadernar  em  per- 
gaminho : 

hum  livro . .  escrito  em  Parse,  enquadernado  em  ve- 
ludo carmesim  (Aff.  de  Albuq.,  Comm.,  I,  29). 

Substituo  o  ablativo  de  meio. 

2)  O  modo,  em  loc.  adverbiaes :  em  pessoa,  em  si- 
lencio, em  ordem, 

arbores  in  ordinem  saiae  (Varr.,  re  rust.,  1,  7). 

3)  a  qualidade,  na  expressão  afrancesada:  general 
em  chefe. 

§  189.     Em  emprega-se: 

1)  depois  das  palavras  que  exprimem  a  ideia  de 
dividir,  designando  as  partes  da  divisão. 

Gallia  omnis  divisa  cst  in  partes  três  (César,  de  bello 
Gall.,  11). 

2)  depois  das  palavras  que  de  qualquer  modo  ex- 
primem as  ideias  de  converter,  disfarçar  e  desfazer: 

Qual  he  o  coraçam  que  cuy dando  nisto  se  nam  desfaz 
em  lagrimas,  salvo  se  he  mays  seco  que  os  motes  de  Gel- 
boè !  (H.  P.,  I,  79).  Converte-se-me  a  carne  em  terra 
durxi,  I  Em  penedos   os    ossos   se   fizerão  (Lus.,    V,    59). 

10 


146  SYNTAXB  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


nam  avia  pessoa  que  nam  se  desfizesse  em  lagrimas  (Die- 
go  Aff.,  195).  o  negro  da  sotana^  o  branco  da  cota,  o 
pavonaço  do  mantelletle,  o  vermelho  da  purpura  tudo 
alli  [na  sepidtura]  se  desfaz  em  pó  (Vieira,  7,  114). 

Hecubatn  . .  in  canem  esse  conversam  ((.'ic,  Tnsc,  3,  26). 

Obs.    Construe-so  com  a  o  verbo  reduzir',  reduzir  a 
cinzas. 

3)  depois  dos  verbos  de  proromper : 
prorõpe  em  palavras  injuriosas  (H.  P.,  7,  202), 

Effundi  hl  que^tus. 

4)  depois  de  incorrer. 

E  archaico:  incorrer  algo. 
§  190.     Oonstrue-se  com  em  : 

1)  confiar  (pôr  confiança  em),  fiar-se,  estar  assegu- 
rado (arch.  médio),  atrever-sc  (estrever-se)  : 

Atrevendo-se  em  sua  mullidom  (Azurara,  Cliron.  da 
Guiné,  263).  Se  quem  com  tanto  esforço  om  Deos  se  atreve 
I  Ouvir  quiseres  como  se  nomeia  (Lus.,  VIII,  32). 

In  qtio  confidis?  {Vtdg.,  Reis,  4,  18,  20). 

2)  pensar,  cuidar,  imaginar,  e  os  mais  de  significa- 
ção semelhante,  e  o  adjectivo  cuidoso  : 

. .  na  qual  [lingoa]  quando  imagina  \  Com  pouca 
corrupção  crê  que  he  a  latina  (Lus.,  1,  38).  em  nenhua 
outra  cousa  imagina  (F.  M.  Pinto,  18).  No  futuro  castigo 
não  cuidosos  (Lus.,  III,  132). 

3)  crer,  v.  g.,  em  Deos : 

crem  muito  em  agouros  (Góes,  D.  MauofL  I,  06). 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  147 


4)  consentir,  convir,  concordar: 

[AbrahãoJ  temeo  que  como  mulher,  e  mãe  [Sara] 
não  tivesse  valor  para  consentir  no  sacrifício  (Vieira, 
/,  603). 

5)  vestir  (no  port.  arch.  médio): 

E  vestio-sse  em  as  vestiduras  daquello  que  com  elle 
vivia  (V.  Bemfeit.,  11).  muytos  vestem  coraçom  de  lobo 
em  pelle  de  ovelha  (lá.,  92).  vestido  em  hz/a  túnica  branca 
(Diego  Aff.,  IT,  603). 

§  191.  Em  algumas  locuções  ein  exprime  o  fim  e  a 
destinação : 

a)  dar,  receber,  ete.,  em  penhor,  em  reféns;  dar,  pe- 
dir em  casamento : 

Quando  llie  deu  a  sua  bella  Rachel  em  esposa  (Ceita, 
199). 

ei . .  filiam  suam  in  malrimonium  dal  (Gesar,  de  bell. 
GalL,  1,  3);  sibi  filiam  ejxs  in  matrimoninyn  petid  (Suet., 
Cães,  21). 

b)  ir,  vir,  ete,  em  auxilio  (soccorro  ete). 


com 


§  192.  a)  Com  designa:  companhia,  juncçào,  com- 
munidade,  simultaneidade:  passear  com  alguém,  acompa- 
nhar com  alguém,  associar-se  com  alguém,  casar  (casar-se 
receber-se)  com  alguém,  convizinhar  com  alguém,  rente 
com  (também  se  diz  a)  o  chão,  conversar  com  alguém,  encon- 
trar-se  (no  port.  arch.  médio  também  encontrar)  com  al- 
guém, coincidir  com  algo,  repartir  com  alguém,  levaniar-se 
com  o  romper  da  manhã : 

Propriedade  he  de  todallas  virtudes  sempre  consigo 
trazerem  prazer  (V.  Bem.,  148).    abracemo-nos  com  a  jus- 


148  SYNTAXE  HISTÓRICA  POUTUGUESA 


tiça  (H.  P.,  /,  233).    Com  vileza  nunca  se  pode  adjectivar 
generosidade  (Ceita,  94  v.J. 

vivere  aim  aliqiio,  nnpta  cum  aliquo,  fabulari  cum  ali- 
quo,  comitaH  cum  aliquo  (Maxim.,  4,  37);  cum  esuriente 
panetn  suum  dividat  (Sonoc,  Epist,  50);  abii  hinc  hodie 
cum  diluculo  (Plauto,  Amphitr.,  2,  2,  111). 

Obs.  Alguns  verbos  podem  construir-so  com  a,  v.  g., 
comparar,  parecer-se,  v.  §  142: 

[MelindeJ  parece-se  com  Alcouchete  (Castanh.,  /,  10). 

Obs.  1."  O  port.  arch.  construía  com  a  prepos.  com 
o  adjectivo  igual: 

Oo  vos  outros,  que  passais  |  pelas  vinhas,  \  rre^pon- 
dey,  assy  vivays  \  se  vintes  dores  ygoays  \  com  as  minhas! 
(Anrrique  da  Motta,  Canc.  Geral.  3,  480). 

A  mesma  construcção  occorre,  mas  raras  vezes,  com 
o  pron.  mesmo: 

Ainda  que  Deos  não  tenha  a  mesma  entidade  com 
[=zquej  elles  (Alma  instruída,  II,  55). 

Obs.  2."    Notem-se  as  expressões: 

1)  Com  de  dia  (Roteiro  de  D.  João  de  Castro,  108); 

2)  Poder  com: 

Com  todas  estas  octipações  podia  e  a  todas  satisfazia 
frey  Bertolameu  (Sousa,  V.  do  Are,  1,  41).  O  coração  não 
podia  com  o  orgulho  e  com  a  magoa  (R.  da  Silva,  Moci- 
dade, 2,  287). 

b)    Em  particular  emprega-se  com  : 

1)  fallando  do  que  se  tem  (está  com  febre,  um  ho- 
mem com  cinco  filha) ;  do  que  se  traz  (andar  com  cinco 


I 


SYNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUESA  149 


anneis  ?ios  dedos) ;  do  que  se  contem  (um  caixote  com  la- 
ranjas) : 

os  irmãos  de  Joséph  voltarão  do  Egypto  com  o  pão 
que  lá  tinhão  ido  comprar  (Vieira,  XI,  244.). 

Ctim  ielo  esse  (=andar  armado)  (Cir.,  Verr.,  2,  5,  3). 

Neste  caso  com  serve  muitas  vezes  de  designar  o  que 
justifica  ou  contrasta : 

c  con  tod'esto  sei,  mao  pecado  \  que  mi  queredes  peior 
d' outra  rem  (Lang.,  37). 

Jsia  cum  língua, . .  possis  crepidas  lingere  (CatulL,  98). 

2)  com  os  verbos  e  locuções  que  exprimem  a  qua- 
lidade das  relações  entre  seres :  haver-se  com  justiça  com 
alguém,  estar  bem,  mal,  com  alguém;  ter  intimidade  cotn 
alguém : 

Agesilao  diz . .  que  o  bom  principe  ha-de  ser  com  os 
vassallos  como  pay  com  filhos  (H.  P.,  1,  163).  Sois  injusto 
comigo  (Herc,  Monge,  2,  34). 

Iníellegebai  sibi  cum  viro  forti  ac  strenuo  negolium  esse 
(Nep.,  Datam.,  7). 

A  esta  categoria  pertencem  as  construcções : 

a)  acautelar-se  com,  ter  cautela  (cuidado)  com. 

Nihi  tecum  cavendumst  (Plauto,  Mostell,  5,  2,  21). 

b)  cumprir  (comprir)  com  (no  port.  arch.  med.  al- 
guém) (um  dever)  (também  se  diz :  cumprir  um  dever) : 

cõprirem  com  suas   obrigações   (H.   P.,   II,    100  v.). 


150  8YNTAXE  mSTOKIOA  PORTUGUESA 


Comprir  com  a  ceremonia,  e  lei  da  purificação  (Arraes, 
7,  22).  atprir  cõ  a  obrigação  (F.  M.  Pinto,  22J. 

c)  romper  com  alguém^  com  os  deveres: 
romperam   com  todos  os  deveres  de  homens  (Oast.,  Q. 

Eist.  4,  11). 

d)  acabar  com  (=^pôr  fim  a,  extinguir): 

O  terror  acabou  com  os  mais  sanctos  affectos  (Herc, 
Eur.,  62). 

e)  fora  com  alguém!  ou  com  algo. 
§  193.     Com  serve  de  designar: 

1)  o  instrumento  e  meio: 

Os  ingenhos  reverdecem,  e  se  aviventam  com  o  traba- 
lho (H.  P.,  95  V.).  As  Quaresmas  dos  enfermos  são  as 
Paschoas  dos  Médicos,  e  com  as  dietas  de  huns  se  fazem 
os  banquetes  dos  outros  (Vieira,  XI,  250).  O  mal  da  fome 
não  se  cura  com  remédios  tardos  (Freire,  30). 

Inicellas  istas  . .  cum  cochari  mandiicenl  (Anthiino,  75); 
mediei  ciim  medicamentis  . .  iemptant  sanarc  (id.,  14). 

2)  o  modo :  proceder  com  lealdade. 

Spectikilus  cwn  ciira  . .  omnia  (T.  Liv.,  22,  42). 

3)  a  causa : 

ca  nõ  dormho  de  noite  con  pavor  (Pêro  da  Ponte, 
Vat.,  1191). 

por  (per) 

§  194.  Por  absorveu  as  funcções  syntacticas  de  per 
e  pro. 

§  195.  a)  Por  (per)  designa  o  caminho  que  se  toma 
para  se  ir  de  um  ponto  a  outro : 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  151 


Estes  todos  passaroni  poios  togares  e  polas  penas  que 
viste  (Visão  de  Tandado,  Rev.  Lus.,  II,  111).  nom  podia 
tam  a  pressa  sser,  que  sse  ell  muito  mais  cedo  per  mar 
nom  partisse  (Fern.  Lopes,  D.  João  I,  38). 

. .  oinnibus  vns  per  quas  commealtis  ex  Samnio  suhvehe- 
bantur  ǣ.  Liv.,  9,  15);  elapsits  per  eam  ferram  (Q.  Cure,  4, 
10,  25).  . .  ui  per  eas  [membranas/  cerni  posset  (Cie,  de  nat. 
deor.  ,  2,  57) ;  videbamns  nos  omnia  per  foramen  valvae  (Pe- 
tron.,  96). 

Obs.  Designa  simplesmente  a  proximidade,  em  al- 
gumas combinações  com  passar :  passar  pela  porta  de. 

b)  por  (per)  também  designa  o  lugar  onde  uma 
cousa  acontece;  ou  se  põe,  com  a  ideia  accessoria  de  der- 
ramamento e  extensão : 

, ,  e  doutras  desimas  que  eu  tenio  apartadas  en  tesou- 
ros pe7'  meu  reino . .  (Tesf.  de  D.  Aff.  II,  ap.  L.  de  Vas- 
conc.  Limões,  71).  achou  o  vinho  casy  todo  derramado 
por  o  chaão  {Mil.  de  St.°  Ant.°.,  21).  E  assi  o  arrastaram 
pella  cidade  (Fern.  Lopes,  D.  João  I,  26).  Nom  ouve 
rreçeo  de  juniar  a  ssi  quantos  malfeitores  e  degradados 
avia  pello  rreino  (Id.,  356). 

Omnes  Jiomines  fabnlantur  per  vias  \  mihi  esse  filiam 
inventam  (Plaut.,  Cistel.,  5,  41,  2). 

c)  Em  sentido  particular,  diz-se :  entrar  por — dentro, 
ou  simplesmente  entrar  por : 

Quando  a  ociosidade  se  abre  a  porta,  entra  os  vícios 
a  tropel  pela  casa  (H.  P.,  II,  458  v.). 

d)  Em  certas  combinações  equivale  a :  do  lado  de, 
da  parte  de,  v.  g.,  o  Entre  Douro  e  Minho  confina  pelo 
norte  com  a  Galliza : 

Alem  do  Indo  jaz  e  àquem  do  Gange  \  Hum  terreno 


152  SYNTAXB  HISTOIIICA  PORTUGUESA 


mui  grande  e  assaz  famoso,  |  Que  pela  parte  Austral  o 
mar  abrange  {Lus.,  VJI,  17). 

D'este  modo  diz-se :  por  este  lado,  pela  parte  de. 

Com  esta  significação  parece  relacionar-se  o  sentido 
que  tem  esta  prepos.  em  certas  locuções,  como  pelo  que 
toca  {diz  respeito)  a. 

e)  Emprega-se  a  prepos.  por  com  os  verbos  de  di- 
vidir, designando  quem  recebe  o  quinhão. 

divlsis  per  veteranos  agris  (Suet.,  Domit.,  9). 

f)  na  locução  por  (v.  g.,  o  inverno)  adiante:  ir  pela 
rua  adiante,  ir  pela  rua  fora,  ir  fazendo  estes  trabalhos 
pelo  inverno  adiante. 

qiiod  dcs  bubas  per  hiemem  (Catão). 

§  196.  a)  Por  designa  o  momento  indeterminado  de 
um  período  de  tempo,  em  que  uma  cousa  succede :  ha-de 
chegar  por  estes  dias  (=um  d"estes  dias). 

Obs.    A  expressão  pela  manhã,  considerada  uma  só 
palavra,  pode  ser  precedida  das  prepos.  olé,  desde : 

adormeceo  até  pela  manhã  (Queiroz,  554,  ap.  Blut.). 

b)  Exprime,  em  certas  combinações,  que  um  nu- 
mero se  ha-de  tomar  aproximadamente :  andam  por  mil. 

§  197.  Por  emprega-se,  em  algumas  combinações, 
na  designação  da  altura  a  que  uma  cousa  chega : 

achousse  tam  alto  que  lhe  dava  a  agua  per  so  a  barva 
(Fern.  Lopes,  D.  João  I,  246).  arremessou-se  logo  a  gête 
nagoa,  que  lhe  dava  pela  braga  (Castanh.,  5,  59). 

§  198.  a)    Por   (per)  designa  o  meio   em  algumas 


SYNTAXE  HISTOKICA  PORTUGUESA  153 


combinações:  arrastar  pelos  cabelos,  levar  urna  criança 
pela  mão,  puo:ar  (tirar)  pela  capa,  contar  pelos  dedos,  me- 
dir pela  mesma  medida,  rezar  por  um  livro,  beber  por 
uma  taça  de  ouro,  participar  pelo  telegrapho,  julgar  pelas 
apparencias,  multiplicar  por  três;  por  intervenção  de: 

Por  este  emxemplo  este  doutor  tios  amostra  que  as 
cousas  doeste  mundo  nom  ssom  estavees  (Fabula,  fab.  20). 
Item  rreçebeo  mais  per  compra  em  o  dito  tempo  quinze 
tonees  de  vinhos.  {Doe  de  1440  em  Doe.  das  Chancel,  167). 
A  maior  parte  das  ruas  doesta  cidade  [de  BaçoráJ  são  na- 
vegadas por  esteiros,  que  manão  do  Eufrates  (Godinho, 
Viagem  da  índia,  93).  Pela  cauda  arrastava  ambos  os 
brutos  (Ovid.,  Fast.,  1,  59). 

Obs.  São  locuções  ellipticas:  estar  por  ton  fio,  estar 
em  um  lugar  pelos  cabellos. 

Já  no  latim  litterario  occorre  per  nesta  funcção 
syntactica  :  quando  pendes  per  pedes  (Plaut.,  Asin.,  2,  2,  35); 
per  quos  [digitas]  computare  solemus  (Ovid.,  3,  123)  a  par 
de  digitis  computans  (Plin.,  n.  hist.,  34,  88);  petivi  saepius 
per  liiieras  (Cie,  ad  famil.,  2,  7);  occiso  Artaxia  per  dolum 
propinquonim  (Tac,  anu.,  2,  3);  si  per  senarium  numerum 
multipliceiur  (Macro.,  Som.  Scip.,  1,  16,  15). 

E'  de  notar  a  locução  por  mim,  por  ti,  por  si,  fallan- 
do-se  do  que  se  faz  sem  cooperação  alheia. 

A  esta  categoria  pertence  propriamente  o  emprego 
de  por  (per)  nos  juramentos  e  supplicas : 

eu  juro  per  Deus  e  per  estes  santos  evangelhos  que  eu 
bem  e  lealmente  faça  esta  cousa  (Orden.  de  D.  Duarte, 
P.  Mon.  Hist.,  I,  229). 


Jurare  per  Jovem,  per  faia  Aeneae,    Incumbe  per  deos 
immoriales  in  eam  curam  . .  (Cie,  ad  famil.,  10,  3). 


154  8YNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUESA 


b)  designa  o  agente  da  passiva: 

Todo  preylo  qualquer  que  homem  fezer  por  escrito 
deve  valer,  sse  for  feylo  pelo  íabellion  (P.  Mon.  Hist.^ 
Leg.  et  Consuel.,  261).  Por  esto  he  escripto  per  o  pro- 
phela  em  o  Salmo  quadraginia  {V.  Bemf.,  33). 

c)  A  um  nome  de  acção  (derivado  ou  affim  de  verbo 
transitivo)  seguido  da  prepos.  de  com  o  nome  do  objecto 
da  acção,  pode  juntar-so  com  a  prepos.  por  o  nomo  do 
agente:  a  conquista  da.  Inglaterra  pelos  Normandos. 

§  199.  a)  Por  designa  a  causa:  fazer  uma  cousa  por 
amizade,  por  ódio;  morror  por  falta  de  soccorros  médicos: 

(D.  Affonso  V)  por  sua  niuifa  bondade  foy  huniver- 
salmente  amado  de  todos  seus  súbditos  (Esmeraldo  p.  99). 

Com  os  verbos  intransitivos  e  com  os  reflexos  de  si- 
gnificação intransitiva,  a  causa  que  opera  internamente 
designa-se  com  de  e  com. 

Obs.    Ob  e  propler  foram  substituídos  pela  loc.  por 
causa  de  ou  simplesmente  por. 

b)  A  esta  categoria  pertence,  em  rigor,  o  emprego 
de  por : 

1)  na  loc.  por  mim  (por  isso,  etc.)  não  seja  a  duvida. 

2)  com  os  verbos  almejar,  ansiar,  suspirar,  morrer, 
anhelar: 

Se  pedras  fossem  as  lagrimas  \  Que  por  ti  tenho  cho- 
rado I  Mandava  fazer  um  forte  \  No  meio  do  mar  sagrado 
(L.  de  Vasconcellos,  Pões.  amor.,  133).  finava-se  pela 
donzella  (Ceita,  131  v.).  Este  anhelar  pela.  morte  era  uma 
bem  triste  cubica!  (Her.,  Eur.,  284). 

3)  com  apaixonar-se. 

4)  com  os  verbos  de  movimento  e  mandar,  desi- 
gnando o  que  se  pretende  haver:  ir  por  agoa  {=iv  bus- 
car agoa): 


SYNTAXE  HISTOniCA  POKTaGUESA  155 


foy  por  húu  tiçom  e  açendeo  o  foguo  (Fab.y  fab.  13). 
mandara  Im  d'anire  si  a  hila  fonte  por  agoa  (H.  P.,  II, 
243  V.).  .  .  te^n  determinado  \  de  vir  por  agoa  a  terra 
muito  cedo  |  O  Capitão .  .  (Lus.,  /,  80). 

5)  com  chamar  (por  alguém),  grítar  (por  soccorro), 
bradar :  os  mancebos  . .  \  por  armas  brádão  . .  (Eneida 
Poriug.,  11,  108). 

6)  com  instar: 

Não  instou  por  despensação  (Mon.  Lusitana,  6,  207, 
cl.  2,  ap.  Blut.). 

7)  com  perguntar  (por  alguém): 

preguntou  muitas  vezes  por  o  seu  filho  (Mil.  de  S.^^ 
Anl,  36). 

8)  na  loc.  se  não  fora  por : 

e  houvera  daver  efeyto  se  não  fora  por  Charcanda  — 
qíie  ho  devolveo  a  Duarte  Pacheco  (Castanh.). 

9)  na  loc.  pelo  sim,  pelo  não : 

pelo  sim  e  pelo  não  \  acolheu-se . .  (Miranda,  551). 

10)  com  esperar  (inglês  =-=  to  wait  for). 
§  200.    Por  designa: 

a)  o  modo  em  certas  loc.  adverbiaes,  v.  g.,  por  or- 
dem (par  sua  ordem). 

b)  outras  relações  de  diferentes  categorias  em  algu- 
mas loc.  adverbiaes,  v.  g.:  por  todos  (=ao  todo);  uns  por 
outros  (fallando  de  medias): 

eram  por  todos  trinta  e  nove  (Aff.  de  Albuq.,  Comm., 
I,  4).  cinquo  mill  couros  htl  ano  per  outro  (Estatistica 
de  La?.",  ms.  da  Bibliot.  Nacional,  n.°  1552,  pag.  11).  O 
rendimento  sempre  importava  huns  annos  por  outros  mais 
de  mil  cruzados  (Sousa,  V.  do  Are,  1,  89). 

Obs.    A    expressão   absoluto  por   iodos    os    t7umeros 
{=mimeris  omnibus  a&so/r</?is=  verdadeiramente  perfei- 


156  SYNTAXE  HISTOIUCA  PORTUGUESA 


to)  6  latinismo  insólito:  obra  por  todos  os  luimeros  abso' 
luta  (Man.  Fernandes,  Ahna  inslrtiida,  2,  32). 

§  201.    É  de  notar  o  emprego  de  por: 

a)  no  sentido  de  referindo-se  a,  depois  dos  verbos 
do  dizer: 

ser-me-à  necessário  tornar-me  para  o  canto  da  ini- 
nha  cella :  por  não  ver  por  meus  olhos,  como  dizia  Agar 
por  Ismael,  morrer  o  minino  à  pura  sede  (Sousa,  Vid.  do 
Are,  1,  259). 

b)  no  sentido  de  pela  ordem  de,  segundo  (Em  latim : 
ul  quisquê  — ) : 

Os  mais  por  suas  ancianidades  vinhão  beijar  as  mãos 
(Mon.  Lus.,  6,  232,  cl.  1,  ap.  Blut.). 
§  202.    Por  emprega-se: 

a)  com  trocar  e  seus  synonymos,  e  substituir: 

este  trocar  de  tristezas  por  alegrias  (Casí.,  Q.  Hist.y 
4,  98). 

b)  com  deixar  (uma  cousa  por  outra)  (se  não  ó  que 
se  designa  antes  a  mesma  relação  que  em:  ir  por  agoa; 
V.  §  199):  deixar  o  certo  pelo  duvidoso. 

c)  designando  o  género  de  paga  e  o  preço,  mediante 
o  qual  se  compra  ou  vende  ou,  em  geral,  se  faz  uma 
cousa : 

Isocrates  vedes  Ma  oração  por  vinte  talentos  (H.  P., 
11,  260  V.). 

d)  equivalendo  a  «em  lugar  de*:  dar  homem  por  si, 
assentar  praça  por  alguém : 

não  pague  Drances  com  sua  morte  \  Por  mim  (Eneida 
Portug.,  11,  106). 

Substituo  pro. 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  157 


e)  emprega-se  no  sentido  de:  em  paga,  em  recom- 
pensa, etc,  de: 

pella  graça  e  bem  que  me  feseste,  te  quero  livrar 
(FabuL,  fab.,  46). 

i)  nas  expressões  commereiaes  pedir,  querer,  dar, 
pagar  tanto  por  algo. 

Misirmis,  qtd  pro  vectura  solverei  (Cie,  ad  AH.,  1,  3). 

§  203.  Por  emprega-se,  designando  a  unidade  em 
combinações  como:  dar  lição  duas  vezes  por  semana; 
caminhar  tantas  legoas  por  dia;  pagar  tanto  por  cabeça. 

.  .per  tmumqtie.mque  modium  pondns  denariorum  duo- 
décimo (Gargilio,  61). 

§  204.  Por  emprega-se  appositivamente  ou  predi- 
cati  vãmente: 

a)  com  os  verbos  de  prender  e  condemnar,  desi- 
gnando a  qualidade  presumida  ou  effectiva. 

b)  no  sentido  de:  »?a  qualidade  de,  como  com  ir, 
vir,  estar,  mandar,  dar,  tomar,  receber,  ter  e  haver,  e  os 
mais  verbos  de  significação  análoga:  ir  por  embaixador; 
com  pedir,  rogar,  etc.  v.  g.  por  favor,  por  mercê. 

c)  como  simples  n.  predicativo,  com  os  verbos  de 
que  trata  o  §  30.  (V.  exemplos  no  §  30). 

Tem  exclusivamente  esta  construcção  ter  e  haver, 
tomar  e  dar  =^  considerar  ou  declarar: 

o  que  amam,  de  ter  por  sem  duvida  (H.  P.,  /,  7). 
quando  se  levantou  huma  tal  tempestade,  que  elles,  com 
serem,  creados  no  mar,  se  derão  por  perdidos  (Vieira,  XI, 
187). 

§  205.  Por  exprime  vagamente  as  ideias  de:  em 
defesa  de,  em  prol  de,  a  favor  de,  com  certos  verbos  e 


158  8YNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


locuções,  V.  g.,  combater  pela  Uberdade,  pugnar  pela 
justiça,  morrer  pela  pátria;  pedir,  interceder,  velar  por 
alguém. 

Substituo  pro:  dimicare  pro  liberlate,  pro  pairia  tnori, 
supplicare  pro  aliquo. 

A  esta  categoria  parece  que  pertence  por  na  phrase 
clássica  temer  por  alguém  (em  lat.  timere  alicui)  e  em 
attentar  por. 

§  206.  Escriptores  modernos,  menos  cuidadosos  da 
pureza  da  lingoagem,  empregam  por,  depois  de  substan- 
tivos e  adjectivos  que  significam  disposições  do  animo, 
ou  manifestações  de  disposições  do  animo  em  relação  a 
um  objecto  (  v.  g.  respeito  pela  vida  alheia).  E  gallicismo. 
Em  bom  portuguez  diz-se,  v.  g. : 

sem  respeito  de  equidade  nem  verdade  (Sousa,  V.  do 
Are,  1,  148).  sem  consideração  nem  respeito  ao  bem  es- 
piritual delias  (Id.  /,  257). 

§  207.  Per  separadamente  (isto  ó,  sem  estar  ligado 
ao  art.  ou  pron.  o)  só  se  usa  em  certas  locuções,  v.  g.: 
de  per  si,  de  per  meio  (^). 

B.    PTeposi(^ões  que  nâo  substituem  os  casos  latinos 

a.    Ante,  perante,  diante  (antiquado) 

§  208.  a)  Ante  e  a  prepos.  composta  perante  signi- 
ficam :  á  presença  de,  na  presença  de,  no  sentido  próprio 
e  translato. 


(')    J.  Moreira  pensa  que  Je  per  si  resulta  da  coutaminaç3o  de  de  ti  e  per  ri 
(Est.,  2,  68). 


SYNTAXK   UISTOlilCA   PORTUGUESA  159 


O  port.  arch.  empregava  per  diante  com  o  sentido 
de  perante: 

E  o  cam  fez  citar  o  carneyro  per  diante  o  corregedor 
(Fabul.,  fab.,  4). 

No  port.  arch.  med.  ante  também  designava  anterio- 
ridade no  tempo  e  no  espaço. 

Com  tal  sentido,  no  port.  moderno  só  se  conserva 
em  algumas  locuções,  como  pé  ante  pé,  e  em  palavras 
compostas,  como  ante-ontem  (ou:  antes  dlwritem),  ante- 
manhã: 

. .  entra  pé  ante  pé  (Cast.,  Fast.,  1,  113). 

Obs.    Como  adverbio,  empregava-se  no  port  ardi., 
no  sentido  de:  anles  (—de  preferencia}: 

vossa  morte  qiierê  [=qi(erej  ante  \  que  por  dona 
Violante  \  hua  tal  cousa  se  sayba  (Nuno  Pereyra,  Canc. 
G.«^  7,  31). 

b)  O  port.  arch.  médio  empregava  diante  com  as  si- 
gnificações de  diante  de: 

E  pos  geollios  deantte  o  Sacramento  (Mil.  de  aS.*" 
Ant.",  5). 

b.    após 

§  209.  Após  quer  dizer:  logo  depois  de,  em  se- 
guimento de: 

Este  milagre  fez  tamanho  espanto,  \  Que  o  Rei  se 
banha  logo  |  na  agoa  saneia  \  E  muitos  após  elle  (Lus. 
10,  116). 

Em  particular  emprega-se  depois  de  certos  verbos, 
em  sentido  translato,  designando  o  objecto  que  se  pre- 
tende alcançar.  (Com  o  mesmo  sentido  também  se  diz: 
em  pós  de) : 


160  SYNTAXE  HISTOltICA  PORTUGUESA. 


Corro  após  este  bem  que  não  se  alcança  (Camões, 
son.  48).     Correi  após  o  meu  assass^ino!  (Herc,  Eur.,  219). 

c.    trás 

§  210.  Trás  na  accepção  de:  atrás  de,  e  depois  de,  ó 
prepos.  quasi  antiquada: 

. .  cuydo  que  padecer  \  e  trás  padecer  morrer  |  devo 
suportar  por  ela  (Joam  Comez  da  Ylha,  Cajic.  G.''^ 
II,   44). 

Na  accepção  primitiva  de:  além  de  (no  espaço  e  no 
tempo)  só  entra  em  compostos,  v.  g. :  Trás  os  Montes, 
trás  ante  ontem. 

d.    até  (té),  atá 

§  211.  a).  A  prepos.  composta  até  coraprehende  os 
sentidos  de  latim  tenus,  nsque  ad  (usque,  ad). 

Até  o  século  xvfi  sempre  se  disso  <até^  e  não  (com  a 
prepos.  a)  <até  a»;  no  século  xvii  principia  a  apparecer 
«até  a»  com  o  art.  feminino  (até  á,  até  ás)  e  só  posterior- 
mente também  com  o  art.  masculino  (até  os,  até  aos); 
mas  os  escriptores  mais  aprimorados  observam  a  prática 
antiga.  Na  conversação,  porem,  hoje  em  dia  toda  a 
gente,  quando  emprega  o  art.  feminino,  diz:  ale  n,  atrás. 

Obs.  A  adjnncção  da  propôs,  o  ao  art.  feminino 
(para  melhor  se  distinguir)  v.  g. :  «ató  a  noite»  [usque 
ad  morlem]  de  «até  a  noite»  [nox  ipsa]  foi  favorecida  pela 
circumstancia  de  tal  facto  se  reduzir  phoneticamente  a 
pronunciar-se  aberto  o  a  do  art.  feminino: 

até  a  pia  [baptismal]  (Co)istit.  Synodaes  do  bisp.  de 
Coimbra,  de  1548,  foi.  I);  dece  a  pique  até  o  mar  (D.  João 


8YNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  161 


de  Castro,  Roteiro,  12).  Desde  o  palácio  até  a  taberna 
(Herc,  Eur.,  9);  o  sufficiente  para  viver  até  as  primeiras 
colheitas  (Id.,  Op.  I,  189). 

A  forma  té  no  port.  moderno  costuma  empregar-se 
quasi  que  só  no  verso  por  necessidade  métrica. 

Até  passa  a  funcionar  como  adverbio,  com  o  sentido 
de  mesmo,  exprimindo  que  um  asserto  chega  a  abranger 
certa  pessoa  ou  cousa  ou  circunstancia. 

Também  a  prepos.  latina  ad  se  emprega  adverbial- 
mente  com  números,  v.  g. :  ad  duo  milia  et  quingenti  vivi 
capiuntur  (T.  Liv.,  4,  49). 

b)  A  prepos.,  de  origem  arábica,  atá  pertence  ao 
port.  archaico. 

e.    desde  (dês) 

§  212.  A  prepos.  composta  desde  designa  a  origem 
de  um  movimento  ou  extensão  (no  espaço,  no  tempo, 
em  uma  serie),  com  referencia  especial  á  distancia: 

Então  desde  o  Nilo  ao  Ganges  \  Cem  povos  armados 
vi  (Passos,  Poesias,  57).  Desde  o  alvor  da  manhã  |  Que 
vos  procuro  (Garrett,  Camões,  117).  Desde  o  palácio  até 
a  taberna  . .  todos  os  togares  e  todas  as  condições  tem  tido 
o  seu  romancista  (Herc,  Eur.,  Prologo). 

A  forma  dês  é  do  port.  archaico. 

f.    sobre 

§  213.  Sobre  reúne,  geralmente  fallando,  os  sentidos 
de  super  e  sujara. 

a)  Ora  designa  base  de  sustentação  (em  inglês  on, 
upon),  ora  equivale  a:  por  cima  de  (=pela  parte  de  cima 
de)  (em  inglês  over),  tanto  no  sentido  próprio,  como  em 

11 


162  SYNTAXE   HlisTOHlCA   PORTUGUESA 


sentido  translato.  Tratando-se,  porém,  da  base  de  susten- 
tação, se  não  ha  emphase,  o  usual  é  o  emprego  de  em, 
assim  diz-se:  o  jantar  está  na  (e  não  sobre  a)  mesa: 

queria  o  Senhor  que  assentassem  estas  mercês  e  Gra- 
ças que  fazia  sobre  o  merecimente  da  Fé,  dos  que  as  lo- 
gravão  (Vieira,  /,  985).  O  reino  christão  da  Palestina, 
fundado  sobre  os  ossos  de  milhares  de  martyres  e  de 
guerreiros,  deixara  de  existir  (Cast.,  Q.  Hist.,  4,  112). 

b)    Emprega-se  em  particular: 

1)  equivalendo  a:  nas  margetis  de;  nas  costas,  na^ 
praias  de: 

Sôbolos  rios  que  vão  \  Por  Babylonia,  me  achei  (Ca- 
mões, Redondilhas)  . .  Bolonha  sobelo  mar  em  França 
(Góes,  D.  Manoel,  IV,  72). 

2)  na  expressão  archaica:  fechar,  cerrar  a  porta 
sobre  si: 

e  fechassem  as  portas  sobre  ssi  a  pressa  (Fern.  Lopes, 
D.  João  I,  256). 

3)  designando  o  termo  ou  a  direcção  de  um  movi- 
mento hostil  em  certas  locuções:  lançar-se,  cahir  sobre 
alguém : 

Jeremias  propheta  vei-dadeyro  dizia  que  se  sujeytas- 
sem  a  Nebucodenosor,  porque  se  assi  o  não  fizessem.,  havia 
de  tornar  segunda  vez  sobre  Jerusalém  (Vieira,  /,  656). 

4)  como  synonyrao  de:  em  cima  de  [=em  seguida 
a] :  dormir  sobre  o  jantar. 

. .  qui  alii  super  alios  (rucidcntur  (T.  Liv.,  I,  50). 

5)  como  synonymo  de:  alem  de. 

super  solilos  honores  locus  in  Circo . .  ad  speclaculum 
dcUus  [est]  (T.  Liv.,  II,  31). 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTCGDESA  163 


6)  como  synonymo  de:  acerca  de  (fallando  de  um 
assumpto). 

[Eac  super  re  scribam  ad  ie  (Cie,  ad  AU.,  16,  6). 

7)  designando  superioridade,  ou  excesso,  em  certas 
locuções:  V.  os  exemplos  no  dicc.  de  Moraes. 

supra  Cocliles  Muciosque . .   id  facinus  esse  (T.    Liv., 
2,  13). 

8)  designando  avizinhamento  de  uma  qualidade 
(fallando-se  de  cores ^ que  tira  para): 

As  palavras  antes  sobre  o  áspero  que  brandas  e 
affaveis  (Queirós,  Vida  do  irmão  Basto,  483,  ap.  Blut.). 

9)  equivalendo  a:  muito  perto  de  (fallando  do 
tempo ). 

10)  na  loc.  sobre  si  =  independente,  privativo: 
tem  rey  sobre  si  (Castanh,,  /,  27). 

g.    sôb  (sô) 

§  214.  Estes  dois  representantes  do  latim  sub  (de- 
baixo de),  na  maioria  das  vezes,  empregam-se  em  sentido 
translato,  v.  g.:  sob  pretexto  de,  sob  pena  de: 

eu  non  queria  que  so  espeçia  de  bem  fazer  tu  fezesses 
mall  aos  meus  filhos!  {FabuL,  fab,,  53).  logo  que  a  noticia 
indubitável  da  nossa  vinda  retumbar  sob  os  tectos  doura- 
dos dos  paços  de  Toletum,  elle  convocará  os  seus  nume- 
rosos soldados  (Herc,  Eur.,  67).  rolos  de  pó  ..  se  alevan- 
tavam  sob  os  pés  dos  ginetes  (Id.  Ibid.,  111). 

Sô  fora  da  composição  (v.  g.  em:  sopé,  soergtter)  está 
antiquado. 

h.    contra  (escontra) 

§  215.   a)    Contra  designa  opposição,  tanto  em 


164  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTCGUKSA 


sentido   material   como   em  sentido   moral:   remar  c.  a 
maré;  votar  c.  alguém: 

Porque  se  puserão  a  altercar  contra  elle  (Vieira, 
7,  825). 

Contra  aquam  fluitare  (Plin.,  n.  fc.,  29, 52);  contra  spem- 

Esta  prepos.  está  antiquada: 

1)  no  sentido  de:  defronte  de. 

Insula  trigueira  . .  cujus  unum  latua  esl  eonlra  Galliam 
(Caes.,  bell.  galL,  5,  13). 

2)  no  sentido  de :  na  direcção  de  : 

Eu  non  te  faço  emjuria,  nem  luxo  o  rrio,  porque  a 
augua  corre  contra  mym  (Fabul,  fab.  2).  Lava-lhe  os 
muros  o  rio  Adige . .  que  corre  contra  Itália  (Sousa,  V.  do 
Are,  I,  195). 

3)  '  designando  a  quem  se  dirige  a  pessoa  que  falia 
(com  os  verbos  de  dizer),  ou  para  quem  se  olha: 

e  disse  faltando  comlra  todos  (Fern.  Lopes,  D.  João  7, 
18).  O  mestre  estava  aa  janella,  e  todos  olhavao  comtra 
elle  dizemdo  (Id.,  ibid.,  23). 

4)  em  sentido  temporal. 

Obs.  í.a    Emprega-se  adverbialmente  em  locuções 
cora  os  verbos  ser,  declarar-sc,  fallar,  etc. 

Obs.  2.0.    Égallicismo  na  acepção  de:  em  troca  de. 

b)    A  forma  escontra  pertence  ao  port.  arch.  médio: 
trabalhava  por  hir  escõtra  ho  mar  (Diego  Aff.,  101). 

i.    entre  (antre) 

§  216.  a)  Entre  designa  posição  intermédia  no  es- 
paço, no  tempo  e  em  uma  serie,  e  figuradamente. 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  165 


. .  inter  Padum  atque  Alpes  (T.  Liv.,  5,  35). 

Em  particular  equivale  a:  no  numero,  na  conta,  de. 

Também  se  emprega  antes  de  adjectivos  e  expres- 
sões adjectivas : 

Postura  entre  heróica  e  de  inspirado  (Herc,  Len- 
das^ I,  10).  Doze  guerreiros,  e  entre  elles  o  fero  Sancion, 
alevantaram  a  dextra  (Herc,  Eur.,  189). 

No  port.  arch.  médio  dizia-se:  entre  dia,  entre  noite, 
entre  atino,  etc,  por:  durante  o  dia,  etc. 

Frusinane  inter  noclem  lux  orta  (T.  Liv.,  32,  29). 

b)  Também  se  emprega,  fallando  do  que  se  dá  em 
um  povo,  em  uma  classe  de  pessoas,  no  sentido  do  fran- 
cês chez. 

c)  E  raro  e  antiquado  o  emprego  de  entre  por: 
dentro  de  (em  latim :  intra). 

Obs.    E'  de  notar  a  expressão  entre  sí=de  si  para  si: 

que  Alvalor  ha  /"=  a]  estava  ãtre  si  culpado  de  muito 
cruel  (B.  Ribeiro,  Men.,  21).  dizendo  entre  si  (Camillo, 
Amor  de  Perdição,  71). 

d)  A  forma  a?itre  é  do  port.  arch.  médio,  e  ainda 
se  ouve  na  pronuncia  popular,  em  algumas  partes  do 
país. 

j.    sem 

§  217.  Sem  exprime  carência,  ausência,  desacompa- 
nhamento ;  oppõe-se  a  com :  estar  sem  dinheiro,  sem  cuida- 
dos; subir  uma  escada  sem  dificuldades;  púcaro  sem  asa. 

sine  tilla  dúbitatione;  canis  sine  coda  (Varr.,  Menipp., 
518). 


166  8YNTAXK  HISTÓRICA   I>OKTUO0ESA 


Em  particular  emprega-se  no  sentido  de :  se  tião  fos- 
se (ou  for). 

k.    segundo  (asegundo) 

§  218,    Segundo  6  synonymo  do: 

a)  conformemente  a  (v.  g.,  á  lei). 

b)  na  proporção  de  (v.  g.,  dos  setis  haveres),  ou 
conforme  a  qualidade,  etc: 

hfía  spada  corta  desygualmente  segundo  a  maão  de 
que  he  brandida  (V.  Bemf,  143). 

c)  equivale  a:  segundo  o  parecer  ou  a  declaração  (re- 
lação, etc.)  de.  Não  se  lhe  juntam  os  pron.  pessoaes  das 
primeiras  pessoas  do  singular. 

Asegundo  (a  segundo)  pertence  ao  port.  arch.  médio: 
ha  f=aj  segundo  o  mundo  vay  (Chiado,  Prat.  dos 
Compadres,  113). 

1.    conforme  consoante 

§  219.  a)  O  emprego  de  conforme  como  prepos.  (ao 
que  parece,  de  Vieira  em  diante),  resulta  de  um  abrevia- 
raento  de  expressão,  sendo  que  a  forma  primordial  era 
conforme  a,  (funcionando  conforme  adverbialmente  por: 
conform  emente) : 

conforme  ao  que  diz  São  Johão  no  Apocalypse  (H. 
R,  //,  73). 

b)  Semelhante  deve  ter  sido  a  origem  de  consoante 
como  preposição:  consoante  uma  cousa  por:  consoante 
(adverbialmente,  em  vez  de  consoantemente)  a  uma  cousa. 
Este  vocábulo  como  prepos.  (e  partícula  comparativa), 
muito  usual  no  norte  do  país,  só  modernamente  entrou 
na  litteratura,  segundo  me  parece,  por  meio  das  obras 
de  Camillo  Castello  Branco. 


SYNTAXB   HISTOUICA   PORTUGUESA  167 


C.    Equivalentes  de  preposições 

a.     Participios  que  passaram  a  funecionar  como  preposições : 
excepto,  salvo;  durante,  mediante 

§  220.  a)  Excepto  é  na  sua  origem  um  participio 
passivo  empregado  oracionalmente  (á  maneira  do  abla- 
tivo  absoluto  latino),  com  uma  palavra  nominal,  mas 
sem  concordar  com  ella. 

Passando  assim  a  ter  o  lugar  de  prepos.  chegou  a 
ter  o  valor  de  puro  adverbio  de  exclusão:  Deu  licença  a 
todos  excepto  (=  menos)  a  mim.  Dizer  v.  g.:  exceptas  as 
cartas  (Vieira)  ô  expressar-se  na  verdade  com  correcção 
grammatical,  mas  de  modo  desusado. 

Xo  latim  da  ultima  decadência  occorre  excepto  pri- 
meiramente como  abl.  absoluto  sem  concordar  com  o 
seu  sujeito,  v.  g. :  excepto  filiabus,  em  S.  Gregório  de 
Tours  — o  que  tem  analogia  com  a  construcção  nobis 
prasente  (Plauto,  Amph.,  2,  2,  19-t)— ,  depois  seguido  de 
accusativo,  v.  g.:  excepto  hos,  na  Regula  Monachorum  de 
S.  Bento  — á  maneira  de  praeter.  V.  Lôfst.,  Komm.,  pg. 
298,  sg). 

c)  Durante  e  mediante  são  na  sua  origem  antigos 
participios  do  presente  empregados  oracionalmente  com 
um  sujeito,  que  passaram  a  ser  tidos  na  conta  de  pre- 
posições. 

b)  Salvo,  que  funcciona  como  participio  passivo  de 
salvar,  está  no  mesmo  caso  que  excepto: 

e  mãdo  que  nõ  valha,  salvo  esta  que  fiz  seendo  noviça 
(Testamento  de  D.  Leonor,  de  1331,  na  Rev.  Lus.,  IX,  137). 
E  isto  costumava  fazer  todolos  dias,  salvo  se  algúa  vez 
vencido  do  sono  repousava  hú  pouco  (Diego   Aff.,   46). 


168  SYNTAXB  HISTÓRICA   PORTUGUESA 


Obs.  1."  Em  não  obstante  e  não  embargante  ha  tam- 
bém um  participio  do  presente  empregado  oracional- 
mente  com  um  sujeito,  sem  todavia  haver  concordância; 
mas  com  estas  expressões  nunca  se  perdeu  a  consciên- 
cia da  sua  funcção  syntactica. 

A  respeito  de  não  obstantes  certas  cousas  ha-de  di- 
zer-se  o  mesmo  que  atrás  se  disse  de  exceptas  as  cartas: 

Nam  obstantes  as  diligencias  de  Pilatos  (Ahna  ins- 
truída, 717). 

Obs.  2,a  Salvante  e  tirante  são  também  participios 
do  presente  empregados  oracionalmente,  com  indeter- 
minação do  sujeito  (como  em:  Esta  falta  se  reparou  ajun- 
tando duas  telhas  com  os  vazios  para  dentro).  (Freire,  146). 

Passaram  a  empregar-se  como  puros  advérbios  de 
exclusão : 

salvante  se  vós  soys  macho  (Dom  Joam  de  Meneses, 
Canc.  G.°\  III,  76).  tirante  sias  cousas  [=tiranV estas  c.J 
(Foral  de  Torres  Novas,  trad.  do  sec.  XIV,  nos  P.  Mon. 
Hist.,  477). 

Os  participios  salvando,  tirando,  exceptuando  estão 
no  mesmo  caso  que  salvante  e  tirante: 

tirando  [=  menos]  dous  (Diego  Aff.,  88). 

b.    Locuções  preposicionaes 

§  221.  Algumas  prepos.  latinas  foram  substituídas, 
ou  absolutamente  (v.  gr.:  intra)  ou  em  certas  significa- 
ções (v.  g.:  secundum),  por  loc.  preposicionaes,  taes  como: 
aletn  de,  aquém  de,  ao  longo  de,  a  par  de,  a  par  com, 
acerca  de,  através  de,  dentro  de,  dentro  em.  (arch.)  ca 6o 
de,  junto  de,  junto  a: 

ela  acordou-sse  que  o  leixara  cabo  do  fogo  (Mil.  de 
jS'.'*'  Ant.,  17).    emtrou  dentro  em  na  egreja  (lá.,  19).    ao 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  169 


longo  do  Mondego  (H.  P.,  /,  1).  A  par  do  Eypanis,  rio 
de  Scilhia . .  (Lá.,  I,  18,  v.).  a  summa  nobreza  acerca  de 
f=perantej  Deos  lie  ser  claro  em  virtudes  (Id.,  I,  139, 
139  V.).  Além  do  Indo  jaz  e  àquem  do  Gange  \  Hum 
terreno  mui  grande  e  assaz  famoso  (Ltis.,  VII,  17). 

c.     Combinação  de  preposições 

§  222.  De,  para,  por,  combinam-se  com  entre,  sobre 
e  sob  (só,  arch.);  de,  para,  e  por  também  com  ante: 

Resignae-vos,  se  podeis,  á  peregrinação,  por  sobre  es- 
pinhos (Cast.,  Chave,  42).  Edificão-se  os  nobres  seus 
assentos  |  Por  entre  os  arvoredos  deleitosos  (Lus.,  VII, 
50).  .  .  710S  cabellos  que  lhes  ondeiavam  pelos  hombros, 
saindo  de  sob  os  elmos  (Herc,  Eur.,  173).  san  Nicolas 
partiu-sse  logo  danteles  (Fragm.  de  uma  Vida  de  S.  Ni- 
colau, 4).  sacudir-te  |  De  sobre  si  (Herc,  Pões.,  pg. 
49-50). 

Outrosim  de,  para,  por,  sobre,  combinam-se  com  as 
loc.  preposicionaes  que  o  sentido  permite: 

Passando  acaso  Alexandre  Magno  per  junto  a  hum, 
cemeterio  (Vieira,  XI,  262). 

Ha  também  a  combinação  para  com:  os  deveres  para 
com  o  próximo. 

d.     Repetição  das  preposições  e  loe.  preposicionaes 

§  223.  a)  iSa  coordenação  não  é  de  regra  repetir  as 
prepos.  senão  quando  a  clareza,  emphase,  ou  euphonia 
o  requerem;  assim  é  mais  frequente  repetir  a  prepos. 
antes  dos  pron.  pessoaes  monosyllabicos  e  do  pron.  re- 
flexo : 

Então  desde  o  Nilo  ao  Ganges  \  Cem  povos  armados 


170  SYNTAXB  HISTÓRICA   PORTOOUBSA 


vi  I  erguendo  torvas  phalanges  \  contra  mim  e  contra  ti 
(Passos,  57). 

Com  as  loc.  preposicionaes,  a  praxe  ó  a  mesma; 
mas  só  costuma  repetir-se  o  ultimo  elemento  da  locução, 
V.  g. :  antes  de  mim  e  de  ti. 

Obs.  As  prepos.  (a,  por),  quo  se  ligam  ao  art.  defi- 
nido, repetem-se  quando  se  rei)etc  o  artigo,  v.g.-.oppôr- 
se  aos  projectos  c  aos  desígnios  d'aJguem. 

b)  Com  os  appostos  pertencentes  para  termos  re- 
gidos de  preposição,  a  prepos.  só  se  repete,  quando  a 
clareza,  ou  a  emphase  o  requerem: 

Cá  estamos  nhim  dos  mais  lindos  e  deliciosos  sítios 
da  terra:  o  valle  de  Santarém  (Garrett,  Viag.,  63). 

§  224.  a)  Quando  a  um  substantivo  designativo  de 
tempo  ou  logar  se  liga  uma  or.  relativa  de  que,  pode 
omittir-se  a  prepos.  em  antes  do  relativo: 

Ca  des  aquel  tempo,  senhor,  \  que  vos  vi  e  oi  falar  \ 
nom  perdi  coitas  e  pesar  (Lang.,  43).     Tempo  cedo  virá, 
que  outras  victorias  |  Estas  que  agora  olhais,  abaterão 
(Lus.,   VII,  55).    no  ponto  que  o  Infante  espirou  (Ceita, 
14,  V.). 

Obs.    Sobre  outra  interpretação  do  que,  vid.  §  395. 

b)  Quando  a  um*  substantivo  acompanhado  do  pron. 
mesmo  e  precedido  de  prepos.  se  liga  uma  or.  relativa 
de  que,  que  tem  o  mesmo  sujeito,  ou  o  mesmo  predicado, 
costuma  omittir-se  a  prepos.  antes  do  relativo: 

a  memoria  das  quaes . .  perece . .  na  mesma  hora  que 
sam  lidas  (Góes,  Cal.  M.,  6). 

Observação  a  este  cap.  Das  prepos.  (e  equivalentes 
de  prepos.)  com  infinitivos  e  or.  substantivas,  trata-so 
na  2.*  parte  da  Syntaxe. 


SYNTAXE   HISTOKICA   PORTUGUESA  171 


CAPITULO    V 

Do  adverbio 

A.    Advérbios  empregados  na  gradação 

a.     Comparativo 

§  225.  O  comparativo  de  superioridade  do  adjectivo 
e  do  adverbio  forma-se  com  o  adverbio  mais  (arch.  chus): 
mais  prudente,  mais  prudeniemente : 

dizede-lhis  ca  chus  negr'e  [=éj  ca  pez  (Pêro  Garcia 
Burgales,  Vai.,  990).  mais  facilmente  esquece  hum  bene- 
ficio, que  uma  injúria  (F'reire,  79). 

É  a  generalização  do  processo  usado  em  latim  com 
os  adjectivos  e  advérbios  que  não  tinham  forma  de 
comparativo,  e  ainda,  em  certos  casos,  com  os  que 
a  tiniiam:  7nagis  faceie,  et  magis  mirís  modis  (Plaut.,  mil. 
glor,,  2,  6,  58);  neqne  lac  lacti  magis  est  similc  quam  ille 
ego  est  similis  mei  (Id.,  Arnph.,  2,  1,  54). 

De  comparativo  (de  superioridade)  de  grande  serve 
maior;  de  bom  e  de  bem,  mellior;  ÕlQ  pequeno,  menor  (a 
par  de  mais  pequeno) ;  de  máo  e  de  mal,  pior : 

E  a  saúde  melhor  he  conhecida  depois  da  doença  que 
primeyramente  (V.  Bemf.,  222).  mal  entendida,  e  peor 
praticada  (Vieira,  //,  108).  ouçamos  aquelle  engenho 
fOvidioJ  que  melhor  que  todos  soube  exprimir  os  affectos 
da  dor,  e  da  natureza  (Id.  ibid.,  877,  878). 

No  port.  arch.  também  se  dizia  mais  grande : 

em  outro  mais  grande  (Gir.,  Alv.,  14). 

Pode  dizer-se,  v.  g.:  mais  ou  menos  grande. 


172  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


Obs.  Diz-so,  V.  g. :  mais  bem  feito,  m.ais  mal  feito,  por- 
que mais  pertence  para  o  conjuncto  bem  feito,  mal  feito. 
Também  quando  se  comparam  qualidades  do  mesmo 
sujeito,  ou  da  mesma  acção,  naturalmente  se  diz,  v.  g.: 
ele  é  mais  máo  do  que  irreflectido ;  procedeu  mais  bem  do 
que  mal. 

De  comparativo  (de  superioridade)  de  muito  (adjecti- 
vo e  adverbio)  serve  mais;  de  pouco  (adjectivo  e  adver- 
bio), menos. 

No  port.  arch.  dizia-se  mais  (chus)  muito ^  mais  (chus) 
pouco : 

desta  meezinha  lhe  deyta  chus  pouca  (Gir.,  Alv.,  22). 
preguntou  .  .  porque  nom  eram  mais  pesoas  nem  mais 
poucas  que  três  (Corte  Imp.,  96).  mais  poucas  (Fern.  de 
Oliveira,  Grammatica,  cap.  20). 

§  226.  O  comparativo  de  inferioridade  do  adjectivo 
e  do  adverbio  forma-se  com  o  adverbio  menos: 

menos  prudente,  menos  prudentemente. 

§  227.  O  comparativo  de  igualdade  do  adjectivo  e 
do  adverbio  forma-se  com  o  adverbio  tão  {tanto,  quando 
o  adjectivo  ou  adverbio  estiverem  ocultos):  tão  prudente^ 
tão  prudentemente. 

De  comparativo  de  igualdade  de  muito,  serve  tanto. 

Obs.    Tão  também  se  emprega  fora  de  comparação. 

No  port.  arch.  dizia-se  tão  muito. 

§  228.  a)  Com  os  comparativos  de  superioridade 
e  inferioridade,  o  segundo  termo  de  comparação  é  de- 
signado por  que  ou  do  que  (e  no  port.  arch.  também 
por  ca): 

E  esta  morte  melhor  me  será  \  ca  de  viver  na  coita 
que  non  á  |  par . .  (Rodrigo  Eannes  Redondo,  ap.  L.  de 
Vasconc.   Tex.  arch.,  20).    papel  e  tinta  tem  morto  mais 


SYNTAXE  HlSTOniCA  PORTUGUESA  173 


homens  em  o  mundo  que  ferro  e  aço  (Barros,  Ropica, 
250,  251). 

Com  o  segundo  termo  da  comparação  sempre  se 
forma  or.  comparativa  á  parte,  v.  g.:  Quiseste  dar  conse- 
lhos a  um  sujeito  mais  sensato  do  que  tu. 

Sempre  se  diz  do  que,  quando  se  forma  or.  compa- 
rativa com  verbo  que  se  construa  com  n.  predicativo, 
V.  g. :  torna-lo-hei  mais  manso  do  que  tu  és. 

Sobre  o  emprego  da  prepos.  de  nesta  funcção  syn- 
tactica,  V.  §  167. 

Consoante  ao  que  se  lê  no  §  167,  a,  2,  dizia-se,  e 
diz-se,  correctamente,  v.  g.:  vi  mais  do  que  desejaria  por 
vi  mais  que  o  (=aquillo)  que  desejaria  (cf.  nos  Lusíadas, 
[II,  9]:  ..  notarão  \  muito  menos  d'aquillo  que  querião). 
D'ahi,  por  confusão,  vem  do  que  a  tomar  o  lugar  da 
simples  partícula  comparativa  que. 

b)  Com  os  comparativos  de  igualdade  o  segundo 
termo  de  comparação  é  designado  por  como  (e  no  port. 
arch.  médio  também  por  que): 

hunia  miãher  tão,  ornada  nos  vestidos  como  desorde- 
nada na  vida  (Vieira,  XI,  209).  Que  alegria  não  pode 
ser  tamanha  |  Que  achar  gente  vizinha  em  terra  estranha 
(Lus.,  7,  27). 

c)  Quando  o  verbo,  que  pertence  ao  primeiro  ter- 
mo da  comparação,  não  pode  subentender-se  junto  do 
segundo,  forma-se  oração  comparativa  com  o  verbo  ser 
(que  só  se  põe  claro,  quando  a  perspicuidade  o  requer): 
Torná-lo-hei  tão  manso  como  (ou:  mais  manso  do  que) 
tu  (és). 

§  229.  Para  significar  que  uma  expressão  não 
corresponde  cabalmente  á  ideia,  antepõe -se -lhe  mais 
que: 


174  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 

passos  mais  que  agigantados  (Vieira,  VII,  13). 

Mais  que  substituo  regularmente  o  latim  plus  quam. 

§  230.  O  simples  superlativo  periphrastico  do  adje- 
ctivo e  do  adverbio  forma-se  com  o  adverbio  muilo  ou 
(modernamente  só  na  linguagem  litteraria)  mui:  muito 
prudente,  muito  prudente^nente. 

Como  superlativo  de  muito,  só  se  emprega  muitiss^i- 
mo;  no  port.  arch.  porem,  dizia-se  mui  (muito)  muito: 

E  ajuntarom-sse  muy  muylos  a  este  millagre  tam 
gramde  {Mil.  de  S*^  Ant.,  46).  Chorareys  por  my  muy 
muito  (Fernam  da  Silveira,  Canc.  G."^,  II,  13).  Dos  mui 
muitos  ciúmes  \  nace  o  mui  muito  amor  íGil  Vicente,  ///, 
278,  ap.  J.  Moreira,  Est.,  I,  59). 

Obs.    Antepor  a  um  superlativo  de  sufixo,  como  se 
fosso   (adjectivo   ou  adverbio)  positivo,  um  adverbio 
quantitativo  é  incorrecção  que  por  vezes  ocorre  nos 
escriptores  antigos: 
E  irão  suas  criadas  \  . .  Como  selvagens  pasmadas  | 
De  ião  altissimas  vodas  (Gil  Vicente,  //,  412,  ap.  J.  Mo- 
reira, Est.,  I,  58). 

§  231.  a)  De  superlativo  exclusivo  serve  o  compa- 
rativo de  superioridade  e  o  de  inferioridade:  as  torres 
mais  (menos)  altas,  as  mais  (menos)  altas  torres. 

valia  [■-=  valha]  aquilo  que  mandarem  os  chus  muitos 
per  nomhro  (Test.  de  D.  A  ff.  II,  ap.  Leite  de  Vasconc, 
Lições  de  Phil.  Port.,  74).  tragiam  os  melhores  e  mais 
ligeiros  cavallos  que  em  toda  a  hoste  avia  (Fern.  Lopes, 
D.  João  I,  335).  estava  ho  mais  ledo  homem  do  mundo 
(Castanh.,  I,  34).  sempre  os  que  menos  sabem  mais  re- 
prendem  (Bernardes,  98,  v.).  o  mais  amoroso  e  requin- 
tado affecto  (Vieira,  //,  576).    Affonso  IV,  um  dos  reis 


SYNTAXK   HISTÓRICA  PORTUGUESA  175 


mais  sérios  e  de  mais  juizo  que  tivemos  (Herc,  Cas. 
Civ.,  43).  a  ingratidão  é  a  mais  horrenda  de  todas  as 
perversões  humanas  (Id.,  Op.,  I,  85). 

Obs.    É  gallicismo  repetir  o  artigo,  dizendo,  v.  g.: 
as  torres  as  mais  alias. 

Os  superlativos  de  suffixo:  máximo  e  minimo  regu- 
larmente só  se  usam  como  superlativos  exclusivos.  Pelo 
contrario,  o  emprego  de  óptimo  e  péssimo  e  dos  super- 
lativos em  -issimo,  como  superlativos  exclusivos,  é  lati- 
nismo  raro: 

derruba  morto  a  um  dos  Reis  Sarracenos,  e  de  todos 
o  bellicosissimo  (Cast.,  Q.  Hist.,  II,  48).  a  péssima  entre 
as  nossas  propensões  (Her.,  Op.,  I,  173). 

Obs.    No  port.  arch.  médio  occorre  ás  vezes  o  com- 
parativo sem  artigo: 

Todas  de  tal  nobreza  e  tal  valor  \  Que  qualquer  d'ellas 
cuida  que  é  milhor  (Lus.,  Ill,  18). 

b)  Para  exprimir  o  maior  ou  menor  gráo  com  res- 
peito á  possibilidade,  diz-se,  v.  g.:  o  mais  (ynenos)  facil- 
mente que  elle  pode  {podia,  etc),  o  mais  (menos)  facilmente 
que  pode  ser  (que  é  possivel),  o  mais  (menos  )  facilmente 
possivel  : 

hordeney  todo  per  linguagem,  português  o  milhor  que 
pude  (Gir.,  Alv.,  2).  o  mais  calladamente  que  seer  podesse 
(Fern.  Lopes,  D.  João  I,  254).  Com  as  mais  vasilhas  que 
pudesse  (Barros,  J,  104,  cl,  4  ap.  Biut.).  [os  negócios]. . 
vão  o  peior  possivel  (R.  da  Silva,  Mocidade,  I,  167). 

§  232.  As  regras  dos  §§  antecedentes  applicam-se 
também  a  quaesquer  expressões  qualificativas  equivalen- 
tes a  adjectivos  e  advérbios,  e  também  a  verbos  (mas 


176  8YNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


com  verbos  —  nas  formas  activas  —  diz-se  tanto,  em  vez 
de  tão,  e  no  port.  arch.  tão  muito). 

Em  geral,  os  advérbios  quantitativos  podem  juntar- 
se  a  quaesquer  expressões  qualificativas  equivalentes  a 
adjectivos  e  advérbios: 

chorou  tan  muyte  tan  de  coraçon  \  que  chorey  eu  con 
doo  dei  enton  (Fernão  Gonsalves  de  Seavra,  Vat.,  338). 
façanha  muito  de  louvar  (Fern.  Lopes,  D.  João  I,  50). 
.  .  e  aguardão  tempo  \  .  .  em  que  pudessem  \  Entrar  mais 
a  seu  salvo,  e  sem  perigo  (Corte  Real,  Nauf.,  211).  He 
muyto  pêra  sentir  a  miséria  dos  mortaes  (H.  P.,  /,  62. 
Nunca  houve  Rey,  que  mais  se  prezasse  de  ter  na  cabeça 
húa  coroa  real  de  fino  ouro  e  rica  pedraria  do  que  se 
prezava  sam  Paulo  de  ter  nos  pés  hns  ásperos  grilhões 
de  ferro  (Id.,  I,  286).  menos  para  imitar  (Vieira,  XI, 
253).  Muy  de  pedra  fora  quetn  se  não  movera  com  tal 
obra  e  taes  palavras  (Sousa,  V.  do  Are,  I,  446). 

b.    Particularidades  de  alguns  advérbios 

§  233.  Quando  se  coordenam  ou  se  ligam  por  par- 
tículas comparativas  advérbios  em  -mente,  põe-se  este 
chamado  suffixo,  se  não  ha  emphase,  unicamente  no 
ultimo,  supprimindo-se  nos  mais: 

curadas  mimosa  e  não  radicalmente  (Vieira,  XI,  260). 
tirou  a  consequência  tão  discreta  como  verdadeiramente 
(Id.,  XI,  250).  Isaías  que  foi  de  todos  os  Prophetas  o  que 
mais  própria  e  elegantemente  soube  faltar  (Id.,  XI,  224). 
não  só  intensiva  7nas  extensivamente  (Ceita,  72-1).  O  con- 
cilio'  não  o  diz,  precisamente,  claramente,  como  cumpria 
(Herc,  Cas.  civ.,  71). 

§  234.    Precedidos  das  prepos.  de,  desde,  para,  por. 


m 


SYNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUESA  177 


até,  empregam-se  substantivamente  os  advérbios  de  tempo 
e  logar: 

Para  sempre  adeus,  pois,  ó  Granada !  (Passos,  23). 

Peírus  atuem  sequébalur  euni  a  longe  (S.  Matt:,  26,  58). 

§  235.  As  formas  átonas  quão,  tão  e  que  (empre- 
gado como  adverbio  de  quantidade)  precedem  imediata- 
mente a  palavra  para  que  pertencem: 

Mas  quão  formosas  já,  quão  sedudoras,  \  Por  entre 
as  graças  da  mimosa  infância  \  As  graças  juvenis  lhe 
tratisluziam!  (Passos,  36). 

Antes  do  comparativo  sempre  se  empregam  as  for- 
mulas tanto,  quanto: 

Quanto  milhor  nos  fora,  Prometheo,  \  E  quanto  pêra 
o  mundo  menos  damno,  \  Que  a  tua  estatua  illustre  não 
tivera  \  Fogo  de  altos  desejos  que  a  movera!  (Lus.,  IV,  103). 
Mal  sabiam  elles  quanto  os  alcantis  do  Calpe  eram  mais 
ásperos  (Herc,  Eur.).  Como  te  fora  plácido  o  presente; 
\  Quanto  risonho  o  aspecto  do  futuro!  (Herc,  Pões., 
Pg.  74). 

§  236.  a)  O  adverbio  relativo  onde  pode  ter  antece- 
dente elliptico:  Pô-lo  [no  lugar]  onde  eu  mandei: 

Não  ha  grandes  valles,  senão  onde  ha  grandes  mon- 
tes: não  ha  grandes  funduras  de  humildade,  senão  onde 
ha  grandes  alturas  de  virtude  (H.  P.,  2,  218  v.).  o  cavai- 
leiro  negro  não  tardara  a  apparecer  onde  mais  accesa 
andava  a  briga  (Herc,  Eur.,  118). 

b)  onde,  precedido  das  prepos.  de,  desde,  para,  por, 
até,  significa  o  qual,  fallando  de  coisas  inanimadas,  e  no 
port.  arch.  médio  também  de  seres  animados: 

da  mha  Senhor  ondeu  [=de  quem  eu]  bem  averia 
(Fernam  Padrom,  Vai,  563).     Christo,  que  he  a  carta  de 

12 


178  8YNTAXE   HISTOKICA  POUTDGCE8A 


marear,  per  onde  nos  avemos  de  reger  (H.  P.,  /,  424- 
424  V.).  Este  que  vês,  he  Luso,  d'onde  a  fama  \  O  nosso 
Reino  *  Lusitânia*  chama  (Lus.,  VIII,  2). 

c)  No  port.  arch.  médio  também  equivale  a  com  o 
que,  designando  com  a  causa,  ou  o  meio: 

pello  grande  inchamento  do  ventre  vem-lhe  fluxo 
honde  o  cavalo  torna  /—se  torna]  fraco  (Gir.,  Alv.,  35). 
muyto  ha  gratnde  rrazom  de  profundamente  gem^r  e  de  sse 
fundir  em  lagrimas  a  pessoa  que  assanha  seu  cryador,  pe- 
cando mortalmente  honde  peide  Deos  e  o  Paraiso  (Castelo 
Perigoso,  ap.  L.  de  Vasconc.,  Tex.  Arch.,  38). 

d)  por  onde  também  equivale  a  pelo  que  referido  a 
um  sentido  (Vid.  exemplo  em  Diego  Aff.,  53). 

Obs.    O  que  se  diz  de  onde  (em  a)é  valido  a  respeito 
do  arch.  tt: 

aia  f=hajaj  per  u  o  pagar  (Leis  e  posturas  (Port. 
Mon.  Hist.),  269). 

e)  onde  interrogativo,  precedido  das  prepos.  de,  ou 
por,  pode  significar  que  cousa?: 

Por  onde  começará  o  sermão  dos  escrúpulos?  (Vieira, 
VII,  56). 

f)  O  adverbio  pronominal  arch.  ende  e  (em  forma 
apocopada)  en,  em,  era  empregado  como  prou.  demons- 
trativo com  a  significação  de  d'isso,  d'elles,  d'ellas.  Prece- 
dido da  prepos,  por  (per)  equivalia  a  por  isso : 

Muy  mais  uos  amamos  per  en  (Demanda  do  Santo 
Graall,  ap.  L.  de  Vasconc,  Textos  arch.,  pg.  39).  seerei 
eu  ende  testemunha  (Leis  e  posturas,  pg.  309). 

§  237.  O  (a,  os,  as)  mais  de  equivale  a  maior 
parte  de: 

as  mais  [^a  mor  parte]  das  artes  (Ceita,  134).  Por- 
que a  gente  de  seu  natural  era  inclinada  ao  bem,  e  dos 


SYXTAXE   HISTÓRICA  PORTUGUESA  179 


males  que  avia  os  mais  procedião  da  falia  de  mestres, 
poucos  de  malicia  (Sousa,  V.  do  Are.,  I,  406). 

§  238.  a)    Pode  dizer-se  assaz  de  com  adjectivos: 

assaz  de  endurecido  devia  ter  ho  coraçam  (Bern.  Rib., 
Me7i.,  143  V.).  minha  fazenda  que  he  assaz  de  pouca 
(Carta  de  A  ff.  de  Albuq.,  Torre  do  Tombo,  gav.  15,  m.  17, 
n.^  33). 

b)    assaz  também  se  emprega  como  adjectivo: 

ainda  que  a  paz  nam  tivera  outro  bem,  senam  ser 
couto  e  habilitaçam  das  musas,  este  era  assaz  (H,  P,,  7, 
Prologo). 

§  239.  a  como  serve  de  perguntar  o  preço  corres- 
pondente a  certa  unidade: 

nã  sey  a  como  foy  vendido  (Garcia  de  Orta,  14). 

§  240.  a)  assim  também  se  emprega  adjectivamente, 
equivalendo  a  «tal » : 

Essa  gente . .  não  lê  cousa  nenhuma  a  não  ser  os  pro- 
fundos escriplos  de  Gaume,  Donoso  Cortez,  Veuillot,  e 
outros  sábios  assim  (Herc,  Cas.  Civ.,  43). 

b)  Os  adv.  atrás  e  antes,  por  abreviação  de  expres- 
são, empregam-se  á  maneira  de  adjectivos:  0.5  dias  atrás. 

CAPITULO  VI 

Da  conjuncção 

§  241.    Das  conjuncções  tratar-se-ha  na  Parte  II. 

CAPITULO  VII 

Da  interjeição 

§  242.  O  que  tem  de  dizer-se  das  interjeições  na 
syntaxe,  vae  no  §  175. 


180  8YNTAXE  HISTÓRICA  PORTUODESA 


Additamentos  á  secção  primeira 

§  243.  Uma  palavra  ligada  a  outra,  por  uma  expres- 
são excepetiva,  deve  estar  na  forma  correspondente  á 
funcção  que  exerce  a  palavra  que  se  liga:  sahiram  todos 
menos  cu;  fallou  a  todos  menos  a  mim. 

§  244.  Quando  se  coordenam  dois  termos  que  tem 
construcção  diíTerente  (natural  de,  baptizado  em),  o  re- 
gular c  dar  a  cada  um  dos  termos  a  devida  construcção: 
natural  da  freguesia  de  Paranhos  e  nella  baptizado,  e 
não  unir  os  dois  termos  em  uma  só  construcção :  natural 
e  baptizado  na  freguesia  de  Paranhos: 

não  achando  quem  llies  valha  e  os  console  (Arráez, 
dial.  V,  ap.  Barreto,  233). 

É  de  notar,  porem,  não  ser  nada  raro  encontrar 
neste  ponto  a  correcção  sacrificada  á  brevidade: 

.  .  te  hospedarei  nà  minha  cabana,  na  qual  podes 
entrar  sem  temor,  dormir  sem  perígo,  e  sair  sem  saudade 
(Lobo,  O  Pastor  Peregrino,  20,  ap.  Barreto,  235). 

Em  particular,  pouco  se  extranha  que  se  diga,  v.  g.: 
tão  bom,  ou  melhor  que  tu: 

Sirva  esta  amplificação  para  mostrar  como  outros 
Alexandres  houve  tão  grandes,  ou  maiores  que  o  Magno 
(P.  Man.  Bernardes,  Nov.  Flor,  352,  ap.  Barreto,  244)  (^). 

§  245.  Na  coordenação,  os  pron.  átonos,  quando 
pospostos  ao  verbo,  repetem-se  junto  de  cada  verbo: 
depois  de  saudar-me  e  abraçar-me;  quando  antepostos, 
podem  subentender-se  do  primeiro  verbo  para  o  segun- 
do e  seguintes:  depois  de  me  saudar  e  abraçar: 


t')    Vid.  mais  exemplos  om  Barreto,  2U. 


i 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  181 


.  .  quando  o  vio,  reçébeo-o  e  abraçou-o  e  beijou-o  (Bar- 
laão,  37).  Achou  nu  irmitã  e  foi-o  abraçar  e  beijar  (Id., 
43).    recebe-o  e  guarda-o  (Garrett.,  Cam.,  117). 

§  246.  O  plural  de  vários  substantivos,  que  no  sin- 
gular designam  um  individuo  do  sexo"  masculino,  pode 
designar  os  indivíduos  de  ambos  os  sexos,  v.  g.:  pães 
pode  significar:  o  pae  e  a  mãe: 

Mas  de  Deos  foi  vingada  em  tempo  breve;  \  Tanta  ve- 
neração aos  pais  se  deve!  (Lus.,  III,  33). 

§  247.  Quando  duas  prepos.  pertencem  para  um 
mesmo  substantivo,  por  intermédio  de  uma  conjuncção 
copulativa,  ou  disjunctiva,  diz-se,  v.  g.:  vir  com  chapéu  ou 
sem  chapéu,  com  chapéu  ou  sem  elle,  com  ou  sem  chapéu. 

§  248.  Os  pron.  e  nom.  numeraes  uniformes  do 
plural,  empregados  para  designar  indivíduos  de  sexo  dif- 
ferente,  consideram-se  do  género  masculino: 

O  orgulho  que  a  ambos  [Eurico  e  Hermengarda]  nos 
fez  desgraçados  (Herc,  Eur.,  293). 

§  249.  a)  Quando  se  coordenam  dois  ou  mais  subs- 
tantivos, os  pron.  e  adjectivos  biformes,  ou  nomes  nume- 
raes, e  os  artigos  repetem-se  normalmente  junto  de  cada 
substantivo;  mas  querendo  dar-se  rapidez  ao  discurso,  e 
quando  os  substantivos  são  proximamente  synonymos, 
podem  subentender-se  do  primeiro  substantivo  para  o 
segundo,  ou  seguintes.  Na  coordenação  com  ou  e  nem 
não  se  costumam  repetir:  todo  o  homem  ou  nmlher,  ne- 
nhum homem  nem  mulher: 

Mas  quem  pode  livrar-se  por  ventura  \  Dos  laços  que 
Amor  arma  brandamente  \  Entre  as  rosas  e  a  neve  huma- 
na pura,  I  O  ouro  e  o  alabastro  transparente?  (Lus.,  III, 
142).  levaram  deante  de  si  as  varas  e  as  segures  (Vieira, 
228,  ap.  Blut).  O  valle  de  Santarém  é  um  doestes  logares 
privilegiados  pela  natureza.  .  em  que  as  plantas,  o  ar,  a 


182  6YNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUESA 


situação  tudo  está  n'uma  harmonia  suavíssima  e  perfeita 
(Garrett,  Viag.,  63).  De  um  lado  e  de  outro  está  a  ambi- 
ção e  a  cubica,  de  um  lado  e  de  outro  a  immoralidade,  a 
perdição  e  o  desprezo  da  palavra  de  Deus  (Id.,  120).  o  si- 
lencio, a  magestade,  a  belleza  toda  da  natureza  era  a  mes- 
ma (Id.,  168).  a  vergonha,  o  despeito,  a  sede  de  vingança 
estorciam -lhe  o  coração  (Herc,  Eur.,  106).  o  silencio  e  es- 
curidão de  suas  moitas  mais  fechadas,  o  abrigo  solitário 
de  suas  clareiras,  tudo  ó  grandioso,  sublime,  inspirador 
de  elevados  pensamentos  (Garrett,  Viag.,  53).  o  fastio  e 
saciedade  que  o  desencantaram  depois  (Id.,  248). 

Obs.  1."  Quando  ha  hendiadys,  nuo  se  repete  o  ar- 
tigo no  2.^  substantivo: 

Olha  o  muro  e  edifício  nunca'  crido  |  Que  entre  hum 
impcrio  e  o  outro  se  edifica  (Lus.,  X,  130). 

Obs.  2."  Quando  os  substantivos  são  acompanha- 
dos de  predicados  differentos,  ou  do  circumstancias 
differentos,  ú  necessária  a  repetição  do  artigo: 

A  assucena  e  o  jasmim  são  brancos,  a  rosa  vermelha, 
o  alecrim  azid.  .  (Garrett,  Viag.,  152). 

b)  Quando  se  coordenam  adjectivos  attributos,  o 
artigo  definido  só  se  repete  quando  ha  emphase  e  se 
antepõe. 

§  250.  Com  respeito  ú  combinação  de  um  e  oídro, 
deve  notar-sc  o  seguinte: 

Quando  se  falia  só  de  dois  seres  (ou  de  dois  con- 
junctos  de  seres),  diz-so: 

a)  um  —  (e)  o  outro,  uma  —  (c)  a  outra;  uns  —  (e)  os 
outros,  umas  —  (e)  as  outras: 

E  esto  se  entende  etn  duas  magneiras,  a  híia  he  que  os 
meMeiraaes  e  obreiros  nom  façam  em  7ios  dyas  das  feitas. 


SYNTAXE   HISTOKICA   PORTUGUESA  183 


E  a  outra  magneira  he  que  o  homem  ore  e  contempre 
Deos  nos  dyas  das  festas  (Corte  Tmp.,  254).  Chamão, 
segundo  as  leis  que  ali  seguião,  \  Huns  Mafamede,  e  os 
outros  Sandic^go  (Lus.,  Ill,  113). 

b)-  um,  e  outro,  um  e  o  otdro;  uns  e  oídros,  uns  e  os 
outros;  uma  e  outra,  etc. : 

As  provindas  que  entre  hum  e  o  outro  rio  |  Vês,  com 
varias  nações,  são  infinitas  (Lus.,  X,  108).  Entre  hum  e 
o  outro  rio  em  grande  espaço  \  Sai  da  larga  terra  hiia 
longa  ponta  (Idem,  VII,  19).  Os  dormitórios  de  híla,  e 
oídra  casa  são  feitos  por  tal  ordem  que . .  (Sousa,  V.  do 
Are,  1,  203).  De  um  lado  e  de  otdro  está  a  ambição  e  a 
cubica  (Garrett,  Viag.,  120).  encontrámo-nos  sem  tecto 
nem  abrigo  uns  e  otdros  (Idem,  252).  Uma  e  outra  cousa 
duraram  apenas  rápido  instante  (Herc,  Eur.,  218). 

c)  um  ou  oídro,  uma  ou  oídra,  uns  ou  oídros,  etc. 

d)  nem  um,  nem  otdro;  7iem  uma,  nem  oídra;  nem 
uns,  nem  outros,  etc: 

[de  Carlos  e  de  Georgina]  a  nossa  situação.,  não 
é  agradável  nem  para  um.  nem  para  outro  (Garrett, 
Viag.,  208). 

e)  um  contra  o  otdro,  uma  contra  a  oídra;  um  para 
o  outro,  etc.: 

n'uma  noite  ptira,  serena  e  estreitada,  aquelles  dous 
se  despediram  um  do  otdro  no  meio  do  valle  (GaiTett, 
Viag.,  200).  Nada  a  principio  sabem  nem  presumem 
uma  da  outra  as  duas  rivaes  (Cast.,  Outono,  I,  124). 

Fallando-se  de  um  individuo  do  sexo  masculino,  e 
de  outro  do  sexo  feminino,  diz-se:  um — o  outro: 

hum  [BacchoJ  pela  infâmia  que  arrecea,  \  E  o  outro 
[VenusJ  pelas  honras  que  pretende,  \  Debatem,  e  na  per- 
fia  permanecem  (Lus.,  I,  34).  Repotisavam  b&tn  perto 
um  do  outro  a  matéria  e  o  espirito  (Herc,  Eur.,  44). 


184  8TNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


O  port.  arch.  médio  antepunha  frequentemente  a  um 
o  artigo  definido: 

assy  polia  hunia  parte  conw  pola  outra  (Foros  da 
Guarda,  L.  et  Consuet,  332,  P.  Mon.  Hisi.).  o  hu . .  o  outro 
(H.  R,  7,  126).    os  hiis .  .  hos  outros  (Diego  Aff.,  154). 

Obs.  Esta  prática  ainda  se  conserva  na  loc.  fami- 
liar: ú  uma  —  á  ouira  (como  observa  J.  Moreira,  Est., 
1, 1-2). 


PARTE  II 


Do  emprego  dos  modos  e  tempos  e  da  ligação 
das  orações 

SECÇÃO  I 

Do  emprego  dos  modos  e  tempos 

CAPn'ULO  I 

Do  indicatívo 

§  251.  O  indicativo  emprega-se  em  todas  as  orações 
para  as  quaes  não  ha  regra  que  exija  outro  modo. 

Tempos  do  indicativo 

Do  presente 

§  252.  a)  o  presente  serve,  em  primeiro  lugar,  de 
designar  o  que  se  está  dando  no  tempo  presente  (^). 

Querendo-se  designar  explicitamente  o  que  se  está 
dando  no  momento  em  que  a  pessoa  faila,  de  modo  que 
não  haja  confusão  com  a  designação  do  que  costuma 
acontecer,  emprega-se  a  conjugação  periphrastica,  com- 


(')    Considera-se  presente  o  período  (século,  anuo,  etc.)  dentro  do  qual  está  o 
momento  em  que  se  falia. 


186  SYNTAXE  HISTÓRICA  1'ORTUGUESA 


posta  do  verbo  estar  com  o  participio  presente,  ou  com 
o  infinitivo  presente  precedido  de  a.  (Assim,  a  alguém 
que  pergunte  se  pode  agora  fallar  a  um  individuo,  res- 
ponder-se-lhe-ha,  por  cx.:  «Agora  não,  porque  está  a 
jantar»  e  não:  porque  janta). 

Em  segundo  lugar,  designa-so  com  o  presente: 

1)  o  que  tendo  começado  em  um  momento  do  pas- 
sado, continua  ainda  no  tempo  presente:  Estou  ha  quatro 
meses  nesta  casa  (em  inglês:  I  have  been  four  months 
in  this  housej: 

vês  o  estado  em  que  vives  lia  tantos  annos  (Vieira,  /, 
689-690). 

Jamdhi  ir/noro  quid  ugas  (Cie,  (id.  faui.,  7,  D). 

2)  O  que  se  repete  e  costuma  acontecer  (presente 
iterativo):  EUe  janta  habitualmente  ás  5  horas. 

3)  o  que  se  dá  em  todo  o  tempo  (presente  uni- 
versal): 

Beatos,  c  beatas  são  a  peste  da  salvação  e  das  cons- 
ciências (Vieira,  X,  91).  Hmn  bom  modo  doura  hf/  não 
(Brachyl.  de  Príncipes,  138). 

4)  o  que  tendo-se  dado  no  passado,  pode  de  algum 
modo  considerar-se  presente: 

São  Bernardo . .  [nas  suas  obras  que  actualm,ente 
lemos]  chama  á  ociosidade.,  madrasta  das  virtudes  (H., 
R,  I,  148). 

Idemque  [Chnjaipptis]  disputai-  aethera  esse  eum  quem 
homines  Jovem  appellarent  (Cie,  nat.  deorum,  1,  lõ). 

b)  Era  narrações  animadas  e  seguidas  emprega-se 
frequentemente  o  presente,  em  vez  do  pretérito  definido, 
como  se  o  narrador  estivesse  naquelle  momento  a  pre- 
senciar os  factos  (presente  histórico): 


SYNTAXE   HISTÓRICA   POUTUGUESA  187 


Martim  Moniz  lhes  tem  roslo,  os  aperta,  os  rechaça, 
os  persegue;  pela  mesyna  porta  que  os  despejou,  os  recalca 
para  a  praça,  e,  embevecido  na  niatança,  se  interna  apoz 
elles  (Cast.,  Q.  Hist.,  III,  71). 

Obs.  í."  Imitando  as  liberdades  da  poesia  latina 
(v.  Madv.,  336,  obs.  l.*'),  os  nossos  poetas  antigos  em- 
pregam, ás  vezos,  o  presente  histórico  com  respeito  a 
factos  avulsos,  e  até  em  orações  relativas: 

Nem  o  Peno,  asperissimo  contrario  |  Do  Romano  po- 
der de  nascimento,  |  Quando  tantos  matou  da  ilhistre 
Roma,  I  Que  alqueires  três  de  anéis  dos  mortos  toma 
(Lus.,  III,   116). 

Obs.  2."  Para  o  emprego  dos  tempos  das  orações, 
subordinadas  a  um  presente  histórico,  deve  este  con- 
siderar-se  verdadeiro  presente;  todavia,  os  nossos  es- 
criptores,  mormente  os  poetas,  imitando  a  syntaxe  la- 
tina (v.  Madv.,  §  382,  obs.  1"),  deixam  ás  vezes  de  seguir 
esta  praxe,  e  põem,  v.  g.:  o  pretérito  imperfeito,  em  vez 
do  presente,  como  se  na  or.  subordinante  estivesse  o 
l^ret.  perfeito: 

Tirar  Inês  ao  mundo  determina  (Lus.,  III,  123)  O 
velho  pai  sesudo,  que  respeita  |  O  murmurar  do  povo  e  a 
phantasia  \  Do  filho,  que  casar-se  não  queria  (lá.,  III,  122). 

c)  1)  sobre  o  emprego  do  presente  com  o  valor 
de  futuro  imperfeito,  v.  §  258. 

2)  Era  interrogações  emprega-se  o  presente,  quando 
se  pergunta  o  que  ha-de  fazer  o  sujeito  do  verbo,  v.  g.: 
bato  á  porta  ? 

jam  foris  [^^fores]  ferio  (Plauto,  Menech.,  2,  2,  45). 


188  SYNTAXE  HISTÓRICA  P0RTUGCE8A 


Do  imperfeito 

§  253.  a)  O  pret.  imperfeito  emprega-se,  em  pri- 
meiro lugar,  quando,  transportando-nos  cora  o  pensa- 
mento a  uma  época  passada,  descrevemos  o  que  se  es- 
tava dando,  quando  uma  cousa  aconteceu: 

O  serviço  militar  tinha  a  natureza  de  eventual,  por- 
que não  havia  entre  os  visigodos  exercito  permanente  (G. 
Barros,  ///,  807). 

Mad.,  §  337. 

Querendo-se  designar  explicitamente  o  que  se  estava 
passando  no  momento  em  que  uma  cousa  aconteceu,  de 
modo  que  não  haja  confusão  com  a  designação  do  que 
costumava  acontecer,  emprega-so  a  conjugação  peri- 
phrastica  —  composta  do  verbo  estar  com  o  participio 
em  -ndo,  ou  com  o  infinito  presente  precedido  de  a: 
não  lhe  faltei,  porque  estava  a  jantar  (estava  jantando). 

Em  segundo  lugar,  designa-se  com  o  imperfeito: 

1)  o  que  tendo  começado  anteriormente,  continuava 
ainda  no  tempo  em  que  se  deu  um  facto:  Estava  naquella 
casa  havia  4  meses  (em  inglês:  I  had  been  four  months 
in  that  house). 

2)  o  que  se  repetia  e  continuava  a  acontecer  no 
passado : 

Vinhão  os  estrangeiros  a  Roma,  vião  as  Estatuas 
daquelles  varões  famosos,  e  perguntavão  pela  de  Catão. 
Esta  pergunta  era  a  mayor  estatua  de  todas  (Vieira,  /, 
317).  Antigaméte  estavão  os  ministros  ás  portas  das 
cidades:  agora  estão  as  cidades  ás  portas  dos  ministros 
(Id.,  /,  541,  542). 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  189 


Obs.  Ainda  fallando  de  faCtos  insulados,  emprega- 
se,  sobre  tudo  na  conversação,  o  pret.  imperfeito,  em 
vez  do  perfeito,  para  dar  a  entender  que  os  aconteci- 
mentos se  representam  tão  vivamente  na  imaginação 
de  quem  falia,  como  se  naquelle  momento  se  estives- 
sem presenceando. 

Em  narrações  animadas,  pode  empregar-se  o  pret. 
imperfeito  dos  verbos  de  dizer  em  vez  do  pret.  perfeito, 
com  o  que  se  representa  o  ouvinte,  ou  o  leitor,  como 
assistindo  ao  seguimento  do  discurso: 

d'esia  sorte  o  Gama  respondia  (Ltis.,  II,  103). 

Cf.  o  imperfeito  sàsy»  etc,  quando  servem  de  in- 
troduzir discursos  directos. 

Também  se  emprega  o  pret.  imperfeito  dos  verbos 
de  dizer,  em  vez  do  pret.  perfeito,  quando  uma  pessoa 
se  reporta  ao  que  aventou  anteriormente,  e  quando  reata 
o  fio  do  discurso: 

Vede  se  mostra  a  experiência  o  que  eu  dizia,  que 
quando  o  nosso  remédio  mays  se  apressa,  he  por  dili- 
gêcia..  (Vieira,  285). 

Obs.  Fallando-se  de  um  acto  que  está  justamente 
a  effectuar-se,  emprega-se.o  pret.  imperfeito,  em  vez 
do  presente,  como  expressão  de  modéstia:  eu  vinha 
adverti-lo. 

b)  1)  Em  orações,  subordinadas  a  um  tempo  pre- 
térito, pode  empregar-se  o  imperfeito,  em  lugar  do  pre- 
sente universal: 

Euripedes  dizia  que  a  gloria  do  mundo  nam  durava 
mais  que  hn  dia  (H.  P.,  /,  18  v.). 

Madv.,  §  383. 


190  SYNTAXE  inSTOKICA  PORTUGUESA 


2)  Na  indicação  da  naturalidade,  genealogia,  o  qua- 
lidades de  um  individuo,  ainda  quando  tal  indicação  ó 
apresentada  absolutamente,  sem  se  pôr  em  relação  com  al- 
gum facto,  a  lingoa  portuguesa  emprega  o  imperfeito  do 
verbo  ser  (etc.)  do  preferencia  ao  pret.  perfeito: 

D.  Duarte  era  de  estatura  mais  que  ordinária,  ca- 
bello  castanho  escuro,  olhos  pretos  e  vivos. 

Em   latim,   porém,    diz-se,   de   preferencia,   v.  g.: 
slatura  ftiil  procera  (Suet.,  Dom.,  11). 

3)  Fallando  de  uma  acção  na  qual  só  se  deu  o  pri- 
meiro passo,  e  que  não  foi  por  diante,  emprega-se  a 
periphrase  do  imperfeito  do  verbo  ir  com  infinito  pre- 
cedido de  a,  ou  para,  como  correspondente  do  imperfeito 
latino  (v.  Madv.  §  337,  obs.  1.'^): 

e  dizendo  isto  já  hia  a  levantar-se  para  saJiir  do 
Senado  (J.  Liberato,  Tácito,  Annaes,  2,  34). 

4)  O  que  por  pouco  não  aconteceu,  também  se  ex- 
prime com  a  periphrase  do  imperfeito  de  ir  e  o  partici- 
pio  em  -ndo  do  verbo  respectivo:  ia-me  esquecendo  de 
fazer  esta  observação. 

5)  Também  se  emprega  o  pret.  imperfeito,  fallando 
do  que  alguém  se  dispunha  a  fazer: 

e  oídro  bacharel. .  que  cõ  elle  hia  f=  queria  ir,  dis- 
punha-se  a  ir]  endoudeceo  de  ver  que. .  (Garcia  de  Orta, 
Col,  25). 

c)  Quando  se  falia  de:  <í dever  alguém,  cumprir  a 
alguém,  ser  dever  de  alguém,  etc,  fazer  uma  coisas,  sub- 
stitue-se  normalmente  o  pret.  perfeito  pelo  pret.  im- 
perfeito : 

el  ffcT  o  que  non  devia  de  ffazer  (P.  Mon.  Hisi.,  Leis 
e  posturas  de  D.  A  ff.  III,  280).    Se  servistes  á  Pátria  que 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTCGUESA  191 


VOS  foy  ingrata,  vós  fizestes  o  que  devíeis,  ella  o  que  cos- 
tuma (Vieira,  J,  314).  ele  (Jesus  Christo)  deveu  sobir  aos 
çeeos  (C.  Imperial,  218). 

Ho  pretérito  perfeito  deíiaido 


§  254.  a)  O  pret.  perfeito  defÍDÍdo  emprega-se,  em 
primeiro  lugar,  quando,  transportando-nos  mentalmente 
ao  passado,  registamos  acontecimentos  que  então  se  de- 
ram, considerados  como  simples  momentos  históricos 
(perfeito  histórico): 

^4  Hespanha  romano -germânica  iransformou-se  na 
Hespanha  rigorosamente  moderna  no  terrível  cadinho  da 
conquista  árabe  (Herc,  Eur.,  314). 

Obs.  1,"  Nas  sentenças  e  ditos  proverbiaes,  que 
encerram  uma  lição  da  experiência,  pode  exprimir-se 
o  que  se  considera  appiicavel  a  todos  os  tempos,  com 
o  pret.  perf.  definido,  em  lugar  do  presente: 

Ca  [=  porquanto J  diz  a  ve}'vo  [^=  o  provérbio]  ca 
[=que]  nõ  semeou  \  milho  quê  passarinhas  receou 
(Vat.,  D.  João  S.  Coelho,  289).  Armas  alheyas,  ainda 
que  sejam  as  de  Achilles,  a  ninguém  derão  victoria  (Viei- 
ra, 7,  53). 

b)  Em  segundo  lugar,  emprega-se,  quando  noticia- 
mos o  que  no  momento  em  que  falíamos  é  facto  con- 
summado  (pretérito  absoluto): 

Disse  (formula  empregada  no  fim  de  um  discurso). 

Na  sentença:  Quem  morreu,  morreu,  concorrem  os 
dois  pretéritos,  o  histórico  e  o  absoluto  (em  grego: 
-:cí>vã3iv  oí  9-avcvTss:  Euripides,  Alceste,  541). 


192  8YNTAXB  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


Obs.  í."  Quando  a  enunciação  de  que  um  facto  se 
deu,  so  quer  apresentar  como  simples  negação  de  elle 
ainda  não  se  ter  dado,  a  lingoa  portuguesa,  se  o 
contexto  não  deixa  ver  claramente  a  intenção  de  quem 
falia,  ajunta  o  adverbio  já  ao  pret.  definido  (ao  passo 
qué  outras  lingoas,  nomeadamente  a  inglesa,  empre- 
gam o  pret.  indefinido):  Já  foi  a  Sintra?  (=já  esteve  em 
Sintra?)  (em  inglês:  Have  you  been  at  Sintra?). 

Obs.  2."  Sobre  o  pret.  definido  empregado  em  lugar 
do  m-q-perfeito,  v.  §  256  a. 

Sobre  o  pret.  definido  com  o  valor  de  futuro  perf. 
emphatico,  v.  §  260. 

Do  pret.  perfeito  indefinido 

§  255.  a)  O  pret.  indefinido  exprime  a  continuação 
ou  repetição  d'uma  acção  desde  certo  momento  até  o 
momento  em  que  falíamos  (^). 

b)  Também  serve  de  exprimir  que  no  momento  em 
que  a  pessoa  falia,  uma  acção  está  consummada,  com  a 
ideia  accessoria  de  que  não  ha  possibilidade,  necessidade, 
ou  vontade  de  continuá-la  (por  outra,  em  contraposição 
ao  que  seria  mister,  ou  poderia  ainda  fazer-se): 

Tenho  acabado,  Fieis,  o  meu  discurso  (Vieira,  /,  950). 

Obs.  í."  A  significação  que  vae  em  6)  é  a  significa- 
ção primitiva  d'esta  periphrase,  que  já  existia  com  sen- 
tido semelhante,  mas  com  uso  menos  lato,  no  próprio 
latim  clássico,  v.  g.:  Tu  . .  Ha  censeo  facias,  ut  si  habes  jam 
stattitum,  qtiid  tibi  agendum  ptites . .  sitpersedeas  hoc  labore 
itineris  (Cie,  ad  fam.,  4,  12)  (V.  Madv.,  §  427). 


0)  Naa  sandaçSes  oure-se  dizer  frequentemente:  Como  pattmi?  patsott  htm? 
qoando  era  natural  dizer-se:  como  tem  passado?  Um  passado  bem?  £  que  a  formula 
pertence  originariamente  á  saudação  matutina:  como  passou  (a  noite)?  passou  bem' 
(a  noite)  f  e  tornon-se  impropriamente  formula  geral. 


SYKTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  193 


Obs.  2."  A  significação  do  pret.  indefinido  é,  como 
se  vê,  menos  lata  em  português  do  que  nas  outras  lin- 
goas  românicas.  Diz-se  por  ex.  em  francês:  Je  vous  ai 
écrit  (escrevi-vos)  il  y  a  une  quinzaine  de  jours. 

Obs.  5."  Sobre  o  pret.  indefinido  com  o  valor  de 
fut.  perf.  emphatico  v.  §  260. 

Do  px*eterito  mais  que  perfeito 

§  256.  a)  O  pret.  m-q-perfeito  serve  de  exprimir 
que  uma  acção  já  era  passada,  quando  outra  acção  se 
realizou,  ou  realizava: 

Compararão  o  que  Unhão  sido  com  o  que  erão  (Viei- 
ra, 7,  310). 

Todavia  nas  or.  temporaes  de  logo  que  e  seus  syno- 
nymos,  emprega-se  o  pret.  perfeito,  em  vez  do  m-q-per- 
feito : 

Logo  que  se  retirou  o  inimigo,  mandou  D.  João  Mas- 
carenhas enterrar  os  mortos  (Freire,  255). 

Pompejus,  ut  equitaium  sutim  pulsum  vidif . , ,  acie  ex- 
cessit  (César,  6.  civ.,  3,  94.  (V.  Madv.,  §  338,  b). 

Obs.  1.°-  Em  or.  subordinadas  pode  o  m-q-perfeito 
estar  em  relação  com  um  presente  da  or.  subordinante, 
quando  este  presente  tem  o  sentido  de  pretérito. 

Obs.  2."  Só  escriptores  que  se  exprimem  incorrecta- 
mente, empregam  o  m-q-perfeito.  em  vez  do  pret.  per- 
feito. 

Obs.  5."  Do  verbo  dever  determinado  por  um  infi- 
nito não  se  emprega  o  m-q-perfeito  composto,  mas 
sim  o  simples. 

b)  O  pret.  m-q-perfeito  simples  também  pode  em- 
pregar-se : 

1)  em  lugar  do  presente  condicional  em  or.  condi- 
cionadas : 

13 


194  SY.NTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


Que  fora  a  vida,  se  nella  não  houvera  lagrymas? 
(Herc,  Eiir.,  32). 

2)  Em  lugar  do  imperfeito  conjuntivo  em  or.  opta- 
tivas, condicionaes  e  concessivas,  o  no  port.  arclk.  médio 
ainda  em  outras: 

Ainda  que  a  paz  nam  tivera  outro  bem,  senam  ser 
couto  e  habilaçam  das  musas,  este  era  assaz  (H.  P.,  /, 
Prologo).  Se  o  desejo  fizera  a  jornada,  já  lá  estivera 
(Chagas,  Ca^-tas  Esp.,  236).  Quisera  eu  desenganar-vos 
tanto,  que  sahireys  [=sahíreis]  muyto  descontentes  de 
vós  (Vieira,  I,  83).  Nós  para  o  futuro  não  temos  palavra 
alguma,  e  oxalá  nem  ideia  tivéramos!  (Cast,  Q.  Hist.,  I, 
20-21).  mil  vezes  dizendo  suspirava,  \  Que  mais  o  seu 
Zopyro  são  prezara  \  Que  vinte  Babylonias  que  tomara 
(Lus.,  3,  41). 

§  257.  Sobre  tudo  em  or.  temporaes,  o  port.  arch. 
médio  emprega  um  tempo,  composto  do  pret.  definido 
de  ter  ou  haver,  e  do  part.  passivo  de  um  verbo  transi- 
tivo, para  exprimir  que  em  certo  momento  do  passado, 
a  acção  estava  consummada.  (E  o  pret.  anterior  das 
grammaticas  francesas) : 

Do  que  mliouve  jurado  (Pêro  Garcia  Burgalês,  Vat., 
250).  E  quando  ele  houve  começado  o  sermom  (Mil.  de 
S.^°  Ânt.°,  7).  he  de  creer  que  algum  angeo  ouve  levada 
a  carta  de  Samto  António  ao  ministro  (Id.,  15).  Despois 
que  Hercolles  ouve  feytas  aquellas  duas  ymagées  (Estoria 
Geral,  ap.  L.  de  Vascon.,  Tex.  Are,  45).  el  Rey  teve  de- 
terminado de  pelejar  (Fern.  Lopes,  D.  João  I,  225).  cu 
depoys  que  tive  feyta  esta  obra.,  vi-lhe  tantas  imperfei- 
ções que..  (H.  P.,  I,  Prologo).  Júlio  César,  depois  que 
teve  superados  quantos  inimigos  descobertos  tinha  (Eneida 
port.''.  Prologo). 


SYNTAXE   HISTÓRICA   POUTCQUESA  195 


Do  futuro  imperfaito 

§  258.  a)  O  futuro  imperfeito  serve,  era  primeiro 
lugar,  de  exprimir  uma  acção  futura  em  relação  ao  tempo 
presente  (futuro  imperfeito  do  presente): 

Filho  és,  e  peie  serás:  assim  como  fizeres,  assim  ha- 
verás (Prov.), 

b)  De  exprimir,  em  or.  subordinadas  —  excepto 
aquellas  de  que  trata  o  §  279 — uma  acção  futura  em 
relação  a  um  momento  do  passado  serve  o  chamado 
condicional  presente  (que,  neste  caso,  vem  a  ser  ver- 
dadeiramente um  futuro  iníperfeito  do  pretérito): 
Disse  que  voltaria,  no  dia  seguinte: 

promelteo-lhe  [a  JosiasJ  o  mesmo  Deus  em  premio 
destas  boas  obras,  que  morreria  em  paz  (\''ieira,  I,  1067). 

Quando  a  acção,  sendo  futura  em  relação  ao  pas- 
sado, o  é  também  em  relação  ao  presente,  emprega-se 
de  ordinário  o  futuro  imperfeito,  em  lugar  do  condicio- 
nal presente:  Disse  que  voltará  amanhã. 

Observações  a  este  §. — 1.°-  Sobre  o  conjunctivo,  era  lu- 
gar do  indicativo  na  designar-ão  do  futuro  em  certas  es- 
pécies de  cr.  subordinadas,  v.  adiante. 

Obs.  2."  Para  exprimir  a  acção  começada  tem,  em 
geral,  de  empregar-se  a  periphrase  do  verbo  estar  com 
o  presente  infinitivo  precedido  de  a,  ou  com  o  partici- 
pio  em  -ndo:  Amanhã  a  estas  horas  estarei  a  jantar  ou  es- 
tarei ja)itai'.do.  Disse  que  no  dia  seguinte  àquclla  hora  esta- 
ria a  jantar. 

Obs.  3."  O  fut.  imperfeito  pode  empregar-se  com  o 
valor  de  imperativo  (ou  de  conjunctivo  que  substituo 
o  imperativo  negativo,  v.  adiante),  de  ordinário  era  pres- 
cripções  e  recomendações  moraes. 

Noa  occides.  Non  moechabcris.  Non  furtum  fácies  (Vulg,, 
Êxodo,  XX,  13-15). 


196  SYNTAXK  HISTOIUCA  1'ORTUGUESA 


Também  se  emprega  em  sentido  permissivo  (na  2." 
o  S.*^  pess.):  Farás  o  fjnc  (iiiiseres. 

Em  or.  interrogativas  negativas  serve  de  exprimir 
uma  ordem  dada  com  impaciência:  Não  estarás  calado? 

Obs.  4."  O  presente  indicativo  também  se  emprega 
como  futuro  imperfeito  empliatico,  e,  na  conversa^ilo, 
como  simples  futuro  imperfeito:  Volto  amanha: 

SC  no  pHmeiro  impelo  não  puderdes  salvar  as  barreiras, 
estaes  perdido  (Herc,  Bobo,  180). 

. .  nisi  id  confestim  facis,  ego  te  tradam  magistratui 
(Corn.  Nep.,  Epam.,  4). 

Semelliantemente  nas  orações  em  que  o  presente 
condicional  funcciona  como  futuro  imperfeito  do  pre- 
.  terito,  tambom  se  emprega  o  pret.  imperfeito  indicativo 
{Disse  que  voltava  no  dia  seguinte),  e,  se  a  acçào  é  futura 
também  em  relação  ao  presente,  o  presente  indicativo 
{Disse  que  volta  amanhã): 

mandou  lançar  pregão  por  iodos  os  arrayaes,  que  no 
dia  seguinte  se  celebrava  a  festa  do  Senlior  (Vieira,  /,  468). 

O  port.  arcli.  médio  substituia  ás  vezes  o  presente 
condicional  pelo  imperfeito  do  conjunctivo  em  orarões 
substantivas  de  que: 

quem  cuydasse . . .  |  certo  que  escolhesse  ante  \  cousa  com 
que  SC  matasse  (Chiado,  Pratica  de  oito  figuras,  87,  r.). 

§  259.  Em  segundo  lugar,  o  futuro  imperfeito  serve, 
fallando-se  do  presente,  de  representar  a  acção  como 
cousa  simplesmente  possível,  ou  simplesmente  de  suppor, 
ou  como  affirmada  com  reserva:  Que  Jioras  serão?  (em 
inglês:   IVhat  time  may  it  be?): 

a  ilha  de  Baharem. .  que  estará  cinco  dias  de  nave- 
gação da  ilha  de  Ormuz  (Aff.  de  Albuq.,  Comm.,  26). 
apenas  haverá  neste  mesmo  aiiditorio  quem  não  possa 
testemunhar  nella  [proposição]  com  a  própria  experiência 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  197 


(Vieira,  I,  335).  Os  soldados  não  serão  pagos,  vós  sem- 
pre sois  pago  (Id.,  ibid.,  981).  Haverá  paz  no  tumulo? 
(Herc,  Eiir.,  25).  (Na  tradução  de  David  A.  Cohen:  Est- 
il possible  de  trouver  la  paix  dans  le  tomheau?). 

Fallando-se  do  passado,  emprega-se  d'este  modo, 
correspondendo  ao  pret.  imperfeito  e  ao  pret.  definido, 
o  condicional  presente  (Que  horas  serião,  quando  elle 
chegou?);  correspondendo  ao  pret.  indefinido,  o  futuro 
perfeito;  correspondendo  ao  m-q-perfeito,  o  condicional 
pretérito : 

Mas  qtial  seria  a  causa  doestes  successos,  e  de  duas 
mudanças  tão  extranhas?  (Vieira,  I,  327).  Que  vos  pa- 
rece que  responderia  o  Propheta  neste  caso?  (Id.  ibid., 
õOOJ.  seria  pela  volta  do  meio  dia,  quando  . .  (Herc, 
Lendas,  II).  Os  doidos  terão  tido  muytas  soluções  desta 
grande  duvida,  mas  eu  cuydo  que  vos  hey-de  dar  a 
literal,  e  verdadeyra  (Vieira,  J,  569).  Desta  [preocupação] 
é  fácil  possuirmo-nos,  e  nella  terei  eu  caido  mais  de  uma 
vez  (Herc,  Op.,  III,  299). 

Do  futuro  perfeito 

§  260.  a)  O  fut.  perfeito  serve,  em  primeiro  lugar, 
de  exprimir  que  uma  acção  futura  em  relação  ao  tempo 
presente  estará  consumada  antes  de  outra  acção  tam- 
bém futura  (futuro  perfeito  do  presente):  Quando 
elle  chegar,  já  eu  terei  jantado. 

b)  De  exprimir,  em  or.  subordinadas  —  excepto 
aquellas  de  que  trata  o  §  279  — que  uma  acção  futura  em 
relação  a  um  momento  do  passado  estaria  consummada 
antes  de  outra  acção  também  futura,  serve  o  condicional 
pretérito  (que,  neste  caso,  vem  a  ser  verdadeiramente 
um    futuro   perfeito   do    pretérito):    Tinham  dito 


1S8  SYNTAXE  HISTÓRICA  POUTUOUESA 


que  no   dia  seguinte,  quando  eii  chegasse,  já  elle  teria 
jantado. 

Quando  a  acçào,  sendo  futura  em  relação  ao  pas- 
sado, o  ó  também  em  relação  ao  presente,  emprega-se  o 
futuro  perfeito,  em  lugar  do  condicional  pretérito:  Dis- 
seram que  quando  eu  amanhã  chegar,  já  elle  terá  jantado. 

Observação  1."  a  este  §.  Sobre  o  conjunctivo,  em  lu- 
gar do  indicativo,  relativamente  ao  fiit.  perfeito,  em  cer- 
tas espécies  de  orações,  v.  §  279. 

Ohs.  2."  O  prct.  perfeito  também  se  emprega  como 
fiit.  perfeito  empliatico:  Quando  cIlc  chegar,  já  eu  tenho 
jantado  (e  também:  já  eu  jantei). 

§  261.  Sobre  o  emprego  do  fut.  perfeito,  quando 
serve  de  representar  uma  acção  como  simplesmente  pos- 
sível, ou  simplesmente  de  suppor,  ou  como  affirmada 
com  reserva,  v.  §  259. 

§  262.  O  fut.  perfeito  também  serve  de  exprimir  o 
resultado  seguro  de  uma  acção  futura :  Se  fizermos  isto, 
terevâos  alcançado  uma  grande  victoria  (e  emphatica- 
mente:  temos  alcançado  e  alcançámos). 

qui  [Brutus]  si  conscrvaíus  crit,  vicimus  (Cie,  ad  fam., 
12,  G). 

Do  condicional 

§  263.  O  condicional  presente  e  o  condicional  pre- 
térito empregam-se  em  primeiro  lugar,  como  tempos 
propriamente  do  indicativo,  o  condic.  presente  como 
futuro  imperf.  do  pretérito,  o  condic.  pretérito  como  fu- 
turo perf.  do  pretérito;  v.  §  258,  b,  e  260,  b. 

§  264.  Em  segundo  lugar,  o  condicional  emprega-se 
nas    orações  condicionadas  do   período  hypothetico  do 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  199 


irreal  (^).  Neste  caso,  fallando-se  de  uma  cousa  pre- 
sente-ou  futura,  ou  pertencente  a  todo  o  tempo,  empre- 
ga-se  o  condicional  presente;  fallando-se  de  uma  cousa 
passada,  o  condicional  pretérito  (-) : 

Se  não  houvesse  wgraiidoens,  como  haveria  finezas? 
(Vieira,  I,  317). 

Todavia  também  se  emprega  o  condic.  presente,  em 
vez  do  condic.  pretérito,  se  o  contexto  deixa  ver  de  que 
tempo  se  trata. 

Para  exprimir  segurança  de  que  uma  cousa  aconte- 
ceria pode  o  condicional  presente  ser  substituído  pelo 
pretérito  imperf-.  do  indicativo ;  e  o  condicional  pretérito 
peio  m-q-perfeito  composto: 

A  perpétua,  se  cheirasse,  \  Era  a  rainha  das  flores 
(Leite  de  Vasconc,  Pões.  Amor.,  97).  Se  a  apanhasse, 
esbofeieava-a  (Herc,  Monge,  I,  279). 

Obs.  A  condição  multas  vezes  não  se  exprime  com 
uma  or.  condicional,  mas  sim  de  outra  maneira,  ou  deduz-so 
do  contexto: 

O'  justiça,  guia  de  nossa  vida,  o  que  seria  do  mundo 
sem  ti!  (H.  P.,  I,  23õ  v.).    N'esses  campos  de  batalha.  . 


(')  Os  períodos  bypotheticos  constituem  duas  categorias.  Em  uma  affirma-sa 
simplesmente  a  relação  entre  a  or.  condicional  e  a  or.  condicionada,  como  quando 
se  diz:  Se  aquelle  triangulo  é  eqiiilálero,  nenhum  dos  seus  ires  angulas  infernos  é  reclo. 
Na  outra  nega-se  implicitamente  a  realidade  do  enunciado  condicional  c  do  condi- 
cionado; por  ex.,  dizendo-se:  Se  um  triangulo  equilátero  pudesse  ter  um  angulo  recto, 
nem  sempre  a  somma  dos  três  ângulos  internos  d'um  triangulo  seria  igual  a  dois  rectos, 
nega-se  implicitamente  que  um  triangulo  equilátero  possa  ter  um  angulo  recto,  e 
que  a  somma  dos  seus  três  ângulos  internos  deixe  alguma  vez  de  sor  igual  a  dois 
ângulos  rectos.  Esta  segunda  categoria  costuma  denominar-se  a  do  irreal,  e  a  pri- 
meira, bem  que  impropriamente,  a  do  real. 

O  É  claro  qii8  no  poriodo  hypothetico  do  real  o  condicional  tem  lugar  como 
futuro  imperfeito  do  pretérito  (§  233,  b),  r.  g. :  Disse  que  sairia  no  dia  'seguinte,  se 
não  chovesse. 


200  SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA 


I  Das  armas  sob  a  mor  talha,  \  Porque  exangue  não  fin- 
dei ?  I  Entre  os  louros  da  victoria  \  Morrera  ao  menos  com 
gloria  (Passos,  Poesias,  59). 

Quando  na  or.  condicionada  se  falia  de  uma  cousa 
como  sendo  possivel  ou  de  dever,  de  conveniência,  etc, 
fazer-se,  ou  ter-so  feito  (com  os  verbos  e  locuções  taes 
como  poder,  dever,  haver  de),  mas  que  não  se  faz,  ou  não 
se  fez,  emprega-se  o  pret.  imperfeito  do  indicativo  (tanto 
com  respeito  á  actualidade  como  ao  passado) : 

Se  soubéssemos  o  que  nos  está  bem,  ou  mal:  como 
nos  havíamos  de  dar  muytas  vezes  por  bem  despachados 
com  aquelle  mesmo,  que  chamamos  máo  despacho !  (Viei- 
ra, I,  333). 

omnibus  eiim  conhuneliis  onerasli,  quem  palris  loco,  si 
ulla  in  te  pietas  esset,  colere  dcbebas  (Cie,  Philipp.,  3,  38). 
V.  Mad7.  §  348,  c. 

Neste  caso,  o  condicional  (ou  o  m-q-perfeito  simples) 
só  tem  lugar,  geralmente,  como  afflrraação  modesta. 

Obs.  A  mesma  praxo  se  segue,  quando,  sem  haver  or. 
condicional,  se  falia  de  uma  cousa,  como  sendo  possivel 
ou  de  dever,  de  conveniência,  etc,  fazer-se  ou  ter-se  feito, 
mas  que  nSo  se  faz  ou  nío  se  fez: 

Bem  poderás,  ó  Sol,  da  vista  doestes  \  Tens  7'aios 
apartar  aquelle  dia  (Lus.,  III,  133). 

[Chaldaei]  oculorum  fallacissimo  sensu  judicant  ea,  quae 
rationc  atqiie  animo  videre  debebant  (Cie,  de  divin,  2,  48). 
V.  Madv.  §  348,  c,  obs. 

§  265.  O  'condicional  (e  o  m-q-perfeito  simples) 
também  serve  de  exprimir  uma  aítirmaoào  modesta. 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  201 

Do  conjunctiro 
Conjunctivo  em  orações  prineipaes 

§  266.  a)  o  conjunctivo  emprega-se  de  modo  inde- 
pendente fazendo  as  vezes  de  l.'^  e  3. a  pessoa  do  im- 
perativo e  nas  prohibições: 

Esternos  quedas,  e  ajamos  boa  esperança  (Fabul., 
fab.  57).  Não  saybas  mais  do  necessário,  porque  não  fi- 
ques boto  (H.  P.,  II,  235  V.,  236).  Animo,  animo,  meus 
filhos :  não  aja  ninguém  que  desmaye  (Sousa,  V.  do  Are., 
I,  482).  Gema  embora  a  terra  inteira  |  Acurvada  a  ini- 
quas  leis:  \  Esta  fronte  sobranceira  \  Jamais  de  rojo  a  ve- 
reis (Passos,  P.,  69).  Outros  louvem  teus  paços  sumptuosos, 
I  Teu  ouro,  teu  poder  : — sentina  impura  \  De  corrupções, 
teus  não  serão  meus  hymnos!  (Herc.,  Pões.,  pg.  60). 

Meminerimus  eliam  adversiis  ínfimos  jnslitiam  esse  ser- 
randam  (Cie,  de  off.,  I,  13).  Aid  bibat,  aut  abeat  (Cie, 
Tíísc,  5,  41).  Vcriim  ne  post  conferas  culpam  in  me  (Ter., 
Eun.,  2,  3,  97-98). 

Obs.  Uma  petição,  recommendação  instante  também 
se  exprime  ellipticamente  com  uma  or.  subordinada  intro- 
duzida por  que: 

Por  Deus,  que  me  ajudeis  a  salvar  a  minha  pobre 
Hermengarda  (Herc,  Eur.,  185).  Que  se  me  permitia  agora 
apontar  alguns  factos  (Id.,  Cas.  Civ.,  68). 

b)  Também  tem  sentido  imperativo  as  orações  do 
pret.  imperfeito,  ou  m-q-perf.  do  conjunctivo,  coordena- 
das a  uma  or.  do  condicional,  correspondendo  este  con- 
juncto  a  um  período  hypothetico  do  irreal  (v.  §  264), 
v.  g. :  Fosses  e  verias  (=Se  tivesses  ido,  verias). 


202  syntaxf;  msToiacA  portuguesa 


Obs.  Como  corrospondentos  a  períodos  hopotheticos 
do  real,  ernpregam-se  orações  do  imperativo  (ou  do  con- 
junctivo  que  substituo  o  imperativo)  coordenadas  a  orações 
do  futuro  indicativo,  v.  g.:  Vete  e  verás  (  =  Se  fores,  verás). 

c)  Com  sentido  imperativo  emprega-so  o  conjun- 
ctivo,  no  m-q-perfeito,  ou  no  pret.  impcrf.,  servindo  de 
exprimir  o  que  devora  ter-se  feito  (em  contraposição 
ao  que  se  fez)  (jussivo  do  passado): 

Mas  quem  ião  fora  estava  da  verdade,  |  Já  que  o 
juizo  humano  tanto  erra,  \  Pêra  que  do  mais  certo  se  in- 
formara,  \  Ao  Campo  Damasceno  o  perguntara  (Lus.,  111,9). 

Frumentum  . .  nc  cmisses  (Cie,  Vcrr.,  3,  84). 

/         §  267.  a)    o  conjunctivo  serve  de  exprimir  um  de- 
•■  sejo  (conjunctivo  optativo). 

Gomo  simples  expressão  optativa,  porêra,  não  se  usa 
na  2.^  pessoa,  e  geralmente  fatiando,  na  3.*  pessoa,  só  em 
certas  phrases  cstereotypadas : 

Queira  Deos  [Dcos  queira]  que  —  Praza  aos  céos  — 
O  Diabo  seja  surdo.  Deos  seja  nesta  casa.  E  prouvesse 
a  Deos  que  tivessem  todos  os  princlpes  taes  pagens  (H.  P.,  /, 
42  V.)     Senhor,  seja  bem  chegado  (Prestes,  63). 

Obs.  1."  No  port.  arei),  mcdio  também  se  empregava, 
om  fórmulas  do  saudaç.'lo,  o  presente  conjunctivo  da  2." 
pessoa: 

Natonio,  tenhas  prazer,  \  Lhe  disse,  gram  brado  dando 
(Crisfal,  35).  Comadre  [vocativo],  venhaes  embora  (Chiado, 
Regaieiras,  98  -y.,  — fórmula  do  saudação  conservada  no 
provérbio:  i^ Agora  que  tenho  ovelha  e  borrego,  todos  me 
dizem:  venhaes  embora  Pedro»). 

Obs.  2."  Em  algumas  fórmulas  usa-so  uma  or.  subor- 
dinada de  que:  Que  lhe  faça  muilo  bom  proveUo. 


SYNTAXE   IirSTOUICA   POUTUGUESA  203 


b)  O  conjunctivo  optativo  tem  lugar  particularmente, 
em  todas  as  pessoas : 

1)  Nas  assegiirações : 

a)  Combinado  com  uma  or.  condicional:  Eu  não 
viva  mais  que  ir.na  hora,  se  isto  não  é  verdade. 

g)  Formando  o  primeiro  membro  de  um  período 
comparativo : 

Assim  eu  tenha  saiide,  corno  isto  é  verdade. 

Fcream,   nisi  soriicHus  sum  (Cassio  em  Cie,  ad  fam., 
15,  19).     Sic  valeas,  ut  farina  es  {Phaed.,  4,  2). 

2)  Eni  orações,  introduzidas  por  assim,  e  no  port. 
archr  por  se,  que  exprimem  um  voto  formulado  a  favor 
de  alguém  no  caso  de  nos  outorgar  um  pedido : 

Amigo,  se  bem  ajades,  \  rogo-vos  que  mi  digades 
(Stevam  Reymondo,  Vat.,  294). 

Sic  te  diva  pólens   Cupri,  \  Sic  fratres  Hehnae,  Incida 
sidera  (Hor.,  3). 

c)  A  expressão  do  desejo  reforça-se,  em  todas  as 
pessoas,  antepondo  a  interjeição  oxalá  (que  substituiu  o 
latim  utinam  (oxalá  que): 

Oxalá  nujica  saibas  quão  intenso  e  atroz  é  o  meu  tor- 
mento (Herc,  Eur.,  48).'  Oxalá  que  os  meus  tristes  roubos 
sejam  desmentidos  pelo  esforço  dos  guerreiros  godos  (Id. 
ibid,,  72).     Oxalá  que  eu  me  enganasse  (Id.  ibid.,  81} 

d)  Emphaticamente  exprime-se  um  desejo: 

a)  Com  a  exclamação  Quem  (me,  etc.)  dera,  com 
uma  or.  de  qiie,  com  infinito,  ou  com  palavra  substantiva: 

Quem  me  dera  morrer  em  algum  souto  sombrio 
(Arraes,  7).  Oh  quem  me  dera  ter  neste  auditório  a  todo 
o  mundo!  (Vieira,  I,  686).     Quem  me  dera  que  me  ouvira 


204  SYNTAXR  HISTOIUCA  PORTUGUESA 


agora  Hespanha  . . . !  (Id.  ibid.).  Quem  dera  cá  utn  bata- 
lhão de  poetas  como  aquelle  (Garrett,  Viagens,  41). 

p)     Com  exclamações  do  tipo  da  seguinte: 

Quem  fosse  tam  ditoso  que  visse  este  dia  (H.  P.,  7,  476, 
476  V.). 

y)    Com  a  exclamação  tomara  : 

Tomara  que  me  respondêsseis  a  esta  evidencia  (Vieira, 
7,  82).  Tomára-me  eu  já  lá  (Garrett,  Fr.  Luiz  de  Sousa, 
acto  I).  Tomáramos  nós  que  todos  os  vigários  geraes  do 
nosso  tempo  soubessem  tanto  do  seu  officio  como  sabia  o 
padre  Lourenço  Paes  (Herc,  Cas.  Civ.,  36). 

5)  (No  port.  moderno)  com  o  presente  conjunct., 
em  todas  as  pessoas,  do  verbo  poder  com  um  infinito : 

se  é  esta  uma  nova  illusão  que  Morpheu  me  envia . . 
possa  eu  não  acordar  jamais !  (Cast.,  Chave,  58). 

e)  Fallando  do  quo  não  pode  realizar-se,  empre- 
ga-se  (nas  três  pessoas),  com  respeito  ao  presente,  o  pret. 
imperfeito;  com  respeito  ao  passado,  o  pret.  imperfeito 
e  m-q-perfeito : 

assim  tivera  eu  vivido !  (Garrett,  Viagens,  215).    Nunca 

eu  fora  ver  tal!  (Herc,  Monge,  II,  351). 

> 
Obs.     O  conjunctivo  optativo  tarabom  pode  eslar  em 
or.  relativas: 

Impressa  tenJio  na  alma  larga  historia  \  Deste  j^as- 
sado  bem,  que  nunca  fora  {Cam. ,  Son.  xviii).  ..seu  ma- 
rido I  que  Deos  haja  (Prestes,  389). 

§  268.  O  conjunctivo  emprega-so  independentemente, 
a  par  com  o  indicativo,  nas  orações  de  talvez  o  quiçá 
(conjunctivo  potencial): 

no  mundo  todo  talvez  se  não  ache  um  paiz  onde. .  se 
encontrem  tam  villans,  tam  ridiculas,  e  absurdas  construc- 
ções  públicas  como  essas  quasi  todas  que  ha  um  século  se 


SYNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUESA  205 


fazem  em  Portugal  (Garrett,  Viag.,  180).     Talvez  foi  elle 
1  O  primeiro  cantor  que..  \  Sonhe  entoar  melodioso  um 
hymno  (Herc,  Pões.,  pg.  23). 

quae  [res\  forsUan  robis  parvae  esse  videantur  (Cie, 
Verr.,  4,  21). 

§  269.  O  conjunctivo  emprega-se  na  enunciação 
de  casos  que  se  pretende  que  se  supponha  darem-se,  ca- 
sos que  formam  uma  disjuncção,  ou  asyndectica  (queira, 
não  queira),  ou  com  quer-qtier,  ou-ou  (quer  queira-quer 
não  queira) : 

Para  os  haver,  fossem  validos,  fossem  mdlos  (Herc, 
Cas.  Civil,  66).  Ou  dissesse  não,  ou  dissesse  si,  sempre 
ficava  no  laço  (Vieira,  I,  777).  Toan  doze  jiortas,  em  cada 
Jma  assiste  guarda  immortal  armado  de  diamante,  abertas 
sempre,  ou  caya  a  noyle  triste,  ou  rindo  a  bella  Aurora  se 
levante  (Mal.  conquistada,  1,  49,  ap.  Blut.).  A  intolerân- 
cia, quer  venha  da  direita,  quer  venha  da  esquerda,  é 
sempre  a  intolerância  (Herc,  Cas.  Civ.,  101). 

Era  latim:  relim,  nolim;  \.  Madv.,  442,  b,  obs. 

Aquellas  disjunctivas  correspondem  em  latim  s/re-síve; 
mas  as  orações  que  ellas  introduzem  sSo  rigorosamente 
condicionaes  (si-ve),  v.  g. :  Mala  et  impia  consueíudo  est 
contra  deos  dispittandi,  sive  ex  animo  id  fit,  sive  simulate 
(Cie,  de  nat.  deor.,  2,  67)  (  =  se  se  faz  de  veras,  é  má  prá- 
tica; se  se  faz  a  fingir,  é-o  também). 

Obs.  O  mesmo  sentido  tem  uma  or.  subordinada  in- 
troduzida por  que: 

Que  chova,  que  não  chova,  meu  amo  me  dará  que 
coma  (Prov.). 


20Ô  SYNTAXE  HtSTOUICA  PORTUGUESA 


Conjunctivo  om  orações  subordinadas 

§  270.  Tem  o  verbo  no  conjunctivo:  as  orações 
substantivas  introduzidas  pela  conjuncção  que  (ás  vezes 
occulta),  dependentes : 

1)  dos  verbos  e  locuções,  substantivas  e  adjectivas, 
que  exprimem  a  ideia  de,  por  qualquer  modo,  fazer  ou 
impedir,  ou  querer  que  urna  cousa  aconteça,  v.  g.: 
fazer,  conseguir ;  pedir,  p.ri./ir :  (ico)iseJlt'(r,  voUir;  ordenar^ 
prohibir ;  conceder,  con^oiHr.  desejar: 

O'  quanto  deve  o  Bei  qne  bem  goroma  j  De  olhar 
que  os  conselheiros  ou  privados  \  De  r  vr- 

iude  interna  \  E  de  sincero  amor  seja"  nontiu-s:  [Las., 
VIII,  54).  não  quer  mays,  nem  põem  orírn  condição,  se- 
não que  se  lhe  ajuelhem  (Vieira,  I,  1019).  Lançou  bando 
que  todos  os  súbditos  do  seu  império . .  IJie  viessem  offere- 
cer  sacrifício  (lã.,  S.  de  -S7"  Catli..  7).  Já  que,  Senhor, 
não  sois  servido  cpie  eu  sa^jl/a  a  -  ■iitha  morte 

(Id.,  /,  Í0S7). 

Obs.  Em:  que  o  casligou  Deos  com  ([hc  não  ryitrasse 
na  ferra  de  Promissão  (Vieira,  I,  713),  pareço  haver  uma 
construcçào  elliptica;  sendo  que  Vieira  tinha  na  mente 
castigou  com  f  a>;er  í/í/p  )i'to  rn>  letra  de  Promissão. 

Esto  conjunctivo  represeiitu  u  conjunctivo  latino  (com 
;/,  iic,  qidu,  quo  miniis)  depois  dos  verbos  e  locuções 
da  mesma  significação  quo  a  dos  portugueses.  V.  Madv. 
§  3Õ4. 

2)  dos  que  exprimem  a  ideia  de  temer  ou 
esperar    que    uma    cou.sa    aconteça: 

[Abrahão]  tcmeo  que  como  mulher,  c  mãe,  [Sara] 
não  íivcspc  valor  para  CG}i-'<c)il!r  no  sacriptcio  (Vieira,  7, 
603). 


SYNTAXK   HISTOUICA  POUTCGUESA  207 


V.  Madv.,  §  351. 

Obs.  1."  Depois  d'estes  Verbos  também  se  emprega, 
mas  é  pouco  usual,  o  indicativo  fut.  (e  o  condicional  pre- 
sente) : 

temerõ  que  sseeryam  descobertos  (Fragmen.  da  vida 
de  S.  Nicolau,  4).  elle  temia  que  descobrindo-lhe  sua 
tenção  ella  trabalharia  por  delia  ho  desviar  (Diego  Aff., 
10). '  espero  da  vossa  piedade,  e  do  vosso  juízo,  que 
aceytareys  este  bom  conselho  (Vieira,  I,  142). 

Obs.  2."  Depois  de  esperar  que —  =  esperar  até  quo — , 
também  se  emprega  o  conjuuctivo : 

Mas  os  Mouros  que  andavão  pela  praia  \  . .  Esperão 
que  a  guerreira  gente  saia  (Lus.,  I,  86). 

3)  dos  que  exprimem  a  ideia  de  admirarão,  ou  con- 
tentamento, ou  descontentamento : 

Admirou-se  [Izaac]  de  [que  tão  depressa  pudesse  [o 
filho]  ter  achado  a  caça  (Vieira,  I,  534). 

4)  dos  que  exprimem  a  ideia  de  ser  raro,  ser  pro- 
vável, ser  possível ;  importar,  ser  necessário,  ser  justo,  ser 
difficíl,  ser  extranho,  ou  outro  conceito  semelhante,  ou 
contrario  a  estes ;  e  dos  que,  de  qualquer  modo,  expri- 
mem a  ideia,  de  achar  oa  declarar  uma  cousa  tal 
como  a  representam  as  locuções  precedentes : 

Também  será  bem  feito  que  tenhais  j  Da  terra  algum 
refresco,  e  que  o  Regente  \  Que  esta  terra  governa,  que  vos 
veja  I  E  do  mais  necessário  vos  proveja  (Lus.,  I,  55). 
Que  importa  que  as  mãos  de  Pilatos  estejão  lavadas, 
se  a  consciência  não  está  limpa  ?  (Vieira^  I,  553).  bastou 
que  fossem  homens,  para  que  tentassem  mais  fortemente 
a  Job,  que  o  mesmo  demónio  (Id.,  I,  826).  parece  cousa 
dura,  que  havendo  necessariamente  um  homem  de  trattar 
com  os  homens,  se  haja  de  guardar  de  todos  os  homens 


208  SYNTAXE   UISTOKltA   iuiiiUHtSA 


(Id.  ibid,,  830).  Não  he  melhor  que  faça  desde  logo  a 
razão,  o  que  depois  ha-de  fazer  a  natureza  ?  (Id.  ibid., 
1045).  Ah  sepodesses  vêr,  doce  inimiga,  \  O  estrago  que  me 
causa  esta  saudade,  \  Pode  ser  que  o  impulso  da  piedade 
I  Te  obrigasse  ao  que  o  Amor  te  não  obriga  (Quita,  135). 
E'  importante  sempre  que  a  legislação  nova  signifique  an- 
tes um  aperfeiçoamento  da  antiga,  do  que  uma  douirina 
ou  recente,  ou  peregrina  (Herc,  Cas.  Civ.,  11).  ^ 

Obs.  É  de  notar  o  emprego  elliptico  de  uma  cr.  do 
conjanctivo  introduzida  por  que  (como  se  antes  se  hou- 
vesse dicto:  «É  possível»)  em  exclamações  que  represen- 
tam uma  cousa  como  difficil  de  admittir: 

E  que  com  esta  carga  ás  costas  andem  tão  leves  como 
andão?  (Vieira,  494).  Que  tivesse  resolução  hu  gentio 
[Demócrito] ,  para  arrancar  os  olhos  por  amor  da  pu- 
reza; e  que  não  tenha  animo,  nem  valor,  hum  Christão 
para  os  fechar!  (Id.  ibid.,  S91). 

Egonc  ut  te  inierpelkm  (Cie,  Tusc,  2,  18);  v,  Madv, 
§  353,  obs. 

5)  dos  que  exprimem  a  ideia  de  acontecer,  quan- 
do a  expressão  subordinante  é  negativa  ou  não  repre- 
senta uma  realidade. 

Obs.  A  esta  categoria  pertence  o  conjunctivo  na  or. 
de  que,  na  loc.  a  não  ser  que,  no  caso  que  (ou  simplesmente 
caso  que,  caso  (com  ellipse  de  que),  dado  caso  que. 

6)  do  verbo  duvidar,  e  do  substant.  dúvida  e  du- 
vidoso, quando  empregados  afíirmativamente. 

Obs.  Empregados  negativamente,  ou  interrogativa- 
mente, podem  ter  o  verbo  da  or.  substantiva  no  indicativo. 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  209 


Observação  a  este  §.  Quando  as  or.  substantivas,  de 
que  trata  efte  §,  exprimem  uma  realidade,  os  escriptores 
do  período  arch.  e  médio,  algumas  vezes,  empregam  o  indi- 
cativo: 

Senhor,  pois  que  m' agora  Bens  guisou  \  que  vos  vejo 
e  vos  posso  fallar,  \  quero-vo-la  mha  fazenda  mostrar 
(Lang.,  20).  Como  quer  que  seja,  basta  que  he  hum  ani- 
mal que  vive  no  fogo  (H.  P.,  I,  270  v.).  prouve  a  nosso 
Senhor  que  virarão  (^viraram)  as  costas  (F.  Mendes 
Pinto,  10).  He  possível  que  eu  me  hey  de  apartar  para 
sempre  deste  mundo  . . . !  (Vieira,  J,  941).  Conseguio  [M. 
P,  Catão],  como  refere  Plinio,  que  ninguém  no  seu  Con- 
sulado se  atreveo  a  lhe  pedir  cousa,  que  não  fosse  justa 
(Id.,  II,  104). 

§  271.  a)  As  orações  substantivas  introduzidas  pela 
conjuncção  qtie,  dependentes:  1)  dos  verbos  que  expri- 
mem a  ideia  de  pensar  ou  saber,  ou  perceber; 
2)*  do  verbo  parecer  (e  synonymos);  3)  das  loc.  ser 
certo,  ser  evidente  (e  synonymos) ;  4)  dos  verbos  que  ex- 
primem a  ideia  de  provar  ou  declarar  (represen- 
tando a  or.  substantiva  a  cousa  provada  ou  declarada) ; 
5)  dos  substantivos  e  adjectivos  correspondentes  a  estes 
verbos  e  locuções,  —  podem  ter  o  verbo  no  conjunctivo, 
quando  a  or.  siibordinante  é  negativa,  ou  interrogativa 
de  sentido  negativo,  e  se  pretende  realçar  a  negação: 

Não  quer  dizer  o  Apostolo  que  não  fosse  verdadeyra 
historia  (Vieira,  I,  598). 

Obs.     O   port.    arch.  médio  emprega  ás  vezes  o  con- 
junctivo (do  presente  e  imperfeito)  em  lugar  do  indicativo 
(do  futuro)  e  condicional  (do  presente)  nas  orações  sub- 
^  stantivas  dependentes  dos  verbos  de  declarar,  particular- 

mente,  depois  dos  verbos  de  prometler  e  afiançar,  ainda 
quando  estes  pertencem  a  orações  affirmativas : 

14 


210  8YNTAXK   HISTÓRICA   PORTUODE8A 


Em  quanto  for  o  mundo  rodeado  \  Dos  Apollineos 
raios,  eu  te  fico,  |  Que  elle  seja  entre  a  gente  illu^tre  e  cla- 
ro, I  E  tu  nisto  culpado  por  avaro  (Lus.,  X,  25).  fico  que 
não  ficasse  pedra  sobre  pedra  (Camões,  Filodemo,  III,  157). 

A  oração  substantiva  de  que  dependente  de  ignorar 
também  pode  ter  o  verbo  no  conjunctivo. 

b)  As  orações  substantivas  de  que,  dependentes  dos 
verbos  de  pensar  (e  das  locuções  synonymas),  podem 
ter  o  verbo  no  conjunctivo,  quando  se  quer  dar  a  enten- 
der que  o  enunciado  da  or.  substantiva  não  se  verifica: 
cuidava  que  elle  estivesse  [mas  não  estava]  em  casa. 

c)  As  orações  substantivas  de  que,  dependentes  de 
um  verbo  do  conjunctivo  pertencente  a  uma  or.  adver- 
bial ou  relativa,  podem  ter  o  verbo  no  conjunctivo: 

Se  víssemos  que  hum  cego  andasse  apregoando,  e 
vendendo  olhos,  não  seria  riso  das  gentes  e  da  mesma  na- 
tureza ?  (Vieira,  I,  677). 

d)  Quando  ás  palavras  único,  tdtimo,  primeiro,  e  os 
outros  ordinaes,  se  liga  uma  or.  relativa,  para  explicar 
em  que  sentido  se  hão-de  tomar  aquellas  palavras,  e  o 
relativo  introduz  ao  ,mesmo  tempo  (§  3õ6)  uma  or.,  cujo 
verbo  ó  algum  dos  indicados  em  a),  e  a  or.  substantiva 
de  que,  dependente  d'este  verbo,  —  pode  a  or.  substantiva 
ter  o  verbo  no  conjunctivo: 

Esta  foy  a  única  vez,  que  sabemos  da  Historia  Sa- 
grada, que  Christo  escrevesse  de  seo  punho  (Vieira,  /,  785). 

e)  As  or.  substantivas  de  qup,  dependentes  dos 
verbos  e  locuções  indicadas  em  a),  quando  precedem  a 
oração  subordinante,  podem  ter  o  verbo  no  conjunctivo: 

Que  estas  três  cousas  estivessem  n'arca  do  testamento 
di-lo  São  Paulo  na  epistola  aos  Hebreos  (H.  P.,  //,  399). 
Que  possa  isto  suceder,  e  que  tenha  já  sucedido,  o  Proffta 
Jeremias  o  affirma  (Vieira,  /,  515). 


SYNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUESA  211 


f)  Os  escriptores  do  período  arch.  med.  empregam, 
mas  raras  vezes,  orações  conjunctivas  de  que,  a  servirem 
de  sujeito  a  verbos  de  provar  (em  lugar  de  or.  infini- 
tivas) : 

Grande  credito,  e  grande  confiança  argúe,  que  nes- 
tas mãos,  e  nestas  pétnas  ponhão  os  reys  a  sua  honra 
(Vieira,  /,  512). 

§  272.  a)  Quando  em  uma  or.  interrogativa  subor- 
dinada a  uma  expressão  de  incerteza  ou  irresolução,  se 
quer  fallar  do  que  ha  ou  havia  de  fazer-se  em  certo 
caso,  o  conjunctivo  (do  presente  e  pret.  imperfeito)  serve 
por  si  só  de  exprimir  a  ideia  de  haver-se  de  fazer  uma 
cousa: 

Não  sabia  em  que  modo  festejasse  \  O  Rei  pagão  os 
fortes  navegantes  (Lus.,  VI,  1).  não  sabe  se  responda  ou 
cale  (Mal.  conquistada,  10,  17,  ap.  Blut.).  Ho  prior  nã 
sabendo  que  fizesse  disse  contra  os  monges  (Diego  Aff., 
297).  Não  sabia  que  respondesse  o  porteiro  de  embara- 
çado em  ouvir  Ima  cousa  a  seu  parecer  tão  nova  (Sousa, 
V.  do  Are.,'  1,  187). 

Neque  satis  Bruto.,  fel  tribunis  inilition..  constábat  quid 
agerent  (Cie,  bell.  galL,  3,  14)  (V,  Madv.,  §  356,  obs.  2."). 

Outro  tanto  acontece  nas  or.  rehitivas  que,  ligadas  a 
um  substantivo  ou  pron.  demonstrativo,  substituem  or. 
interrogativas. 

b)  As  orações  interrogativas  indirectas  podem  ter 
o  verbo  ne  conjunctivo: 

1)  quando  a  or.  subordinante  exprime  directamente 
ou  envolve  a  ideia  de  desconhecimento: 

Vio-se  perplexo,  e  atalhado  S.  Pedro,  porque  não 
sabia,  qual  fosse  a  tenção  de  seu  Mestre  neste  ponto  de 


212  SYNTAXE  HiSTOUICA   PORTDODK8A 


tanta  consequência  (Vieira,  I,  783).  não  acabavam  de 
entender  como  já  ali  não  apparecesse  neM  resto  de  ta- 
manho espirito  (Cast.,  Hist.,  /,  73). 

2)  quando  a  or.  interrogativa  precede  a  subordi- 
nante : 

Quam  grandes  e  incomportáveis  sejam  os  trabalhos 
dos  que  bem  governam,  senlio  bem  Turbo  (H.  P.,  /,  193t). 
Qual  a  matéria  seja,  não  se  enxerga  (Lu^.,  X,  78). 

Era  latim  o  indicativo  em  or.  interrogativas  indirectas 
era  da  fingoagem  popular:  [mathemalicus]  mihi  non  dixcrat, 
quid  pridie  cenavetam,  diz  Triraalcht&o  em  Petionio,  76. 
V.  Schmalz. 

§  273.  a)  Tem  o  verbo  no  conjunetivo  as  or.  con- 
junceionais  seguintes: 

1)  as  condicionaes  de  se  pertencentes  ao  período 
hypothetico  do  irreal  (v.  §  264)  (no  pret.  imperfeito, 
fallando-se  do  presente  ou  passado;  no  m-q-perfeito, 
fallando-se  do  passado): 

Se  não  houvesse  ingratidoens,  como  haveria  finezas? 
(Vieira,  I,  317). 

Este  conjunetivo  pode  ser  emphaticamente  substi- 
tuído (sobre  tudo  no  e.stilo  familiar)  pelo  pret.  indefi- 
nido, e  pelo  presente  do  indicativo,  v.  g.:  se  Júlio  tem 
sido  encarregado,  não  acontecia  este  desastre;  se  estou 
agora  em  casa,  assistia  a  um  espectáculo  muito  triste. 

2)  as  de  contanto  que  e  locuções  synonimas  (com 
tal   que  [arch.  médio],  uma  vez  gtte  =  com  tanto  que): 

Não  podiam  ser  açoitados,  e  podiam  ter  os  filhos  em 
seu  poder,  com  tal  que  fossem  liavidos  de  mulher  romana 
(Arráiz,  4,  9,  ap.  Barreto,  174). 

3)  as  consecutivas,  quando  exprimem  simplesmente 
uma  concepção  (e  nào  uma  realidade): 


SYNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUESA  213 


Não  vedes  que  podeis  cahir,  e  que  pode  ser  tal  a 
queda,  que  funeste  um  dia  tão  alegre..?  (Vieira,  I,  672). 
que  segurança  pode  haver  tão  confiada,  que  entre  os 
abraços  mais  lisonjeiros  da  felicidade  não  tema  os  seus 
revezes?  (Id.,  XI,  12). 

As  orações  de  sem  que  e  de:  não  {nunca,  etc.)  —  que 
não,  tem  sempre  o  verbo  no  conjunctivo: 

Nunca  comeo  [Job]  hna  fatia  de  pão  que  não  par- 
tisse delia  com  os  pobres  (Vieira,  7,  1091).  não  podião 
assomar-se,  que  os  não  pescassem  as  balas  do  inimigo 
(Freire,  137).  Duas  vozes.,  uma  d'aqui  de  dentro,  otUra 
lá  de  cima,  as  quaes  me  não  consentirão  nenhum  des- 
canço,  sem  que  as  haja  obedecidas  (Cast.,  O.  Hist.,  III,  48), 

No  latim  clássico,  as  or.  consecutivas  tem  o  verbo  no 
conjunctivo  (Madv.,  §  3õ5);  na  decadência,  occorrem  com  o 
indicativo,  quando  representam  uma  realidade. 

4)  as  finaes: 

não  sei  como  diga,  para  que  a  entendam,  a  verdade 
que  me  abafa  (Cast.,  Q.  Hist.,  I,  25). 

Madv.,  §§  355,  363. 

5)  as  causaes  (de  porque  e  que),  quando  se  declara 
que  tal  não  é  a  causa  verdadeira: 

E  não  porque  fossem  olhos  de  tal  maneyra  cegos,  que 
não  vissem,  mas  porque  vião  trocadamente  húa  cousa 
por  outra  (Vieira,  I,  655).  Quantas  cousas  se  negão  aos 
grandes  sojeitos  como  David,  não  porque  não  sejão  dignos 
e  dignissimos  delias,  mas  porque  não  contentão  aos  do 
Conselho  dos  Reys  (Id.,  //,  125). 

O  emprego,  menos  regular,  do  indicativo  é  raro. 


ai4 


eVNTAXE  HI8T0RI9A  PORTUGUESA 


Madv.,  §  357,  b. 

Também  nas  causaes  de  ou  porque  —  ou  porque,  fal- 
lando-se  de  cousas  hypotheticas:  ou  porque  fosse  já 
tarde,  ou  porque  estivesse  cansado,  não  quis  ir. 

6)  as  de  como,  quando  (com  o  pret.  imperf.  e  o 
m-q-perf.)  servem  de  expor  a  sucessão  dos  aconteci- 
mentos. 

Madv.,  §  3Õ8. 

7)  as  de  antes  que  e  primeiro  que: 

primeiro  refuta  as  razões  contrayras,  que  confirme 
os  suas  (H.  P.,  /,  27).  Coroemo-nos  de  7'osas  antes  que 
se  murchem  (Vieira,  I,  1055).  bem  nos  cançaremos  nós 
de  escrever  e  de  pintar,  primeiro  que  esgotemos  todas  as 
gloriosas  memorias  doeste  mimoso,  fecundo . .  e  bem  inve- 
jado, canto  do  mundo  (Cast.,  Q.  Hist.,  I,  31). 

Madv.,  §  3G0. 

8)  as  de  até  que  e  depois  que,  quando  se  quer  ex- 
primir propósito: 

Mas  com  risonho  e  ledo  fingimento  \  Tratá-los  bran- 
damente determina,  \  Até  que  mostrar  possa  o  que  imagina 
(Lus.,  I,  69). 

Madv.,  §  360. 


9)  as  concessivas  (de  ainda  que,  posto  que,  bem 
que,  conquanto,  etc),  quando  se  falia  de  uma  cousa  sup- 
posta;  fallando-se  de  caso  real,  pode  empregar-se  o 
conjunctivo;  nas  introduzidas  por  embora  sempre  se  põe 
o  conjunctivo: 


9YNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  215 


Ainda  quando  vos  pusessem  nesses  officios,  Unheis 
obrigação  de  seguir  os  officios,  e  confessar  os  erros 
(Vieira,  I,  482).  Ainda  que  [os  homens]  sejão  amigos, 
guardai-vos  delles  (Id.,  I,  823).  A  gente  que  esta  terra 
possuía,  I  Posto  que  todos  Ethiopes  erão,  \  Mais  humana 
no  trato  parecia,  \  Que  os  outros  que  tão  mal  nos  rece- 
berão (Lus.,  V,  62).  E  posto  que  semelhantes  reserva- 
ções  são  muyto  justas  (Vieira,  371,  ap.  Blut.).  O  despo- 
tismo produz  ás  vezes  o  bem,  ainda  que  em  regra  só 
produza  males  (Herc,  Op.,  II,  319).  Embora  o  mundo 
me  impeça,  |  tenha  eu  tnares  a  vencer,  \  nada  fará  que  me 
esqueça  |  do  teu  sepulchro,  mulher  (Thom.  Rib.,  D.  Jay- 
me,  141). 

b)  Tem  o  verbo  no  indicativo  ou  no  conjunctivo 
as  orações  causaes  de  como  e  como  quer  que: 

Como  [os  dois  discipulos]  Unhão  livre  a  vista,  vião 
a  Christo:  como  Unhão  presa  a  advertência,  não  conhecião 
que  era  elle  (Vieira,  I,  642). 

c)  As  orações  de :  por  mais — que,  por  muito— que,  por 
(v.  g.  grande)  que,  tem  o  verbo  no  conjunctivo,  quando 
88  falia  d'uma  simples  concepção;  no  conjunctivo  ou 
no  indicativo,  quando  se  falia  de  uma  realidade: 

animosamente  respondeo,  que  de  informações,  por  boas 
que  fossem,  não  avia  que  fiar,  nem  fazer  caso  (Sousa,  V. 
do  Are,  I,  49). 

§  274.  a)  Tem  o  verbo  no  conjunctivo  as  or.  rela- 
tivas que  exprimem  uma  simples  concepção  (v.  g.,  as 
finaes) : 

Nam  vistes  nunca  nenhum  verdadeiro  humilde,  que 
fosse  cubiçoso  (H.  P.,  /,  59).  Que  medico  ha,  que  repare 
no  gosto  do  enfermo,  quando  tratta  de  lhe  dar  saúde? 
(Vieira,  I,  80).  Não  he  Saul  homem  que  queyra  junto  a 
si  tamanho  homem  [como  David]  (Id.,  /,  822).     Um  bordão 


2i6  SYNTAXE  HI8T0UI0A   PORTUGUESA 


único  I  A  que  me  arrime  na  escabrosa  senda  \  Me  não 
ficou  (Garrett,  Cam.,  II).  Aqui  será  o  tribunal  para  onde 
de  todos  os  outros  se  appclle,  e  d'onde  se  não  appelle  para 
nenhum  (Cast.,  Q.  Hist.,  /,  82).  O  alvará . .  deroga  as  leis 
posteriores  que  o  contradissessem  (Herc,  Cas.  Civ.,  109). 

Obs.  1."  A  esta  categoria  pertence  o  conjunctivo 
nas  periphrases  relativas  indefinidas  como:  ^uem  guer 

que  seja: 

Não  podia  obstar  a  que  o  preso  escrevesse  a  quem 
quer  que  fosse  (Camillo,  A.  de  perdição,  214). 

Obs.  2*  Nas  or,  relativas  que  exprimem  a  desti- 
nação d'uma  cousa,  pôde,  não  sendo  o  relativo  sujeito, 
empregar-se,  em  lugar  do  conjunctivo,  o  infinitivo  (que 
em  rigor  depeíide  do  presente  ou  pret.  imperf.  do  verbo 
poder  subentendido): 

dizia  elle  [Christo],  que  as  raposas  tinhão  choças,  onde 
se  recolhessem,  e  as  avezinhas  onde  repousassem,  e  que  elle 
não  tinha  onde  reclinar  a  cabeça  (H.  P.,  //,  47,  v.).  fez- 
vos  Deos  mercê  de  vos  dar  abundância  de  bens,  com  que 
sustentar  húa  casa  miiyio  honrada  (Vieira,  I,  713). 

Non  inueni7ntts  lapides  peregrinos  qtios  ponere  (Groma- 
tici,  3õ0,  3;  Lachm;  ap.  LOfstedt,  Komm,  2õl). 

Quando  era  uma  or.  d'estas  se  falia  de  uma  cousa 
como  havendo  de  fazer-se,  e  a  or.  se  liga  ao  comple- 
mento directo  de  ter  ou  haver,  o  uso  ordinário  é  empre- 
gar (ellipticamente)  o  infinitivo,  em  lugar  do  conjunctivo: 

eora  [=e  ora]  já  non  ey  ren  que  temer  (Pêro  Mendes 
da  Fonseca,  Vat.'^,  717).    Estas  cousas  tive,  que  vos  dizer 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTCOUKSA  217 


da  velhice  (Góes,  C.  Ai.,  113,  tradução  de:  Haec  habui,  de 
senectiite  quae  dicerem).  temos  niuyto  que  andar  (H.  P.,  /, 
145).  daquella  Senhora,  que  não  teve  peccados  que  chorar 
(Vieira,  /,  849).  Não  tenho  já  que  esperar,  tenho  só  de 
que  chorar,  e  de  que  me  arrepender  (R.  da  Silva,  Moci- 
dade, 3,  315). 

De  quo  nos  nihil  amplius  habemus  qnod  dicere  (Jul. 
Capitol.,  Maxim,  duo,  no  coU.  Bambergense  e  no  Pala- 
tino). 

b)  Tem  o  verbo  no  conjunctivo  as  or.  introduzidas 
pelo  relativo  que  (e  cujo),  quando,  á  maneira  de  paren- 
these,  restringem  a  generalidade  d'um  asserto: 

neste  longo  período  nem  uma  voz,  que  eu  saiba,  se 
ergueu  para  dizer  que . .  (Herc.,  Op.,  II,  27).  Nas  cartas 
de  foral  dadas  por  Ordens  Militares  só  apparece,  que  sai- 
bamos, um  exemplo  de  se  estabelecer  percentagem  sobre  a 
venda  (G.  Barros,  III,  585). 

Em  latim:  quod  sciam,  quod  meminerimus ;  v.  Madv., 
§  364,  obs.  2.". 

c)  As  or.  relativas  de  quem  equivalente  a:  pessoa 
que,  pessoas  que,  tem  o  verbo  no  conjunctivo,  quando 
a  or.  subordinante  é  ha,  apparece,  ejicontra-se,  não  falta, 
ou  outra  expressão  semelhante: 

Muitas  leijs,  sem  haver  quem  as  guarde,  são  grandes 
livrarias  sem  leitores,  grandes  arcas  de  dinheiro  sem  gasto, 
e  boticas  de  drogas  sem  uso  (Bluteau,  Vocab.^  na  pai.  lei). 
Ha  quem  dê  por  falsa  a  historia  que  referimos  da  tomada 
de  Lamego' {Cast.  Q.  Hist.,  I,  65).  ha  quem  pense  que  a 
historia  serve  só  para  pasto  de  uma  curiosidade  van  (Herc, 
Op.,  II,  256). 


2t8 


Obs.    O  empregar-80  o  indicativo  é  irregularidade 


rara: 


houve  quem  louvou,  houve  quem  condennou,  e  houve 
quem  admirou  (Vieira,  /,  462).  ouve  quem  lhe  ouvio  dizer, 
que  averia  por  muito  hem  vinda  a  pwrte  (Sousa,  F.  do 
Are,  /,  6õ). 

Sunt  qui  Ha  dicuni  imperia  ejtis  . .  bárbaros  ncquivisse 
pati  (Sall.,  Cat.,  19). 

Obs.  O  conjunctivo  nas  or.  refativas  que  determi- 
nam um  superlativo  exclusivo,  6  prática  rara  que  per. 
tenco  ao  port.  archaico: 

A  pobreza  é  a  mays  ssegura  cousa  que  no  mundo 
sseja  (FabuL,  fab.  13). 

d)  As  or.  relativas  que  determinam  o  adjectivo 
pouco,  ainda  quando  indicam  uma  realidade,  podem  ter 
o  verbo  no  conjunctivo: 

Poucos  forão  os  Reinos  do  Oriente,  que  no  Governo 
de  D.  João  de  Castro  não  alterassem  aquelle  Estado  com 
diversos  movimentos  de  Guerra  (Freire,  2õõ). 

§  275.  Em  certas  orações  subordinadas,  na  desi- 
gnação do  futuro,  não  se  emprega  o  indicativo  (nem  o 
condicional),  mas  sim  o  conjunctivo;  assim  diz-se,  v.  g.: 
venho  quando  posso,  vim  quando  pude,  mas:  virei  quando 
puder  (em  francês:  quand  je  pourrai),  sairei  quando  elle 
tiver  chegado  (em  francês:  quand  il  será  arrivé)',  declarei 
que  sairia  quando  elle  tivesse  chegado  (em  francês:  quand 
il  serait  arrivé);  declarei  que  sairia  quando  pudesse  (em 
francês:  quand  je  pourr ais). 

As  orações  em  que  se  dá  esta  praxe,  são: 

1)  as  condicionaes  do  período  hypothetico  do  real 
(V.  §  264); 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  219 


2)  as  temporaes  de  quando,  emquantOj  depois  (pois) 
que,  como; 

3)  as  comparativas  que  exprimem  uma  simples  con- 
cepção ; 

4)  as  relativas  que  determinam  o  termo  para  que  o 
relativo  pertence: 

ca,  se  eu  seu  mandado  \  non  vir,  trisfe  coitado  \  serei 
(D.  Gil  Sanchez,  ap.  L.  de  Vasc,  Tx.  arcli.,  18).  Quem  po- 
derá do  mal  aparelhado  \  Livrar-se  sem  peiigo,  sabiamente 
I  Se  lá  de  cima  a  guarda  soberana  \  Não  acudir  á  fraca 
força  humana?  (Lus.,  II,  30).  . .  Como  a  luz  mostrar  por 
onde  I  Vá  sem  perigo  a  frota,  não  temendo,  \  Comprirá  sem 
receio  seu  mandado  (Lus.,  II,  õ).  depões  que  tiver  acabafLo 
com  ellas,  então  tomarey  esse  conselho  (Vieira,  I,  1106). 
Antes  de  David  entrar  no  desafio  com  o  Gigante  per- 
guntou, que  premio  se  havia  de  dar  a  quem  tirasse  do 
mundo  aquele  opprobio  de  Jsrael  (Vieira,  967).  enquanto 
Chrimhilde  reger  o  mosteiro  da  Virgem  Dolorosa,  nunca 
a  hospitalidade  será  refusada  nelle  ao  que  a  implorar 
(Herc,  Eur.,  135). 

Tempos  do  conjunctiro 

§  276.  No  conjunctivo,  o  tempo  designa-se,  em  geral, 
da  mesma  maneira  que  no  indicativo;  por  isso  nos  §§ 
seguintes  vae  dizer-se  unicamente  o  que  é  particular  do 
conjunctivo. 

§  277.  O  que  é  contemporâneo  da  acção  do  condi- 
cional empregado  em  or.  condicionadas  (§  264),  exprime- 
se  com  o  pret.  imperf. ;  o  que  lhe  é  anterior,  com  o  mais 
que  perfeito  e  também,  não  resultando  ambiguidade, 
com  o  prei  imperf.  V.  ex.^®  no  §  264. 

§  278.    O  conjunctivo  não  tem  pret.  perf.  def.,  mas 


rOIUCA   VOUTUaUESA 


só  pret.  indef.  (v.  g.:  elle  tem  estado  doente;  não  creio 
que  elle  tenha  estado  doente).  Esta  falta  é  supprida  pelo 
pret,  imperf.,  que  portanto  vem  a  corresponder  ao  indi- 
cativo, não  só  do  pret.  imperf.  senão  também  do  pret. 
perf.  definido  (v.  gr.:  elle  esteve  hontem  doente;  não 
creio  que  estivesse  hontem  doente  Q): 

E  como  o  amor  arcou  com  elle,  estando  com  as  mãos 
atadas,  que  muito  he,  que  prevalecesse  (Vieira,  IV,  383,  ap. 
Blut.).    7ião  houve  diligencias  que  não  fizésseis  (Id.,  7,  733). 

§  279.  a)  O  futuro  (imperfeito  e  perf.)^  do  conjun- 
ctivo  tem  lugar  unicamente  nas  or.  indicadas  no  §  275, 
e  só  como  futuro  relativo  ao  presente. 

Obs.     Não   resultando  ambiguidade,  pode  empre- 
gar-se  o  futuro  imperf.,  cm  lugar  do  fut.  perf.: 

Os  olhos  que  chorarem  na  terra,  rirão  no  Cêo  (Vieira, 
I,  892). 

b)  Nos  demais  casos  a  futuridade  é  designada  no 
conjunctivo  da  maneira  seguinte: 

1)  De  fut.  imperf.  do  presente  (§  258)  serve  o  pre- 
sente: Mando  que  saias  ainda  que  chova. 

2)  De  fut.  perf.  do  presente  (§  260)  serve  o  pret. 
perf.:  Mando  que  saias  ainda  que  tenha  chovido. 

3)  De  fut.  imperf.  do  pretérito  (§  258,  b)  serve  o 
pret.  imperf.:  Mandei  que  saisses  ainda  que  (se  não) 
chovesse. 

4)  De  fut.  perf.  do  pret.  (§  260,  b)  serve  o  pret. 
m-q-perf.:  mandei  que  saisses  ainda  que  (se  não)  tivesse 
chovido: 


(')  Empregar  o  pret.  perf.  do  conjunctivo  como  correspondeute  do  pret.  per- 
feito def.  do  indicativo  6  d'aquelle3  a  quem  as  praxes  da  lingoa  francesa  fazem 
esquecer  as  regras  da  syntaxe  portuguesa. 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  221 


Nisto  Phebo  nas  agoas  encerrou  \  Co  carro  de  crystal 
o  claro  dia,  \  Bando  cargo  d  Irmã,  que  alumiasse  \  O  largo 
mundo,  em  quanto  repousasse  (Las.,  I,  56).  Jeremias  Pro- 
feta verdadeyro  dizia,  que  se  sugeytassem  a  Nabucodono- 
sor, por  que  se  assi  o  não  fizessem,  havia  de  tornar  se- 
gunda vez  sobre  Jerusalém  (Vieira,  I,  656).  perdoamos  lhe 
a  nossa  Justiça . .  contanto  que  elle  paguasse  qujnhentos 
Reaaes  brancos  pêra  as  obras  do  moesteiro  de  santa  Orara 
da  Cidade  do  Porto  (Doe.  de  1439,  Docum.  das  Chancel. 
Reaes,  94). 

§  280.  Para  a  determinação  dos  tempos  do  con- 
junctivo  (e  do  indicativo)  em  or.  subordinadas  ao  pre- 
sente histórico,  este  é  tido  na  conta  de  presente;  todavia 
os  escriptores  do  periodo  arch.  médio,  mormente  os 
poetas,  também  o  consideram  pretérito,  imitando  a  syn- 
taxe  latina  fv.  Madv.,  §  382,  obs.  1.^): 

. .  manda  rogar  muito  que  saissem  \  Pera-que  de  seus 
reinos  se  servissem  {Lus.,  II,  76). 

Do  imperativo 

§  281.  o  imperativo  serve  de  exprimir  uma  ordem, 
preceito,  exhortação,  petição,  desejo,  permissão  e  uma 
concessão: 

Se  quereis  ver  o  futuro,  lede  as  historias,  e  olhae  para 
o  passado  (Vieira,  I,  122).  passeia,  caça,  monta  a  cavallo, 
faze  o  que  quizeres  (Garrett,  Viag.,  107).  exhala  em  in- 
jurias a  tua  dôr  orgulhosa :  sê,  até,  blasphema ;  irias  não 
digas  que  detestas  Abdelaziz  (Herc,  Eur.,  201).  Se  vindes 
ferido,  \  Vinde  muito  embora;  \  Porque  a  minha  porta  \  Não 
se  abre  agora  {Romanceiro  Geral,  pag.  147). 

Não  se  emprega  em  orações  negativas;  é  substituido 
então  pelo  presente  do  conjunctivo. 


222  8YNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


Do  infinitivo 

§  282.  a)  Primeiramente  o  infinito  pode  significar 
a  acção  de  modo  inteiramente  geral,  sem  referencia  a 
nenhum  determinado  sujeito: 

Grande  mal  he  não  sarar  com  os  remédios :  mas  adoe- 
cer dos  remédios  ainda  he  mal  matjor  (Vieira,  /,  õõl).  E 
ver  as  cousas  como  são,  isso  he  ver:  mas  velas,  como  não 
são,  não  he  ver,  he  estar  cego  (Id.,  />  648  e  649). 

Bane  sentire  redeque  facere  saiis  est  ad  bene  bealeque 
vivendmn  (Cie,  ad  fam.,  6,  1,  3). 

Era  segundo  lugar  pode: 

1)  não  ter  sujeito  próprio,  mas  comtudo  rcferir-se 
a  uma  pessoa  ou  cousa  expressamente  indicada: 

Conseguio  [M.  P.  Catão],  como  refere  Plínio,  que  nin- 
guém no  seu  Consulado  se  atreveo  a  lhe  pedir  cousa,  que 
não  fosse  justa  (Vieira,  II,  104). 

Sócrates  qni  parens  philosophiac  jure  dici  potest  (Cic, 
fin.,  2,  1). 

2)  ter  sujeito  próprio,  claro  ou  subentendido: 
He  certo  ser  a  fortuna  vidrenta  (Atclegr.,  1,5). 

Representa  as  or.  infinitivas  do  latim,  v.  g.:  Diciitir 
eo  tempore  matrem  Pausaniae  vixisse  (Nep.,  Paus.,  5). 

Em  terceiro  lugar  pode  (no  presente)  ser  substan- 
tivado: 

Este  não  achar  hfm  alma  fora  de  Deos  cousa  em  que 
se  possa  empregar  mostra  o  quam  cativa  e  rendida  lhe  está 
(Ceita,  253  v.).  Que  mudanças  traz  o  rodear  dos  annos 
(Sousa,  V.  do  Are,  223,  cl.  2,  ap.  Blut.).  ás  vezes  pode  jnais, 
que  a  força  grave  j  Hum  pedir  brando^  e  hum  rogar  suave 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  223 


(Ulyss.,  I,  47).  Era  solemne  e  tremendo  o  espectáculo  que 
apresentava  a  gruta  naquelle  alçar  repentino  de  tantos  ho- 
mens (Herc,  Eur.,  183).  Se  és  o  anjo  que  preside  ao  fado 
da  Hespa?iha,  mais  submisso  ainda  será  o  nosso  obedecer 
(Id.  ibid.,  188).  Em  breve,  não  se  ouviu  nas  tendas  do  Is- 
Iam  mais  que  o  respirar  lento  de  tantos  milhares  dliomens 
adormecidos  nos  braços  do  gozo  (Id.  ibid.,  193).  através 
das  telas  mal  vindas  de  uma  tenda . .  ouve-se  o  rir  alegre, 
o  altercar,  tinir  argentino  das  taças  (Id.  ibid,,  194). 

Um  pequeno  numero  de  infinitivos  substantivados 
podem  ter  plural:  ter  dares  e  tomares  com  alguém. 

Em  latim  podem  ligar-se  adjectivamente  pron.  de- 
monstrativos ao  infinitivo  (quando  sujeito):  Quibusdam 
totum  hoc  displicet  philosophari  (Cie,  fin.,  1,  1).  Ipsum 
[em  si]  perire  non  esí  magnum  (Sen.,  tiat.  quaest.,  6,  32). 

Um  dos  factos  mais  notáveis  relativos  á  syntaxe  do 
infinitivo,  nas  lingoas  românicas,  é  a  construcção  de  pre- 
posições com  o  infinitivo.  Semelhante  prática  em  latim 
só  se  dá  com  interest  (  =  ha  differença)  v.  g. :  Aristo  et 
Pyrrho  inter  ojHime  valera  et  gravissime  aegrotare  nihil 
prorsus  dicebant  interesse  (Cie,  de  fin.,  2,  13;  Madv., 
§  391,  obs.).  (Em  nil—praeter  plorare  [Hor.,  Sat.,  2,  5,  69], 
praeter  está  adverbialmente,  por  praeterquam,  do  mesmo 
modo  que  em  ceterae  mulitudini — praeter  [excepto]  reruni 
capitalium  damnatis  [SalL,  Cat.,  36].  Em  port.  as  pre- 
posições construem-se  não  só  com  o  simples  infinitivo, 
senão  até  com  or.  infinitivas  (v.  g.:  por  tu  saberes).  A 
construcção  de  preposições  com  o  infinitivo  tornou-se 
tão  familiar,  que,  em  português,  e  em  outras  lingoas  ro- 
mânicas (v.  M.  Lúbke,  §  340),  chegam  a  antepôr-se  a 
infinitivos    que   exercitam   as   funções  de  sujeito,   facto 


224  SYNTAXK   HISTORIO  A    POKTUQUESA 


de  que  não  se  deu  ainda  explicação  satisfatória.  Do  em- 
preg;o  de  preposivõos  com  o  infinitivo  no  baixo  latim 
cita  Diez  (Gr.,  Syiit.,  IV,  8,  2)  textos  que  ascendem  ás  pri- 
meiras décadas  do  sec.  viii. 

§  283.  a)  O  infinitivo  emprega-se  como  sujeito  (so- 
bretudo de  verbos  intiansitivos  e  passivos),  nome  predi- 
cativo, apposto,  segundo  teimo  da  comparação,  e  depois 
das  particulas  exoeptivas: 

acomteçeo  huum  noviço  partirsse  da  ordem  de  noite  (Mil. 
de  SJ"  Ant.",  16).  Resistir  graves  x)ciixões  \  vem  de  esforço 
e  imlentia  (Bern  Ribeiro,  écloga  I).  He  cousa  maravilhosa 
hHa  dona  tnm  hella  como  a  verdade  parir  hu  filho  tão  feo 
como  o  ódio  [Veritas  odium  paritj  (H.  P.,  /,  111).  O  pre- 
gar é  entrar  em  batalha  com  os  vicios  (Vieira,  7,  53).  Vir 
mais  tardia  a  noite,  a  aurora  vir  tnais  cedo,  que  me  apro- 
veita ?  (Cast.,  Chave,  102).  Seos  viços  e  prazeres  som  does- 
tar e  morar  com  os  ffilhos  dos  homêes  (Castello  perigoso, 
ap.  L.  de  Vasc,  Tex.  arch,,  37).  a  summa  nobreza  acerca 
de  Deos  he  ser  claro  em  virtudes  (H.  P.,  /,  139,  139  v.). 
Ca  isto  só  ba^ta  pêra  fugir  do  mundo,  serem  os  homens 
julgados  pelos  homens  (H.  P.,  I,  326).  Nom  ha  em  o  mun- 
do cousa  mais  doce  que  teer  amigo  com  que  homem  ouse  de 
f aliar  todallas  cousas  assy  como  consigo  (V.  Bemf.,  93). 
render  vontades  endurecidas  he  mais  que  render  brutos 
(M.  Bernardes,  Pão  partido,  II,  §  7).  Ainda  que  a  paz 
nam  tivera  outro  bem,  senam  ser  couto  e  habitaçam  das 
musas,  este  era  assaz  (H.  P.,  Prologo). 

Obs.  !•]  piopriMmontc  como  sujeito  de  um  partícipio 
absoluto  CjUH  o  iiifliiitt^  so  junta  a  não  obstante,  visto,  etc. 

apud  quou  frei'snsj  snmma  latis  esset  forliter  fienari 
(Nep.,  Alcib.,  II).  Non  cuiris  homhii  continyit  adirc  Corin- 
Ihum  (Hor.,  Epid.,  I,  17,  36)  quos  omnis  eadem  cupere, 
eadein  adisse,  eadem  mcluere  in  ununi  coegit  (Sall.,  Juy.,  3i). 


I 


SYNTAXE  HISTOItlCA  PORTUGUESA  225 


b)  No  port.  arch.  médio  este  infinitivo  é  ás  vezes 
precedido  da  prep.  de: 

nõ  era  cousa  convinhavil  de  tu  morreres  agora  (Bar- 
laão,  4o). 

Antepõe-se-lhe  a  prepos.  a  na  loc.  convém  a  saber,  e 
com  o  verbo  ciisíar=^SQT  difficil: 

Convém  a  ssaber  {Direito  Consuetudinário  Municipal^ 
ap.  L.  de  Vasconc,  Tex.  arch.,  29). 

§  284.  Aos  verbos  que  suppõem  outra  acção  do 
mesmo  sujeito,  junta -se  um  simples  infinitivo  que  designa 
esta  acção  (ora  sem  preposição,  ora  com  de  ou  a  ou  em). 
Assim  construem-se  com  infinitivo : 

1)    sem  preposição : 

parecer,  poder,  querer;  costumar,  soer,  saber  (fazer 
uma  cousa),  ousar,  (arch.  médio)  ser  ousado  [=  ousar]; 
tencionar,  propor-se  {fazer  algo);  ser  servido,  servir-se; 
(arch.)  punhar  : 

-'  Os  Portugueses  sabem  melhor  pelejar  que  grangear 
antiguidades  (Castanh.,  cap.  38).  Podem-se  pôr  em  longo 
esquecimento  \  As  cruezas  mortais  que  Roma  vio  (Liis., 
IV,  6).  E  a  pobreza  dos  mesteres  \  Que  nem  faltar  são  ou- 
sados [=ousão]  1  Diante  os  mores  poderes  (Sá  de  ]\Iir., 
sat.  I,  61,  ap.  Blut.j.  Não  ha  quem  resistir  de  alguma  sorte 
i  Ao  furor  dos  Troyanos  seja  ousado  (Eneida  Portug., 
11,  213).  nem  menos  seja  ousado  sair  da  obediência  do 
Papa  (Diego  Aff.,  176,  277).  as  crianças  nam  sabem  enco- 
brir segredo  (Id.,  295).  Quem  semèa  misturas,  mal  pode 
colher  trigo  (Vieira,  /,  66).  ouçamos  aquelle  engenho  [Oví- 
dio] que  melhor  que  todos  soube  exprimir  os  affectos  da 
dor,  e  da  natureza  (Id.  ibid.,  877,  878).  Valera  entendia 
que  se  deviam  exigir  outras  condições  mais  (G.  Barros, 
Historia,  I,  154). 


15 


226  SYNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUESA 


Obs.  Parecer  construe-se  ou  pessoalmente  com  o 
simples  infinitivo  {parecem  ter  razão),  ou  impessoal- 
mente com  uma  or.  infinitiva  (parece  terem  razão),  ou 
com  uma  or.  de  que  (parece  que  tem  razão).  Juntando  as 
duas  construções,  Camões  disso  :  Os  cabellos  . .  |  bem  pa- 
recem I  Que  nunca  brando  pêtUem  conhecerão,  Lus.,  VI,  17). 

2)  sem  prep.  ou  com  de: 
dever,  dignar-se;  desejar. 

3)  com  de: 

acertar;  acabar,  cessar  e  synon.;  deixar,  deixar-se; 
lembrar-se,  esquecer-se  e  synon.;  haver,  ter,  (arch.)  ser 
teúdo  (anteriormente  têúdo)  (  =  ter  obrigação  de)  e  os 
verbos  que  também  se  podem  construir  com  um  nome 
abstracto  regido  da  prepos.  de,  v.  g.:  arrepender-se: 

he  hum  senhor  que  todos  somos  teudos  de  servir  {F em. 
Lopes,  D.  João  I,  115).  os  que  eram  indispensáveis  para 
não  deixarem  de  se  rezar  os  officios  divinos  (Gama  Bar- 
ros, Historia,  I,  171).  • 

4)  com  a: 

antecipar-se;  apressar-se;  começar,  entrar  (  =  come- 
çar); pôr-se,  (arch.)  filhar-se;  continuar;  tornar;  valer; 
atrever-se;  chegar;  aprender: 

filharõ-ss'a  chorar  [=puserão-se  a  chorar]  (João 
Servando,  Vat.,  736).  O  conde  de  Septum  não  tardava  a 
vir  ajuntar-se  com  Tarik  (Herc,  Eur.,  88). 

5)  com  em: 

hesitar;  insistir,  teimar: 

não  hesitou  em  acompanhar  o  seu  audaz  e  mysterioso 
salvador  (Herc,  Eur.,  209). 

6)  com  em  ou  com  a: 
tardar. 

No  port.  arch.  médio  dizia-se  também: 
1)    sem  preposição: 


SYNTAXE  HISTÓRICA   POKTUGUESA  227 


começar,  atrevet^-se  (também,  mas  raras  vezes,  no 
port.  moderno): 

e  começou  per  aravigo  perguntar  que  gente  era  e  o 
que  buscavão  (Barros,  /,  4,  3).  lhe  começou  responder 
(Bern.  Ribeiro,  écloga  2) .  (comecei  falar  latim  (H.  P.,  J, 
298).    airevo-me  eu  descobrir  (Ceita,  18  v.). 

2)  com  de: 

entrar  (  =  começar),  começar  (ambos  estes  também 
raras  vezes  no  port.  moderno);  ousar,  punhar,  atrever-se: 

Sempr'eu  punhey  de  servir  mha  senhor  (Vasco  Peres, 
Yat.  58).  Começarom  todas  de  fugir  (Fabul.,  fabul.  57). 
. .  em  todos  aquelles  treze  Mouros  fdo  zambucoj,  não  avia 
algum  que  se  atrevesse  de  o  levar  á  índia  (Barros,  7,  4,  5). 
nem  ousam  ainda  de  atravessar  (H.  P.,  /,  85).  Começão  de 
enxergar  subitamente  \  Por  entre  vei-des  ramos  varias  co- 
res (Lus.,  IX,  68). 

3)  com  a: 

ousar,  soer,  ser  ousado;  dever ;  ser  teúdo ;  desejar: 
mais  nom  ous'oj'eu  comvosc'a  falar  (Lang.,  88).  no 
[leia-se  nõj  odevedes  a  desemparar  (Pae  Gomez,  Vat., 
430).  deseja  a  morrer  (João  Ayras  de  Santiago,.  Vat., 
537).  tenpo  em  que  o  devem  a  filhar  (Gir.,  Alv.,  2).  so- 
mos theudos  a  servir  nossos  padres  em  três  modos  {V. 
Bemf.  112).  soia  elle  a  dizer  (H.  P.,  I,  345  v.).  ousar ey 
a  dizer  (Corte  na  Aldeia,  134  ap.  Blut.).  També  ouso  a  di- 
zer (D.  Franc.  Man.  de  Melo,  Epan.,  5). 

4)  com  em: 
assentar : 

Assentou  em  desabrir  mão  de  mim  pêra  nunca  mays 
(Aulegrafia,  1,  8). 


Salvo    o  emprego  de  prepos.,  o  port.  continua  a 
praxe  do  latim :  possutn  scire.  soles  dicere.  bello  exercitati 


228  SYNTAXE   HISTÓRICA   POUTUGCK8A 


esse  dcbenl.  ille  . .  non  cessai  de  nobis  delraherc. — ut  aegre . . 
evadere  in  palalium  valiieril  (Suet.,  Cland.,  19). 

§  285.  Na  qualidade  de  compl.  directo,  liga-so  o 
infinitivo : 

1)  em  geral,  aos  verbos  áensitivos  o  declarativos: 
E  declarou  serem  vãas  e  nehúas  as  ditas  sentenças 

(F.  Bemf.,  58).  Por  patamares,  que  são  grandes  cami- 
nheiros de  terras,  tinha  já  sabido  serem  mortas  mais  de 
trezentas  pessoas  (Barros,  1,  142,  cl.  3,  ap.  Blut.). 

Diz-se  porem: 

«espero  fazer  algo;  que  outrem  faça  algo;  prometo, 
juro,  fazer,  ou,  que  farei  algo;  que  outrem  fará  algo; 
ameaço,  fazer  algo». 

Desesperar  fazer  alga  está  fora  de  uso: 

A  que  ver  fim  ditoso  desespero  (M.  conquistada,  6, 
89,  ap,  Blut.). 

duceiúis  Philippis . .  quos  dare  promisi  milUi  (Plaut., 
Bacch.,  4,  8,  78-79).  promisil  regem  renenis  necare  (A. 
Gellio,  3,  8).  juranml  inter  se  bárbaros  necare  omnes 
(Catão,  ap.  Plinio,  n.  hisl.,  29,  14). 

Comprehendem-se  nesta  regra  os  verbos  de  julgar  e 
declarar,  que  se  construem  com  n.  predicativo  {ou  equi- 
valente do  n.  predicativo,  v.  g.:  ha  ver  por  bem)  do 
compl.  directo,  e  também  haver  mister: 

. .  lhe  pedia  ouvesse  por  bem  de  sair  em  terra  (Barros, 
7,  4,6).  Que  mister  ha  dizer  muytas  cousas  (Góes,  C.  M., 
105). 

Mori  nemo  sapiens  miserum  duxit  (Cie,  divin.,  6,  3). 
Hieronymus  dolorc  vacare  summum  bouum  dixit  (Id.,  Tusc, 
2,  6). 

2)  aos  verbos  que  exprimem  sentimentos  e  mani- 


SYNTAXK  HISTOniCA  PORTUGUESA  229 


festação   de  sentimentos,  approvação  e  desapprovação : 
admirar,   estranhar,   sentir,   lastimar,   levar  a  maly 
temer,  recear,  etc. 

ut  otnnes  admirarenhir  in  uno  homine  iantam  esse  diê- 
similUudincm  (Xep.,  Alcib.,  1). 

3)  aos  verbos  de  obter;  diligenciar;  evitar;  deter- 
minar; ajustar  e  prezar: 

Vendo  Egas  que  ficava  fementido,  \  O  que  d'elle  Cos- 
tella  não  cuidava,  \  Determina  de  dar  a  doce  vida  |  A 
troco  da  palavra  mal  comprida  (Lus.,  III,  37). 

4)  aos  verbos  antes  querer,  preferir,  desejar,  abor- 
recer, merecer,  referindo-se  as  duas  acções  ao  mesmo  su- 
jeito: 

. .  antes  querem  ao  mar  aventurar-se  j  Que  nas  mãos 
inimigas  entregar-se  (Lus.,  u,  26).  Quantos  mais  são  os 
degráos,  mais  deseja  de  achar  um  mainel,  em  que  des- 
cance  (C.  de  Guia  de  Casados,  4,  ap.  Blut.). 

5)  aos  verbos  conceder,  consentir,  tolerar;  prohibir, 
impedir  e  synon.: 

Porque  razão  lhe  impede  e  lhe  differe  \  A  fazenda 
trazer  de  Portugal  ?   (Lus.,  viu,  82). 

serv^is  quoqtie  pueros  hujtis  aelaíis  verberare  concedimus 
(Qu.  Cure,  8,  8).  ridentem  dicere  verum  \  qiiid  veiai  ?  (Hor., 
sat.  I,  1,  24-2Õ). 

Sobre  o  verbo  deixar,  v.  §  289,  a. 

6)  ao  verbo  aconselhar,  e  aos  de  significação  seme- 
lhante: 

7)  ás  loc.  ter  por  origem,  ter  por  consequência,  dar 
em  resultado;  ter  por  officio;  ter  por  galardão;  pôr  no 
numero  das  venturas,  e  locuções  semelhantes: 


8YNTAXE  HISTÓRICA   POKTUGUESA 


7i6s  que  temos  por  officio  vigiar  (Vieira,  /,  667). 

Obs.  o  emprego  de  uma  or.  de  que  portenco  quasi 
exclusivamente  ao  port.  archaico. 

Beaii  vivcre  ciHi  in  alio,  Epicunis  in  voluptate  ponií 
(Ciro.,  de  fin.,  2,27). 


8)  ao  verbo  impessoal  (não)  haver,  quando  equi- 
vale a:  (não)  ser  possível  (conseguir  algo),  e  (oonstruc- 
ção  rara),  quando  liaver  é  empregado  na  accepção  usual ; 
e  a  não  haver  senão  =  não  se  poder  fazer  outra  coisa, 
não  haver  outro  remédio,  senão: 

Aqui  não  ha  senão  dar  um  ponto  na  boca  (Vieira, 

»S.  de  SJ"  Cath.,  6).    Era  uma  co7isideração  a  que  não 

havia  resistir  (Herc,  Monge,  2,  327).    Se  não  houver  a 

sentir  frios,  acabaram  [=acabariamj  os  alfaiates  (Prov.). 

9)    aos  verbos  agradecer,  perdoar. 

10)     a  ajuntar  e  synonymos. 

Observação  a  esle  §.  Depois  da  maior  parto  d'este8 
verbos,  pode  antepôr-se  ao  infinitivo  a  prepos,  de,  mas 
tal  pratica  é  pouco  usual  no  port.  moderno. 


§  286.  Liga-se  um  simples  infinitivo  a  não  fazer 
senão,  ouanao  se  declara  a  única  acção  que  se  pratica: 

não  fazeis  mays  que  trazè-la  [a  gente  de  guerra]  ao 
talho  (Memorial  das  proezas,  1,  29). 

§  287.  Com  antes  ou  mais  depressa — que  ou  do  que, 
pode  no  segundo  termo  empregar-se  o  infinitivo,  em  vez 
do  modo  em  que  o  verbo  está  no  primeiro  termo: 

O  cobiçoso  e  avaro  antes  perderá  a  vida,  que  resga- 
talla  com  o  ouro  a  que  quer  mais  que  a  rUa  (Lobo, 
Corte  na  Aid.,  6,  133,  ap.  Blut.). 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  231 


§  288.  Ao  verbo  ensinar,  e  aos  de  acostumar,  liga- 
se  um  simples  infinitivo  precedido  da  prepos.  a  attri- 
buido  ao  compL  directo  d'aquelles  verbos: 

fez  enssynar  suas  filhas  a  fiar,  e  a  tecer  {V.  Bemf., 
124). 

Obs.  No  port.  arch.  médio,  depois  de  ensinar,  tam- 
bém não  se  empregava  a  prepos.  a : 

quero  emssinar  a  todos  e  a  todas  fundar  de  seos  co- 
raçoões  huu  castello  {Castello  Perigoso,  ap.  L.  de  Vasconc, 
T.  arch.,  36).  estes  lugares  que  alleguey  não  somente  nos 
ensinam  lemhrarmo-nos  da  morte,  mas  ainda  desprezar- 
mos o  mundo  (H.  P.,  I,  432). 

§  289.  a)  Aos  verbos  deixar  (ou  leixar  arch.),  man- 
dar, fazer  (causar,  arch.),  liga-se  um  simples  infinitivo 
attribuido  ao  compl.  directo  d'aquelles  verbos: 

. .  acabar  Bido  seus  dias  \  Com  teus  enganos  causaste 
(João  Roiz  de  Saa,  Canc.  G."^  406).  fariam  chover  sobre 
os  infiéis  as  armas  de  arremesso  (Herc,  Eur.,  273). 
Quando  o  Senhor  envia  j  O  trovador  ao  inundo,  \  Faz  de- 
vorar a  essa  alma  \  Fel  amargoso  e  immundo  (Herc., 
Paes.,  215). 

A  construcção  activa  mando  alguém  fazer  mna  coisa 
corresponde  a  passiva  alguém  é  mandado  fazer  uma  cousa: 

E  depois  da  Beata  Varonica  ver  indo  isto,  foi  mãda- 
da  deixar  aquelle  lugar  (Alma  instruida,  1,  351). 

Obs.  1."  Diz-so  também  deixar,  mandar,  que  alguém 
faça  uma  cousa,  e  mandar  a  alguém  que  faça  uma  cousa, 

fazer  na  accepção  de:  «diligenciar  e  conseguir  que 
uma  cousa  aconteça »,  e  na  de :  «  dar  em  resultado  acon- 
tecer uma  cousa»  construe-se  com  uma  or.  infinitiva 
ou  introduzida  por  que,  ou  com  que: 


232  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


fizera  com  que  lhe  ccdesscvi  voluntariamente  o  mando 
supremo  os  mais  velhos  e  experimeniados  guerreiros  (Herc, 
Eur.,  272). 

01)8.  2."  Depois  d'este8  três  verbos  o  infinitivo  activo 
podo  ser  tomado  em  sentido  passivo,  e  neste  caso  o 
agente  da  acção  do  infinitivo  é  designado  pela  prepos. 
por  ou  de: 

D.  João  de  Castro,  sem  deixar-se  vencer  do  amor  do 
filho,  nem  dos  medos  do  tempo,  resolveo  enviar  o  soccorro 
(Freire,  133).  não  a  quereis  deixar  ver  de  alguém  (Ceita, 
2912).  foy  forçado  . .  inandarem-se  fazer  as  carias  poios 
Secretários  (Sousa,  V.  do  Are,  1,  523). 

b)  A  mesma  construcção  tem  os  verbos  ver,  ouvir, 
sentir  e  (no  port.  arch.)  achar: 

. .  entre  os  dentes  se  sentião  \  Ranger  os  duros  ossos 
( Ulyss.,  III,  69).  Ao  expirar,  foi  vista  sair-lhe  pela 
boca  uma  formosíssima  rosa  (Man.  Bernardes.  N.  Flor, 
2,  279,  ap.  Barreto,  pg.  212). 

Obs.  E'  obvio  que,  com  sentido  differente,  ver  e 
ouvir  (=ouvir  dizer)  se  construem  com  uma  or.  de  que 
ou  infinitiva. 

Observação  a  csle  §.  Em  vez  de  ligar-se  um  compl. 
directo  aos  verbos  mandar,  deixar,  fazer,  ver,  ouvir,  sen- 
tir, acompanliados  de  um  infinito  attribuido  a  esse 
complemento  (v.  g.:  mandei-o  ler  a  corta),  pode,  no  caso 
do  infinitivo  trazer  compl.  direto  (que  não  seja  pron.  pes- 
soal), ligar-se-lhes  um  compl.  indirecto  {mandei-lhe  ler  a 
carta),  vindo  assim  o  infinitivo  a  servir  de  compl.  dire- 
cto. (Tal  construcção  pode  ás  vezes  causar  ambigui- 
dade) : 

O  snr.  Visconde  faz-lhe  dizer  uma  cousa  que  ella  não 
diz  (Herc.,  Cos.  Civ.,  33).    seja-me  licito  por  emquanto  sus- 


SYNTAXE   HISTÓRICA   POUTUGUESA  233 


peitar  que  fiz  fazer  um  progresso  d  historia  da  Península 
(Id.,  Op.,  Ill,  259).  fui  o  primeiro  que  tentei^fazer  sentir 
aos  escriptores  hespanhoes  a  importância . .  (Id.  ib,,  288). 

§  290.  Eraprega-se  o  infinito  precedido  da  prepos. 
de  com  os  verbos  prezar-se,  gahar-se,  e  os  synon.  d'estes: 

Nas  forças,  e  valor  cada  hum  se  preza  |  De  ser  maior 
que  o  mesmo  Deos  da  Guerra  (Ulyss.^  VI,  43). 

§  291.  É  rara  a  construcção:  ^  estar  em  fazer  uma 
coiísa  =  est?ir  para,  pensar  em  fazer  algo» : 

esteve  em  se  meter  no  meo  (Bern.  Ribeiro,  Meu.,  31). 

§  292.  O  simples  infinitivo  (sem  prepos.)  liga -se, 
exprimindo  fira,  aos  verbos  ir,  vir,  acudir,  correr  (port. 
arcií.  médio). 

Non  nos  aul  ferro  Libycos  populare  Penates  \  venimus.. 
(Verg.,  Ae7i.,  I,  527-8).  venit  a  finibiis  terrae  audire  Salo- 
monem  (Siilp.  Sev.,  Dial.,  II,  6). 

Depois  d'estes  verbos  também  se  emprega  a  prepos. 
a,  e  com  os  mais  verbos  de  movimento  sempre  se  em- 
prega : 

Ho  corvo . .  foy-sse  a  buscar  e  achou  muylas  penas  de 
pãaos  [=pavõesj  (Fabul.,  fab.  12).  Conhecendo  o  muyto 
que  padece,  venho  a  libertá-lo  (Vieira,  I,  684).  Cheguei  a 
Sam  Bernardino,  porto  onde  venho  a  reparar-nie  dos 
meus  naufrágios.     (Chagas,  Cartas  esp.,  231). 

Depois  de  ir  e  vir  põe-se  precedido  da  prepos.  a  o 
infinitivo  em  sentido  (apparentemente)  passivo: 

Cala-te,  filha  traidora,  \  Não  te  queiras  deshonrar,  \ 
Antes  que  o  dia  amanheça  \  Vê-lo-has  ir  a  degolar  (Garrett, 
Romanceiro,  III,  20,  ap.  J.  Moreira,  Est.,  II,  18). 

Também  exprime  fim  o  infinitivo  dizer,  depois  de 
mandar  e  (no  port.  arch.  médio)  enviar: 

por  que  m^envyou  dizer  (Gonçalo  Eanes  de  Vinhal, 


234  SYNTAXE  HISTOniCA  POUTOOURSA 


VaL,  307).  Oulrossi  dAllegrete  . .  lhe  emviaram  dizer  que 
mandasse  rreçeher  aquell  logar  pêra  o  Mestre  (F.  Lopes, 
162). 

§  293.  a)  Servindo  de  exprimir  fim,  liga-se  o  sim- 
ples infinitivo  precedido  da  prepos.  a: 

1)  ao  verbo  dar,  para  designar  a  acção  que  o 
compl,  indirecto  ha-de  praticar:  dar  a  alguém  algo  a 
beber. 

2)  aos  verbos  levar  e  ter,  trazer,  ajudar,  etc. 

3)  ao  verbo  pôr,  para  designar  a  acção  que  o 
compl.  directo  ha-de  praticar  (v.  g.:  pôr  os  filhos  a  es- 
tudar), ou  de  que  ha-de  ser  objecto: 

Vairão  era  de  antigos  tempos  uma  das  casas  religio- 
sas . .  uma  das  poucas  em  que  as  famílias  piedosas  e  dis- 
cretas punham  confiadamente  suas  filhas  a  educar  (Cast., 
Chave,  71). 

b)  Também  servem  de  exprimir  fim,  precedidos  da 
prepos.  de,  os  infinitivos  comer,  beber,  almoçar,  vestir, 
calçar,  etc,  ligados  aos  verbos  buscar,  pedir,  querer, 
dar,  pôr,  trazer,  levar,  fazer,  preparar,  comprar  e  syno- 
nymos.  (Estes  verbos  empregam-se  iutransitivamente  ou 
então  com  um  compl.  de  significação  geral,  como  algumu 
cousa,  nada,  muito,  pouco): 

dá-me  de  comer  e  de  beber  quanto  me  faz  mester. 
(FabuL,  fab.  40).  do  Arcebispo  que  lhes  mandou  dar  de 
cear  (Diego  Aff.,  75).  .  .  Vou  comprar  |  de  cear  pêra  meu 
amo  (Prestes,  177).  Chegado  Chrisfo  á  fonte  de  Sichar, 
mandou  todos  os  Apóstolos  que  fossem  á  Cidade  buscar 
de  comer  (Vieira,  /,  837).  mandou  Christo  d  Cidade  os 
Apóstolos . .  para  trazer  de  comer  (lá.  ibid.V 

Em  Intim  diz-so  do  alicui  bibere  (dou  de  beber  a  al- 
guém) (Ter.,  Audr.,  3,  2,  4;  T.  Liv.,  40,  47). 


SYXTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  235 


§  294.  Emprega-se  qualificativamente  o  infinitivo 
precedido  da  prepos.  de: 

1)  servindo  de  exprimir,  ligado  a  substantivos,  a 
destinação:  casa  de  jantar,  criado  de  servir: 

Tambê  hay  nesta  cidade  dons  fornos  de  fazer  vidro 
(Ms.  da  Bibl.  de  Lx.^-^  de  1552,  11  v.). 

2)  em  sentido  consecutivo,  para  exprimir  o  effeito 
que  a  natureza  de  uma  pessoa  ou  cousa  é  capaz  de  pro- 
duzir: fructos  de  enlevar  olhos. 

3)  equivalendo  a  um  adjectivo  em  -vel,  como  attri- 
buto  ou  n.  predicativo:  acção  muito  de  louvar,  ser  menos 
de  temer. 

§  295.  Aos  adjectivos  fácil,  difficil,  bom,  máo,  duro, 
áspero,  raro,  e  outros  de  significação  semelhante,  e  a 
longo,  gostoso,  iiga-se  o  simples  infinitivo  precedido  da 
prepos.  de  em  sentido  limitativo  (v.  §  169)  e,  apparente- 
mente,  passivo:  pessoa  má  de  aturar: 

leve  lhe  foy  isto  de  creer  (Bern.  Ribeiro,  Men.,  9).  fa- 
çanhas ásperas  de  cometer  (H.  P.,  I,  140).  Antigualhas 
gostosas  de  ver  (Id.,  1,  288  v.).  sam  ellas  longas  de  contar 
(Id.,  I,  290).  Resões  que  seriam  largas  de  contar  (Espe-' 
lho  de  Casados,  18  v.).  Cousa  medonha  de  ver,  e  em  todo 
o  tempo  lastimosa  de  contar  (Hist.  Trag.  mariiima,  M.  de 
Perestrello,  59).  Não  ha  cabeças  mais  duras  de  penetrar 
e  converter  que  as  coroadas  (Vieira,  S.  de  S.'^  Cath.,  S). 
desconterdadiço  e  máo  de  servir  (Sousa,  Hist.  de  S.  Do- 
mingos, 2,  f.  2,  ap.  Blat.).  difficiddades  miiylo  duras  de 
vencer  (Id.,  I,  417). 

Em  latim:  cqrrtanpi  facilis  (Tácito,  hist.,  4,  39). 

§  296.  O  simples  infinitivo  precedido  de  em  junta- 
se  a  fazer  bem,  acidar  mal,  e  locuções  de  sentido  seme- 
lhante : 


236  SYNTAXE  HISTÓRICA  POUTUOCESA 


Em  vos  dar  conta  de  mym  \  nam  erro,  mas  faço  bem 
(Manuel  de  Goyos,  Canc.  G."',  III,  545).  grande  parvoíce 
fiz  I  em  me  casar  (Prestes,  414).  fazeis  mal  em  não  per- 
doar (Man.  Bernardes,  Pão  Partido,  2,  §  8). 

Obs.    K  pouco  vulgar  o  emprego  da  prepos.  de  de- 
pois d'estcs  verbos  o  locuções: 

vos  fariees  bem  de  vos  hir  todos  pêra  o  Meestre  (Fern. 
Lopes,  D.  João  I,  130).  fazem  bem  de  não  descer  (Ceita, 
190). 

§  297.  a)  Exprime  fim  o  infinito  precedido  de  por, 
depois  de  esforçar-se,  e  os  outros  verbos  de  significação 
semelhante: 

trabalhava  polia  cõsollar  (Bern.  Ribeiro,  Men.,  53). 

b)  No  port.  arch.  médio  era  frequentissimo  o  em- 
prego da  prepos.  por  com  infinitivo,  para  designar,  como 
complemento  geral,  o  fim  (na  qualidade  de  synonimo  de 
para);  no  porl.  moderno  pode  dizer-se  que  tal  emprego 
só  se  dá  em  por  assim  dizer,  e  locuções  semelhantes. 

por  me  servir  de  uma  phrase  do  padre  .  .  (Herc,  Op. 
III,  13). 

Obs.    É  pouco  vulgar  o  emprego  da  prepos.  de  de- 
pois d'estes  verbos: 

trabalha  de  se  soltar  (Duarte  de  Brito,  Ca}ic.  G."', 
/,  296). 

§  298.    São  de  notar  as  três  construcções  seguintes: 

a)  ha  muito  que  fazer,  onde  que  ô  compl.  directo 
de  fazer. 

b)  não  ha  que  duvidar,  onde  que  6  conj.  causal: 
não  ha  que  fazer  caso  de  hfia  dirivação  que  anda-  tio 

povo  do  nome  de  Viena  (Sousa,  V.  do  Are,  I,  158). 


SYNTAXE   IIISTOIUCA   PORTUGUESA  237 


V.  Madv.   §  372,  b,  o,  6:     Non  est  qiiod  invideas  isiis, 
qitos  magnos  felicesqiie  populus  vocat  (Sen.,  Ep,,  94). 

c)  nisso  pouco  ha  que  duvidar,  onde  que  é  pron. 
relativo,  e  ó  determinação  (aceusativo),  da  amplitude  da 
acção  (v.  §  adiante): 

Nisso  pouco  ha  que  disputar  (Arraes,  2."  ed.,  fl.  105). 

§  299.  Em  substituição  de  uma  or.  relativa  de  sen- 
tido limitativo,  liga-se  aos  adjectivos  único,  ultimo,  der- 
radeiro, primeiro,  e  aos  outros  numeraes  ordinaes  o  in- 
finitivo precedido  da  prepos,  a  ou  em-: 

O  quingentario . .  fora  o  primeiro  a  atravessar  a 
ponte  (Herc,  Eur.,  Iõ2).  sou  o  primeiro  em  reconhecer 
que  (Id.,  Op.  II,  143)  O  primeiro  em  fugir  foi  aquelle 
que  nunca  fugiu  (Id.,  Eur.,  229). 

prior  ad  dandum  est  (Ter.,  Phorm.,  3,  2,  48). 

§  300.  a)  O  infinitivo  precedido  da  prepos.  a,  refe- 
rido ao  sujeito  de  um  verbo,  ou  empregado  attributiva- 
mente,  pode  exprimir  modo:  iamos  a  correr: 

O  lago  quedo  a  refietir  a  lua  (Herc,  Pões.,  176). 

b)  Referido  ao  compl.  directo  dos  verbos  ver,  en- 
contrar e  synon.:  encontrei-o  a  chorar. 

§  301.  Serve  de  exprimir  a  que  cousa  se  applica  a 
acção  do  verbo  subordinante  o  infinitivo  precedido  de  a: 

1)  referido  ao  sujeito  de  levar  (e  gastar)  tanto  tempo, 

2)  referido  ao  compl.  directo  de  demorar,  empregar 
e  synonymos: 

Obs.    E'  pouco  vulgar  uma  cousa  pouco  (etc.)  faltou 
de  acontecer: 

pouco  faltou  de  ser  morto  (Bern.  Ribeiro,  Men.,  26). 


238  SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA 


§  302.  a)  o  infinitivo  precedido  de  para,  empre- 
gado predicativa  ou  attributivamente,  na  passiva  ou  na 
activa,  em  sentido  apparentemente  passivo,  exprime 
aquillo,  de  que  uma  cousa  é  digna  ou  aquillo  qne  lhe 
ha-de  ou  deve  acontecer: 

he  muyto  pêra  sentir  (H.  P..  I,  62).  Não  ha  cousa 
pêra  ouvir  como  Reclamações  de  amantes  agravados 
(Aulegr.,  1,  8).  mais  era  eu  pêra  guardada  (Bern.  Ri- 
beiro, écloga  2). 

b)  Outrosim  emprega-se,  predicativa  ou  attributi- 
vamente para  exprimir  capacidade: 

Mas  tu,  de  quem  ficou  tão  mal  pagado  i  Hum  tal  vas- 
salo, ô  Rei,  só  nisto  inico,  \  Se  não  és  pêra  dar-lhe  honroso 
estado,  \  He  elle  pêra  dar-te  hum  reino  rico.  (Lus.,  X,  25). 

§  303.  Junta-se  o  infinitivo  precedido  das  prepos. 
a,  de,  ás  locuções  que  se  construem  com  os  substanti- 
vos abstractos  precedidos  das  mesmas  preposições  (v.  g.: 
dar  causa  a): 

Foram  estes  e  oídros  excessos  que  deram  causa  a  ser 
o  concilio  rejeitado  em  França  (Herc,  Ca^.  Civ.,  141). 

§  304.  Ligar  qualificativamente  a  substantivos  o  in- 
finito precedido  de  a  (v.  g.:  livros  a  constatar)  em  vez 
de  uma  or.  relativa  (v.  g.:  livros  que  se  hão-de  consultar), 
ou  de  um  infinitivo  precedido  áe  para  (v.  g.:  roupa  para 
concertar),  é  imitação  moderna  da  syntaxe  francesa,  imi- 
tação que  só  por  descuido  se  encontra  nos  que  melhor 
faliam  a  lingoa  pátria: 

Qual  é  a  relação  a  deduzir  doestas  considerações  e 
d'estes  factos?  (Herc,  Op.  iv,  177). 

§  305.  Uma  or.  infinitiva  introduzida  por  a  serve 
de  exprimir  uma  pura  hypothese: 

a  serem  mais  cautelosos,  teriam  desconfiado  delle 
(Herc,  Monge,  I,  168). 


SYNTAXE   HISTOIÍICA  PORTUGUESA  239 


§  306.  a)  A  prepos.  por  com  um  infinitivo  emprega- 
se  na  qualidade  de  attributo,  n.  predicativo  ou  apposto, 
quando  se  falia  do  que  ainda  não  está  feito,  do  que 
ainda  não  se  realizou  (v.  g.:  enigma  por  decifrar): 

d'estes  morabitinos  non  remacce  ende  nè  úú  pur  dar 
(Dociim.  em  português,  ap.  L.  de  Vascon.,  Tx.  arch.,  lõ). 
tudo  o  que  temos  ditto,  e  nos  resta  por  dizer  (Vieira,  /,  990). 

b)    Note-se  a  loc.  estar  em  fazer  algo: 

Se  os  lisongeyros . .  louvassem  somête  o  bom,  estou  em 
dizer,  que  lhe  perdoaria  (H.  P.,  II,  309  v.). 

§  307.  Nas  or.  interrogativas  (de  como,  qual,  etc.) 
pode  empregar- se  o  infinito,  subentendendo -se  antes 
d'elle  Jiei-de,  havia  de,  etc: 

e  elas  non  saben  quaes  creer  (Johan  Baveca,  Vat., 
699).  n.è  ssey  que  fazer  (Lopo  Jograr,  Vat.  703).  nem 
eu  sey  como  ir  por  diante  (Vieira,  /,  1095).  nam  sabia 
que  dizer  (Bern.  Ribeiro,  Men.,  1,  21).  não  sabia  que  fa- 
zer (Idem,  ibd.,  7,  47).  hos  embargadores  nam  souberam 
que  responder  a  el-rey  (Diego  Aff.,  114).  Nen  os  omées 
boõs  da  terra  non  ssabyam  que  fazer  {Fragmen.  da  Vida 
S.  Nicolau,  pg.  6). 

§  308.  Todas  as  relações  que  podem  ser  designadas 
pelas  prepos.  (e  loc.  preposicionaes)  com  um  nome  de 
acção,  podem  também  sê-lo  pelas  mesmas  prepos.  (e  loc. 
preposicionaes)  com  ura  infinitivo: 

era . .  apto  a  despertar  a  ambição  do  Turco  contra 
suas  riquezas  (Freire,  80).  Foi  justamente  ao  tingir -se  o 
céu  da  faixa  avermelhada  que  precede  o  surgir  do  sol,  que 
dons  cavalleiros  galgaram  a  galope  a  ladeira  (Herc,  Eur., 
243).  Com  o  sol  obedecer  a  Josué,  alcançou  elle  perfeyta 
victoria  (H.  P.,  I,  78  v.).  Esta  alcançou  David  cõ  se  vécer 
a  si  (Id.  7,  259).  cá  entre  nós,  com  ser  a  terra  já  tam  cul- 
tivada e  possuida  de  tanta  gente,  ainda  se  criam  em  bre- 


240  SYNTAXB  HISTOUICA  P0UTUGUE8A 


nhãs  cobras  niiiy  grandes  (P.  do  M.  Gandavo,  Hist.  da 
Prov.  de  Sancta  Cruz,  20).  quando  se  levantou  uma  tal 
tem2)estade,  que  eUes,  com  serem  creados  no  mar,  se  derão 
por  perdidos  (Vieira,  XI,  187).  a  mesma  terra  se  não  via, 
com  estarmos  dous  tiros  de  canhão  distantes  d'ella  (M.  Go- 
dinho, Relação  do  N.  Caminho,  9,  49).  Meu  corazom  nõ 
sse  partiu  \  poijs  vos  vyu  de  muyVamar  (Joham  de  Gayo, 
Vat.,  1044).  vivem  de  buscar  riquezas,  e  urdir  enganos 
(H.  P.,  //,  õ3  v.).  isto  de  ter  inimigos,  he  uma  semrazão, 
ou  injustiça  tão  honrada,  que  ninguém  se  deve  doer,  ou 
offender  delia  (Vieira,  S.  da  i .«  s.  f.  da  Quar.,  3).  Mão 
attonitos  de  ver  tornar  tão  cordeiro  quem  tão  leão  viera 
(Sousa,  V.  do  Are,  I,  465).  O  orador  Ílhavo  não  era  ho- 
mem de  se  dar  assim  por  derrotado  (Garrett,  Viagens,  14). 
Aquillo  de  poder  um  homem  dizer  que  tem  a  sua  cama,  a 
sua  meza,  a  sua  lareira . .  deve  ser  umas  delicias  muito 
grandes  (Cast.,  Chave,  131).  Em  dizerem  os  Judeos  que 
Christo  se  fez  Bey,  fallão  verdade :  em  dizerem  que  se  fez 
Rey  como  César,  aqui  he  que  mentirão  (Vieira,  //,  21). 
Bem  andastes  em  tomar  2)rimeyro  carta  de  seguro,  para  o 
que  haveis  de  dizer  (F.  R.  Lobo,  Corte  na  Aldeia,  d.  5, 103, 
ap.  Blut.).  a  fortuna  do  mundo  estava  em  serem  elles  tão 
poucos  (Freire,  165).  Para  vir  o  mal  ha  innumeraveis  ca- 
minhos (M.  Bernardes,  Luz  e  Calor,  5,  cl.  2).  por  7ni  mi- 
gerar  [=malquistarj  cõ  vosco  que  faley  (Roy  Martins, 
Vat.,  629).  Pelo  rio  ser  estreito  e  abafado  com  arvoredo 
(Barros,  /,  190,  cl.  2,  ap.  Blut.).  e  por  ser  de  madeira 
(=apesar  de  ser  de  m.)  era  tão  forte  e  fermosa,  como  podia 
ser  outra  de  ]}edra  e  cal  (Castanh.,  I,  58).  a  menos  de 
passarem  (P.  Mon.  Hist.,  Leges  et  Consuet.,  Leis  e  Posturas 
do  Reinado  de  D.  Aff.  III,  235).  Antes  de  estarem  explo- 
radas as  mais  terras  e  mares  do  Sul  (Queiroz,  vida  do  Ir. 
Basto,  375,  cl.  2,  ap.  Blut.). 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  241 


Infinitivo  independente 

§  309.    O  infinitivo  funciona  independentemente: 

1)  com  sentido  imperativo,  exprimindo  uma  ordem, 
recomendação  instante: 

Companheiros,  despedir  esta  noite  da  montanha  e  das 
tristezas,  e  aparelhar  para  amanha?!  me  segiiirdes  (Cast., 
Q.  Hist.,  IV,  14). 

A  esta  categoria  parece  pertencer  o  infinitivo  em 
expressões  como:  Dizem?  Deixá-los  dizer: 

Lá  isso  não  me  importa;  deixál-os  dizer!  (Garrett, 
Viagens,  135).  Collidem  as  infallihilidades  papaes?  Dei- 
xá-las collidir  (Herc,  Op.  I,  290). 

2)  em  exclamações  que  signifiquem  extranheza  de 
que  um  facto  se  dê: 

E  haver  quem  deplore  a  vida  como  breve,  quando  n'ella 
cabem  d'estas  immensidades !  (Cast.,  Chave,  92),  Tu,  Her- 
mengarda,  recordares-te? !  (Herc,  Eur.,  47). 

me  méis  civibus  famem,  vastitatem  inferre  Italiae !  (Cie, 
ad.  AU.,  9,  10,  3). 

3)  nas  construcções  como: 

Chovido  tormentos  nos  martyres,  e  elles  a  viver  e  zom- 
bar (Ceita,  191  V.).  Os  Santos  a  pregar  pobreza,  e  seguilla 
em  tudo:  e  eu  que  me  meta  em  faustos?  (Sousa,  V.  do  Are,  /, 
142). 

Obs.  Nas  phrases  da  conversação  do  typo  temer, 
não  teme,  Meyer  Liibke  (Gramm.,  III,  §  135)  inclina-se 
a  ter  o  infinitivo  por  originariamente  interrogativo.  Eu, 
achando  improvável  que  o  infinitivo,  sendo  originaria- 
mente interrogativo,  viesse  a  deixar  de  o  ser,  julgo 
mais  provável  que  o  infinitivo  seja  elliptico,  subenten- 
dendo-se  antes  d'elle  quanto  a. 

16 


242  SYNTAXB  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


Tempos  do  inãnitiro 

§  310,    O  infinitivo  tem  só  presente  e  pretérito. 

§  311.  O  presente  infinitivo  correspondo  ao  pre- 
sente e  ao  pret.  imporf.  dos  modos  finitos;  o  pretérito 
corresponde  ao  pret.  perfeito,  ao  mais-que-perf.,  e  ao  fu- 
turo dos  modos  finitos. 

Não  causando  ambiguidade,  pode  empregar-se  o  pre- 
sente em  vez  do  pretérito : 

Agora  faço  esta  romaria  nam  tanto  por  me  Deos  tirar 
do  cativeyro  dos  Turcos,  como  por  me  livrar  do  cativeyro 
dos  peccados  (H.  P.,  7,  144). 

Com  os  verbos  dever,  haver  de,  etc,  diz-se,  fallando 
do  que  ainda  existe,  v.  g.:  esta  senhora,  quando  nova,  deve 
ter  sido,  ou  devia  ser  gentilissima ; 

fallando  do  que  já  não  existe:  aquella  senhora,  quan- 
do nova,  devia  ser,  ou  devia  ter  sido  gentilissima. 

§  312.  Para  fazer  sobresair  a  acção  significada  por 
um  infinitivo,  appõe-se  ao  infinitivo  o  artigo  o,  quando  o 
infinitivo  é  sujeito,  n.  predicativo  ou  compl.  directo,  ou 
está  ligado  por  partícula  exclusiva  ou  comparativa.  Não 
é  usual  appôr-se  o  art.  quando  o  infinitivo  ó  regido  de 
propôs.,  mas  sempre  se  appõe,  quando  a  prepos.  a  de- 
signa o  tempo  em  que  (v.  g. :  ao  romper  da  manhã): 

sempre  ganhais  o  ir-vos  conhecendo  a  vós  mesmo  (Man. 
Bernardes,  Pão  partido,  §  14).  o  tocar em-se  os  extremos 
é  uma  das  grandes  verdades  do  mundo  moral  (Herc,  Mon- 
ge, 1,  164). 

§  313.  a)  Quando  o  infinitivo  tem  sujeito  próprio 
e  este  se  acha  expresso  junto  do  infinitivo,  empregam- 
se,  no  port.  moderno,  as  formas  pessoaes;  no  port.  arch. 
médio,  tanto  as  formas  pessoaes  como  as  impessoaes: 

viu-se  ao   longe . .   resplandecerem  as  cumiadas   das 


SYNTAXE   HISTÓRICA  PORTUGUESA  243 


montanhas  (Herc,  Eur.,  86).  Nunca  vy  antre  privados  \ 
verdadeyra  amizade  \  nem  fallar  muyta  verdade  \  os  en 
tratos  enfrascados  \  nem  serem  muy  agoardados  \  dos  ga- 
lantes seus  senhores  \  . .  nem  ser  humas  mesmas  leys  \  a 
grandes  e  ha  pequenos  (Dom  Joham  Manuel,  Canc.  (?."', 
J,  394).  Em  meus  males  ter  sahyda  \  cuydando,  tenho  des- 
cansso  (Coiidel  Mór,  Ca7ic.  G."'^  I,  42).  Tamanho  o  ódio 
foi,  e  a  má  vontade  j  Que  aos  estrangeiros  súbito  tomou,  | 
Sabendo  ser  sequaces  da  verdade  (Lus.,  /,  71).  sendo  im- 
possível e  forçoso  tão  poucos  defensores . .  reparar  em  pou- 
cas horas  o  estrago  de  huma  fortaleza  (Freire,  111). 

Obs.  No  port.  moderno  o  emprego  das  formas  im- 
pessoaes  é  affoctação  de  archaismo  (a  não  ser  na  poe- 
sia popular,  por  causa  da  metrificação): 

Não  sabes  que  significa  \  A  arruda  pelos  vallados?  \ 
Significa  durar  pouco  \  Arrufos  de  namorados  (Cant.  pop., 
ap.  L.  de  Vasconcellos,  Lições  de  Phil.  Port.,  278).     Á 
Missa  da  festa  \  primeiro  nos  vimos,  \  ao  beijar-se  os  pa- 
dres I  olhou-me . .  e  sorrimos.  (Cast.,  Outono,  II,  71). 

b)  Ainda  quando  o  sujeito  d'um  infinitivo  se  tem 
de  subentender,  se  esse  infinitivo,  ou  um  simples  infini- 
tivo a  elle  subordinado  (v.  g.:  para  chegardes  a  ser  feli- 
zes), traz  n.  predicativo,  empregam-se  as  formas  pessoaes: 

As  proposições  medicas,  para  serem  aphorismos,  hão 
de  ser  de  Hippocrates  (Vieira,  5,  141,  ap.  Blut.). 

c)  Emprega-se  a  3.^  pessoa  do  plural  no  caso  de 
que  falia  o  §  5 : 

Que  mayor  maravilha,  e  que  mayor  facilidade,  que 
hum  homem  carregado  de  peccaãos  . .  purificar-se  de  toda  a 
culpa, . .  só  cõ  se  lavar,  ou  o  lavarem  com  húa  pouca  de 
agua?  (Vieira,  /,  1029). 


244  8YNTAXE  HlSTOniCA  PORTUGUESA 


d)  Empregara-se  as  formas  pessoaes  na  indicação 
da  reciprocidade: 

davão-se  os  parabéns  huns  aos  outros  de  se  vereiti  sal- 
vos (Sousa,  V.  do  Are,  /,  409). 

§  314    O  infinitivo  usa-se  nas  formas  impessoaes: 

1)  quando  é  empregado  inteiramente  como  substan- 
tivo (§  282); 

2)  quando  é  empregado  de  modo  inteiramente 
geral  sem  referencia  a  nenlium  determinado  sujeito 
(§  282) 

3)  quando  tem  sentido  de  imperativo  (§  309); 

4)  quando,  estando  na  voz  activa,  6  tomado  em 
sentido  passivo  (ainda  que  apparentemente)  (§§  289  a, 
obs.  2.a,  295,  294,  3); 

5)  nos  casos  de  que  tratam  os  §§  292,  294,  1,  300  a); 

6)  quando  referido  ao  compl.  directo  de  deixar,  fa- 
zer, mandar  (§  289). 

Quando,  porem,  o  infinitiv'o  está  longe  do  verbo  su- 
bordinante,  também  se  empregam  as  formas   pessoaes. 

7)  quando  está  referido  ao  sujeito  dos  seguintes 
verbos:  acabar  de,  cessar  de  e  synon. ;  andar  a,  estar  a; 
começar  a  e  synon. ;  vir  a,  haver  de,  ter  de;  ousar  e  synon.; 
poder,  querer,  saber,  recusar,  tratar  de;  tornar  a: 

desfechavão  os  ouvintes  a  rir  (Ceita,  145). 

Estando,  porém,  o  infinitivo  longe  do  verbo  subor- 
dinante,  também  se  empregam  as  formas  pessoaes,  par- 
ticularmente: 

1)  quando  ó  um  novo  infinitivo  que  vem  coorde- 
nar-se  a  outro,  de  que  está  separado: 

Parecia  me  a  mim,  que  se  avião  de  levantar  todos,  e 
irem-se  lançar  todos  aos  j)ês  de  Cliristo  (Vieira,  //,  181). 

2)  quando  o  verbo  subordinante  tem  de  subenten- 
der-se  de  outra  oração  coordenada: 


SYNTAXE   HISTÓRICA  PORTUGUESA  245 


bem  lhe  pode  o  Princepe  negar  o  que  pedirem  e  elles 
prezarem-se  muito  dessas  negaçoens  (Vieií-a,  77,  101). 

Obs.  No  port.  arch.  médio  occori-em  as  formas  pes- 
soaes,  ainda  quando  o  infinitivo  está  ao  pé  do  verbo 
subordinaníe: 

Assy  tristes  caminhando  \  pola  gram  estrelidade  \  de 
morrermos  desejando  (Duarte  de  Brito,  Canc.  G."\  7,  293). 
costuma  todos  arrancarem  a  barda  (P.  de  M.  Gandavo, 
Hist.  da  Prov.  de  S}^  Cruz,  30).  Costumavão  no  dia  da 
sua  festa  levarem-na  [a  cabeça  de  S.  Domingos]  em  procis- 
são pola  cidade  (Sousa,  V.  do  Are,  1,  281). 

§  315.  Nos  casos  não  comprehendidos  nos  §§  313 
6  314  empregam-se  tanto  as  formas  pessoaes,  como  as 
impessoaes,  tendo  comtudo  ás  vezes  a  escolha  de  ser  de- 
terminada pela  clareza,  pela  emphase,  ou  pela  euphonia; 

Nem  tomem  jjor  esto  occasiom  alguns  de  nom  satisfa- 
zerem pollos  serviços  que  lhes  som  feitos  (V.  Bemf.,  127). 
nom  filhedes  tristeza . .  ca  tempo  averedes  pêra  filhardes 
vingança  (Livro  de  Linhagens,  188).  desejão  as  mulheres 
serè  mais  (Barros,  Esp.  de  casados,  õ2,  v.).  que  buscassem 
todos  os  modos  possíveis  para  sumir  os  nossos  navios  no 
fundo  do  mar  (Barros,  7,  77,  cl.  3,  ap.  Blut.).  receou  que 
os  mouros  farião  aquilo  pêra  verem . .  (Castanh.,  7,  43).  as 
nãos  corrido  risco  de  se  perderem  (Id.,  7,  lo),  esperando., 
poderem  descançar  vingados  (Freire,  94).  temerosos  de 
poderem  cahir  sobre  suas  minas  (Id.,  204).  estiveram  em 
risco  de  se  perderem  (Aff,  de  Albuquerque,  Comm.,  2õ). 
quiz  que  seus  filhos  não  possuíssem  nada.,  pêra  saberem 
dar  tudo,  e  ser  senhores  de  tiulo  (Sousa,  V.  do  Are,  I,  333). 
E  não  se  contentavão  de  o  verem  húa  vez  (Id.,  7,  411).  A 
raiva  suffocava  e  tolhia  a  falia  ao  conde  de  Trava,  cujos 
olhos  banhados  de  fel  pareciam  não  lhe  caberem  nas  orbi- 


246  SYNTAXE  HISTOKICA   POHTU0UE8A 


tas  (Herc,  Bobo,  234-23S).  As  aves  aquáticas.,  pareciam, 
nos  seus  voos  incertos,  ora  vagarosos,  ora  rápidos,  folga' 
rem  com  os  primeiros  dias  da  estação  dos  amores  (Id., 
Eur.,  43).  Os  godos.,  porem,  tinham  a  vantagcvi  de  cami- 
nharem ordenados  (Id.,  0]).  incapazes  de  conhecerem  a 
vantagem  da  ordem  e  da  disciplina  (Id.,  97).  as  grossas 
portas  não  tardaram  a  ábrir-se  para  recolherem  mais  esses 
pobres  fugitivos  (Id.,  134).  viam-se  lampejar  as  armas . . 
e  agitarem-se  ojidas  de  vultos  humanos  (Id.  ibid.,  222). 
Não  vos  tem  acontecido  algiia  vez  ter  os  olhos  postos,  e 
fixos  em  hna  parte,  e  porque  no  mesmo  tempo  estais  com 
o  pensamento  divertido,  ou  na  conversação,  ou  cm  algum 
cuydado,  não  dar  fé  das  mesmas  cousas,  que  esfaes  vendo? 
(Vieira,  1,  640).  Costumei  tanto  os  meus  olhos  \  A.  namo- 
rarem os  teus,  I  Que,  de  tanto  confundidos  \  Nem  já  sei 
quaes  são  os  meus  (li.  do  Vascon.,  Pões.  Amor,  99).  pra- 
za-vos  de  me  ouvyrdes  algãas  rrazoões  (V.  Bemf,  101). 
Mas  caso  que  todo  o  mundo  vos  tenha  a  mal  o  perdoardes 
(Man.  Bernardes,  Pão  partido,  2,  §  8).  Se  na  amada  gen- 
til ha  tácitos  amavios,  \  que  até  mil  vezes  força  os  preten- 
sores  bellos  \  a  travarem  por  ella  aspérrimos  duellos  (Cast., 
Georg.,  169).  o  moço  guerreiro  vira  submergir  todas  as 
suas  esperanças  (líerc,  Eur.,  10).  Quem  te  deu,  pois,  o 
direito  de  correres  a  morte  certa?  (Id.  ibid.,  186).  Para 
nós,  habituados  a  descer  precipícios  e  a  salvar  torrentes, 
aquella  ponte  estreita  e  selvática  é  fácil  de  transpor  (Id. 
ibid.,  246,  247).  Para  os  constranger  a  acompanharem-no 
(Id.,  Op.,  III,  249).  Tendes  dois  olhos  na  cara  |  Que  pa- 
recem dois  ladrões:  \  Elles  andam  pelo  mundo  \  Para  rou- 
bar corações  (L.  de  Vascon.,  Pões.  Amor.,  98).  Bemaven- 
turados  sam  os  que  sam  perseguidos  por  fazerem  justiça 
(H.  P.,  J,  262).  Os  Neros  e  Dioclccianos  nam  atormenta- 
vam os  Christãos,  para  lhes  tirarc  a  vida,  senão  para  lhes 


SYNTAXB   HISTÓRICA   PORTUGUKSA  247 


viatar  a  fé  (Vieira,  XI,  528).  Que  pudeste  acabar,  cruel^ 
contigo  I  Ires-te  sem  me  ver,  e  só  deixar-me!  (En.  Port., 
IX,  116).  Vendo  el-rey  de  Inglaterra  como  os  embaixado- 
res . .  tornara  a  elle  sem  lhe  trazerem  resposta  (Diego  Aff., 
133).  Peccão  alguns  em  falarem  demasiado,  sem  quererem 
ouvir  (Macedo,  Dom.  sobre  a  fort.,  129,  ap.  Blut.).  mentes 
sem  saberes  que  mentes  (Garrett,  Viagens,  14).  Dez  vezes 
que  tenhamos  lido  o  Dante,  ao  chegarmos  á  descripção  da 
torre  de  Ugolino  erriçam- se-nos  sempre  os  cabellos  (Herc, 
Op.,  I,  193).  um  dia  formoso  d'ínverno,  em  que  os  raios 
do  sol  resvalam  pela  face  da  terra  sem  a  aquecerem  (Id., 
Eur.,  8).  Senhores  vãos,  e  ambiciosos  de  serem-  endeosados 
(F.  R  Lobo,  Corte  na  Aldeia,  27õ,  ap.  Blut.).  incapazes 
de  comprehenderem  a  sua  nobre  arte  (Herc,  Op.,  I,  123). 
as  consequências  que  d'ahi  se  deduzem  estão  longe  de  serem 
incontestáveis  (Id.  ibid.,  IV,  39).  viu  alvejar  os  turbantes, 
e,  depois,  surgirem  rostos  tostados,  e,  depois,  reluzirem 
armas  (Herc,  Eur.,  257).  Os  pastores  viram  os  nossos 
cavalleiros  transporem  o  Sallia  (Id.  ibid.,  267). 

Participios 
Participio  (activo)  em  -ndo 

§  316.  A  forma  verbal  em  -ndo  representa  etymolo- 
gicamente  o  ablativo  do  gerúndio  latino;  herdou,  porém, 
em  parte,  os  empregos  syntacticos  não  só  do  ablat.  do 
gerúndio,  senão  também,  e  principalmente,  do  participio 
presente  latino. 

Além  de  entrar  na  conjugação  periphrastica,  o  partic. 
em  -ndo,  ou  se  liga,  como  apposto,  já  ao  sujeito,  já  a  ou- 
tra palavra  substantiva  da  or.,  ou  se  junta  a  sujeito  pró- 
prio, correspondendo  com  elle  ao  abl.  absoluto  latino. 


248  8TNTAXB  HISTÓRICA  P0RTU0DE8A 


Assim : 

a)  ou  equivale: 

1)  a  uma  or.  causal  de  como : 

Vendo  Egas  que  ficava  fementido,  \  O  que  d'elle  Cas- 
tella  não  cuidava,  \  Determina  de  dar  a  doce  vida  |  A  troco 
da  palavra  mal  comprida  (Lus.,  III,  37). 

2)  a  uma  or.  condicional : 

Nunca  homem  he  louvado,  nem  doestado  por  obra  que 
faça  nom  teendo  entençom  de  a  fazer.  {V.  Bemf,  23).  E 
seendo  yguaaes  o  serviço  e  o  erro,  ou  mayor  o  bem  que  o 
mal,  em  tall  guisa  ordenaremos  o  feyto  que  per  huu  dei- 
tes nom  se  perca  o  outro  (Ibid.,  2SG).  Em  que  hú  homem 
seja  no  corpo  mais  feo  que  Thersites,  sendo  virtuoso  he  mais 
bello  que  Nireu  (H.  P.,  II,  568  v.), 

3)  a  uma  or.  concessiva  de  comquanto: 

não  quizerão,  sendo  letrados,  resolver  o  seu  escrúpulo 
por  si  juesmos  (Vieira,  IX,  86,  ap.  Blut.). 

4)  a  uma  or.  temporal  de  quando,  ou  de  como  (quan- 
do se  supõe  a  sucessão  dos  acontecimentos),  ou  a  uma 
or.  de  quando  na  expressão  de  em  contraste: 

. .  quem  me  manda  ser  triste  \  podendo  viver  contente  ? 
(Prestes,  324  e  325).  Dizião  contra  o  eleyto  que  era  moço, 
sendo  de  quarenta  e  quatro  annos  vividos  em  estreita  obser- 
vância: que  lhe  faltava  experiência,  sendo  a  juyzo  de  todos 
hum  dos  mais  famosos  letrados  de  que  então  se  sábia  (Sou- 
sa, V.  do  Are,  I,  6ò). 

b)  ou  exprime: 

1)  modo  ou  um  facto  acessório  da  acção  principal: 
rrogou-lhe  aficadamente  que  lhe  tirasse  o  dicto  osso, 
prometendo-lhe  que,  sse  ho  desse  ssaão,  que  lhe  faria  muyto 
alguo  {Fabul.,  fab.  8).  que  cousa  mais  abominável  qus  o 
calumniar  das  línguas,  declarando-as  sem  o  sabor,  doçura 
e  doctrina  que  nellas  ha?  (Góes,  Cat.  M.,  7),    Dentro  fda 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  249 


fonte]  parece  assentado  hum  grande,  e  hem  propoixionado 
satyro,  imitando  com  propriedade  os  que  finge  a  poesia 
(Sousa,  Hist  de  S.  Dom.,  ap.  L.  de  Vasconc,  Religiões  III, 
243).  As  portas,  os  pátios,  as  ruas  rebentando  de  gente,  e 
o  ministro  encantado  (Vieira,  I,  542).  Morto  lastimosa- 
mente o  Principe  Abner,  mãdoii  David,  que  todo  o  exercito 
vestido  de  lutto,  e  arrastando  as  armas,  o  acompanhasse 
até  a  sepultura  (Id.,  I,  876).  Cai  vomitando  fumarada  e 
sangue  (Cast.,  Fast.,  61).  a  pobre  menina,  não  podendo  já 
com  a  oppressão  do  peito,  lançou-se  nos  braços  de  Cecilio 
e  de  sua  irman,  pedindo  alguns  íuomentos  para  desafogar 
o  espirito  livremente  (R.  da  Silva,  Mocidade,  2,  114).  Um 
homem  agigantado  e  de  fera  catadura  saiu  da  choupana 
murmurando  sons  mal  articulados  (Herc,  Eur.,  17o). 

2)    meio : 

o  carneyro  . .  defendia-sse  o  inilhor  que  podia,  di- 
zemdo  que  lhe  nom  prestara  cousa  (Fabul,  fab.  4).  E  não 
os  fdestinosj  podia  realizar  senão  ceifando  cidades  em 
logar  de  farragiaes,  e  enfeixando  com  mão  robusta  povos 
(Cast.,  Fast.,  Prol.,  23). 

No  port.  arch.  médio  occorrem  ás  vezes  construcções 
em  que  só  entra  um  sujeito  com  um  adjectivo,  como  se  se 
subentendessem  os  particip.  estando  ou  sendo : 

hii  delles  enfermo  (D.  Catherina,  8  v.,  cl.  2).  Prestes 
tudo  (Aff.  de  Albuquerque,  Comm.,  15). 


Obs.  1."  E'  mero  gallicismo  o  emprego  do  partici- 
pio  em  -ndo  como  equivalente  de  uma  simples  or.  qua- 
lificativa (relativa),  v.  g.:  «Recjuereu  para  ser  anulada  a 
lei  promovendo-o  ao  posto  imediato». 

Em  francês,  onde  o  participio  em -aní  representa  o 
participio  presente  latino,  uma  phrase  como :  ses  petites 
mains  chargées  de  bagues,  ses  yeux  gris  large  ouverís  et 
granais  par  les  bizarrcs  ornements  de  fer  lui  totnbant  (que 

í 


260  STNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUESA 


lhe  caiam)  âu  fronl,  composaient  un  ensemble  harmonieux 
(A.  Daudet,  Sapho)  6  perfeitamente  correcta. 

Obs.  2."  Quando  o  partic.  em  -ndo  designa  tempo, 
hypothese  ou  condição,  pode  ser  precedido  da  prepos. 
cm,  se  com  o  verbo  subordinante  se  exprime  o  que  cos- 
tuma acontecer,  ou  uma  acção  futura  (sem  esta  restri- 
cção  no  port.  arch.  modio,  no  moderno  só  por  affecta- 
ção  de  archaismo): 

OS  Turcos,  em  se  fazendo  senhores  de  hum  Reyno,  es- 
hulhão  toda  a  nobreza  de  suas  /Vt^endas  (Godinho,  cap.  21). 
De  ordinário  em  se  fazendo  sinal  nas  Igrejas  ás  Ave  Ma- 
rias se  recolhia  e  fechava  em  sua  camará  (Sousa,  V.  do  Are, 
I,  76).  em  deixando  de  estar  alerta,  e  com  o  olho  aberto, 
vem  logo  o  lobo,  e  leva-me  a  ovelha  (Sousa,  V.  do  Are,  I,  96). 
em  apparecendo  [=quando  appareceu]  Isabel  na  praya, 
abre-se  o  Rio  de  repete  (Vieira,  II,  19).  A  semelhança 
entre  as  filhas  de  Philippe  da  Gama  reduzia-se  a  isto : 
mas  era  tão  grande,  que  em  as  duas  conversando,  a  falia 
confundia-se,  e  o  ouvinte  mais  attento  não  era  capaz  de 
as  distinguir  (R.  da  Silva,  Mocidade,  2,  122). 

No  port.  arch.  também  occorre  a  prepos.  sem  com 
este  partic,  em  vez  do  infinitivo : 

sem  fazendo  (Azurara,  Chron.  da-  Guiné,  59).  sem 
temdo  elle  dito  (Ord.  Aff.,  I,  47,  7,  ap.  Gama  Barros,  Hist. 
da  Adm.  pub.,  III,  754). 

Obs.  3."  Um  simples  partic.  absoluto  substitue-se 
emphaticamente  por  uma  or.  de  qtte  ligada  como  su- 
jeito ao  partic.  sendo: 

Estava  no  mundo,  e  sendo  que  o  mundo  foy  feito  por 
elle,  nam  o  conheceo  o  mundo  (Vieira,  //,  171). 


8YNTAIE   HISTÓRICA   POUTUGCESA  251 


Obs.  4."  Um  partic.  absoluto  pode  não  trazer  su- 
jeito, ou  por  pertencer  ao  verbo  impessoal,  ou  por  o 
sujeito  se  subentender  facilmente  da  or.  a  que  o  partic. 
está  subordinado,  ou  por  o  sujeito  ser  indeterminado: 

na  Capella  . .  que  está  entrando  pela  porta  principal 
á  mão  direita  (Diogo  do  Couto,  Hist.  Tragico-maritima, 
212).  oje  prazendo  ao  senhor  Deos  avemos  de  hir  pousar 
cõ  hús  homês  caridosos  e  de  muyta  piedade  (Diogo  Aff., 
113).  esse  nume  foi  Iam  caleficado  e  ajustado  á  rezão 
que  abstrahindo  ainda  do  amor,  não  convinha  buscar-lhe 
moderação  (Ceita,  261  v.).  (a  mentira)  he  prima  de  viola 
que  querendo  levantá-la,  quebra  (Tempo  d'Agora,  1,1). 
Esta  falta  se  reparou,  ajuntando  duas  telhas  com  os  va- 
zios para  dentro  (Freire,  146).  Ao  outro  dia  amanhe- 
cendo tornou  a  benção  ao  Prelado  (Sousa,  V.  do  Are,  7, 
185).  São  de  Trento  a  Veneza  vinte  e  húa  legoas,  contando 
nellas  o  que  ha  de  mar  entre  a  terra  e  a  cidade  (Id.  ibid., 
I,  200).  foy  esta  a  primeira  Sessão  delle  das  do  tempo 
do  Papa  Pio  Quarto :  mas  decima  septima  contando  as 
que  precederão  em  vida  dos  Papas  Paulo,  e  Pio  tercios 
(Id.  ibid.,  I,  215).  a  provisão  de  2  de  Março  não  podia 
ter  as  consequências  que,  absolutamente  faltando,  deviam 
derivar  da  sua  doutrina  (Herc,  Cas.  Civ.,  145). 

Neste  caso  estão,  originariamente,  os  particip.  exce- 
ptuando,  tirando,  ete.,  que  passaram  a  funecionar  como 
particulas  exclusivas: 

elle  deve  seer  feyto  com  aquellas  condiçoões  que  em  o 
postumeyro  capitullo  do  livro  primeyro  forom  scriptas, 
tirando  que  o  agradecimento  nom  será  feyto  rraramente 
{V.  Bemf.,  266). 

Obs.  5."  O  partic.  absoluto  emprega-se  ainda  quan- 
do  o  seu  sujeito  se  encontra  exercendo  uma  funeção 


252  6YNTAXF.   iiibTOUiCA   PORTUGUESA 


na  or.  subordinante.  (Esta  prática  em  latim  ó  restricta; 
V.  Madv.,  §  428,  obs.  1.»): 

Vendo  Egas  que  ficava  fementido,  \  O  que  d^elle  Cas- 
tella  não  cuidava,  \  Determina  de  dar  a  doce  vida  \  A  tro- 
co da  palavra  mal  comprida  {Lus.,  III,  37)  Como  vós, 
sendo  Judeo,  me  pedis  de  beber  a  mim,  sendo  eu  Samari- 
tana? (Vieira,  Serm.,  VII,  75). 

§  317.  a)  O  presente  do  partic.  em  -ndo  designa  o 
que  é  contemporâneo  da  acção  do  verbo  subordinante. 
Todavia,  não  resultando  ambiguidade,  também  se  empre- 
ga fallando  do  que  antecede  a  acção  do  verbo  subordi- 
nante : 

Mu^a,  o  amir  d' Africa,  desembarcando  nas  costcLs  da 
Hespanha  com  um  novo  exercito,  rendia  Hispalis  e,  atra- 
vessando o  Ana,  submettia  ao  jugo  do  Khalifa  todo  o  occi- 
dente  da  peninsida  ibérica  (Herc,  Eur.,  167). 

Outrosim  pode  designar  uma  acção  subsequente  á 
do  verbo  subordinante. 

b)  O  pretérito  do  partic.  designa  o  que  é  anterior 
á  acção  do  verbo  subordinante. 

Participio  em  -nte 

§  318.  A  forma  verbal  em  -nte,  representante  do 
partic.  do  presente  latino,  empregava-se,  no  port.  arch., 
como  partic.  do  presente  — até  com  corapl.  directo — ,  na 
qualidade  de  attributo,  apposto,  ou  partic.  absoluto: 

temête  o  dia  de  mia  morte . .  fiz  mia  mãda  [=te^ta- 
mento]  {Test.  de  D.  Aff.  II,  ap.  L.  de  Vasc,  Lições  de  Phil. 
Port.,  70).  ou  [=ao]  sol  levante . .  ou  sol  poente  (Doe. 
de  1309  de  Alcoentre,  na  Rev.  Lus.,  VII,  74).  caso  acae- 
cente  (Port.  Mon.  Hist.,  F.  de  Lisboa,  413).  rompente  o 
alvor  {Livro  de  Linhagens,  259). 


SYNTAXE   HISTÓRICA  PORTUGUESA  253 


temente  conserva-se,  com  compl.  directo,  na  expres- 
são temente  a  Deus. 

durante,  mediante,  não  obstante,  não  einhargante  con- 
servam-se  como  partic.  absolutos  invariáveis,  ligados  a 
um  sujeito  da  3.^  pessoa: 

Quando  algum  caso  for  trazido  em  practica  . .  e  tal 
que  por  direito  se  deva  guardar,  seja  por  elles  julgado, 
não  embargante  que  as  leis  imperiaes  acerca  do  dito  caso 
disponham  em  outra  maneira  {Código  man.^  liv.  2°,  tit.  5°, 
preamb.,  ap.  Herc,  Cas.  Civ.,  132-133). 

Obs.  Alguns  escritores,  por  amor  excessivo  da  exa- 
ctidão grammatical,  concordam  mediante  e  não  obstante 
com  os  respectivos  sujeitos: 

não  obstantes  suas  razões  (Mon.  Ltis.,  3,  163,  cl.  2,  ap. 
Blut). 

salvante  e  tirante,  propriamente  partic.  absolutos, 
com  sujeito  indeterminado,  aos  quaes  se  junta  um  compl. 
directo,  conservam-se  com  o  valor  de  partículas  exclu- 
sivas. 

No  mais  (e  além  dos  termos  de  brasão,  v.  g. :  ca- 
çante,  levantante),  as  formas  em  -nte  conservadas  no  port. 
moderno  só  funccionam  como  simples  adjectivos  ou  como 
adjectivos  substantivados,  v.  g.:  amante,  tirante  (de  car- 
ruagem), nascente,  escrevente,  pedinte,  ouvinte. 

Partieipio  passivo  (simples) 

§  319.  O  partic.  passivo  simples,  além  de  entrar  na 
formação  da  voz  passiva  e  na  dos  tempos  compostos  da 
activa,  eraprega-se,  ou  como  simples  qualificação,  servin- 
do já  de  attributo,  já  de  n.  predicativo,  ou  ligado,  em 
forma  de  apposto,  a  uma  palavra  substantiva  d'uma  or., 


254  SYNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUKSA 


OU  com  sujeito  próprio,  servindo  nestes  dois  últimos  ca- 
sos do  exprimir  causa,  hypothese,  etc. : 

Mostrado  claramente  que  nunca  foi  certo  que  dona 
Enes  fosse  molher  delRei  dom  Pedro  (Fern.  Lopes,  D. 
João  /,  337).  deo  a  galé  á  cosia,  onde  feita  pedaços, 
morrerão  todos  desastradamente  (Cam,,  Filodemo,  V,  4). 
Entramos  em  hwna  batalha,  onde  vencidos,  honraremos 
nosso  Deos  com  o  sangue,  vencedores,  nosso  Rei  com  a  vi- 
ctoria  (Freire,  221). 

Obs.  1."  Quando  o  partic.  tem  sujeito  próprio,  ob- 
servam-se  as  regras  de  concordância  do  verbo  nos  mo- 
dos finitos : 

tomada  agoa  e  mantimentos  pêra  sua  viagem  (Aff. 
de  Albuquerque,  Comm.,  €). 

Obs.  2."  Não  é  vulgar  o  emprego  d'um  partic.  pas- 
sivo concordado  com  um  substantivo  (v.  g.:  de  sol  nado 
a  sol  posto)  em  vez  do  nome  d'acção  correspondente  ao 
partic.  seguido  da  prepos.  de  com  o  dicto  substantivo 

{do  nascer  ao  pôr  do  sol) : 

. .  na  cidade  Beja  vai  tomar  \  Vingança  de  Trancoso 
destruida  |  Affonso  . .  {Lus.,  Ill,  64).  era  quasi  sol  posto 
quando  chegámos  (Garrett,  Viagens,  237). 

Rcgnaium  Rontae  ab  condita  urbe  ad  liberatam  annoa 
ducenios  quadraginia  quatiuor  (T.  Liv.,  I,  60)  (v.  Madv.  §  426). 

Obs.  3."  Vários  partic,  comquanto  passivos  na  for- 
ma, tem  ou  podem  ter  significação  activa,  v.  g.:  ido 
(=que  foi),  vindo  (=que  veio),  homem  lido  (=que  tem 
muita  leitura);  fiquei  muito  bem  janiado.  Isto  dá-se  par- 
ticularmente com  os  partic.  dos  verbos,  que,  sempre  ou 
em  certas  significações,  só  se  empregam  como  reflexos, 
V.  g.:  arrependido,  de  arrepender-se;  lembrado,  de  lembrar-»e: 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  255 


O  Diabo  do  Meiodia  era  um  diabo  com  garras  com- 
pridas e  um  pouco  atraiçoado  (Herc,  Cas.  Civ.,  151). 

Em  latira:  cenatus  (tendo  jantado)  (Cie),  pransus 
(tendo  almoçado)  (Hor.), potus  (tendo  bebido  bem)  (Cie.), 
obitus  (fallecido)  (Liv.  Andronico,  Apuleio,  inscripções). 

§  320.  O  partic.  passivo  designa  uma  acção  preté- 
rita, ou  um  estado  resultante  de  uma  acção  pretérita  em 
relação  ao  verbo  subordinante. 

Todavia,  juntando-se  uma  designação  temporal  apro- 
priada, pode  signiflcar-se  que  a  acção  é  pretérita  em  re- 
lação ao  tempo  de  quem  está  fallando. 

Empregado  como  atributo  ou  apposto,  pode  tam- 
bém, não  havendo  ambiguidade,  ter  a  significação  de 
presente. 

Conjugação  periphrastioa 

§  321.  Com  o  verbo  andar  e  o  partic.  presente  ou 
o  infinito  precedido  da  prepos.  a,  representa-se  a  acção 
como  objecto  de  occupação  prolongada: 

htia  vez  a  águia,  andando  buscando  caça  (FabuL, 
fab.  13).  dizend'anda  mui  gran  traiçom  \  de  mim  e  de 
vós . .  (Lang,  98).  E  também  as  memorias  gloriosas  |  D'a' 
quelles  Reis  que  forão  dilatando  \  A  Fe,  O  Império,  e  as 
terras  viciosas  |  De  Africa  e  de  Ásia  andarão  devastando 
(Lus.,  I,  2).  Passando  acaso  Alexandre  Magno  por  jun- 
to a  hum  cemeterio,  vio  nelle  a  Diógenes :  e  como  lhe  per- 
guntasse que  fazia  naqu£lle  lugar,  respondeo  o  Filosofo : 
Atido  aqui  buscando  os  ossos  de  Filippe  de  Macedónia, 
mas  não  os  posso  distinguir  (Vieira,  XI,  262). 

§  322.  a)  Com  o  verbo  ir  e  o  partic.  presente,  ex- 
prime-se  a  realização  gradual  da  acção: 


256  8YNTAXE  HISTOKICA  PORTUGUESA 


Então  se  forão  retirando  huns  apoz  outros  (Vieira, 
7,  801). 

b)  Com  o  mesmo  verbo  ir  e  o  infinito  (também  pre- 
cedido da  prepos.  á),  exprime-se  um  futuro  imediato: 

he  tempo,  vamos  a  fazer  nossa  obra  (Barros,  5,  220, 
cl.  3,  ap.  l^lut.).  Telmo  vai  a  sahir  (Garrett,  Fr.  Luiz  de 
Sousa,  V). 

Com  esta  periphrase,  exprime-se  também  estranheza 
de  que  um  facto  se  dê  (v.  g.:  Que  foste  tu  dizer !). 

c)  Com  o  pret.  imperfeito  do  mesmo  verbo  e  o  par- 
tic.  presente,  significa-se  que  a  acção  esteve  quasi  a  rea- 
lizar-se  (v.  g.:  ia-me  esquecendo,  ia  caindo) : 

ia  caindo . .  estatelado  no  chão  (Garrett,  Viag.,  34). 
O  doente  vai  melhor,  mas  ia  matando  o  medico !  (R.  da 
Silva,  Mocidade,  260). 

d)  Com  o  presente,  pret.  imperfeito  e  futuro  imper- 
feito do  mesmo  verbo  e  o  infinito  precedido  de  a  ou  para, 
representa-se  a  acção,  como  tendo  só  o  primeiro  princi- 
pio: 

e  dizendo  isto,  já  hia  a  levantar-se  para  sahir  do  Se- 
nado (J.  Liberato  F.  de  Carvalho,  Tr.  de  Tácito,  Annaes, 
2,  34). 

§  323.  a)  Com  o  verbo  vir  e  o  partic.  presente,  ex- 
prime-se a  realização  gradual  da  acção : 

Quando  Tobias  ouvio  que  vinha  chegando  seo  filho 
(Vieira,  I,  672). 

Obs.  A  differença  entre  esta  periphrase  e  a  for- 
mada com  o  verbo  ir  (§  322,  o)  é  só  a  que  resulta  da 
diversa  significação  de  vir  e  de  ir. 

b)  A  combinação  do  verbo  vir  com  o  infinito  de 
alguns  verbos  ajunta  á  significação  d'estes  verbos  a  ideia 


SYNTAXE  HISTÓRICA  POUTUOUESA  257 


de  *por  íiin»  (v.  g.:  Isto  vem  a  significar . .  equivale  a : 
Isto,  por  fim,  significa  . .): 

preparar  estes  pós  de  modo,  que  venhão  a  ter  Mia 
ião  grande  virtude  (Vieira,  I,  1044).  vem  isto  a  significar 
(Ceita,  216  x.). 

§  324.  a)  Com  estar  e  o  partic.  presente,  ou  o  infini- 
tivo precedido  da  prepos.  a,  representa-se,  de  modo  pre- 
ciso, a  acção  como  estando  começada. 

b)  Com  este  mesmo  verbo  e  o  infinitivo  precedido 
da  prepos.  para,  exprime-se  que  está  imminente  a  reali- 
zação da  acção,  ou  que  um  ser  está  disposto  a  praticar  a 
acção,  ou,  o  que  actualmente  é  raro,  o  que  não  aconte- 
ceu por  pouco : 

esteve  pêra  cahir  (Bern.  Rib.,  Men.,  57).  estive  para 
lhe  mandar  por  obediência  que  me  considerasse  morto 
(Chagas,  Cartas  esp.,  19). 

§  325.  a)  Com  o  verbo  ter,  e  também  haver  (nos 
tempos  simples)  e  o  infinitivo  precedido  da  prepos.  de, 
exprime-se  que  o  praticar  a  acção  é  necessidade  imposta 
pelas  leis  da  natureza  (ou  da  lógica),  ou  pelas  circunstan- 
cias, ou  conveniências,  ou  pela  lei  moral: 

Os  bons  amigos  hão-de  ser  ancoras  e  amarra  na  tê- 
pestade  desta  vida  (H.  P.,  I,  3C5  y.).  Quando  Alarico  si- 
tiou a  Roma,  virão-se  os  Romanos  tão  apertados,  que  hou- 
verão  de  remir  a  dinheiro  o  levantar-se  o  sitio  (Vieira, 
S.  de  St.^  Cath.,  10).  De  todos  os  homês  nos  havemos  de 
guardar;  porque  todos  tentão  (Vieira,  /,  829). 

Obs.  1."  É  incorrecção  (em  que  os  bons  escripto- 
res  raras  vezes  caem)  dizer:  ter  que  e  ter  a  por  íer  de,  fa- 
zer uma  coisa. 

008.2."  É  de  notar,  em  particular,  a  expressão: 
aígo  houvera  de  acontecer  =  teria,  acontecido  infallivel- 
mente : 

17 


258  SYNTAXB  HISTÓRICA   PORTUGUESA 


. .  e  houvera  de  ho  malar,  se  não  fora  ho  capacete 
(Castanh.,  III,  42). 

Obs.  3."    No  port.  arcli.  médio  supprimia-se  ás  ve- 
zes de,  depois  do  haver  : 

OU  haveis  deixar  entrar  a  todos,  ou  vos  hão  de  ter  por 
villão  ruim  (Cam.,  Seleuco,  Prologo). 

ipsam   ergo   vallem  nos  iransversare  habebamus  (Pe- 
regr.  Aethaer.,  2,  1). 

Outrosiin  no  port.  arch,  também  se  dizia  haver  a, 
em  vez  de  haver  de : 

ssi  . .  meu  filio  ou  mia  filia  que  no  meu  lugar  ouver  a 
reinar  (Test.  de  D.  Aff.  II,  ap.  L.  de  Vaso.,  Lições  de  Phil. 
Port.,  14). 

b)  A  periphrase,  com  haver,  exprime  que  alguém  é 
levado,  por  certas  considerações,  a  crer  que  se  dá  ou  se 
dava  um  facto  (v.  g.:  elle  ha-de  estar  agora  em  casa). 

Obs.    Com  o  mesmo  sentido,  se  emprega  o  verbo 
dever : 

Elle  não  deve  tardar  (Prestes,  312). 

c)  Também  se  emprega  (no  presente  e  pret.  imperf.) 
em  interrogações: 

1)  em  que  se  pergunta  o  que  é  (ou  era)  de  razão 
fazer-se,  ou  se  é  (ou  era)  de  razão  fazer-se  uma  cousa, 
ou  2)  em  que  se  quer  significar  que  custa  a  compreen- 
der que  uma  cousa  aconteça  (agora  ou  de  futuro)  ou  acon- 
tecesse (v.  g.:  Pois  eu  havia  de  esquecer-me  de  ti?)  (o 
latim  emprega  o  conjunctivo,  v.  Madv.  §  353;  o  allemào 
serve-se  de  sollen). 

d)  O  presente  indicativo  d'esta  conjugação  empre- 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  259 


ga-se  em  lugar  do  futuro  imperfeito  (e  o  pret.  imperfeito 
em  lugar  do  presente  condicional,  v.  §  263)  da  conjuga- 
ção ordinária,  para  exprimir  a  resolução  assente  de  pra- 
ticar uma  acção  ou  a  certeza  de  que  uma  cousa  aconte- 
cerá: 

Por  que  sei  que  ey  tal  coyia  sofrer  (João  Vasques, 
Faí.,  42,  7).  he  certo  que  Deos  lhe  tinha  promettido  que 
havia  de  morrer  em  paz  (Vieira,  I,  1068  e  1069).  Hei  de 
obrigar-vos  a  fechar  na  gaveta,  ao  menos  uma  vez,  as  pa- 
ginas blasphemas  do  jesuíta  Perrone  (Herc,  Cas.  Civ.,  48). 

Appendice 

§  326.  De  alguns  verbos  (intransitivos  ou  tomados 
em  sentido  intransitivo)  pode  empregar-se  o  partic.  pas- 
sivo combinado  com  o  verbo  ser,  para  exprimir  um  acto 
consumado  (v.  g.:  somos  chegados,  correspondente  a  che- 
gámos.). Assim: 

O  presente  do  verbo  ser,  com  o  partic.  passivo  d'es- 
tes  verbos,  corresponde  ao  pret.  perfeito  dos  mesmos 
verbos. 

O  pret.  imperf.  do  verbo  ser,  com  o  partic.  passivo 
d'estes  verbos,  corresponde  ao  pret.  m-q-perfeito  dos 
mesmos  verbos. 

O  pret.  perfeito  do  verbo  ser,  cora  o  partic.  passivo 
d'estes  verbos,  corresponde  ao  pret.  perfeito  dos  mesmos 
verbos. 

O  futuro  imperf.  do  verbo  ser,  com  o  partic.  passivo 
d'estes  verbos,  corresponde  ao  fut.  perf.  dos  mesmos  ver- 
bos. 

Neste  tempo  não  era  ainda  nacido  Elias  (Vieira,  7, 
1111). 

Estas   combinações   representam  litteralmente   os 
tempos  compostos  dos  depoentes  latinos. 


260  BYNTAXK   IIISTOIUCA   PORTUGUESA 


SECÇÃO  n 

Da  ligação  das  orações 

CAPITULO  I 

Da  coordenação  (') 

§  327,  a)  Para  haver  coordenação  basta  que  o  va- 
lor syntactico  dos  membros,  que  se  coordenam,  soja  o 
mesmo.  Assim  podem,  por  ex.,  coordenar-se  entre  si 
attributos  constituídos  por  um  adjectivo,  uma  prepos. 
com  substantivo,  uma  or.  relativa: 

Por  um  caminho  tão  áspero  e  de  tão  mãos  passos 
(M.  Lusit.,  I,  372,  cl.  2,  ap.  Blut.).  Um  homem  agiganta- 
do e  de  fera  catadura  saiu  da  choupana  murmurando 
sons  mal  articidados  (Herc,  Eur.,  175). 

b)  Duas  orações  podem  estar  coordenadas  asynde- 
cticamonte,  deixando-so,  comtudo,  deprehender  do  con- 
texto que  a  segunda  é  consequência  da  primeira: 

Vão-se  os  gatos,  estendem-se  os  ratos  (Prov.). 

bellum . .  magniim  et  alrox  tmriaquc  vidoria  (Sall., 
Jug.).  stiavissimum  et  hominem  el  summi  offUni  (Cie,  ad 
fam.,  16,  4).  praedatum  atquc  in  expediiiones  (T.  Liv.,  I,  54). 
seu  ila  rali,  sen  quia  .  .  (T.  Liv.,  I,  4). 

É,  porem,  insólita  a  coordenação  de  um  pron.  rela- 
tivo com  palavra  substantiva: 

o  qual  fJayme  o  conquistador]  e  seu  filho  El-Rey 


Í'J    Para  maior  brevidade,  trata-se  aqui  da  coordcnaç3o  dos  membros  de  uma 
or.  juntaincnto  com  a  coordonaçío  das  orações. 


SYNTAXE   HISTÓRICA   POUTUGUESA  261 


D.  Pedro,  pay  de  Izahel,  forão  os  que  conquistarão,  em 
Hespanha,  o  Reyno  de  Valença,  em  Itália  o  Reyno  de 
Sicília  (Vieira,  II,  §  5). 

§  328.  a)  A  conjuncção  copulativa  (positiva)  é  e. 
Com  e  podem  concorrer:  1)  expressões  correspondentes 
ao  latim  tamem,  2)  expressões  conclusivas: 

S.  Pedro  sabia  de  certo,  que  Deos  lhe  tinha  perdoado, 
e  comtudo  não  cessava  de  chorar  continuamente  (Vieira,  /, 
895-896).  Não  o  experimentou  assi  David  e  mays  /"=  e 
todavia]  servia  a  hã  Rey  injusto  e  inimigo  (Id.  ibid.,  634). 

Note-se  o  modo  de  dizer:  esquadrões  e  esquadrões 
(=grandissimo  numero  de  esquadrões)  (Herc,  Eur.,  228). 

b)  Por  imitação  do  latim,  occorre  na  litteratura  e, 
equivalendo  a  «inclusivamente  -: 

..poios  doze  Pares  dar-vos  quero  \  Os  doze  de  Ingla- 
terra e  o  seu  Magriço  (Lus.,  I,  12). 

§  329.  a)  Duas  orações  podem  estar  ligadas  simples- 
mente por  e,  depreliendendo-se,  todavia,  do  contexto, 
que  a  2.»  oração: 

1)  forma  antithese  com  a  1.^  (vindo  e  a  equivaler  a 
e  comtudo,  e  todavia): 

Não  era  Christão  Platão,  e  [=e  todavia]  mandava 
na  sua  Republica  que  nenhum  official  pudesse  apprender 
duas  artes  (Vieira,  I,  480).  Miguel,  Miguel,  não  tens 
abelhas,  e  vendes  mel  (Prov.). 

Ingrata  es,  inquU,  ore  quae  noslro  capiU  |  incólume  abs- 
iuleris  et  mercedeni  postules  (Phodro,  I,  8,  10-11). 

2)  ou  exprime  uma  consequência  do  que  se  enun- 
cia na  l.**  oração  (que,  neste  caso,  é  as  mais  das  vezes 
imperativa  ou  optativa). 

Huic  similiter — impinge    lapidem,    et   dignum  accipies 
praemium  (Phedro,  III,  5,  67). 


262  SYNTAXE  HISTÓRICA  POKTUGUESA 


b)  Ligando  clausulas,  pode  estar  e  onde,  para  maior 
precisão,  havia  de  estar  uma  partícula  adversativa: 

A  verdade  fica,  e  as  preoccupações  passam  (Herc, 
Op.  Ill,  5). 

c)  Quando  dois  membros  coordenados  se  excluem 
um  ao  outro,  se  ao  primeiro  se  dá  a  forma  attirmativa  e 
ao  segundo  a  negativa,  costumam  ligar-se  com  a  conjun- 
cção  e  (que  podo  ser  substituída  pela  anaphora). 

d)  A  uma  or.  introduzida  por  conjuncção  adversa- 
tiva ou  circunistancial  pode  coordonar-se  copulativa- 
monte  outra  or.,  tendo,  todavia,  a  primeira  or.  de  ser 
logicamente  considerada  circumsíancia  da  segunda: 

Vinde  bemditlos  de  meo  Padre,  porque  tive  fome,  e 
me  destes  de  comer  (Vieira,  I,  976).  Pareceu-me  que  este 
lhe  ordenava  o  que  quer  que  fosse;  mas  falava  na  sua 
linguagem  barbara,  e  não  o  pude  entender  (Herc,  Eur.,  69). 

§  330.  Na  enumeração  do  vários  termos,  o  ordiná- 
rio é  pôr  a  copulativa  antes  do  ultimo;  émphaticamente 
também  se  põe  antes  do  segundo  e  dos  seguintes,  e,  no 
estilo  oratório  —  o  que  todavia  ó  raro — até  antes  do  pri- 
meiro : 

qualquer  observador  não  vulgar . .  quer  estudar  os 
homens  e  as  nações  e  as  edades  (Garrett,  Viag.,  195).  esse 
povo . .  I  Que  ri,  e  chora,  e  folga,  e  geme,  e  morre  (Herc, 
Pões.,  pg.  59). 

§  331.     No  estilo  animado  pode: 

1)  omittir-se  a  conjuncção  copulativa: 

Picão  de  esporas,  largão  rédeas  logo,  \  Abaxão  Inn- 
ças,  fere  a  terra  fogo  (Lu^.,  VI,  63). 

2)  substitui-la  pela  anaphora : 

Doesta  arte  o  Malabar,  doesta  arte  o  Luso  \  Caminhão 
lá  pêra  onde  o  Rei  o  espera  (Lus.,  VII,  45).  Era  de  ver 
aquella  grande  moderação  e  humildade  tão  profunda  do 


STNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  263 


Arcebispo  em  todo  outro  vegocio,  qual  se  tornava  em  tra- 
tando dos  de  Deos:  era  fogo,  era  rayo,  era  corisco  (Sou- 
sa, V.  do  Are,  I,  242). 

§  332.  São  de  notar  as  expressões,  com  numeraes, 
V.  g.:  três,  quatro,  no  sentido  de  três  e  até,  quatro: 

tem  três  quatro  molheres  (Magalhães  Gandavo,  Hist. 
da  prov.  de  S.*^  Cruz,  3õ,  v.). 

§  333.  De  dar  realce  á  pluridade  dos  objectos  ser- 
ve (entre  membros  de  uma  oração)  tanto  [assim]  —  como 
(que  substituiu  o  latim  et-et): 

offeyro . .  todo  hu  herdamento  de  Crexemil,  assi  us 
das  sestas  como  todo  u  outro  herdamento  (Doe.  de  1193, 
ap.  L.  de  Vasconc,  Tx.  arch.,  14).  assi  per  mar  come  per 
terra  (Fern.  Lopes,  D.  João  I,  247).  Isto  nos  cotaram 
assi  aquelle  peregrino  como  ha  [=aj  dona  honrrada 
(Dlego  Aff.,  279). 

§  334.  A  conjuncção  ou  tem  lugar  em  todas  as  dis- 
juncções : 

Quando  o  Archiiriclino,  ou  regente  da  mesa,  provou 
o  vinho  milagroso,  diz  o  Evangelista  S.  João,  que  gostou 
a  agua  feyta  vinho  (Vieira,  /,  182).  Pouco  fez,  ou  bai- 
xamente avalia  suas  acçoens,  quem  cuyda  que  lhas  podião 
pagar  os  homens  (Vieira,  I,  314).  Os  dias  de  minha  vida 
(diz  Job)  ou  eu  queyra,  ou  não  queyra,  hão-se  de  acabar 
brevemente  (Id.  ibid.,  1088).  Ao  cabo  da  existência,  os 
applausos  ou  as  censuras  do  mundo  fazem  mediocre  im- 
pressão em  quem  está  costumado  a  reflectir  (Herc,  Op. 
I,  296).  na  batalha  do  rio  Chryssus  ou  Guadalete  (Herc, 
Eur.,  4). 

Obs.    A  conjunc.  ou  ás  vezes  equivaio  a  ou  até  : 
As  portas,  os  pátios,  as  ruas  rebentando  de  gente,  e 


264  SYNTAXE  HISTÓRICA   POKTUQUESA 


O  ministro  encãtado,  sem  se  saber  se  eslá  em  casa  ou  se  o 
ha  no  mundo  (Vieira,  I,  543). 

§  335.  a)  Na  coordenação  de  dois  ou  mais  membros 
pode  antepor-se  ou  também  ao  primeiro. 

b)  Depois  de  uma  expressão  de  sentido  imperativo, 
na  or.  que  se  juntar  para  declarar  o  que  de  contrario 
acontecerá,  pode  substituir-se  ou  [ou  então]  por  aliáSy 
quando  não,  e  locuções  semelhantes. 

c)  Em  membros  disjunctivos  diz-se:  ou  seja  (ou 
fosse)— ou  seja  (ou  fosse),  e:  ou  seja  (ou  fosse) — ou,  para 
significar  emphaticamento  a  indiferença  dos  casos  pro- 
postos, o  quando  se  apresentar  uma  expressão  equiva- 
lente, ou  se  deixa  indecisa  a  classificação  que  uma  cousa 
deve  ter: 

De  lá . .  onde  iUuslraes  o  Mundo  com  vossas  vidorias, 
ou  seja  no  circulo  do  Astro,  ou  no  frio  Setentrião  (Vieira, 
//,  §  38).  Se  alguém  me  replicar,  que  este,  ou  seja  conhe- 
cimento, ou  modéstia,  não  he  tão  decente  (Id.  ibid.,  132). 

Também  se  diz  simplesmente :  seja  (fosse)  —  seja 
(fosse)  : 

tudo  quanto  sentia,  fossem  tristezas,  fossem  alegrias 
(Diniz,  Pup.,  40,  ap.  M.  Liibke). 

§  336.  Quer-quer  indica  uma  distincção  de  casos  que 
é  indiferente  em  relação  ao  pensamento  que  se  enuncia : 

u  f=ondeJ  quer  que  eu  moira,  quer  en  meu  reino 
quer  fora  de  meu  regno:  fazam  aduzer  meu  corpo  por 
mias  custas  a  Alcohaza  (Test.  de  D.  Aff.  11,  ap.  L.  do  Vas- 
conc.  Lições  de  Phil.  Port.,  72). 

Da  mesma  maneira  que  a  conjuncçào  ou,  também 
quer-quer  se  reforça  com  seja  (fosse). 

§  337.  a)  nem  repetido  (nem-nem),  ou  empregado 
uma  vez  só,  mas  depois  do  termos  negativos  (v.  g.:  não, 
nunca,  sem),  é  conjuncção  copula  ti  va  negativa: 


SYNTAXE   HISTÓRICA   POKTUGUESA  265 


O  avaro  nom  faz  bem  a  ssy  nem  a  outrem  {Fabul., 

fab.  42). 

Obs.  l.<^  Na  coordenaçãe  de  termos  d'uma  or.,  o 
port.  arch.  médio,  em  vez  do  nem-nem,  ás  vezes  omittia 
o  pi*imeiro  nem  : 

Codro,  nem  Curcio,  ouvido  por  espanto  \  Nem  os  De- 
dos leais  fízerão  tanto  (Lus.,  IV,  53).  . .  saber  humano 
nem  prudência  j  Enganos  tão  fingidos  não  alcança  (Id., 

II,  31). 

Obs.  2."  Está  em  desuso  o  emprego  de  «cot  por  om, 
V.  g.,  quando  o  predicado  é  acompanhado  de  difficil- 
mente,  mal,  apenas,  etc,  e  quando  a  phrase  envolve  a 
ideia  da  ncão  existência  de  uma  cousa,  particularmente 
nas  interrogações  oratórias  de  sentido  negativo : 

E  se  verdade  leixardes  de  dezer  por  sanha,  nem  por 
ira,  nem  por  cobiça  nem  por  prol . .  (Port.  Mon.  Hist.,  Or- 
denações de  D.  Duarte,  299).  Apenas  tem  havido  purpu- 
ra antiga,  nem  moderna,  que  por  leves  sospeitas  neste  gé- 
nero, se  não  tingisse  em  sangue  (Vieira,  //,  37).  E  quem 
poderia  crer  nem  imaginar  que . .  ?  (Id.,  YII,  35).  Mas 
para  que  são  versoens  nem  exposiçoens,  se  temos  o  mes- 
mo author  do  texto  ?  (Id.,  II,  76).  quem  poderá  bastan- 
temente  considerar,  nem  comprehender  as  infelicidades . . 
que  em  sy  contem  a  desgraça  geral  de  húa  peste?  (Id. 
ibid.,  193). 

b)  Introduzindo  clausulas  e  parentheses,  pode  em- 
pregar-se  nem  por  porem  não : 

Sou  eu  o  primeiro  que  não  sei  classificar  este  livro; 
nem  isso  me  aflige  demasiado  (Herc.,  Eur.,  311). 

§  338.  A  omissão  de  conjuncção  disjunctiva  só  é 
licita,  quando  d'ai  não  resulta  obscuridade,  por  ex.,  em 
antitheses  breves,  como:  queira,  não  queira. 

velim,  nolim. 


266  SYNTAXE   HI8T0UICA  P0RTU0CJE8A 


§  339.  Mas  (arch.  mais)  serve  de  ordinário  de  desi- 
gnar o  quo  so  contrapõe  ao  que  se  disse  precedente- 
mente ou  o  restringe : 

E  um  sonho  the  sorriu  \  Fugaz,  mas  amoroso  (Horc, 
Pões.,  pg.  .104). 

§  340,  a)  Quando  se  contrapõe  a  um  membro  nega- 
tivo, mas  reforça-se  com  o  adverbio  sim. 

b)  mas  pode  omittir-se,  quando  a  antithese  já  se 
acha  suftlcientemente  demonstrada  por  outro  modo : 

[»S.'"]  Izahcl  não  buscava  coroas,  antes  as  coroas  a 
buscavão  a  ella  (Vieira,  //,  20). 

§  341.     porem  é  adversativa  mais  frouxa  do  que  mas. 

Obs.  porém  no  port.  arcli.  médio  também  so  em- 
pregava advorbialmonte  cora  o  sentido  do:  todavia,  com- 
indo;  no  port.  arch.  (por  ende),  significava  por  isso,  pot' 
tanto. 

§  342.  ora,  como  adversativa,  liga  orações  e  intro- 
duz um  pensamento  que  ó  só  diverso  do  que  se  enun- 
ciou precedentemente. 

§  343.  senão,  na  qualidade  de  adversativa,  só  tem 
lugar  como  synonyma  de  mas,  quando  a  ura  membro  ne- 
gativo se  contrapõe  ura  afflrraativo  : 

a  santidade  nam  consiste  em  muito  contemplar,  se- 
nam  em  muito  obrar  (Chagas,  /,  2). 

Excepto  na  locução:  não  só  —  senão  também,  quando 
o  segundo  membro  é  constituído  por  uma  or.  com  pre- 
dicado diferente,  não  se  diz  simplesmente:  senão,  mas 
sim :  senão  que  : 

não  tomou  para  sij  essas  novas  glorias,  senão  que  to- 
dus  as  quiz  para  elle  (Vieira,  II,  50). 

§  344.  pois,  como  adversativa,  emprega-se  nas  repli- 
cas, se  se  quer  representar,  como  cousa  de  estranhar  o 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  267 


serem  ao  mesmo  tempo  verdadeiros  os  enunciados  que 
se  contrapõem: 

. .  Pompilio,  ouvindo  que  a  possança  I  Dos  imtnigos  a 

terra  lhe  corria,  |  A  quem  lhe  a  dura  nova  estava  dando, 

I  *iPois  eu*  responde  restou  sacrificando^  (Lus.,  VIII,  31). 

CAPITULO  II 

Da  subordinação 

A.    Orações  substantivas 

§  345.  As  orações  substantivas  são  ou  orações  in- 
troduzidas pela  conjuneção  que  (e  ás  vezes  também  por 
como)  (no  port.  arch.  ca),  ou  interrogativas  ou  infinitivas 

§  346.  a)  Uma  or.  de  que  pode  ser  sujeito  de  ver- 
bos intransitivos  e  da  passiva  de  verbos  transitivos,  que 
na  activa  possam  ter  uma  or.  de  que  por  compl.  directo: 

semelhava  que  todos  os  fundamentos  da  terra  se  mo- 
viam (Vis.  de  Tundalo).  acertou  assi  que  aquella  hora 
chegava  hã  cavalleiro  (Bern.  Rib,,  Men.,  38).  Que  muito 
[é  que]  vos  chame  o  inundo,  quando  o  mesmo  Deos  em 
trajes  de  Seraphim  vos  imprimio  suas  chagas?  (Ceita,  26, 
V.  2).  Não  vos  parece  que  he  terrível  cousa  ser  a 
morte  momentânea?  (Vieira,  /,  1082).  Foy  sua  ventura 
que  andava  o  Arcebispo  na  mesma  conjunção  visitando . . 
(Sousa,  V.  do  Are,  I,  513).  Sem  concórdia,  inevitável  é 
que  o  edifício  social  desabe  (Herc,  Op.,  I,  46). 

Obs.  1."    Parece  pertencer  a  esta  categoria  a  or.  de 
qtie  junta  a  ainda  mal,  ainda  bem,  felizmente,  etc: 

ainda  bem  que  viestes  (Garrett,  Fr.  Luiz  de  Souza, 
acto  I). 


268  8YNTAXK  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


Obs.  2."  Em  visto  que,  posto  qitc,  excepto  que,  salvo  que, 
não  obstante  que,  não  embargante  que,  otc,  que  propria- 
mente introduz  uma  or.  que  é  sujeito  do  partic.  abso- 
luto: 

E  nom  embargante  que  estas  declarações  sejam  am- 
bas pertencentes  (V.  Bemf.,  17).  não  obstante  que  não  tinha 
bõs  pés  (Ceita,  125).  salvo  que  ahi . .  a  injuria  de  godos 
respondia  d  injuria  proferida  por  bocas  de  godos  (Herc, 
Eur.,  103). 

Obs.  3."  Junta-se  uma  or.  de  que  á  obscura  loc.  elli- 
ptica  a  niodo  : 

E  a  modo  que  procura  reconhecer  feições  (Garrett., 
Cam.,  3). 

Obs.  4."  Em  alguns  lugares  do  país  (v.  g.:  no  Alan- 
droal) diz-se:  pode  que  —  por:  pode  ser  que~{v.  Rcv.  Lus.^ 
IV,  pg.  48). 

b)    Também  pode  servii'  de  n.  predicativo : 

As  razoens  que  davão  para  arribar,  forão  que  a  Nao 
era  muito  grande  (Hist.  Tragico-Maritima,  I,  6).  Um 
pensamento  horrivel  passou  a  ambos  pelo  espirito:  era 
que  os  árabes  podiam  chegar!  (Herc,  Eur.,  251). 

Outrosim,  pode  ser  apposto  epexegetico  de  pronome 
e  ainda  de  substantivo : 

Todos  naçemos  com  este  concerto  j  Que,  quem  tiver 
vida,  tem  certo  perde-la  (Diogo  Brandão,  Canc.  Ger.,  11, 
191).  este  mal  tem  os  príncipes,  que  nam  tem  quem  lhe 
ouze  dizer  a  verdade  descuberta  (H.  P.,  /,  364  \.). 

E'  apposto  epexegetico  em  varias  loc.  conjunccionaes, 
V.  g.:  no  caso  que,  por  isso  que,  coinlanto  que,  (archaico) 
com.  tal  que. 

§  347.  Na  qualidade  de  compl.  dii'ecto  liga-se  uma 
or.  de  que: 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  269 


1)  aos  verbos  sensitivos  e  declarativos,  e  locuções 
correspondentes : 

E  eles  diserõ  ca  erõ  da  casa  do  rey  Artur  (Demanda 
do  S.*°  Graall,  ap.  L.  de  Vasconc,  Tx.  arch.,  39).  Eu  sem- 
pre tive  pêra  mim,  e  tenho  inda  agora,  que  híta  das  gran- 
des perdas,  que  he  no  inundo,  he  a  do  tempo  (H.  P.,  /, 
146  V.). 

2)  aos  que  exprimem  a  ideia  de,  por  qualquer  mo- 
do, ser  causa  ou  impedimento  de  uma  acção  ; 

Aias  a  deosa  em  Cythera  celebrada  \  . .  Não  consente 
que  em  terra  tão  remota  |  Se  perca  a  gente  d'eUa  tão  ama- 
da (Lus.,  I,  100).  Mandou  Christo  a  S.  Pedro,  que  pa- 
gasse o  tributo  a  César,  e  disse-lhe  que  fosse  pescar,  e  que 
na  bocca  do  primeiro  peixe  acharia  huma  moeda  de  prata 
com  que  pagasse  (Vieira,  »S.  S.^°  Anto.). 

3)  aos  de:  desejar  e  querer. 

4)  aos  de:  temer,  ou:  esperar. 

5)  aos  de:  sentir  (=:ter  pena),  ou:  estimar,  e  appro- 
var,  ou:  desapprovar. 

6)  á  maior  parte  dos  que,  em  certas  combinações 
(v.  g.:  dar  por  desculpa),  podem  ter  por  compl.  directo 
um  substantivo  abstracto : 

tomastes  por  salva  [substantivo]   que  a  cidade,  que 

descrevíeis,  era   decida  do  céo  á  terra  (Vieira,  IV,  195, 

ap.  Blut.). 

Obs.    Alguns  dos  verbos  de  que  trata  este  §,  também 
tera  outra  syntaxe,  v.  g.  : 

1)  pedir  também  se  construe  intransitivamente  se- 
guido de  para  que,  ou  de  para  (com  infinitivo). 

Também  em  latim  a  or.  de  ut  que  se  junta  ao  verbo 
peto,  é  originariamente  uma  or.  final. 

2)  Em  lugar  de  fazer  que — ,  também  se  diz  fazer 
com  que  —: 


270  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


E  O  amor  faz,  com  que  esla  [memoria]  se  despeje,  e 
fique  totalmente  solitária  de  lembranças  de  crealuras 
(Chagas,  194). 

§  348.     Liga-se  uma  or.  de  que  a  ser  servido  : 

he  Deos  servido  que  não  trabalhem  debalde  (Godinho, 
169).  E  foi  Deos  servido,  que  se  achasse  este  padre  em 
sua  morte  (Sousa,  V.  do  Are,  I,  16). 

§  349.  Precedida  da  prepos.  a,  junta-se  uma  or.  de 
que  aos  verbos,  loc.  verbaes,  adjectivos  e  substantivos, 
que  possam  ser  determinados  por  um  substantivo  abstra- 
cto, precedido  da  prepos.  a : 

No  meio  das  difficuldades  que  surgiam  de  todos  os 
lados,  não  se  attendeu  a  que,  alteradas  as  disposições  do 
decreto,  era  necessário  pôr  em  harmonia  com  ellas  a  ex- 
posição dos  motivos  (Herc,  Cas.  Civ.,  87).  attentos  sem- 
pre a  que  não  nos  illuda  a  cada  momento  um  fabricante 
de  mentiras  ou  um  faUificador  de  documentos  e  textos 
(Id.,  Op.  Ill,  133). 

No  port.  arch.  médio  suprimia-se,  ás  vezes,  a  prepos. 
depois  de  alguns  verbos: 

nom  o  poderom  constranger  que  se  apartasse  (Azura- 
ra, Chron.  da  Guiné,  cap.  5). 

§  350.  a)  Precedida  da  prepos.  de,  junta-se  uma  or. 
de  que  aos  verbos,  loc.  verbaes,  adjectivos  e  substantivos, 
que  podem  ser  determinados  por  substantivos  abstractos 
precedidos  da  prepos.  de: 

O  cataléptico,  fechado  no  seu  caixão,  ouve,  sente,  tem, 
a  consciência  de  que  foi  sepultado  vivo  (Herc,  Op.,  I,  196). 

Obs.  1."    A  prepos.  de  pode  omittir-se  depois  dos 
verbos  e  locuções  pertencentes  a  esta  cathegoría : 

ela  tinha  esperamça  que  se  elle  esto  fezesse  que  seu 
filho   averia  perfeita  saúde   (Mil.   de  S.*'*  António,   22). 


SYNTAXE  HISTOUICA  POUTOQUESA  271 


ella  movia  a  cabeça  a  huua  parte  e  aa  outra,  a  maneira 
de  homeem  que  faz  sinal,  que  nega  algua  coiissa  (Id.,  49). 
eu  folgaria  muyto . .  que  nos  assentássemos  (H.  P.,  /, 
421  V.).  folgará  que  em  nossos  dias  \  Outro  Hercules  vivo 
fora  (Prestes,  303).  hiam  outros  queixar-se  que  ho  Arce- 
bispo . .  hos  deserdava  e  lhe  tomava  suas  fazendas  (Diego 
Aff.,  77).  com  condição  que  ho  Arcebispo  não  fosse  pre- 
sente (Id.,  137).  mandou  fee  que  tal  visse  nê  ouvisse  (Id., 
206).  AdmiraS'te,  Jacob,  que  eu  podendo-te  vencer,  me 
deixasse  vencer  de  ti?  (Vieira,  VII,  4).  Pregador  que  pe- 
leja com  as  arenas  alheyas,  não  hajais  medo  que  derrube 
gigante  (Id.,  /,  54).  estou  certo,  que  tienhum  entendimento, 
que  tenha  Fé,  lhe  pode  achar  reposta  (Id.,  1038).  envergo- 
nho-me,  sendo  pensamento  tão  Christão,  que  o  dissesse  pri- 
meyro  um  Gentio  (Id.,  1045).  não  ha  duvida,  que  os  ho- 
més  são  peyores  inimigos  que  os  Demónios  (Id.,  768). 
Fez  conta  que  tinha  dous  mezes  do  Outono  vagos,  deter- 
minou aproveitallos  (Sousa,  V.  do  Are,  1,  275).  despedio 
aquella  manhã  dous  criados  a  cavallo  com  ordem  que  sa- 
hissem  pela  porta  e  catninho  de  Siena  hmn  bom  espaço 
(Id.  ibid.,  7,  294-295).  quando  madeiro  verde  começa  a 
estilar  agoa  na  chaminé,  signal  he  que  se  vay  tomando 
do  fogo  (Sousa,  V.  do  Are,  1,  468). 

Obs.  2."  Duvidar  como,  em  vez  de  duvidar  de  que,  é 
archaico : 

Eu  . .  I  Nenhfia  cousa  duvido  \  Como  ella  he  azo  de 
danos  (Bern.  Ribeiro,  Men.,  cap.  21). 

Obs.  3.C  É  também  antiquado  e  raro  construir  não 
duvidar,  não  haver  duvida,  não  ha  que  debater,  com  or. 
introduzida  por  senão  que  : 

nam  ha  hi  duvida  senam  que  sam  ellas  [leis]  muito 


272  8YNTAXB  HISTOttlCA  POKTUOUESA 


mays  substanciaes  e  necessárias  ao  príncipe  que  a  mathe- 
matica  (H.  P.,  7,  227).  Se  nós  bem  considerássemos  que 
somos,  e  em  que  nos  avemos  de  tornar,  nam  ha  hi  duvida 
senam  que  milhorariamos  nossas  consciências  (Id.,  7,  426, 
426  V.).  Nê  ha  hi  que  debater^  senão  que  estes  animosos 
varões  preferiam  a  honra  de  Deos  d  própria  vida  (Id.,  7, 
461).  não  tenho  duvida  se  não  que  este  Sínodo  assi  como 
foy  o  primeiro  despois  dos  antigos,  será  também  o  derra- 
deiro (Sousa,  V.  do  Are,  1,  493). 

Cf.  em  inglês:  there  is  no  doubt  but — (não  lia  duvida 
de  que—). 

b)  Precedida  da  mesma  prepos.  em  sentido  defini- 
tivo, junta-se  uma  or.  de  que  a  substantivo: 

A  lei  representava  o  principio  de  que  o  casamento  é 
em  si  um  contracto  natural  e  civil  (Herc,  Cas.  cív.,  114). 

§  351.  Precedida  da  prepos.  em,  junta-se  uma  or. 
de  que  aos  verbos  e  locuções  verbaes  que  se  construem 
com  a  prepos.  em,  e  aos  substantivos  correspondentes: 

Que  te  vae  a  ti  em  que  quem  te  deo,  t'a  pida  [=peça] 
(Man.  d'Epicteto,  47). 

Obs.  Depois  de  vários  verbos  e  locuções  podesup- 
primir-se  a  prepos.  em: 

todos  concordão  que  . .  (Vieira,  S.  do  b.  Estanislao), 
§  352.    Liga-se  uma  or.  de  que  ás  prepos.  sem,  sobre 
[=alem  de],  e  a  varias  lòc.  preposicionaes,  v.  g.:  alem  de. 
§353.    Observações  ao  emprego  das  or. -substanti- 
vas de  que: 

Obs.  1."  Geralmente  fallando,  uma  or.  substantiva 
de  que  não  se  emprega,  excepto  depois  dos  verbos  sen- 
sitivos e  declarativos,  quando  o  predicado  da  or.  sub- 
stantiva, e  o  da  or.  subordinante  hajam  de  referir-se  ao 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  273 


mesmo  sujeito:   em  tal  caso  emprega-se  o  infinitivo, 
V.  g.:  Consegues  ser  feliz,  e  não:  Consegues  que  sejas  feliz. 

Obs.  2."  Depois  da  particula  comparativa  que  (e  do 
que),  não  se  põe  or.  de  que,  mas  ou  se  simplifica  a  ex- 
pressão, supprimindo  a  simples  subordinativa  que  (ha- 
plologia  syntactica)  v.  g.:  é  melhor  que  elle  morra  do  que 
esteja  a  padecer  tal  tormento,  ou  a  or.  de  que  é  substituída 
pelo  infinitivo :  é  melhor  que  elle  morra  que  estar  a  padecer 
tal  tormento : 

Sabe  que  mais  quero  que  me  des  a  Çesar,  que  me  tra- 
eeres  em  aqueste  tormento  (V.  Bemf.,  283). 

§  354.  O  port.  arch.  médio  empregava  frequente- 
mente o  adverbio  como  pela  conjuncção  que.  Todavia, 
esta  prática  (hoje  quasi  antiquada)  é  mui  restricta  e  quasi 
só  se  dá  depois  de  verbos  sensitivos  e  declarativos,  e  em 
summarios  de  capítulos; 

quãdo  souberou  como  Hercolles  era  viindo  em  Espanha, 
prougue-lhes  enãe  muyto  (Lenda  da  Vinda  de  Hercules  a 
Lisboa,  ap.  L.  de  Vasconc,  Tx.  arch.,  46).  visto  como  elle 
fora  citado  perentoriamente  (Diego  Aff.,  78). 

Em  summarios  também  se  diz :  de  como,  em  como,  e 
também  depois  dos  verbos  declarativos  (no  port.  arch. 
também  depois  dos  verbos  sensitivos),  e  dos  substantivos 
correspondentes:  em  como: 

Em  quanto  isto  assi  passava  foy  dito  a  elrey  em  como 
ho  Arcebispo  recusava  fazer  o  que  tinha  prometido  (Diego 
Aff.,  71). 

§  355.  As  or.  interrogativas  subordinadas  são  intro- 
duzidas : 

1)  pelos  pron.  e  advérbios  interrogativos : 
cõsirãdo  quãmanho  prejuizo  do  tal  feyto  a  todos  podia 

recrecer  (Diego  Aff.,  119), 

2)  pela  particula  interrogativa  se; 

18 


274  BTNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA 


Mestre:  quel-o  assi?  —  Cavalleiro :  Mestre,  se  quero! 
(se  quero!  dependo  do  ainda  perguntas,  que  se  subenten- 
de) (Prestes,  31). 

§  356.  a)  Uraa  or.  interrogativa  subordinada  serve 
d©  sujeito  dos  vorbos  passivos,  o  dos  predicados  equiva- 
lentes a  verbos  passivos,  ou  de  compl.  directo  dos  ver- 
bos transitivos: 

Abri  aquellas  sepulturas . .  e  vede  qual  he  alli  o  se- 
nhor,  e  qual  o  servo,  qual  he  alli  o  pobre,  e  qual  o  rico 
(Vieira,  /,  llõ). 

b)  Tambom  pode  ligar-se  como  apposto  epexegotico : 

1)  aos  substantivos  duvida,  disputa,  pergunta,  pro- 
blema, e  seus  synonymos  . . 

2)  a  um  pron.  interrogativo: 

eu  não  sei  resolver  qual  besta-féra  é  mais  damninha, 
se  um  assassino  do  corpo,  se  um  envenenador  do  espirito 
(Herc,  Op.  I,  133). 

c)  No  port.  arch.  médio  tambom  se  construía  ser 
alguém  perguntado  com  uma  or.  interrogativa : 

O  corpo  morto  manda  ser  trazido,  \  Que  resucite  e  seja 
perguntado  \  Quem  foi  seu  matador,  e  será  crido  \  Por  tes- 
temunho, o  seu,  mais  approvado  (Lus.,  X,  115). 

Outrosim,  pode  ser  precedida  das  propôs,  sobre,  de, 
em,  para  : 

corrido  até  certa  baliza,  ou  meta,  incertos  de  quem  ha- 
via chegar  primeyro,  ou  depois  (Vieira,  /,  1072).  conten- 
dendo sobre  qual  fLaria  com  o  primado  da  Grécia  (Mon. 
Lus.,  I,  126,  cl.  2,  ap.  Blut.).  foges  de  te  lembrar  de  quem 
sou  (Man.  Bernardes,  Pão  partido,  2,  §  9).  E  isto  se  fará . . 
cuidando  algum  tempo  antes,  em  quem  he  o  Senhor,  que 
vou  receber  (Id.  ibid.,  §  14).  informando-sc  de  como  vivião 
(Sousa,  V.  do  Are,  I,  117).  o  habito  pedia  muytos  perdões 
de  qual  se  imaginava  (Id.  ibid.,  I,  278).    mais  se  espantará 


SYNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUESA  275 


de  como  podia  soffrer  cargo  tão  pesado  que  da  anda  que 
tinha  polo  lançar  de  sy  (Id.  ibid.,  /,  429).  Hesita . .  sobre 
se  conviria  (Herc,  Eur.,  315). 

Também  pode  ser  precedida  da  prepos.  a,  quando  se 
diz  que  uma  coisa  se  faz  á  compita. 

se  não  quando  levantando  os  olhos  vem  cobrir  se  os  ro- 
chedos de  húa  e  outra  parte  de  homens  e  molheres  que  se 
vinhão  arremessando  polias  costas  ahaijxo  a  quem  mais 
podia  correr  contra  a  Igreja  (Sousa,  Vida  do  Arceh.,  1, 483). 
Debatendo  a  qual  mais  com  anciã  forte  (Eneida  Portug., 
77,  106). 

O  port.  arch.  médio  ligava  frequentemente  a  prepos. 
por,  de  ordinário  em  sentido  causal,  a  orações  introduzi- 
das pelos  interrogativos  quanto,  quão,  qual,  como  : 

rogo-vos  ora  que  por  qual  amor  |  vos  ei,  Ihi  queirades 
tanto  rogar  \  que  se  doia  ja  do  meu  mal  /Lang.,  31).  Per 
quaes  novas  ofeu  aprendi  \  eras  me  verra  meu  amigo  veer 
(Martira  de  Caldas,  Vat.,  800).  lhe  fizera  de  contino  mui- 
tas mercês,  por  quam  lealmente  o  servira  {A&.  de  Albuq., 
Comm.,  35). 

§  357.  E  imitação  rara  da  syntaxe  latina  o  emprego 
de  duas  palavras  interrogativas  nào  coordenadas  na  mes- 
ma oração : 

. .  e  descuberto  \  Qual  a  qual  tem  caido  das  consortes, 
I  Cada  húa  escreve  ao  seu  por  vários  modos  \  E  todas  a 
seu  Bei,  e  o  Buque  a  todos  {Lus.,  VI,  50). 

Considera . . ,   quis  quem  fraudasse  dicatur  (Cie,  pro 
Rose.  Com.,  V.  Madv.,  §  492). 

§  358.  No  port.  arch.  era  frequente  antepor  ás  pa- 
lavras interrogativas  das  or.  subordinadas  a  palavra  que : 

per g untar om-lhe  as  vezinhas  que  adomde  leixara  ela  o 
filho  {Mil.  de  àS.'°   Ant.,  17).    E  pensava  antre  ssy  que 


276 


SYNTAXE  HISTÓRICA   POnXUGUESA 


domde  'avería  aquelle  moço  que  era  tam  fermosso  (Id.,  1&). 
preguntou  aos  servidores  do  moesteiro  com  que  emcontrava 
queixosamente  que  adomde  estava  frey  António  (Id.,  28). 
. .  dizendo  que  pêra  que  era  aquilo  bom,  que  porque  lhe  não 
mandava  ezcarlata  (Castanh.,  J,  6).  Perguntei-lhes  que  por 
onde  tinham  sabido  . .  (Roteiro  de  D.  João  de  Castro^  201). 

Obs.    Sou  informado  do  que  é  pratica  popular  ©m 
algumas  partes  do  Algarve. 


§  à59.  Em  interrogações  disjunctivas  diz- se :  se  —ou  : 
se — ou  se ;  se  —  se: 

vendo  se  velarão,  ou  se  dormido  (Mon.  Lusit.,  I,  159, 
cl.  2,  ap.  Blut.).  Pela  voz  se  conhece  se  os  sinos  estão  sãos, 
ou  quebrados  (Melo,  Carta  de  Guia  de  Cas.,  85,  ap.  Blut.). 
e  comtudo  não  sabe  o  homem  se  é  digno  d'amor,  ou  de  ódio 
(P.^  do  Fig.,  tr.  da  Vulgata,  Eccles.,  O,  1). 

§  360.  Os  pronomes  e  advérbios  pronominaes  inter- 
rogativos podem  introduzir,  ao  mesmo  tempo,  duas  ora- 
ções, uma  subordinada  á  outra,  dando  o  caracter  de  in- 
terrogativa (directa  ou  indirecta)  á  subordinante,  mas 
pertencendo,  como  sujeito  ou  determinação  á  subordi- 
nada: Que  livro  lhe  aconselhaste  que  comprasse?  (Que  li- 
vro dá  o  caracter  de  interrogativa  á  or.  de  aconselhaste, 
mas  é  compl.  directo  de  comprasse,  verbo  da  or.  subor- 
dinada a  aconselhaste) : 

Quando  lhe  heide  eu  dizer  que  estás  aqui?  (Garrett, 
Viagens,  161). 

Cf.  §  367. 

§  361.  Quando  a  um  verbo  sensitivo  se  liga  uma  or. 
interrogativa  do  como,  pode  juntar-se  emphaticamento  ao 
verbo  subordinante,  como  compl.  directo,  o  nome  ou 
pronome  que  havia  de  ser  sujeito  da  or.  interrogativa: 


SYNTAXE   HISTÓRICA  PORTUGUESA  277 


à  solta,  é  vê-los  \  como  vem  pelas  ruas  bordejando 
(Cast.,  Fastos,  II,  61). 

§  362.  Ás  or.  interrogativas  indirectas  de  co7no,  por- 
que e  quão  pode  antepôr-se  o  art.  definido : 

e  perguntando  elle  mesmo  em  occasiões  o  como  se  avião 
(Sousa,  V.  do  Are,  I,  52o).  se  está  deixando  ver  o  como 
em  him  alma  entra  a  heresia  (Ceita,  251,  v.). 

§  363.  Sobre  as  or.  infinitivas,  só  é  necessário  accres- 
centar  ao  que  vae  dicto  no  capitulo  do  emprego  do  infi- 
nitivo o  seguinte: 

No  port.  moderno,  em  lugar  de  se  dizer  simples- 
mente, v.  g. :  O  estar  todo  o  estrangeiro  exposto  a  ser  pre- 
so, hasta  para  provar  que — ,  é  corrente  empregar-se  uma 
periphrase  com  facto,  circumstancia,  e  dizer-se:  O  facto 
de  estar  todo  o  estrangeiro,  etc.  (em  francês,  onde  não  ha 
orações  infinitivas,  tem  de  ser  necessariamente:  Le  fait 
que  tout  étranger  était  exposé  à  être  arrete  suffit  à  prouver 
que).  Tal  prática,  bem  que  possa  ser  taxada  de  gallicis- 
mo,  serve  ás  vezes  de  evitar  durezas  de  estilo. 


B,    Orações  adjecíiras  (relativas) 

§  364.    Uma  or,  relativa: 

1)  ou  é  simplesmente  qualificativa: 

Boca  que  sempre  fala  he  bolsa  sem  cerraes  (H.  P.,  /, 
370).  a  poesia  he  pintu7'a,  que  fala  (Id.,  II,  488,  v.).  Hoje 
a  heráldica  e  os  hrazões  são  dixes  com  que  se  entretém  as 
creanças  barbadas  (Herc.,  Op.  Ill,  171). 

2)  ou  exprime  simultaneamente  outra  relação  a 
saber: 

fim ;  consequência ;  causa ;  condição ;  concessão : 
Põe-me  em  perpetuo  e  misero  desterro,  \  Na  Scythia 


278  SYNTAXK  HISTÓRICA  P0UTUGUE8A 


fria  ou  lá  na  Libya  ardente,  |  Onde  em  lagrimas  viva  eter- 
namente (Ltis.,  II,  128). 

§  36Õ.  Aos  numeraes  ordinaes,  a  ultimo  e  seus 
synon.  (e  a  penúltimo  e  antepenúltimo),  e  aos  superlati- 
vos exclusivos  liga-se  uma  or.  relativa  de  que,  para  de- 
terminar em  que  sentido  são  tomados  aquelles  adjectivos: 

e  soes  a  moor  mentyrosa  \  que  vy,  e  mais  sem  ver- 
gonha (Francisco  da  Sylveyra,  Canc.  G."^,  II,  162).  como 
quizesse  eu  ser  a  primeira  que  vadeasse  a  levada  (Man. 
Godinho,  116). 

Veja-se  o  §  299. 

§  366.  Em  vez  de  ligar  aos  verbos  sensitivos  uma 
or.  substantiva  de  que,  ou  um  infinitivo,  pode  fazer-se 
do  que  havia  de  ser  sujeito  da  or.  substantiva  compl. 
directo  d'aquelles  verbos,  e  ligar-lhe  uma  or.  relativa 
de  que.  E  construcção  pouco  vulgar,  e  que  pertence  só 
á  litteratura: 

Vereis  a  inexpugnahil  Bio  forte  \  Que  dous  cercos  terá . . 
(Ims.,  II,  50). 

Cf.  em  francês:  Je  la  vois  qui  chancelle  =Yeio-a  va- 
cilar. 

Semelhantemente  diz-se  com  eis,  v.  g.:  ei-lo  que  chega. 

Ei-la  que  expira,  ei-la  morta  (Passos,  106). 

§  367.  Da  mesma  maneira  que  os  pronomes  e  advér- 
bios pronominaes  interrogativos  (§  360),  os  pronomes  e 
advérbios  pronominaes  relativos  podem  introduzir,  ao 
mesmo  tempo,  duas  orações,  uma  subordinada  á  outra, 
dando  o  caracter  de  relativa  á  subordinante,  mas  perten- 
cendo como  sujeito  ou  determinação  á  subordinada  (Este 
é  o  livro  que  lhe  aconselhei  que  comprasse): 

Conta  Solino  que  ha  hi  hfia  fonte  no  Epiro,  onde  se 
metem  húa  tocha  apagada,  say  accesa  (H.  P.,  /,  447).  bus- 
cam, o  que  se  não  buscassem,  seriam  infelices  (Id.,  //,  45). 


SYNTAXE  HISTÓRICA  POUTDGDESA  279 


avançarão  ao  baluarte  de  S.  Thomé^  que  por  estar  quasi 
todo  arrasado,  as  minas  lhes  serviam  de  escadas  (Freire, 

166-167). 

Obs.  Esta  prática  extende-se  aos  casos,  em  que  a 
parte  subordinada  é  não  só  um  infinitivo,  como  tam- 
bém um  participio. 

No  port.  moderno,  esta  construcção  só  tem  lugar, 
em  geral,  quando  a  or.  subordinada  é  substantiva;  fora 
d'este  caso  só  se  emprega,  de  ordinário,  com  o  pron. 
o  qual,  e  então  coUoca-se  este  pronome  depois  da  ex- 
pressão por  elle  determinada :  É  problema,  para  resolver 
o  qual,  são  necessárias  duas  condições: 

O  jugo  da  obediência,  para  lhes  impor  o  qual  muitas 
veses  faltava  a  força  (Herc,  Hist.  de  Portugal,  I,  244). 

Todavia  evita-se  esta  construcção  quanto  possível,  e 
diz-se  por  ex.:  É  problema  para  cuja  resolução  são  neceS' 
sarias  duas  condições. 

No  port.  arch.  médio,  por  imitação  da  syntaxe  lati- 
na, não  havia  a  restricção  apontada,  resultando  d'ahi  ás 
Tezes  phrases  extremamente  duras : 

escudo . .  no  qual  todos  os  que  punham  fitos  os  olhos, 
ficavam  pedras  (H.  P.,  I,  276). 

V.  Madr.,  §  445. 

§  368.  Note-se  a  loc.  quanto  a  e,  com  o  verbo  claro, 
quanto  é  a : 

quanto  he  ao  socorrer  (H.  P.,  //,  294).  E  quanto  he 
ao  Conselho  (Azurara,  Chron.  da  Guiné,  246). 

§  369.    É  de  notara  expressão  restrictiva  com  quanto: 

entender  pode  quanfé  mha  créêza  (Estevam  da  Guarda, 
7aí.,  904). 

§  370.  Está  quasi  completamente  em  desuso  o  em- 
prego de  quando  como  adverbio  relativo : 


280  8YNTAXB  HISTÓRICA  P0UTUGUE8A 


Ditoso  seja  o  dia  e  hora,  quando  \  Tão  delicados  olhos 
me  ferido!  (Cam.,  Son.  51). 

§  371.  É  corrente  o  emprego  de  uma  or.  relativa 
ligada  a  um  substantivo  ou  pronome,  em  lugar  de  uma 
or.  interrogativa  subordinada,  depois  dos  verbos  de  pen- 
sar, dizer,  indagar  e  perguntar^  e  dos  substantivos  corres- 
pondentes, V.  g.:  Desejo  saber  os  progressos  que  elle  tem 
feito. 

E,  cm  particular,  o  que  se  dá  com  o  que,  em  substi- 
tuição do  pron.  interrogativo  que,  v.  g. :  Não  percebo  o 
que  dizes. 

Obs.  Em  interrogações  directas,  a  lingoagem  po- 
pular emprega  inexactamente  o  que,  era  vez  do  pron. 
interrogativo  que.  Os  melhores  escriptores  só,  por  des- 
cuido, empregam  tal  syntaxe: 

Castello  de  S.  Angelo,  Castello  de  S.  Angelo,  o  que  di- 
rias tu,  se  faltasses !  (Herc,  Cas.  civ.,  76).  O  que  eram  as 
instituições  disciplinares  do  Concilio  no  que  respeitava  ao 
foro  externo?  (Id.  ibid.,  134). 

§  372.  O  port.  litterario  arch.  médio  (raras  vezes  o 
moderno),  imitando  a  syntaxe  latina  (v.  Madv.,  §  448),  dá 
começo  a  uma  nova  clausula,  por  meio  de  o  qual,  empre- 
gado, já  substantivamente,  com  o  valor  do  pronome  elle, 
já  adjectivamente,  com  o  valor  de  um  pronome  demons- 
trativo (este,  aquelle),  e  também  o  que,  com  o  valor  de 
isto  (e  isto): 

O  qual . .  (Lus.,  IV,  67).  A  qual  longueza  de  tempo . . 
he  asaz  suficiente  (Góes,  C.  Maj.,  8).  o  que  tudo  conside- 
rando . .  determinei . .  (Góes,  C.  Maj.,  7).  O  que  el-rei  muito 
sentiu  (Garrett,  Cam.,  136). 

Outrosim  empregava  pelo  qual  (polo  qual),  com  o  va- 
lor de  por  isto,  e  por  isto : 

Polo  qual,  se  tu  quiseres  \  ser  livre  de  fiosso  mall  \ 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  281 


trabalha,  quanto  poderes  \  por  fugir  caminho  tall  (Diogo 
Brandão,  Canc.  (?.«',  11,  231). 

§  373.  Os  escriptores  do  período  arch.  médio  faziam 
muito  uso  da  combinação  como  aquelle  que,  como  quejn, 
em  sentido  causal  (correspondente  ao  latim  ut  qui,  quippe 
qui;  V.  Madv.,  §  366,  obs.  2): 

Hercolles . .  era  muy  piadoso  aos  bõos,  e  mui  bravo  e 
forte  aos  mãos,  como  aquel  que  nom  era  viindo  pello  mundo 
por  outra  cousa  se  nõ  p)or  destroyr  os  sobervosos  e  maaos 
(Lenda  da  viíida  de  Hercules  a  Lisboa,  ap.  L,  d^  Vasconc, 
Tx.  arch.,  47).  bè  entendeo  ho  Arcebispo  que  hera  ho  cora- 
ção delrey  muy  apartado  de  sua  amizade  como  quem  ho 
conhecia  de  muy  to  tempo  e  muy  ta  conversação  (Diego  Aff., 
73).  Deos  he  o  que  sustenta  todas  as  cousas  como  quem  as 
creou  (Vieira,  S.  de  S.  José). 

§  374.  Na  construcção  de  que  falia  o  §  318,  é  rarís- 
simo substitui r-se  o  partic.  passivo  por  uma  or.  relativa : 

Mova-te  a  piedade  sua  e  minha,  \  Pois  te  não  move  a 
culpa  que  não  tinha  (Lus.,  III,  127). 

§  375.  a)  E'  irregularidade  (não  rara  na  prática  fa- 
miliar e  nas  próprias  obras  litterarias  antigas)  a  substi- 
tuição do  pronome  relativo  precedido  de  prepos.  (v.  g.: 
a  quem)  por  que  seguido  de  pronome  pessoal  (v.  g.:  que . . 
lhe)  : 

que  muitas  delias  levam . .  (Esmeraldo,  97).  A  natu- 
reza, negando-se-lhe  a  ordinária  ração  de  outros  gostos, 
sente-o,  e  amua-se  como  menino,  que  lhe  tiram  a  merenda 
(Man.  Bernardes,  Armas  da  Castidade,  ap.  Barreto,  250). 

b)  E  também  irregularidade  ligar  a  uma  or.  rela- 
tiva uma  or.  copulativa  para  a  qual,  todavia,  não  per- 
tença, de  modo  algum,  o  relativo: 

E  o  Deos  que  foi  num  tempo  corpo  humano  \  E  por 
virtude  da  erva  poderosa  \  Foi  convertido  em  peixe,  e  d'este 


282  8YNTAXR   HISTÓRICA   PORTUGUESA 


damno  \  Lhe  resultou  deidade  gloriosa,  \  Inda  vinha  cho- 
rando o  feio  engano  (Lus.,  VI,  '24). 

c)  Outra  prática  menos  regular  ó  o  empregar-se  o 
pron.  relativo  em  uma  certa  funcçào  syntactica  (v.  g.: 
compl.  directo  ou  sujeito),  e  depois,  em  uma  or.  coorde- 
nada, subentende-lo  em  outra  funcção  syntactica  (sujeito 
ou  compl.  directo): 

Doesta  arte  se  esclarece  o  entendimento  \  Que  experiên- 
cias fazem  repousado  \  E  fica  vendo,  como  de  alto  assento 
I  O  haxo  trato  humano  embaraçado  (Lus.,  VI,  99)  lAo- 
nardo,  soldado  bem  desposto,  \  Manhoso,  cavalleiro  enamo- 
rado, I  A  quem  Amor  não  dera  hum  só  desgosto,  \  Mas  fora 
d'elle  sempre  mal  tratado  (Id.,  IX,  7o). 

d)  Também  é  irregularidade  substituir,  em  uma^or. 
coordenada  a  uma  relativa,  o  pron.  relativo  por  um 
pron.  pessoal  ou  demonstrativo: 

dandolhe  aquella  gloria  de  que  muytos  faliam,  e  pou- 
cos a  buscam  (V.  Bemf,  193).  homem  que  sseja  achado  em 
falsidade  alguma  e  sentença  for  dada  contra  elle  {Port. 
Mon.  Hist.,  Liv.  das  Leis  e  posturas  de  D.  Aff.  III,  209). 
. .  hua  industria,  que  os  mestres  espirituaes  commumente 
ensinão,  e  a  experiência  mostra  seus  [=d'ellaj  grandes 
frutos  (Man.  Bernardes,  Luz  e  Calor,  9,  cl.  2). 

Em  latim:  Omnes  lum  fere,  qui  nec  extra  hmic  urbem 
vixerani,  nec  eos  aliqua  barbáries  domestica  inftiscaverat, 
recie  loquebantur  (Cie,  Brul.,  74,  vid.  Madv.,  §  323). 

C.    Orações  adrerbiaes 

§  376.  As  orações  adverbiaos  ou  são  de  modo  finito, 
sendo  neste  caso  ligadas  por  conjuncções,  ou  sào  infini- 
tivas, sendo  neste  caso  ligadas  por  preposições,  ou  sào 
orações  de  participio  (participios  absolutos). 


SYNTAXK   HISTÓRICA   PORTUGUESA  283 


a.     Conjuncções  condicionaes 

§  377.  a)  A  conjuncção,  propriamente  dita  condi- 
cional, é  se: 

Pouco  serve  te?'  a  botica  em  casa,  se  nos  nam  valemos 
delia  (Cartas  Esp.,  191). 

Dá-se  emphaticamente  á  hypothese  caracter  dubita- 
tivo com  a  periphrase  se  é  que  (em  allemão :  wenn  anders) : 

Acabai  de  conhecer  quam  mal  entendido  he  o  vosso  es- 
crupulo,  e  o  vosso  temor,  se  lie  que  o  tendes  (Vieira,  VII,  6o). 

Obs.  í."    É  de  notar  a  combinação  só — se,  muitas 
vezes  equivalente  ao  latim  non  aliter  —  quam  si. 
Obs.  2.'    V.  §  343. 

Ó  se  a  Deos  aprouvesse  de  me  tirar  desta  vida  porque 
antre  os  liomês  nam  fosse  visto  (Diogo  Aff.,  70). 

b)  Muitas  vezes  a  forma  hypothetica  ó  meramente 
rhetorica,  v.  g. : 

1)  em  argumentos  a  pari  e  a  fortiori : 

se  a  musica  de  hum  passarinho  pode  entreter  aquelle 
Monge  trezeíitos  annos  com  tanto  gosto  seu . .  como  não  bas- 
tará a  vista  de  Deos . .  para  suspender  a  nossa  alma  sem 
fastio,  nem  cansasso  por  toda  a  eternidade?  (Man.  Bernar- 
des, Pão  partido,  I,  §  1). 

2)  em  contraposições: 

O  Rei  famoso  Hebreio  \  Que  mais  que  todos  soube, 
mais  amou  \  ..Se  muito  soube  e  teve,  muito  errou  (Camões, 
Ode  X).  Se  junto  ao  Guadalete  se  desmoronou  o  império 
dos  godos,  a  sociedade  wisigothica  ficou  (Herc,  Op.,  III,  245). 

Si  Zenoni  licttit, — cur  non  liceal  Catoni  ?  (Cie,  fam.,  S, 
4,  15).  . .  ut,  si  ridere  concesswn  sit,  viluperehir  tamen  ca- 
chinatio  (Id.,  Tuac,  4,  31). 


284  SYNTAXE   HISTÓRICA   POItTUOUESA 


c)  As  orações  de  se  equivalem  frequentemente  a 
orações  temporaes,  quando  se  falia  de  casos  repetidos 
(se  =  todas  as  vezes  que): 

Se  deixava  Moysés  cahir  os  braços,  logo  os  seus  hião 
de  vencida  (Mon.  Lusitana,  /,  46,  cl.  1,  ap.  Blut.). 

d)  Não  é  usual  o  emprego  de  uma  or.  de  se,  em 
substituição  de  uma  or.  substantiva  que  sirva  de  sujeito: 

Outrossy  presta  pêra  este  inchaço . .  se  ficharem  as 
favas  (Gir.,  Alv.,  37). 

Obs.    Na  lingoagera  litteraria  emprega-se  que  86  = 
ora  so: 

Que  se  as  mãos  de  Moifsés  levantadas  erão  as  que  da- 
vão  vitoria  ao  povo  que  pelejava  com  os  inemigos,  como 
não  seria  poderosa  pêra  matar  as  chamas  pestilenciaes  a 
oração  de  um  Prelado  santo  offerecida  ao  Pay  Eterno  no 
meyo  delias . .  ?  (Sousa,  V.  do  Are,  7,  527). 

Representa  o  latim  quod  si. 

e)  Uma  or.  de  se,  desligada  de  or.  principal,  pode 
servir  de  justificar  um  asserto,  por  intermédio  de  uma 
phrase  subentendida,  v.  g.:  Que  admiração?: 

Se  na  amada  gentil  ha  tantos  amavios^  \  Que  até  mil 
vezes  força  aos  pretensores  hellos  \  a  travarem  por  ella  os 
terriveis  duellos!  (Cast.,  Georg.,  169). 

§  378.  No  discurso  animado,  um  período  hypothe- 
thico  pode  ser  substituído : 

a)  por  uma  or.  principal  interrogativa  seguida  asyn- 
deticamente  de  uma  or.  principal  asscrtoria : 

Chama-me  ?  ascendo  d  pátria,  \  Poupa-me  ?  aspiro  a 
ella  (Castilho). 

V.  Madv.,  §  442,  obs.  2.«. 


SYNTAXK   HISTÓRICA  PORTUGUESA  285 


b)  por  uma  or.  imperativa  (ou  de  sentido  impera- 
tivo) seguida  de  uma  or.  principal  assertoria : 

Deitai  ao  mar  um  vaso  de  barro  inteiro,  nada  por 
cima  da  agua:  quebray  esse  mesmo  vaso,  fazeij-o  em  pe- 
daços, e  todos  até  o  mais  pequeno  se  vão  ao  fundo  (Vieira, 
II,  79).  Tirae  do  mundo  a  mulher,  e  a  ambição  desappare- 
cerá  de  todas  as  almas  generosas  (Herc,  Eur.,  77).  Que 
se  leia  inteira  a  passagem  impressa  daquella  carta,  e  ver- 
se-ha  se  foi  o  Arcebispo,  se  eu,  quem  usou  de  mais  desabri- 
da linguagem  (Id.,  Op.,  Ill,  35). 

§  379.  Se  une-se  ao  adverbio  não  em  uma  só  pala- 
vra, quando  não  traz  verbo. 

Em  particular,  senão  serve  de  pôr  uma  excepção  a 
uma  expressão  negativa  ou  a  uma  interrogação  de  senti- 
do negativo :  - 

Que  são  os  aplausos  da  fama,  senão  reclamo  dos  ódios? 
<P.®  António  de  Sá,  Sermão  da  Cinza,  13,  ap.  Blut.). 

Ohs.  Quando  a  excepção  vae  em  primeiro  logar, 
não  se  emprega  senão,  mas  sim  a  periphrase  a  não  ser; 
vertendo-se  assim  litteralmente  este  passo  de  Cicero, 
Lael.,  5):  Sed  hoc  primum  sentio  nisi  in  bonis  amicitiam  esse 
non  posse,  terá  nisi  de  traduzir-4e  por  a  não  ser. 

§  380.  a)  Por  meio  de  senão  que  introduz-se  uma 
or.  que  põe  uma  restricção  a  um  asserto: 

os  pretendentes  das  Cortes  em  seus  requerimentos  são 
como  os  710SS0S  Argonautas,  e  primeiros  descobridores  da 
índia:  senão  que  navegão  ao  revez,  e  fazem  a  viagem  ás 
aveças  (Vieira,  //,  89).  Bom  amigo  é  o  gato,  senão  que 
arranha  (Prov.). 

Corresponde  ao  latim  nisi  quod. 
Com  o  mesmo  sentido  também  se  emprega  salvo  que : 


286  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


Salvo  que  Longinhos  mereceo  ser  justificado  e  este  nam 
(Diego  Aff.,  817,  218). 

b)  No  port.  arch.  senão  também  se  empregava  por 
excepto,  ainda  som  estar  referido  a  expressão  negativa : 

Todas  vem  e  todos  vão  |  Onde  querem,  senão  eu  (Gil 
Vicente,  III,  122-123,  ap.  J.  Moreira,  77,  40).  no  qual 
[diluvio]  se  alagaram  quantos  homês  no  mundo  avia,  se- 
não Noe,  e  sua  mollier  (H.  P.,  77,  517  \.). 

c)  E'  de  notar  o  emprego  de  senão  que,  em  combi- 
nações como : 

E  ainda,  Nymphas  minlias,  não  bastava  \  Que  tama- 
nhas misérias  me  cercassem,  \  Senão  que  aquelles  que  eu 
cantando  andava  \  Tal  premio  de  meus  versos  me  tornas- 
sem (Lus.,  VII,  81). 

parum  erat  manibtis,  collo,  crinibus  gestari  [as  pedras 
preciosas],  nisi  infodercnlur  eliam  corpori  (PUn.,  Nat.  Hist., 

xri,  §  2). 

d)  senão  (ou  e  senão)  também  se  emprega  elliptica- 
mente  ligado  a  um  imperativo  (ou  equivalente),  ou  a  uma 
interrogação  rhetorica,  quando  se  confirma  uma  proposi- 
ção: 

Senão  dizei-me . .  (Ceita,  18,2). 

e)  E'  de  notar  o  seguinte  modo  de  dizer: 

Pêra  que  he  mais  senam  que  Ghrísto  nosso  Redemptor . . 
se  apartava  muytas  vezes  a  lugares  solitários?  (H.  P.,  7, 


357). 


Obs.    Sobro  senão  quando,  v.  §  397. 


§  381.     Sobre  senão  equivalente  a  mas,  v.  343: 
§   382.      No  port.  arch.  empregava-se  a  locução  a 
menos  que,  (em  fr.  á  moins  que  na  accepção  de  a  não  ser 
que),   para   exprimir   que   se   exceptua  uma  hypothese; 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  287 


depois  caiu  em  desuso  e  é  considerada  gallicismo  pelos 
puristas. 

§  383.  Contanto  que,  uma  vez  que  (raro),  como,  (arch.) 
a  tanto  que,  em  tal  que,  com  tal  que,  posto  que,  exprimem 
o  que  se  exige  como  condição  para  que  seja  valido  o 
enunciado  da  or.  subordinante: 

E  o  dito  Senhor  lha  perdoou  com  tanto  que  fosse 
estar  em  a  nossa  cidade  de  Cepta  dous  anos  (Doe.  de  1439, 
Docum.  das  Chancel.  Reaes,  99).  Lea  por  onde  quiser 
como  sejão  Livros  Espirituaes  (Cartas  Esp.,  74).  a  gente 
toda  trabalhadora,  e  negoceadora  da  vida  (que  não  he 
pequeno  louvor  como  se  não  passem  os  termos  devidos) 
(Sousa,  V.  do  A7'c.,  I,  148).  Onde  vós  virdes  desejo  \  que 
desejo  deva  sser  \  posto  que  seja  sobejo  \  quer  com  pejo, 
quer  sem  pejo  \  sospiros  podereys  ter  (João  Gomes,  Canc. 
G."^,  I,  38).  Não  podiam  ser  açoitados,  e  podiam  ter  os 
filhos  em  seu  poder,  com  tal  que  fossem  havidos  de  mu- 
lher romana  (Arraiz,  Dial.,  IV,  cap.  XI,  ap.  Barreto,  174). 
o  christão  vencido  pode  viver  em  paz,  guardando  as  suas 
crenças  e  as  suas  leis,  uma  vez  que  solva  o  tributo  ao 
vencedor,  e  não  attente  contra  a  ordem  publica  affron- 
tando  acintosamente  a  religião  dos  dominadores  (Gama 
Barros,   Hist.,  I,  40). 

b.     Conjuneções  causaes 

§  384.  a)  A  conjuncção  causal  de  sentido  mais 
amplo  ô  porque : 

A  paixão  da  liberdade  esmorece,  porque  a  absorve  e 
transforma  a  da  egualdade  (Herc,  Op.,  I,  25). 

b)  porque  também  se  emprega  adverbialmente,  in- 
troduzindo uma  or.  principal  (á  maneira  dos  advérbios 
latinos  enim  e  nam);  mas  tal  praxe  está  inteiramente 
antiquada : 


288  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTCGCESA 


Porque  se  muito  os  nossos  dcsejávão  \  Quem  os  dam- 
nos  e  offensas  vá  vingando . .  \  Despois  de  pouco  tempo  o 
alcançarão  (Lus.,  IV,  2). 

§  385.  a)  Em  lugar  de  porque,  pode  empregar-se 
simplesmente  que: 

1)  depois  de  tanlo  mais,  tanto  menos. 
Depois  de  quanto  mais  sempre  se  diz  que. 

2)  na  loc.  é  {era,  etc.)  que  (=  acontece  assim  por- 
que), quando  serve  de  introduzir  a  exemplificação  da 
existência  do  um  facto: 

Era  que  nessas  palavras  divinas  havia  uma  poesia 
celeste,  a  qual  as  almas  rudes  mas  virgens  do  septentrião 
sentiam  casar-se  com  as  suas  primitivas  virtudes  (Herc, 
Eur.,  34,  35). 

3)  quando  se  justifica  uma  ordem,  conselho,  etc, 
frequentemente  cm  forma  de  parenthesis: 

Lá  se  havenhão  com  os  seos  trabalhos,  pões  vivem^ 
que  eu  já  acabei  a  vida  (Vieira,  J,  lllí).  Guarda  para  en- 
tão as  suberbas ;  que  hoje,  pobre  escrava,  só  te  resta  obe- 
decer á  voz  do  teu  senhor  (Herc,  Eur.,  206). 

4)  na  ligação  não  que . .  (v.  §  273  a). 

Obs,  Também  pareço  ter  valor  causal  a  conjuncçSo 
que  (seguida  de  não)  empregada  noa  contrastes  com  a 
significação  aparente  de  e; 

. .  maravilha  \  Feita  de  Deos,  que  não  de  humano  bra- 
ço (Lus.,  VIU,  24).  Todavia  centenares,  que  não  dezenas^ 
de  milagres  absurdos  são  gravemente  na  Historia  Major 
(Herc,  Op.,  III,  19). 

b)  que  ó  a  partícula  causal  que  se  emprega  depois 
de  uma  interjeição  (v.  g. :  ai)  ou  exclamação. 

Me  miseram,  quod  amor  non  est  medicabilis  herhis! 
(Ovidio,  Ber.,  5,  149). 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  289 


§  386.  Como,  ca  (ainda  em  Heitor  Pinto,  v.  g. : 
7,  359  V.),  por  quanto,  já  que,  uma  vez  que,  visto  que 
{visto  como),  pois  que  (ou  simplesmente  pois),  por  isso 
que,  servem  de  apresentar  o  que  justifica  o  enunciado 
da  or.  subordinante. 

1)  como  (também  como  quer  que)  ô  d'estas  conjun- 
cções  e  loc.  conjunccionaes  a  que  tem  significação  mais 
vaga: 

Como  quer  que  neste  tempo  os  tnouros  de  Calicut  ti- 
nhão  trato  em  Quiloa.{Castanh.,  1,  19). 

2)  ca  foi  empregado  no  sentido  de  porque. 

3)  porquanto  dá  realce  á  ideia  de  (com  respeito  á 
causalidade)  ser  o  conteúdo  da  or.  subordinante  propor- 
cionado ao  da  or.  subordinada. 

Emprega-se  também  adverbialmente  em  uma  or. 
principal  por  meio  da  qual  se  desenvolve  um  facto  de 
que  se  acabou  de  fazer  uma  leve  indicação  (Substituo 
neste  caso  os  advérbios  latinos  nam  e  enim). 

Obs.    o  que  é  uso  genuinamente  port.  é  introduzir 
a  nova  clausula  por:  E  foi  que;  foi  que;  foi  o  caso  que: 

Outro   caso.,   aconteceo — .   E  foi  que..  (Magalhães, 
Eist.,  39  y.).    [o  coração]  foi  de  Ima  novidade  alvoraçado 
I  E  foi,  que  estando  já  da  costa  perto,  \  Onde  as  praias  e 
valles  bem  se  vião,  \  Num  rio  que  ali  sae  ao  mar  aberto,  \ 
Bateis  á  vela  entravão  e  saião  (Lus.,  V,  74,  75). 

4)  Com  já  que  exprime-se  que,  em  vista  do  facto 
enunciado  na  or.  causal,  é  de  razão  que  se  verifique  o 
conteúdo  da  or.  subordinante : 

E  já  que  de  tão  longe  navegais,  \  Buscando  o  Indo 
Hydaspe  e  terra  ardente,  \  Piloto  aqui  tereis,  por  quem  se- 
jais j  Guiados  pelas  ondas  sabiamente  (Lus.,  I,  55).  Ora 
não  sejamos  terrestres,  já  que  Deos  nos  deo  hua  alma  ce- 

19 


290 


SYNTAXB  HISTÓRICA  FORTUGURSA 


lestial  (Vieira,   /,   294).    Já  que  pretendem  sem  mereci- 
mento, paguem  as  cultas  da  sua  ambição  (Id.,  //,  93). 

5)  uma  vez  que  tem  a  significação  de  jâ  que. 

6)  visto  que  (visto  como)  faz  sobresahir  a  ideia  de 
ser  o  enunciado  da  or.  subordinanto  devido  á  conside- 
ração do  conteúdo  da  or.  causal: 

o  juiz,  visto  como . .  variavam,  em  duvida  lançou-se 
á  parte  da  clemência  (H.  P.,  II,  313  v.). 

7)  pois  que  (ou  simplesmente  pois)  e  por  isso  que 
exprimem,  com  menos  precisão,  o  mesmo  que  visto  que: 

Pois  que  os  hometis  são  peyores  tentadores  que  o  De- 
mónio, guardemo-nos  dos  homens  (Vieira,  I,  834).  O  qu£ 
importa  he . .  que  pois  temos  o  remédio  tão  prompto,  tão 
poderoso  e  tão  propicio,  nos  soccorramos  deite  a  tempo 
(Id.,  //,  201). 

Obs.  A  combinação,  inteiramente  antiquada,  de 
que  com  a  parlicula  causal  pois  correspondia  primitiva- 
mente, segundo  mo  parece,  ao  quod  quia,  quod  quoniam 
dos  latinos  (v.  Madvig,  Gr.  lat.,  §  449)  e  equivalia  a  e  pois 
ou  ora  pois  (estando  pois  no  sentido  úq  porque),  da  mes- 
ma maneira  que  a  loc.  qxm  se  correspondo  a  quod  si  e 
equivale  a  ora  se.  Com  este  sentido  occorre  que  pois  em: 
Faz  isto  íamayiha  magoa  ver  ficar  o  parente,  e  o  amigo  sem 
lhe  poder  valer , . ;  qtie  pois  faz  tanta  magoa  a  quem  o  ouve, 
quanta  mais  fará  a  quem  o  vio  e  passou  (Hist.  trag.  mar., 
I,  20),  em:  cesse  vossa  cmcldade,  |  mude-se  mynha  ventura; 
I  que  poys  tendes  fcrmosura,  |  tende  iãbem  piadade  (Fran- 
cisco da  Silveira,  Canc.  Q.ai,  II,  174).  Depois  passou 
que  pois  a  enipregar-se  como  synnnymo  do  pois  (=pois 
que,  já  que)  com  a  ideia  accessoria  do  que  o  facto  causa 
estranheza  ou  descontentamento,  v.  g. : 

Mas  moura  em  fim  nas  mãos  das  brutas  gentes,  \  Que 
pois  eu  fui ...  E  nisto  de  mimosa  \  O  rosto  banha  em  lagri- 
mas ardentes  (Lus,,  II,  41). 


SYNTAXE  HISTOKICA  PORTUGUESA  291 


c.     Conjuneções  íirtaes 

§  387.  a)  As  conjuneções  e  loc.  conjunccionaes  que 
servem  de  designar  o  fim,  são:  para  que  (no  port.  arch. 
médio  também  pêra  que),  porque,  por  tal  que  (arch.); 
mas  o  emprego  de  porque,  tão  frequente  no  port.  arch. 
médio,  está,  podo  dizer-se,  de  todo  fora  de  uso: 

huns  hereges  comvidarofn  a  samto  Antonyo  E  elle  re- 
çebfej  o  seu  comvite,  por  (ai  que  os  podesse  tirar  de  seu 
error  por  enxempro  de  Jesu  Christo  {Mil.  de  S}°  Ant°,  5-6). 
Tu  me  queres  dar  este  pam  por  tall  que  nom  ladre  (FabuL, 
fab.  52).  Dairme  agora  um  som  alto  e  sublimado,  |  Hum 
estilo  grandiloco  e  corrente,  \  Porque  de  vossas  agoas 
Phebo  ordene  \  Que  não  tenhão  enveja  ás  de  Hippocrene 
(Lus.,  I,  4).  Codro,  porque  o  inimigo  não  vencesse,  \  Dei- 
xou antes  vencer  da  morte  a  vida;  \  Regulo,  porque  a  pá- 
tria não  perdesse,  \  Quis  mais  a  Uberdade  ver  perdida 
(Id.,  IV,  53).  Quãdo  David  sahio  a  desafio  com  o  Gigan- 
te, metteo  sinco  pedras  no  çurrão,  porque  se  errasse  a  pri- 
meyra  pedrada,  pudesse  appelar  para  as  outras  pedras 
(Vieira,  I,  1054). 

b)  Na  loc.  pouco  falia  (não  falta  muito)  que  uma 
coisa  aconteça  (ou,  com  superabundância  da  negativa,  que 
não  aconteça)  a  or.  de  que  é  propriamente  final. 

d.     Conjuneções  concessivas 

§  388.  As  conjuneções  e  loc.  concessivas  são:  ainda 
que,  inda  que,  em  que,  bem  que,  se  bem  que,  que,  com 
quanto,  posto  que  (posto),  dado  que,  embora,  mas  que, 
dado  caso  que,  caso  que,  sobre  que,  e  no  port.  arch.  tam- 
bém pêro  que  (ou  simplesmente  pêro),  empero,  se,  em  como 
quer  que,  como  quer  que. 


292  SYNTAXK  HISTÓRICA   FORTTJQUKBA 


1)  ainda  que  e  (actualmente  na  conversação  familiar 
e  no  verso)  inda  que  tem  signiflcação  geral  concessiva  e 
empregam-se  tanto  quando  a  or.  enuncia  um  caso  sup- 
posto,  como  quando  enuncia  uma  realidade : 

Isto  fazc  os  príncipes  alheos  de  soberba,  ca  os  incha- 
dos delia,  inda  que  vejão  seus  erros,  ham-se  por  abbalidos 
em  os  emendar  (H.  P.,  I,  203). 

2)  que  com  o  sentido  de  ainda  que,  negativamente 
nem  qne,  emprega-se,  mormente  na  conversação,  fallando 
de  caso  supposto : 

foy  e  serey  sempre  d' ela :  \  meu  corraçam  esqueçe-la  | 
nam  quer,  nem  pode,  que  queyra  (Francisco  da  Silveira, 
Canc.  G."',  11,  172).  Que  causeys  7neu  padecer,  |  que  do- 
breys  minha  payxam,  \  Com  tudo  sempre'  ey  de  ter  \ 
milhor  fee  que  guarlardam  (Garcia  de  Resende,  Canc. 
G."',  III,  611).  Que  me  queira  consolar,  \  o  meu  mal  não 
tem  conforto,  \  nem  eu  lho  posso  buscar  {Chrisfal,  22).  o 
delfim  de  meu  sentido,  \  no  Nilo  que  este  mettido,  \  i-lo-hei 
ver  por  baixo  d'agoas  {Prestes,  176). 

3)  em  que  tem  o  mesmo  valor  que  ainda  que;  mas 
actualmente  quasi  que  só  se  usa  na  expressão  familiar 
em  que  pese  a : 

em  que  mil  penas  passava,  \  algum  descansso  sentia 
1  doesta  dor  que  me  matava  (Henrique  de  Sá,  Canc.  G.^, 
II,  333).     em  que  m'a  mostrem  de  dia,  não  sey  se  a  co- 
nhecer ey  (H.  R,  //,  101). 

4)  bem  que  e  se  bem  que  empregam-se  fallando  de 
uma  realidade,  e  exprimem  que  se  reconhece  a  reali- 
dade do  enunciado. 

5)  comquanto  também  só  se  emprega,  fallando  de 
uma  realidade,  e  dá  realce  á  ideia  da  coexistência 
dos  factos  que  se  contrapõem. 


SYNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUESA  293 


6)  posto  que  (ou  simplesmente  posto)  tem  a  signifi- 
cação geral  de  ainda  que: 

posto  que  naquelle  coftselho  não  ouve  quem  contra- 
riasse este  parecer  (Affonso  de  Albuq.,  Comm.,  9).  posto 
que  entrou  na  batalha  sem  coroa,  e  disfarçado,  para  não 
ser  conhecido,  hum  só  tiro  de  híea  setta  perdida  mattou  o 
Rey  (Vieira,  7,  657).  bastou  serem  escritturas  de  Deos, 
para  o  Demónio,  ou  as  reverêciar,  ou  as  temer,  posto  que 
não  falassem  com  elle  (Id.,  795).  Não  digo,  que  castiguem 
severamente  algãas  petiçoens,  posto  que  imitarião  nisso  a 
Salomão  (Id.,  //,  106).  calumnias  vertidas  sobre  as  cin- 
zas de  individuos  que  não  se  podem  defender,  mas  que  as 
academias  de  hoje,  posto  valham  menos  do  que  elles,  não 
devem,  netn  querem  deixar  sem  pleno  desagravo  (Herc., 
Op.  7,  226). 

7)  dado  que  apresenta  o  enunciado  da  or.  como 
coisa  que  tem  de  admittir-se  ou  que  se  concede: 

Mana  minha,  soys  muyto  moça,  não  vos  engane  pre- 
sunção de  bom  parecer,  que  dado  que  vai  muyto  para 
obrigar  vontades,  formosura  com  vãagloria  dana  mais  do 
que  aproveita  (Aulegrafia,  2,  2).  E  dado  que  isto  princi- 
palmente convenha  aos  prelados  ecclesiasticos,  nam  cui- 
dem os  principes  seculares  .  .  que  sam  escusos  da  obriga- 
çam  da  mansidam  e  humildade  (H.  P.,  7,  200). 

8)  embora  exprime  que,  em  relação  á  or.  subordi- 
nante,  a  acção  da  or.  concessiva  é  de  todo  indifferente : 

Embora  eu  te  não  veja  \  Neste  ermo  pedestal,  \  És 
santa,  és  immortal  (Herc,  Pões.,  pg.  136). 

embora  que  é  incorrecção. 

A  loc.  adverbial  embora,  contrahida  de  em  boa 
hora,  tinha  naturalmente  logar,  como  expressão  d'um 
voto,  em  phrases  imperativas  e  permissivas  (v.  exemplos 


294  SYNTAXB  HISTÓRICA  POKTUGUKSA 


gigantes  e  miuj  forte,  pêro  (comludo)  nõ  era  cruel  (Lenda 
abundantes  no  diccionario  dicto  do  Fr.  Domingos  Vieira); 
d'alii  passou  a  funocionar  como  conjuncção  concessiva. 

Substituo  o  latim  Ikcl. 

9)  mas  que  emprega-se  no  estilo  oratório  com  o  sen- 
tido de  embora. 

10)  caso  que,  dado  caso  que,  equivale  a  ainda  que: 
avendo  muitas  arvores,  que  caso  que  não  dem  fruclo, 

aproveytam  j^era  muijto  (H.  P.,  7,  94  v.).  os  boas  caute- 
las, caso  que  ás  vezes  ganhem  pouco,  todavia  asseguram 
muyto  (Id.,  198).  Assi  como  os  botões  de  fogo  dados  pelo 
excellente  cyrurgiam,  caso  que  pareçam  chagas,  samremedio 
contra  as  chagas  (Id.,  269  v.).  caso  que  alguas  vezes  apro- 
veytam, pala  mòr  parle  danão  (Id.,  368  \.).  Dado  caso  que 
ho  Arcebispo  estava  em  seu  desterro  (Diogo  Aff.,  136). 

11)  sobre  que  como  loc.  concessiva  equivale  a  ainda 
que,  mas  sempre  foi  do  mui  raro  emprego,  e  está  inteira- 
mente fora  de  uso : 

Emendar  cada  hum  as  suas  fraquezas,  sobre  que  he 
difficultoso,  não  he  impossível  (Carta  de  Guia,  25,  ap. 
Blut). 

12)  No  port.  arch.  emprogava-se,  com  a  significação 
de  ainda  que,  pêro  que  (ou  simplesmente  pêro),  empero, 
se,  em  como  quer  que,  como  quer  que : 

ca  pêro  a  sempre  servi  |  grand'é  o  mal  que  mha  se- 
nhor i  mi  quer  (Lang.,  18).  sse  com  quanta  lãa  a  [Im] 
em  esta  terra  \  a  escaentassem  . .  (D.  Aff.  de  Castella  e  Leão, 
Vat.,  78). 

Notar-se-hào  aqui  as  loc.  raras  sem  embargo  que, 
não  embargando  que  (não  embargante  que),  empregadas 
com  o  valor  de  ainda  que: 

nõ   embargando   que  Hercolles  era  do  linhajen  dos 


SYNTAXB   HISTÓRICA   PORTUGUESA  295 


da  vinda  de  Hercules  a  Lisboa,  ap.  Leite  de  Vasconc, 
Tx.  arch.,  47).  não  embargante  que  dos  ditos  officios  ha- 
jam pouco  proveito,  querem-no  ser  por  subjugar  a  terra 
(Chancell.  de  D.  Aff.  V,  ap.  Gama  Barros,  Hist.  da  Adm. 
pub.,  III,  788).  sem  embargo  que  se  applica..  (H.  P.,  I, 
37  V.).  Assi  interpretam  muitos  aquelle  Psaltno,  sem  em- 
bargo que  outros  lhe  dam  oídro  sentido,  e  ambos  podem 
ser  verdadeyros  (Id.  ibid.,  443). 

§  389.  a)  Tem  egualmeiite  valor  concessivo  as  ex- 
pressões formadas  pela  preps.  per  anteposta  aos  advér- 
bios muito  e  mais,  e  também  a  um  simples  adjectivo, 
seguidos  d'uma  or.  de  que: 

Cada  huu  homem,  por  pequeno  que  seja,  nom  deses- 
pere de  poder  agradecer,  qualquer  bem  que  dotdrem  ou- 
ver  (V.  Bemf.,  284).  Não  has-de  emendar  o  mundo  | 
Por  mais  razoens  que  despendas  (Sá  de  Miranda,  Ecl.  I, 
ap.  Blut.).  por  mais  que  braceje  por  soltar-se  da  miséria 
{Atdegr.,  I,  4,).  devíamos  aceytar  qualquer  partido,  e 
offerecer-nos  muylo  degrado  a  qualquer  satisfação  por 
dura,  e  difficidlosa  que  fosse  (Vieira,  1,  1037). 

A  construcção  primitiva  é  aquella  em  que  a  prepos. 
por  pertence  para  um  substantivo  ao  qual  se  liga  o  pron. 
relativo  que  na  funcção  de  compl.  directo,  ou  ainda  a  de 
sujeito,  ou  de  n.  predicativo  (v.  g.:  Por  muita  diligencia 
que  faça,  não  logrará  o  seu  intento).  D'ahi  passou  a  pre- 
pos. por  a  ajuntar-se  a  adjectivos,  referindo-se  a  elles  o 
pron.  que,  na  qualidade  de  n.  predicativo  ou  apposto  (v. 
g.:  Por  sábios  que  sejam,  não  explicarão  este  phetiomeno). 
Por  ultimo,  esta  maneira  de  dizer  estendeu-sc,  por  imi- 
tação, aos  advérbios  (v.  g.:  Por  muito  prudentemente  que 
proceda). 

b)  Tem  também  significação  concessiva  a  loc.  com- 
quanto  (quão),  seguidas  d'um  adjectivo  ou  adverbio: 


296  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


Com  quam  prestemente  Diminarder  acudio  já  elle  era 
morto  (Bem.  Ribeiro,  Men,  16). 

§  390.  Ainda  que,  se  bem  que,  posto  que  também  se 
empregam  adverbialmente  (em  lugar  de ;  e  comtudo)  em 
or.  principaes,  com  que  se  junta  uma  observação  que  vae 
restringir  ou  rectificar  a  asserção  precedente : 

Com  esse  apontamento  talvez  pudesse  lembrar-me. 
Ainda  que  sahi  tão  novo  da  cidade,  que  me  recordo  pou- 
co (R.  da  Silva,  Mocidade,  I,  56-57). 

É  o  que  acontece  om  latim  com  as  conjuncções 
correspondentes  quamquam,  elsi,  lumetsi;  v.  Madv. §443. 

e.     Conjuncções  consecutivas 

§  391.    A  conj.  consecutiva  que  emprega-se: 

1)  em  correlação  com  as  palavras  demonstrativas 
tal,  tanto,  tão,  assim  : 

Zopyro  teve  tanto  amor  a  Dário,  que  já  nunca  o  des- 
amparou (H.  P.,  /,  304). 

2)  em  correlação,  no  port.  arch.,  com  os  demonstra- 
tivos este,  esse,  aquelle,  ligados  a  substantivos. 

qui  (Milo)  hoc  faio  naius  csl,  ul  —  (Cie,  Pro  Mil.,  11). 

O  demonstrativo  tal  pode  subentender-se  nas  expres- 
sões adverbiaes  formadas  por  uma  prepos.  com  os  subs- 
tantivos maneira,  modo,  geito,  guisa,  forma,  sorte,  ponlo, 
etc: 

Huum  cavaleiro  foy  chagado  em  huum  braço . .  em 
maneira  que  lhe  nom  podiam  po{o)er  remédio  em  sua 
chaga  nehuuns  fisicos  (Mil.  de  S.^°  Ant.,  33). 

§  392.  De  maneira  que,  por  maneira  que,  em  manei- 
ra que,  de  modo  que,  de  sorte  que,  assim  que,  em  tanto 


SYNTAXB  HISTÓRICA  PORTUGUESA  297 


que  também  entram  adverbialmente  em  or.  principaes  na 
qualidade  de  expressões  conclusivas : 

Assim  que,  f aliando  propriamente,  ao  titulo  da  honra 
podemos  lhe  chamar  dignidade  (Barros,  /,  111,  ap.  Blut.). 
De  modo  que  passeando  de  vossa  casa  a  fazer  oração 
nesta  Igreja,  he  como  se  fosseis  a  Compostella  (Vieira, 
//,  229). 

Em  particular,  emprega- se  d'este  modo  principal- 
mente de  maneira  que,  quando,  com  extranheza,  se  faz 
uma  interrogação  oratória,  ou  se  apresenta  uma  consi- 
deração : 

De  maneira,  que  vejo  dons  Prelados  da  Ordem  do 
meu  glorioso  Padre  S.  Domingos,  Prelados  Santos,  e  Re- 
ligiosos, convertidos  oje  em  Platões,  e  Ttdlios,  formando 
respublicas  gentilicas  (Sousa,  V.  do  Are,  I,  141). 

Corresponde  ao  latim  ergo  v.  g.:  Ergo  ego  nisi  pepe- 
rissem,  Roma  non  oppiígnaretur  (T.  Liv.,  77,  40). 

§  393.  Sem  ser  correlativa,  a  conjuncção  que  pode 
introduzir  uma  or.  consecutiva: 

1)  quando,  sobretudo  no  estilo  familiar,  a  or.  con- 
secutiva manifesta  o  grão  de  uma  qualidade  ou  a  inten- 
sidade de  uma  acção : 

e  com  pressa  que  o  cervo  avia,  foy-sse  metter  em  húa 
cavalariça  de  boys,  que  os  cãaes  nom  o  virom  (Fahul., 
fab.  44).  dizendo  algum  tanto  alto  que  ouvisse  ho  Arce- 
bispo (Diego  Aff.,  .92).  as  lembranças  —  travavam-me  do 
coração  e  do  espirito,  que  os  não  deixavam  estar  com 
Deos  (Garrett,  Fr.  Luis  de  Sousa,  acto  1).  [Dante]  deu 
catanada  que  se  regalou  nos  inimigos  da  liberdade  da 
sua  pátria  (Id.,  Viag.,  41). 

2)  quando  a  or.  subordinante  é  negativa  e  se  falia  de 
uma  cousa  que  costuma  acontecer : 


298  8YNTAXE   HISTÓRICA   POKTUQDKSA 


jamays  nunca  teu  cantar  oyrey  |  qu'eu  nom  ria  muy 
de  coração  (Ayres  Peres  Veytorom,  Vat.,  1108). 

3)  na  expressão  que  farte  (=a  fartar)  : 

tendo  nas  vydas  trabalhos  que  farte,  \  com  tristes  Su- 
cessos alguns  acabaram  (Diogo  Brandão,  Canc.  G.<*^,  //, 
193).     sois  malfazejos  que  farte  (Cristaes  d' Alma,  31). 

4)  não  loc.  não  se  poder  conter  que  não  faça  umu 
coisa,  e  equivalentes: 

nam  se  pode  em  si  sofrer  \  que  dantre  as  ervas  sahinc 

\  se  nam  lançasse  a  correr  (liern.  Ribeiro,  eclog.  I).  nam 

se  pode  ler  que  nam  respondesse  aaquelles  dous  (Diego 

Aff.,  97). 

5)  nas  ph rases  como: 
O  descansso,  ond' estas  ?  I  que  nunca  te  ve  ninguém 

(Rui  Gonçalves,  Cawc.  G.«',  //,  309). 

§  394.  a)  E  de  notar  uma  construcção  inexacta  do 
port.  arch.  médio,  na  qual  uma  or.  adverbial  consecutiva 
é  substituída  por  uma  or.  relativa  consecutiva : 

D'aqui  levarás  tudo  tão  sobejo  \  Com  que  faças  o  fim 
a  teu  desejo  (Lus.,  II,  4). 

b)  Está  inteiramente  antiquada,  na  litteratura,  a  sub- 
stituição do  uma  or.  consecutiva  por  uma  or.  final  de  para 
com  infinitivo: 

Não  tanto  desviado  resplandece  \  De  nós  o  claro  Sol, 
pêra  julgares  \  Que  os  Melindanos  tem  tão  ruão  peito,  \ 
Que  não  estimem  muito  hum  grande  feito  (Lus.,  II,  111). 

§  395.  O  port.  moderno,  imitando  a  syntaxe  fran- 
cesa, emprega,  em  correlação  com  de  mais,  demasiado, 
muito  (=^ demasiado,  assaz,  bastante)  uma  or.  final  de 
para  que  (ou  para  com  infinitivo),  para  exprimir  a  ideia 
de  proporção  ou  desproporção,  v.  gr:  É  demasiado  es- 
perto para  que  caia  em  tal,  equivalente  a :  não  é  tão  pou- 
co esperto  que  caia  em  tal: 


SYNTAXE   HISTOKICA.  POKTUGUESA  299 


O  coração  é  immenso ;  a  campa  fria  \  E  pequena  de 
mais  para  contê-lo  (Passos,  78). 

A  or.  de  para  que  tem  lugar,  ainda  quando  não  ha 
algum  d'aquelles  advérbios  {demais,  etc.)  na  or.  subordi- 
nante,  se  esta  é  interrogativa. 

Obs.  De  maneira  {de  modo,  etc.)  a  acontecer  uma 
coisa  (a  que  uma  coisa  aconteça),  cm  lugar  de:  de  manei- 
ra que  uma  coisa  aconteça  (ou  acontece),  6  gallicismo. 

§  396.  A  conjuncção  composta  sem  que  vale  por 
uma  consecutiva  negativa: 

. .  pois  que  contra  mi  te  vejo  iroso,  |  Sem  que  Vo  me- 
recesse nem  te  errasse,  \  Faça-se  como  Baccho  determina 
(Lus.,  II,  39). 

f.     Conjuncções  temporaos 

§  397.  a)  De  exprimir  simplesmente  o  tempo  em 
que  uma  coisa  acontece,  serve  a  conjuncção  quando: 

Quando  a  fortuna  he  comtra  o  homem,  todolos  pa- 
remtes  f fogem  d'ell  (Fabul.,  fab.,  61).  Sentem-se  mais  os 
perigos,  quando  estamos  perto  deites  (Sousa,  V.  do  Are, 
I,  71).  Os  povos,  como  os  indivíduos,  assentam-se  indif- 
ferentes  e  serenos  no  átrio  da  morte,  quando  lhes  chega  a 
quadra  fatal  do  idiotismo  senil  (Herc,  Op.,  I,  278). 

O  port.  arch.  médio  tinha  a  loc.  conj.  indefinida 
quando  quer  que: 

. .  essa  agoa  a  ha-de  cegar  \  quando  quer  que  a  or- 
denares (Prestes,  323).  Como  sempre  costumava  quando 
quer  que  se  achava  sem  negócios  (Diego  Aff.,  161). 

Obs.  í."  Em  narrativas  animadas,  quando  servo  de 
ligar  um  acontecimento  expresso  por  ura  presente  his- 
tórico, ou  pret.  definido,  a  um  momento  ou  estado  an- 
teriormente indicado,  vindo  assim  a  or.  de  quando  a  ser 
logicamente  a  principal: 


800  8YNTAXE  HISTOKICA  PORTUOOESA 


Escassamente  acabou  |  a  cantigua  toda  ynteira,  \ 
quando  o  que  me  (jiiyou  \  começou  nesta  maneira  (D.  João 
Manuel,  Canc.  0.'^^,  /,  407).  Não  acabava,  quando  hãa 
figura  \  Se  nos  mostra  no  ar,  robusta  e  valida  (Lus.,  Vy 
39).  Não  tinha  acabado  de  pronunciar  estas  palavras, 
quando  ouvio  hica  voz  que  lhe  dezia . .  (Vieira,  I,  1098). 

Hantiibal  jam  scalis  aliisque  omuibus  ad  oppugnationem 
paratis  subibat  muros,  cum  repente  in  eum  nihil  mimis  quam 
tale  qiiicquam  timentem  patefacía  porta  crumpunt  Romani 
(T.  Liv.,  XXIX,  7). 

D'este  modo  é  frequente  dizer-se  senão  qu^indo,  no 
sentido  de  quando  subitamente: 

Se  nam  quando,  ey-lo,  vem  \  c'uma  quarta  diurna 
quarta  \  de  farelos,  que  mal  farta  \  quem  taam  grande 
fome  tem  (Henrique  da  Mota,  Canc.  G.«',  III,  514).  senão 
quando  nisto  chega  o  amigo  (H.  P.,  //,  328).  cerrão  nisto 
os  esquadrões,  trava-se  a  batalha,  voão  as  settas,  senão 
quando  húa  delias  atravessa  pelo  coração  a  Josias,  e  cahe 
morto  (Vieira,  1,  1068). 

Construcçào  diíTerente,  mas  equivalente,  ó  a  seguinte: 

E  ainda  nom  avia  elle  acabado,  bem  de  dizer  a(a)s 
palavras.  Ex  que  chegou  seu  filho  diamte  de  todos  (Mil. 
de  S.^  Anton.,  36). 

b)  Em  asserções  geraes,  as  or.  de  quando  avizi- 
nham-se  muitas  vezes  das  condicionaes  de  se;  v.  g.:  yião 
se  é  pobre,  quando  se  tem  saúde. 

As  cr.  de  quando  são  propriamente  condicionaes, 
quando  a  or.  subordinanto  diz  o  que  ha-de,  ou  havia  de 
acontecer  em  um  caso  (indicado  na  or.  de  quando),  cuja 
realidade  não  é  affirmada  nem  negada : 

se  eu  a  provar  [a  propôs.],  não  ha  duvida  que  será 
hum  grande  louvor  de  meu  senhor  S.  Joseph :  e  quando  a 


SYNTAXE   HISTÓRICA  PORTUGUESA  301 


não  prove,  servirá  de  consolação  ao  meu  desejo  (Vieira, 
íS.  de  S.  José,  §  3).  A  agrura  das  tnontanhas  e  a  profun- 
deza dos  valles  das  Astúrias  demorarão  os  inimigos, 
quando  eu  haja  de  perecer  e  não  poder  embargar-lhes  os 
passos  (Herc,  Eur.,  215). 

Obs.    A  expressão  elliptica  quando  não  equivale  a 
aliás,  senão. 

Fallando-se  do  que  geralmente  acontece  ainda  em 
certo  caso,  e  do  que  ha,  ou  ha^ia  de  acontecer  ainda 
em  um  caso  cuja  realidade  não  se  afíirma  nem  se  nega, 
e  fallando-se  do  que  aconteceria  ainda  em  certo  caso 
que  se  suppõe,  mas  cuja  realidade  se  nega  implicitamen- 
te, não  ó  costume  juntar-se  ainda  a  se,  mas  substituir  se 
por  quando  e  dizer  ainda  quando  ou  (menos  emphatica- 
mente)  ainda  que. 

Nos  dois  últimos  casos,  em  lugar  de  ainda  quando, 
também  se  diz  simplesmente  quando,  mas  só  não  haven- 
do ambiguidade: 

Ainda  sem  ti,  eu  me  teria  arrojado  sobre  o  império 
godo,  c  a  minha  lança  o  faria  cahir  a  meus  pés  moribun- 
do, quando  Sebta  me  tivesse  fechado  as  portas  (Herc, 
Eur.,  66). 

c)  Fallando-se  do  que  é  real  tanto  na  or.  subordi- 
nada como  na  subordinante,  muitas  vezes  tem-se  em  vista 
principalmente  a  exprimir  um  contraste  entre  o  conteúdo 
das  duas  orações: 

O  que  mais  pezo  fazia  ao  sentimento  de  Christo  no 
Presépio,  era  a  consideração  de  que  o  desconhecião  os 
homens,  quando  o  conhecião  os  animaes  (Vieira,  11,  172). 

Madv.,  §  358,  obs.  3. 

Não  se  emprega,  porém,  com  o  sentido  de  ainda  que. 


302  SYNTAXB  HISTÓRICA  PORTUOUKSA 


senão  quando  se  diz  o  que  podia  ou  devia  acontecer  e 
não  acontece;  v.  g.:  Phocion  foi  toda  a  vida  pobre,  quan- 
do podia  ser  muito  rico. 

d)  Quando  funcciona  cm  sentido  causal  nos  argu- 
mentos a  fortiori,  frequentemente  envolvidos  em  inter- 
rogações rhetoricas: 

O  sol  prometleu  á  lua  I  Uma  fita  de  mil  cores :  \  Quan- 
do o  sol  promette  prendas,  \  Que  fará  quem  tem  amores? 
(Leite  de  Vasconc,  Pões.  Amor.,  113).  Quando  o  pão  de 
rolam  tufa,  que  fará  o  alvo  ?  (Balthazar  Dias,  Auto  de  S.^ 
Aleixo,  9). 

Quid  dotnini  faciant,  audent  ctim  lalia  fures?  (Verg., 
Bucol,  III,  16). 

Obs.  Quando  não  6  usual  na  qualidade  do  simples 
adverbio  relativo,  a  não  ser  depois  do  para  na  combi- 
nação (v.  g.:  guardar)  para  quando  (=para  o  tempo  em 
que)  algo  acontecer. 

§  398.  Como,  na  qualidade  de  partícula  temporal, 
só  se  usa  modernamente,  quando  se  exprime  a  successão 
dos  acontecimentos  nas  narrativas  históricas  (ainda  neste 
caso  prefere-se,  em  geral,  o  emprego  do  participio). 

§  399.  A  sequencia  imediata  de  duas  acções  expri- 
me-se  com:  tanto  que,  logo  que,  logo  como,  ião  depressa 
como,  assim  como,  assim  que,  (raro)  immediatamenle  que, 
e  mais  emphaticamente:  mal,  apenas: 

estes  meyos  som  de  duas  guisas;  hufas  teem  tall  nalu- 
reza,  que  logo  como  som  outorgados  tornam-se  em  uso,  e 
propriedade  do  que  os  rrecebe  (V.  Bemf,  32).  immedia- 
lamente  que  soube . .  (Ceita,  246).g  Manda  que  assim  como 
ouvires.,  saias  (Cast,  Q.  Híst.).  O  abbade  assim  que  to- 
mou assento  estendeu  a  mão  solenemente  (R.  da  Silva, 
Mocidade,  3,  56).  Santarém  apenas  nos  ajoelhe  aos  pés, 
entregar-nos-ha  as  chaves  de  Lisboa  (Cast.,  Q.  Hist.,  101). 


SYNTAXE  HISTÓRICA   POUTUGUESA  303 


Apenas  o  gardingo  proferira  estas  derradeiras  palavras,  o 
clarão  avermelhado  da  lareira  bateu  subitamente  no  vulto 
agigantado  de  Gutislo  (Herc,  Eur.,  179).     Cruzado  aperta 
ao  seio  I  A  mãe  o  filho  seu,  |  Que  busca,  mal  nasceu,  } 
Fontes  da  vida  e  amor.  (Herc,  Pões.,  pg.  137). 

Obs.  í."  As  or.  de  logo  que,  em  asserções  geraes, 
avizinham-se  das  condicionaes. 

Obs.  2."  Logo  que  também  so  usa  cm  sentido  causal, 
equivalendo  a  já  que. 

Obs.  5."  Apenas  que  o  mal  que  são  expí'essões  in- 
correctas. 

Os  advérbios  mal  e  apenas  substituíram  o  adverbio 
latino  r/x,  ao  qual  correspondia  na  outra  or.  a  conjun- 
cção  temporal  cuni  (v.  g.:  Vix  agmen  novissimum  extra 
munitiones  processerat,  cuin  Galli .  .  flumen  transire  . .  non 
dubitant  (Cães.,  bell.  Gall,  VI,  8).  Siipprimida  a  partí- 
cula que  havia  de  representar  o  latim  cum,  os  advér- 
bios V7al  o  apenas  tomaram  o  caracter  de  conjuncções 
temporaes,  vindo  as  or.  a  que  elies  pertencem,  a  ser 
subordinadas. 

§  400.  a)  De  exprimir  durante  quanto  tempo  uma 
cousa  acontece  (ou  deixa  de  acontecer)  servem :  ernquanto 
(=  durante  o  tempo  que  e  durante  todo  o  tempo  que), 
entretanto  que,  e  no  port.  arch.  em  mentres  que,  mentres 
que,  em  mentres,  mentre  que  (ou  simplesmente)  metitre, 
mentres;  em  mentes  que,  em  tanto  como;  dementre  que: 

e  homrrarom-no  mentre  foy  vivo  (Lenda  do  rei  Lear, 
ap.  Leite  de  Vasconc,  Tx.  arch.,  32).  em  mentres  estes 
inchaços  ssom  pequenos . .  (Gir.,  Alv.,  41).  entanto  com'eu 
vyvo  for  (Bernal  de  Bonaval,  Vat,  658).  rrogou-lhe  que 
mentre  que  elle  fosse  vivo  que  nom  dissesse  esta  coussa  a 
nenhuns  (Mil.  de  S.^°  Ant.,  22).  Ao  qual  abade  aviia  se- 
guido [a]  Samio  António  dementre  que  era  vivo  (lá.,  28). 
em  mentres  que  ell  [alcayde]  veo  aquella  hirmida,  os  sseus 


304  SYNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUESA 


8se  adormentarom  (FabuL,  fab.,  34).  em  mentes  que  o 
esperar  \  quero  assi  esprHmentar  \  tanger  como  um  pe- 
daçOy  I  por  ver  se  como  somno  passo  |  sew  me  lembrar  o 
jantar  (Prestes,  329). 

b)  Emquanlo,  emlanto  que  e  entretanto  que  servem 
frequentemente  de  exprimir  um  contraste : 

É  que  nós  cotihecemos  a  vida  publica  dos  visigodos  e 
não  a  sua  vida  intima,  emquanto  os  secidos  da  Hespanha 
restaurada  revelam-nos  a  segunda  com  mais  individuação  e 
verdade  que  a  primeira  (Herc,  Eur.,  312-313). 

c)  Emquanto  (no  port.  arch.  também  quanto)  em- 
prega-se  também  em  sentido  restrictivo;  v.  g.:  Christo 
padeceu  e  morreu  emquanto  homem  : 

Os  cuydados  desygoaes  \  sempre  deram  mortaes  dores; 
I  sospiros  nam  doem  mays,  |  que  quanto  sam  hunis  synays 
I  de  quem  sente  mal  d'amores  (João  de  Meneses,  Cano. 

G.«^  /,  5). 

§  401.  De  exprimir  de  que  momento  em  deante 
uma  cousa  acontece  (ou  deixa  de  acontecer)  serve  desde 
que,  no  port.  arch.  e  na  lingoagem  popular  também  des 
que : 

et  eu  morrerey  des  que  vos  nom  vyr  (Rui  Fernandes, 
Yat,  542). 

Obs.  1."    Depois  das  expressões  impessoaes  ha  {faz) 
tanto  tempo,  diz-se  simplesmente  que. 

Obs.  2."    Desde  qiic,  des  que  também  signiflca  {logo), 
depois  que : 

E  desque  tomou  estas  villas  tornou-se  para  Coymbra 
(D.  Affonso  Henriques  em  Figueira  Velha,  ap.  Leite  de 
Vasconc,  Tx.  arch.,  47).  desque  me  for  deste  togar  (Pêro 
de  Ponte,  Vat.,  1166).  Desde  que  a  ultima  freira  passou, 
as  preces  misturadas  de  soluços . .  convei'teram-se  n'um 
som  único  de  choro  perdido  (Herc.,  Eur.,  150). 


SYNTAXE  HISTOIUCA  PORTUGUESA  305 


§  402.  a)  De  exprimir  o  ponto  a  que  chega  a  dura- 
ção de  uma  acção  serve  até  que  (também  té  que  nos  poe- 
tas), e  no  port.  arch.  ata  que: 

Assim  permaneceu  im movei  alguns  minutos,  até  que 
ouviu  cada  vez  mais  próximo  o  som  de  uns  passos  (R.  da 
Silva,  Mocidade,  5,  92). 

A  uma  or.,  em  que  se  nega  que  uma  acção  principie 
(ou  haja  de  principiar)  a  realizar-se,  não  é  usual  moder- 
namente ligar-se  uma  or.  de  até  que,  e  substitue-se  até 
que  por  emquanto  não: 

Não  louves  até  que  proves  (Prov.). 

Obs.  1."  Nas  mesmas  circumstancias  tambcm  deixou 
ser  usual  juntar-se  até  a  um  infinitivo,  como  se  fazia 
antigamente : 

Não  me  chames  bem  fadada  até  me  veres  enterrada 
(Prov.).  tinham  feyto  antre  si  juramento  e  2)auto  de  nam 
repousarem  atee  nam  darem  crua  fim  a  seus  dias  (Diego 
Aff.,  100). 

b)  Até  que  (as  mais  das  vezes  seguido  de  emfím, 
finalmente,  e  expressões  semelhantes)  também  se  usa 
adverbialmente  em  or.  principaes,  quando  se  falia  de 
uma  cousa  que  acontece,  depois  de  longa  espectativa 
(em  latim  tandem): 

Até  que  aqui  no  teu  seguro  porto  \  Nos  trouxe  a  pie- 
dade do  alto  assento  (Lus.,  V,  85). 

§  403.  Aiites  que  (arch.  atite  que)  apresenta  a  acção 
da  or.  subordinante  como  anterior  á  da  subordinada. 
Só  costuma  empregar-se,  mormente  fallando  do  futuro, 
quando  se  quer  significar  intenção;  querendo  exprimir- 
se  meramente  a  relação  temporal,  emprega-se  antes  de 
com  infinitivo. 

Com  o  mesmo  sentido  também  se  usa  primeiro  que: 

20 


306  SYNTAXK  III8T0KICA   P0KTUGUE8A 


Primeiro  vemos  o  fumo  e  o  pelouro,  que  ouçamos  o  tiro 
(H.  P.,  /,  10).    primeiro  do  que  nós  <Cast.,  Fast.,  i,  91). 

§  404.  Depois  que,  apresenta  a  acção  da  or.  subor- 
dinante  como  posterior  á  da  subordinada. 

No  port.  arch.  também  se  dizia  pois  que  e  até  sim- 
plesmente pois : 

m^is  que  gram  coita  d'endurar  \  me  será,  pois  me  sem 
vós  vir!  (Lang.,  82). 

§  405.  Que,  como  conjuncção  temporal,  emprega-se 
depois  de :  ha  tanto  tempo,  faz  tantos  annos,  e  expressões 
semelhantes,  e  depois  de:  agora,  hoje,  a  primeira  (a  ulti- 
ma, etc.)  vez: 

Tem,po  fuy  que  eu  vemçia  todas  as  alimalias!  (Fabul., 
fab.  16).  Hoje,  que  em  mais  sérios  estudos  o  dia  gasta 
(Hyssope,  105). 

Jam  diu  's/  quod  ventri  vidum  nojt  datis  (Plaut., 
Amph.,  I,  1,  Í46).  (Com  esto  sentido  quod  tem  sido  res- 
tituido  em  muitos  lugares  de  Quintiliano  o  de  Plínio  o 
Moço.) 

§  406.  São  loc.  temporaes  indefinidas:  todas  as  ve- 
zes que,  cada  vez  que,  (arch.)  cada  quando,  (arch.)  cada  que, 
sempre  que,  (arch.)  quando  quer  que: 

estranhei  \  o  que  m,'el  rogou  cada  qu£  me  viu  (Lang.-, 
96).    E  esto  lhe  ffaçam  cada  que  ouver  a  bever  (Gir.,  Alv.,  19). 

g.    Conjuncções  comparativas 

§  407.  Na  qualidade  de  conjuncção  comparativa, 
como  serve  de  exprimir  semelhança  ou  egualdade. 

Obs.  Note-se  a  loc.  elliptica  ser  como  alguém  ou 
algo : 


SYNTAXB   HISTOUICA   rOUTUGCESA  307 


Estes  falladores  são  corno  cigarras  que  atroão  e  não 
deleytão  (Fran.  Rod.  Lobo,  Corte  na  Aid.,  73,  ap.  Blut.). 

Oturosim  note-se  a  loc.  um  como,  v.  g.:  iiina  como 
prelibação  da  gloria. 

Em  particular,  eraprega-se : 

1)  nos  similes.  Neste  caso,  as  formulas  usuaes  são: 
assim  como,  bem  como,  como  —  assim  também,  assim^  tam- 
bém (sem  partícula) : 

Assi  como  o  fogo  prova  o  ouro,  assi  a  adversidade  o 
amigo  (H.  P.,  Il;  290  y.). 

Em  vez  de  assi  também,  emprega-se  também  tal, 
d' esta  arte: 

Bem  como  quando  a  flamma  que  ateada  \  Foi  nos  ári- 
dos campos..  \  ..  o  seco  mato  vai  queimando:  |  ..  D'esta 
arte  o  Mouro  attonito  e  torvado  \  Toma  sem  tento  as  armas 
mui  depressa  {Lus.,  III,  49-50).  Assi  como  a  bonina,  que 
cortada  \  Antes  do  tempo  foi ..  \  ..  O  cheiro  traz  perdido  e 
a  côr  murchada:  \  Tal  está  morta  apallida  donzella  (Lus., 
III,  134).  Bem  como  paciente  e  mansa  ovelha  \  Na  misera 
niãi  postos  [os  olhos]  que  endoudece,  \  Ao  duro  sacrifício  se 
offorece:  \  Tais  contra  Inês  os  brutos  matadores  \  ..  Se  en- 
carniçavão  férvidos  e  irosos,  \  No  futuro  castigo  não  cui- 
dosos  (Id.,  III,  131-132). 

2)  com  o  sentido  de  segundo,  conforme: 

Como  o  conta  Plutarcho  na  vida  de  Sylla  (H.  P.,  I, 
323).  Dizia  Demócrito,  como  o  refere  Stobeu,  que  a  tempe- 
rança  era  semelhante  d  armonia  (Id.,  17,  31  v.).  Cada  um 
diz  da  feira  como  lhe  vae  nella  (Prov.). 

Neste  sentido  o  port.  arch.  também  dizia  em  como: 
E  aos  de  sô  /"=  aòaixo  de]  estes  [dem],  em  como  po- 
derem  rnelho^  mercar  (Direito  Consuet.  Municipal,  ap.  Leite 
de  Vasconc,  Tx.  arch.,  29). 


308  SYNTAXE  HISTOniCA  POUTUQUESA 


Também  se  usa  no  sentido  de:  2^ela  ordem  que  (em 
latim  tit  quisque): 

segundo  o  merecimento  de  cada  hum  lhe  tinha  [D. 
João  II]  destinado  os  lugares,  e  os  prémios,  assi  como 
fossem  vagando  (Vieira,  //,  118). 

§  408.  Não  ha  em  port.  conjuneção  da  comparação 
hypothetica  (como  em  latim  quasi):  substitue-se  por: 
como  se,  (no  port.  arch.  med.)  como  que: 

Em  ajyparecendo  no  Oriente  os  primeyros  rayos  do 
sol,  como  se  forão  archeyros  da  guarda  do  grande  Rey  dos 
planetas,  vereys  como  diante  fazendo  praça,  e  como  em 
hum  momento  alimpão  o  campo  do  ceo,  sem  guardar  res- 
2yeyto,  nem  perdoar  cousa  luzente  (Vieira,  /,  259-260).  Como 
que  as  minhas  nam  abastassem  (Bern.  Ribeiro,  ecl.  I, 
15  V.).  Bati  CO  punho  em  meu  peito  \  Como  que  me  con- 
fessava (Sá  de  Miranda,  Cartas,  P>S4).  Alegays-me  vós 
Jseu  I  e  Oriana  com  ella,  \  e  falays  no  cuydar  seu,  \  como 
que  nunca  ly  eu  \  sospirar  Tristam  por  ella  (Coudel  Mór, 
Canc.  G.^\  I,  14). 

Tem  valor,  ás  vezes,  de  como  se  irónico  a  loc.  nem 
que;  v,  g.:  Não  se  atreveu  a  falar-me,  nem  que  eu  fosse 
algum  bicho  de  meter  medo!  (J.  Moreira,  Est.,  II,  76). 

§  409.  A  tal  é  correlativo  como,  qual,  e  (arch.)  que- 
jando. Qual — tal  também  se  emprega  nos  similos: 

Qual  contra  a  linda  moça  Polycena,  \  ..Co  ferro  o  duro 
Pyrrho  se  apparelha  \  ..  Tais  contra  Inês  os  brutos  mata- 
dores (Lus.,  III,  131-132).  Qual  diante  do  algoz  o  conde- 
nado, 1  Que  já  na  vida  a  morte  tem  bebido,  \  Põe  no  cepo  a 
garganta,  e  já  entregado  \  Espera  pelo  golpe  tão  temido :  \ 
Tal  diante  do  Príncipe  indinado  \  Egas  estava  a  tudo  offe- 
recido  (Lus.,  III,  40).  Não  o  pungia  tanto  o  mal  jjresejite 
I  Como  a  recordação  dos  claros  dias  \  De  innocencia  e  de 
paz  que  ali  vivera  (Herc,  Pões.,  pg.  176). 


SYNTAXB  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


309 


§  410.    A  tanto  é  correlativo  como  e  quanto. 
Diz-se : 


quanto  mais 


raenoí 


tanto  mais 


menos 


mais 

» 


quanto  os  cavallos  som  mais  grossos,  tanto  mais  agi- 
nha emmanqueçem  (Gir.,  Alv.,  10).  quanto  mais  ajuda  e 
bem  lhe  [maaos  homSesJ  fazemos,  mais  poderio  lhe  damos 
de  mall  obrar  {Fahul.,  fab.  7).  a  área  quanto  mais  agoa 
lhe  lançam,  tamto  mais  endurece  (H.  P.,  II,  106  v.).  [a  ma- 
goa d'estas  lembranças]  he  como  sombra,  que  cae  de  alto 
monte,  que  quanto  vae  sendo  mais  tarde,  tanto  vae  sendo 
maior  (Id.  ibid.,  37Ô).  Quanto  mais  sacode,  \  mais  poeira 
dos  livros  vem  cahindo  (Hi/ssope,  51).  Quanto  se  chegão 
mais  os  olhos  perto,  \  Tanto  menos  a  vista  determina,  \ 
Se  he  crystal  o  que  vê,  se  diamante.  (Lus.,  VI,  9). 

§  411.  A  tamanho  é  correlativo  como  e  (antiquado) 
camanho: 

uma  carta  tamanha  como  o  opúsculo  (Herc,  Opus., 
III,  212). 

§  412.  A  outro  [  =  dif[erente],  diverso,  diff crente,  di- 
versamente, diferentemente,  junta-se  do  que. 

No  port.  arch.  médio  dizia-se  outro  que: 

Não  de  outra  sorte  a  timida  Maria  \  Fallando  está, 
que  a  triste  Vénus  quando  \  A  Júpiter,  seu  pai,  favor 
pedia  !  Pêra    Eneas     (Lus.,    III,    106).    Não    lhe   derâo 


310  SYNTAXE   HISTOUICA  PORTUaUESA 


outro  dote  que  as  qualidades  e  virtudes  da  esposa  (Frei- 
re, 6). 

É  antiquado  pôr  depois  de  differente  o  egualmente  a 
conjuncção  que: 

Igualmente  que  linda,  lastimoso,  \  Aljôfar  dos  seus 
olhos  distillava  (Cam.,  Son.  204).  de  differente  modo  se 
traja  o  cortezão  que  o  villão  (Ceita,  197  v.). 

Em  vez  de  «não  ó  outra  coisa  senão — »  e  de  <ique 
outra  coisa  ó  senão  — V  podo  dizer-se  simplesmente  «não 
é  senão — »  e  «que  coisa  é  senão — V»: 

.  .no  Rei  e  gentes  não  sentirão  \  Senão  contenta- 
mento  e  gosto  tanto,  \  Que  não  podia  certo  haver  suspeita 
I  Nua  mostra  tão  clara  e  tão  perfeita  (Lus.,  II,  15).  Que 
cousa  são  os  gostos,  senão  as  vesjyoras  dos  pezares  ?  (Viei- 
ra, II,  69).  O  somno  não  he  outra  cousa,  que  huma  doce 
prisão  de  todos  os  sentidos  do  corpo  (Id.,  AT,  188). 

§  413.  Sobre  a  ligação  do  segundo  termo  de  com- 
paração V.  cap.  V. 

§  414.  a)  Segundo  (no  port.  arch.  médio  segundo 
como,  segundo  que)  designa  conformidade: 

derõ  grades  louvores  e  graças  a  Jhesu  Christo  nosso  Se- 
nhor por  a  saúde  do  emperador,  segndo  que.  sam  Clemente 
ensinava  e  demonstrava  (Historia  de  Vespesiano,  ap.  Leite 
de  Vasconc,  Tx.  arch.,  50).  pos  em  ell  [livro]  mays  e  me- 
nos segundo  como  lhe  semelhou  (Gir.,  Alv.,  Prologo).  Asy 
que  tenhaães  agoas  doces  e  salgadas  segundo  que  avedes 
mester  (Mil.  de  *§.'"  Ant.°,  2).  segundo  que  ho  Papa  lhe 
tinha  mandado  (Diego  ML,  173). 

Também  se  usa  como  equivalente  de  pela  ordem  que, 
d  medida  que,  (locução  moderna)  á proporção  que: 

  medida  que  os  limites  do  reino  christão  se  iam  di- 
latando, ou  que  novos  moradores  vinham  engrossar  a  po- 
pulação de  um  território  jd  conquistado,  o  direito  consue- 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  311 


tudinario  havia  de  ir  recebendo  a  feição  particular  de  des- 
paridade,  que  é  o  seu  caracter  principal  em  cada  povoação. 
(Gama  Barros,  Hist.,  7,  31). 

Obs.  O  port.  arch.  médio  emprega  segundo  em  ora- 
ções que  servem  de  fundamentar  a  or.  subordinante, 
no  sentido  de  «como  pode  recoahecer-se,  como  é  de 
esperar,  como  é  bem  de  ver,  etc,  olhando  a  esta  cir- 
cumstancia  *: 

núqua  se  acha  nelles  paz  nem  será  possivel  (segundo 
sam  vingativos  e  odiosos)  —  vedar em-se  ejifre  elles  estas 
discórdias  (Magalhães,  Hist.  da  pr.  de  S.  Crus,  37). 

No  port.  arch.  tainbem  se  emprega  nas  exemplifica- 
ções (equivalentes  a  como): 

hicu  [modo]  he  chamado  sucessivo,  e  perteece  a  qual- 
quer obra  que  nom  dura  senom  em  quanto  a  fazem,  segundo 
que  he  falar,  e  cantar,  e  correi',  e  fazer  movimento  (V. 
Bemf.,  lõO). 

Ligando  á  prepos.  pro  (—segundo)  a  partícula  com- 
parativa tíí,  formou  a  lingoa  latina  a  conj.  prout.  Sendo 
pro  substituído  por  segundo,  e  tomando  como  e  que  o 
lugar  de  ut,  resultai'am  as  loc.  conjunccionaes  segundo 
como,  segundo  que,  nas  quaes  depois  se  supprímiram 
as  partículas  comparativas,  ficando  assim  a  prepos.  se- 
gundo a  exercer  as  funcções  de  conjuncção. 

b)  conforme  (no  port.  arch.  médio  conforme  como) 
tem  a  significação  de  segundo: 

desejar  as  cousas  conforme  como  deve  ser  (Fr.  António 
de  Sousa,  Man.  de  Epictéto). 

§  415.  Sobre  as  or.  adverbia  es  infinitivas  e  de  par- 
ticipio,  basta  o  que  está  dicto  na  secção  I  sobre  o  em- 
prego do  infinito  e  participios. 


312  SYNTAXE  HISTÓRICA  P0RTUGCE8A 


Additamentos  â  secção  segunda 

§  416.  Pode  ligar-se  com  a  prepos.  de  {  —  a  respeito 
de)  a  um  verbo  sensitivo  ou  declarativo  o  nome  da  pes- 
soa ou  cousa,  que  tem  de  ser  sujeito  ou  complemento  da 
or.  substantiva  (de  que  ou  infinitiva): 

De  muitos  Santos  lemos,  que  o  começarão  a  ser,  ainda 
no  berço  (Sousa,  V.  do  Are,  7,  19). 

De  hoc  [Diodoro]  Verri  dicitur  habcre  eum  pcrboua  lo- 
reumata  (Cie,  Vcrr.,  IV,  IS)  V.  Madv.,  §  395,  obs.  7.*. 

Com  verbos  d'outras  categorias  (v.  g. :  ordenar)  é 
prática  rara : 

Porque  de  vossas  agoas  Phebo  ordene  |  Que  não  tenhão 
enveja  ás  de  Hippocrene  (Lus.,  I,  4). 

§  417.  Aos  verbos  de  acontecer,  quando  tem  por 
sujeito  uma  or.,  o  port.  arch.  médio,  ás  vezes,  antepu- 
nha o  adverbio  assim,  que  servia  de  ennunciar  a  or. 
substantiva : 

acertou  assi  que  aquella  hora  chegava  hít  cavalleiro 
(Bern.  Ribeiro,  Meu.,  S8). 

§  418.  Em  lugar  das  loc.  usuaes  dizer,  responder  que 
sim,  que  não,  occorre  esporadicamente  dizer,  responder 
de  sim,  de  não: 

que  ia  mays  nom  disse  de  nom  (Pêro  da  Ponte,  Vat.'*, 
Ò74).    he  força  responder-lhe  de  Não  (Vieira,  //,  91). 

§  419.  Uma  or.  adverbial  pode  —  da  mesma  maneira 
que  qualquer  determinação  adverbial  de  uma  or.— ser 
precedida  de  expressões  exceptivas : 

Qual  he  o  coraçam  que  cuydando  nisto  se  nam  desfaz 
em  lagrimas,  salvo  se  he  mays  seco  que  os  motes  de  Gel- 
boêf  (H.  P.,  I,  79). 

§  420.    Em  vez  de  se  empregar  uma  or.  adverbial 


SYNTAXE  HISTOUICA  PORTUGUESA  3 li 


de  modo  finito  com  o  verbo  ser,  ou  estar^  podem  collo- 
car-se  na  or.,  que  havia  de  ser  subordinante  da  adver- 
bial, já  qualificações,  já  determinações  circumstanciaes, 
precedidas  de  certas  conjuncções  tomadas  adverbialmen- 
te.  As  principaes  d'estas  conjuncções  são :  ainda  que, 
embora,  posto  que,  porque,  quando,  emquanto: 

Despede-se  de  todas  as  occupaçoens,  ainda  que  tão  san- 
tas, e  tão  suas,  e  alli  só  com  Deos,  e  cõsigo  se  despoz  muito 
devagar,  e  muyto  de  propósito  imra  quando  o  Senhor  o  cha- 
masse (Vieira,  1,  1093).  As  raposas  são  muito  astutas,  e 
se  não  se  tomão  emquanto  pequeninas,  depois  de  grandes 
não  se  podem  tomar  (Vieira,  VII,  66).  Cuidando  aporta- 
rem a  praias  ignotas,  os  publicistas  mais  de  uma  vez  tem 
plantado  padrões  de  descobrimento  em  regiões  onde,  embora 
occultos  pelos  musgos  e  sarças,  os  padrões  da  cruz  estão 
plantados  ha  mais  de  mil  e  oito  centos  annos  (Herc,  Op.  I, 
260-261).  As  reluctancias  estéreis,  porque  sem  nexo,  esmo- 
receram e  acabaram-se  (Id.  ibid.,  2õoJ.  O  ar,  posto  que 
frio,  estava  manso  e  diaphano  (Id.,  Eur.,  230).  Admirável 
condição  da  natureza  humana,  que  tudo  nos  parece  jnelhor 
e  menos  feio  quando  visto  de  longe!  (Garrett,  Viag.,  239). 

qiiamquam  delcrrenUbiis  amicis  (Suet.,  Cães.,  70).  Sed 
quatnquam  generis  unius  diversas  tamem  spccies  Iiabet  (Quin- 
til.,  9,  2,  17).  V.  Mad.,  §§  424,  cbs.  4.'-^ ;  428,  obs.  2.";  443, 
obs. 

§  421.  O  infinitivo  ser  pode  omittir-se,  já  como 
auxiliar  da  passiva,  já  como  verbo  sobre  si,  depois  de 
varias  loc.  preposicionaes:  antes  de,  depois  de,  além  de, 
de  mais  de,  apesar  de: 

Apesar  de  gordo,  os  seus  movimentos  não  eram  aca- 
nhados nem  desairosos  (R.  da  Silva,  Mocidade,  1,  4).  De 
mais  de  respeitados,  são  os  jogues  muito  temidos  (Godi- 


314  8YNTAXR  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


nho,  29).  E  depois  daquisto  feito  (Chiado,  Prat.  d'oito 
fig.,  118).  depois  delle  ido  (AíT.  de  Albuq.,  Comm.,  o).  E 
depois  de  esposo  cuida  que  será  o  mesmo?  (R.  da  Silva, 
Mocidade,  2,  284). 

Como  auxiliar  da  passiva,  junto  de  necessitar,  haver 
mister^  merecer:  " 

aviam  mister  ptihlicameiíte  castigados  (H.  P.,  /,  S43). 
Não  necessita  entretido  (Cast.,  Medico  d  força). 

Como  verbo  sobre  si,  junto  de : 

1)  2^or  o  de  em  sentido  causal: 

el  Rei  D.  João,  ainda  que  o  fD.  João  de  Castro] 
amava  por  valeroso^  lhe  era  jjouco  affecto  2)or  altivo  (Freire, 
18).  a  rauitos  navios  vieteo  nas  mãos  dos  piratas  a  carga ^ 
não  por  muita,  mas  por  descompassada  (^"ieira,  S.  de  S.^° 
António,  4).  as  quaes  [dignidades  Ecclesiasticas]  pêra 
perfeitafiiente  administradas,  pouco  ou  nada  imj^orta  ser 
o  ministro  mais  ou  menos  ilustre  em  geração  (Sousa,  V. 
do  Are,  I,  47).  Quantos  frades  de  S.  Francisco  vistes 
morrer  Éticos  ou  de  famintos  (Ceita,  18, ,'.'). 

2)  apesar  de. 

3)  estar  perto  de,  longe  de,  e  outras  locuções  de  si- 
gnificação semelhante : 

o  rreino  era  acerca  de  perdido  (Fern.  Lopes,  D.  João  1, 
284). 

4)  Prezar-se  de,  j^^^sumir  de,  gahar-se  de,  e  synon.: 
Presumireis  de  entendidos  (Ceita,  86  v.).    Prezai-vos 

lá  de  filhos  do  Sol  (Vieira,  I,  316).  Vê  Chatigão,  cidade 
das  milhores  \  De  Bengala,  provinda  que  se  preza  \  De 
abundante  (Lus.,  X,  121). 

5)  acusar  de,  convencer  de,  louvar  de,  e  seus  synon. ; 
aprender  para,  estudar  para,  e  seus  synon.;  v.  g. :  estu- 
dar para  medico : 

nom  foy  tam  notado  de  bêbedo  (H.  P.,  I,  530).    o  ri- 


SYNTAXE   HISTÓRICA.  PORTUGUESA  3Í5 


heyrinho  que  na  fonte  não  teve  brios  de  regato^  em  come- 
çando a  ser  ribeiro,  ensaya  as  aguas  para  rio  (Chagas, 
Obr.  esp.,  7,  280,  281,  ap.  Blut.).  Arguirão-no  de  remisso 
e  irresoluto  {Port.  Rest.,  7,  89,  ap.  Blut.).  O  Governador 
depois  de  o  louvar  de  curioso,  e  bem  occupado,  lhe  mandou 
dar  trinta  pardaos  (Freire,  280).  o  documento  do  jura- 
mento do  Bei  está  convencido  de  apócrypho  (Cast.,  Q.  Hist., 
5,  78). 

6)  Dar  signál  de  e  locuções  semelhantes: 

Lisboa  não  dá  mostras  de  quebrantada  (Cast.,  Q.  Hist., 
3,  40). 

7)  suspeitar  de: 

Não  pretendemos . .  suspeital-o  de  menos  veridico  (Cast., 
Q.  Hist,  3,  lõ). 

8)  ser  para: 

E  nem  éreis  vós  para  ave  de  ruim  agoiro  (Cast.,  Q. 
Hist,  2,  96). 

§  422.  Ás  vezes  uma  or.  adverbial  é  subordinada 
não  a  uma  or.  que  se  encontra  na  clausula,  mas  a  uma 
or.  que  facilmente  se  subentende: 

E  porque  tudo  em  fim  vos  notifique,  \  Cliama-se  a  pe- 
quena ilha  Moçambique  (Lus.,  I,  54).  Senhor,  se  vos 
espanta  o  sofrimento  \  Que  tenho  em  tanto  mal  para  es- 
crevê-lO)  \  Furto  este  breve  espaço  a  meu  tormento  (Cam., 
Eleg.  11).  E  para  que  cesse  a  admiração  de  hum  caso 
tão  prodigioso,  isto  que  fizerão  naquelles  olhos  os  Anjos 
bons,  fazem  nos  nossos  os  Anjos  mãos  (Vieira,  J,  637).  Eu 
não  sei  compor  d' esses  livros,  e  quando  soubesse,  tenho 
mais  que  fazer  (Garrett,  Viag.,  186).  (A  or.  concessiva 
quando  soubesse  é  subordinada  á  or.  não  os  comporia, 
que  se  subentende). 

V.  Madv.  §§  440,  obs.  6;  357  a,  obs.  2.a. 


316  SYNTAXE  HISTÓRICA  POnTUGUESA 


§  423.  a)  Ha  miiiio,  ha  pouco,  ha  tantos  annos,  etc, 
pode  empregar-se  inteiramcnto  como  substantivo  em  ex- 
pressões, como  de  ha  muito: 

Sermões  de  ha  sessenta  annos  (Herc,  Op.,  III,  9). 

b)  Não  sei  se  — ou  intercala -se  no  discurso,  sem 
formar  or.  á  parte: 

depois  de  estar  alli  alguns  não  sei  se  instantes  ou 
séculos  (Herc,  Eur,,  õ2). 

§  424.  A  conjuncção  que,  quando  introduz  orações 
que  funccionam  como  compl.  directo,  e  até  como  sujeito 
de  alguns  verbos,  pode  omittir-se,  principalmente  na  lin- 
goagem  litteraria: 

E  se  era  feyto  d  semelhança  de  mnytos:  que  muyto  se 
parecesse  com  elles?  (Vieira,  7,  3S2).  Ponto  a  que  eu  con- 
fesso não  sei  dar  solução  (Coita,  26,  27).  temo  se  venha  a 
ãcscubrir  quem  fez  o  furto  (Man.  Bernardes,  Pão  part., 
2,  §  7).  nem  serei  de  parecer,  se  lhe  negue  o  commungar 
cada  dia  (Id.  ibid.,  §  20).  uma  liberdade  dos  cidadãos  que 
o  direito  j^nblico  não  permitte  seja  offendida  (Herc,  Cas. 
civ.,  11). 

§  425.  Não  ó  correcto  substituir  as  conjuncções  cir- 
cunstanciaes  simples  [se,  quando  como,  etc.)  no  segundo  e 
demais  membros  de  uma  coordenação  pela  partícula  que 
(como  se  pratica  em  francês). 

No  port.  arch.  encontra-se,  ás  vezes,  a  prática,  havida 
com  razão  por  incorrecta : 

Senhor,  desquanão  vos  vi  \  e  que  fui   vosco  falar,  | 
Sábed' agora  per  mi  \  que..  {Lang.^  24).    quand'aquy  chegar 
I  e  que  lh'eu  falar  Jiotn  qiiyser  (Rui  Queimado,  Vat.'^  35). 

Aquellas  conjuncções  ou  se  omittem,  ou  emphatica- 
mente  se  repetem. 

Das  conjuncções  compostas  com  que  (v.  g.:  com  tanto 
que)  pode  repetir-se  simplesmente  a  partícula  que: 


SYNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  317 


logo  que  os  árabes,  acommettidos  já  pelas  costas,  x>TÍn' 
cipiaram  a  recuar,  e  que  Pelagio  pôde  combater  na  plani- 
cie,  o  cavalleiro,  abrindo  caminho  com  o  franldsk,  desappa- 
receu  no  meio  dos  inimigos  (Herc,  Eur.,  306), 

§  426.  Quando  a  um  verbo  transitivo  se  liga  uma 
or.  substantiva,  é  corrente  transpor  o  nome  que  havia 
de  ser  o  sujeito  da  or.  substantiva,  para  a  or.  subor- 
dinante,  como  se  fosse  compl.  directo  da  or.  subordi- 
nante : 

cada  hãu  deve  a  esguardar  o  cavallo  se  he  boquimolle 
(Gir.,  Alv.,  12).  Não  sei  este  desconcerto  do  mundo  onde 
lia-de  ir  ter  (Bern.  Ribeiro,  Men.,  IV,  ap.  Barretto).  De- 
pois foi  ver  as  mós  se  tinha?n  grão  (Ribeiro  da  Silva, 
Á  casa  dos  fantasmas,  I,  ISõ,  ap.  Barreto,  Est.,  222). 

nosli  Marcellum  qiiam  tardus  scit. 

§  427.  Faz-se  sobresahir  o  conteúdo  d'uma  or.  cau- 
sal, final,  ou  temporal,  pondo  na  or.  subordinante  uma 
expressão  adverbial  demonstrativa  que  corresponda  á 
conjuncção  da  or.  subordinada: 

estonçe  he  a  queeda  wmís  perigosa,  quando  a  alteza 
he  mais  alongada  (V.  Bemf,  178).  entam  causam  insof- 
frivel  dor  os  males,  quando  sam  acompanhados  da  memo- 
ria dos  bés  passados  (H.  P.,  I,  91).  Quando  fizestes  o  que 
devíeis,  então  vos  pagastes  (Vieira,  /,  314).  [5.'"]  Izabel 
não  buscava  coroas,  antes  as  coroas  a  buscavão  a  ella,  e 
porque  buscada  das  coroas,  ella  buscou  a  santidade,  por 
isso  essa  mesma  santidade . .  a  fez  muito  mayor  Rainha 
(Id.  II,  20). 

§  428.  a)  Para  realçar  um  sujeito  ou  compl.  directo, 
assignalando-o  como  sendo  a  única  pessoa  ou  cousa  a 
que  o  predicado  se  applica,  pode  desdobrar-se  a  oração 


318  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGDKSA 


em  duas,  por  meio  do  verbo  ser  com  o  pron.  demons- 
trativo o  (no  port.  arch.  aquelle),  seguido  de  uma  or. 
relativa  (e  com  o  pron.  quem  equivalente  a  aquelle 
que) : 

o  coraçom  viel  he  aquell  que  faz  homem  sseer  pêra  pou- 
co (Fabul,  fab.  22).  A  natureza  a  todos  os  homens  fez 
eguaes;  a  fortuna  he  a  que  fez  os  altos,  os  baixos  e  os 
baixíssimos  quaes  são  os  servos  (Vieira,  IV,  323).  as  taças 
que  gyravam  ao  redor  eram  as  que  produziam  o  tinir  que 
soava  fora  (Herc,  Eur.,  lOõ). 

Hic  [mehis  mortis]  est  qui  ipsam  vitani,  cum  parcit,  in- 
quietai ac  perdit  (Son.,  nat.  quacsL,  6,  32).  Sol  enim  esl  qui 
ista  succendil  (Id.  ibid.,  7,  12) . 

Obs.  Neste  desdobramento,  o  presente  do  verbo 
ser  pode  estar  em  lugar  dos  outros  temj)OS : 

Pilatos  he  o  que  havia  de  fazer  asco  de  vós  (Vieira, 
IX,  74,  ap.  Blut.). 

O  port.  moderno  também  abrevia  a  phrase,  suppri- 
mindo  o  pron.  o. 

b)  Este  desdobramento  simplificado  da  maneira 
acabada  de  indicar  passou,  no  port.  médio  e  moderno, 
a  applicar-se  a  qualquer  parte  de  uma  or.,  que  deter- 
mine o  predicado,  tornando-se  apenas  um  signal  de 
realce : 

Dahi  he  que  lhe  vem  toda  a  graça,  e  toda  a  fermosura 
(Vieira,  7/,  lo).  Agora  he  que  tinhão  melhor  lugar  os  des- 
mayos  da  Esposa  (Id.,  VII,  46). 

Obs.  Quando  a  determinação  designa  lugar,  pode 
substituir-se  que  por  onde: 

era  principalmente  nas  fileiras  dos  árabes,  onde  as 


SYNTAXE   HISTOHICA   POIITUGUESA  319 


jpúas  agudas  e  cortadoras  da  sua  temerosa  borda  ou  maça 
d'armas  faziam  maiores  estragos  (Herc,  Eur.,  118). 

Obs.  O  porí.  moderno  chega  a  empregar  é  (era,  etc.) 
qite — invariável,  depois  do  que  havia  de  ser  sujeito  da 
or.,  V.  g.:  os  grandes  rebanhos  é  que  [por:  são  os  que,  ou 
ainda:  são  que]  fazem  as  boas  colheilas,  proporcionando 
as  quantidades  precisas  do  estrume  para  o  adubo  do  solo 
(Rebello  da  Silva,  Econ.  rural) ;  as  nndtidões  é  que  ficarão 
tristes  (Herc,  Lendas  e  Narr.,  II,  198). 

Outros  desdobramentos  coin  o  fim  de  dar  realce, 
taes  como:  para  que  não  succeda  que,  quando  caso  for 
que  (=quando  por  ventura),  como  assim  seja  que  {=como, 
emi^hatico),  sendo  que,  não  importam  á  syntaxe: 

Como  assim  seja  que  esta  terra  d'aleem  lie  tam  grande 
e  doesta  parte  d'aquem  temos  Europa,  Africa  e  Ásia,  mani- 
festo lie  que  lio  mar  oceano  lie  metido  no  meo  d'estas  duas 
terras  e  fica  medio-terrano  {Esmeraldo,  24). 

Este  meio  de  dar  realce  applica-se  também  ás  or. 
interrogativas  de  porque  e  quando. 

c)  Das  construcções  eliipticas  taes  como:  Quantos 
montes  então  que  derribarão  \  As  ondas  que  batiam  deno- 
dadas (Lus.,  VI,  79)  desenvolveu-se  o  emprego  de  que 
reduzido  a  partícula  de  realce,  em  exclamações  com 
quanto,  qual,  que.  quão. 

d)  Da  construcção  com  a  conjuncção  que  em,  v.  g.: 
lia  tanto  tempo  que  uma  cousa  acontece,  proveiu  o  em- 
prego de  que,  reduzido  a  partícula  de  realce,  depois  das 
expressões  que  designam  desde  que  tempo  uma  cousa 
acontece : 

Desde  o  alvor  da  manhã  que  vos  procuro  (Garrett, 
Cam.,  X,  117).  desã-e  muito  que  o  somno  é  sempre  breve 
para  mim  (Herc,  Eur.,  268). 


320  SYNTAXE   HISTOHICA   PORTUGUESA 


e)  Por  íim,  como  partícula  de  realce,  emprega-se 
depois  dos  advérbios  (e  locuções  adverbiaes)  que  indi- 
cara o  modo  da  enunciação  (talvez,  por  ventura,  certa- 
mente,  certo,  verdadeiramente),  e  depois  do  qiiasi  e  ex- 
pressões equivalentes : 

Por  certo  que  gravemente  me  pesa  do  que  fiz  ser  asolto 
per  elle  Deos  e  polo  Santo  padre  de  minha  culpa  (Diego 
Aff.,  69,  70). 

§  429.  a)  O  adverbio  não  é  o  adverbio  negativo  ge- 
ral. 

Já  em  latim,  bem  que  só  na  poesia,  e  na  decadên- 
cia, occorre  non  por  «e. 

Obs.  Note-se  a  ioc.  não  j)oder  não  —  (=não  poder 
deixar  de  — ):  não  podia  não  ter  (Vieira,  S.  do  b.  Eslanis- 
lao,  2). 

b)    Em  lugar  de  não  emprega-se  nem: 

1)  immediatamente  antes  do  todo,  tudo,  sempre : 
Nem  tudo  o  que  luz  é  ouro  (Prov.)    As  coisas  simpli- 

ces  nem  semp7'e  occorrem  (R.  da  Silva,  Mocidade,  2,  208). 

2)  antes  de  ainda,  se  quer,  mesmo  (adv.). 

3)  antes  de  por  isso. 

nem  tambom  se  emprega  com  o  sentido  do  francês 
pas  même: 

Nem  o  humilde  logar  onde  repoisam  \  As  cinzas  de 
Camões,  conhece  o  luso  (Garrett,  Cam.,  IIS). 

Também  na  decadência  o  latim  empregava  »i«çm€ 
(m(í)  por  nc  —  qnidem. 

§  430.  Da  concorrência  de  duas  negativas  não  re- 
sulta uma  affirmação,  e  assim  diz-se,  v.  g.:  sem  pedidos 
nem  recommcndações,  sem  nenhum  perigo,  sem  perigo  ne- 
nhum, a  par  de  :  sem  perigo  algum : 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  321 


anibos  chegaram,  sem  nenhum  accidente,  ao  seu  destino 
(Garrett,  Viag.,  16S). 

§  431.  a)  Pode  empregar-se  um  pron.  negativo  (nin- 
guém, nenhum,  etc),  ou  adverbio  pronominal  negativo 
(nunca,  etc),  quando  era  de  esperar  um  pron.  ou  adver- 
bio affirmativos  no  segundo  termo  d'uma  comparação  (de- 
pois de:  do  que,  que,  como): 

Súbito  o  ceo  sereno  se  obumbrava,  \  Que  os  ventos, 
mais  que  nunca,  impetuosos,  |  Começão  novas  forças  a  hir 
tomando,  \  Torres,  montes  e  casas  derribando  (Liis.,  VI,  37). 

b)  Semelhantemente  em  uma  or.  ou  infinitivo,  que 
se  ligue  a  uma  or.,  cujo  predicado  envolva  a  ideia  de  não 
existência  de  uma  cousa,  pode  antepôr-se  não  ao  verbo, 
ou  empregar-se  um  pronome  ou  adverbio  pronominal 
negativo,  em  vez  de  um  pron.  ou  adverbio  pronominal 
affirmativo : 

Mas  Africa  dirá  ser  impossibil  \  Poder  ninguém  ven- 
cer o  Rei  terribil  (Lus.,  IV,  54).  E  quando  vós  mesmo 
cuydaveis  que  seria  impossível  haver  nunca  mudança  em 
vós,  achastes  que . .  o  vosso  coração  se  trocou  totalmente 
(Vieira,  I,  736).  Não  me  lembra  que  lord  Byron  cele- 
brasse nunca  o  prazer  de  fumar  a  bordo  (Garrett,  Viag., 
10).  elles  estavam  bem  livres  de  ser  nenhuma  dessas  cou- 
sas (Herc,  Op.,  III,  13).  Cuidas  que  uma  noite  doestas  es- 
quece nunca  ?  (R.  da  Silva,  Mocidade,  3,  127). 

c)  Nas  or.  comparativas  pertencentes  para  compa- 
rativos de  superioridade,  ou  de  inferioridade,  o  port. 
arch.  empregava  ás  vezes  o  adverbio  7ião: 

mais  homrra  dan  a  deus  os  pexes  das  agoas  que  nom 
os  homées  herejes  (Mil.  de  S.  António,  3).  eu  me  com- 
tento  mays  do  meu  grão  que  tu  nom  te  comtentas  das  rri- 
quezas  dos  rreis  (Fabul,  fab.  23).  deu  por  ssy  mays  ca 
nõ  vai  (Dom  Lopo,  Vat.,  967). 

21 


322  8YNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


Outrosim,  o  port.  arch.  médio  empregava,  nas  ora- 
ções de  primeiro  que,  o  pron.  ou  adverbio  negativo,  em 
vez  do  positivo: 

primeiro  que  entendesse  em  nenhúa  cousa  das  que  lhe 
mandava  dizer  lhe  mandava  dez  mouros . .  em  arrefens 
(Affonso  de  Albiiq.,  Comm.,  34). 

d)  Aos  verbos  de  prohibir  e  impedir  ligava-se,  no 
port.  arch.  médio,  uma  or.  (ou  infinitivo)  complementar 
com  negação: 

Defendi-lWeu  que  se  nom  fosse  d'aqui  (Lang.,  99). 
vedes  quem  me  tolhe  de  vos  nom  valer  (Lá.,  90).  e  por  que 
me  tolhestes  \  que  non  possa  meu  amigo  veer  (Pedro  Ami- 
go de  Sevilha,  Vat.,  823).  Gom  hum  redondo  empar  o 
alto  de  seda,  \  Nua  alta  e  dourada  ástea  enxerido,  \  Hum 
ministro  á  solar  quentura  veda  \  Que  não  offenda  e  quei- 
me o  Rei  subido  (Lus.,  II,  96).  defendem-me  meus  paren- 
tes I  que  te  não  fale  nem  veja  (Chrisfal,  79). 

e)  Outro  tanto  se  fazia  ás  vezes  na  or.  que  se  liga 
a  pouco  faltou : 

Pouco  faltou  que  não  perdesse  o  siso  {Mal.  conq., 
3,  98). 

i)  No  port.  arch.  médio,  depois  dos  verbos  de 
temer,  empregava-se  na  or.  complementar  o  pron.  ou 
adverbio  negativos,  em  vez  d'um  pron.  ou  adverbio 
affirmativos: 

Fermosa  filha  minha,  não  temais  \  . .  que  ninguém 
comigo  possa  mais  \  Que  esses  chorosos  olhos  soberanos 
(Lus.,  II,  44). 

g)  No  port.  arch.  médio  empregava-se,  na  coorde- 
nação, nem,  em  lugar  de  ou,  se  o  predicado  envolvia  a 
ideia  da  não  existência  d'uma  cousa : 

loar  mha>  senhor  \  a  que  prez  nem  fremosura  nom  fal, 
I  nem    bondade  (Lang,  pg.  41).    e  se  verdade  leixardes 


SYNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUESA  323 


de  dizer  por  sanha,  nem  por  ira,  nem  por  cobiça,  nem  por 
prol..  [Port.  Mon.  Hisl.,  Orden.  de  D.  Duarte,  299).  Que 
me  hão  Syrtes  nem  Scylla  aproveitado  ?  {En.  x>ort.,  7,  71). 
Tudo  em  ti  pôs  o  ceo,  e  em  ti  o  conserva  \  Mais  que  em 
Juno,  nem  Vénus,  nem  Minerva  (Caminha^  134). 

h)  Nas  exclamações  de  quanto,  qual,  que,  quão,  é 
corrente  antepôr-se  7ião  ao  verbo: 

Que  romarias  e  offerlas  se  não  promeiteriam  á  Casa 
santa  de  Compostella !  (Cast,,  Q.  Hist.,  2,  13). 

§  432.  Quando  a  negação  houver  de  ser  expressa 
por  uma  só  palavra,  esta  vae  antes  do  verbo:  Ninguém 
vi  que  soubesse  mais: 

uma  mulher  feita  e  perfeita,  e  que  nada  perdera, 
comtudo,  da  graça,  do  encanto,  do  suave  e  delicioso  per- 
fume da  inocência  infantil  (Garrett,  Viag.,  144).  Tantos 
annos  de  penitencia-  e  de  remorsos  nada  fizeram  (Id.,  ibid., 
216). 

Quando  houver  de  ser  expressa  por  duas  palavras 
negativas,  o  verbo  no  port.  moderno  vae  entre  as  duas 
negativas:  Nunca  vi  ninguém,  não  sei  nada.  Entretanto 
pode  dizer-se:  nem  ninguém,  nem  nunca. 

Obs.  No  port.  arch.  dizia-se :  nem — não,  ninguém— não, 
nenhum — não: 

nenhuu  nom  produziria  nem  obraria  de  sy  perfeita- 
mente (Corte  Imp.,  100).  A  ninguém  não  me  descubro  (Gil 
Vicente,  1,  48,  ap.^  J.  Moreira,  Est.,  I,  147).  Nem  tu  não 
tens  que  me  dar  (ibid.,  13).  (Em  Gama  Barros,  Hist.  da 
Administ.,  III,  256 :  Nem  do  código  nem  das  actas  dos  Con- 
cílios não  cotista  que  n'este  reinado  se  promidgassem  leis 
contra  os  Judeus,  é  effeito  do  trato  com  o  port.  archaico), 

O  povo  diz:  não  pode  deixar  de  não  ser,  em  vez  de 
não  pode  deixar  de  ser. 


324  SYNTAXE  HISTOUICA   POUTUQUESA 


§  433.  É  de  notar  a  loc.  não  que  —  !  (=  pudera  não 
que  —  !): 

Por  quem  vós  Jiys  sospiranJo,  \  senhor  Jorge  da  Sijl- 
veyra? — Nam  que  eu  sospiro  indo  \0por  quem  cuydados 
me  da  (Jorgo  da  Silveira,  Canc.  Ger.,  /,  1). 

SECÇÃO  III 
Da  collocação 

§  434.  Com  respeito  á  coUocação,  que  depende  de 
considerações  lógicas,  oratórias  e  musicaes,  considera- 
ções que  tem  de  subordinar-se  ao  principio  supremo  da 
clareza,  ú  grammatica  só  pertence  indicar  as  restricçòes 
que  o  uso  tem  posto  á  liberdade  natural. 

CAPITLXO  I  . 
CoUocação  das  palavras  na  oração 

§  435.  A  coUocação  mais  simples  (quero  dizer,  sem 
emphase)  das  palavras  na  or.,  consiste  em  ir  primeiro  o 
sujeito  com  as  suas  pertenças,  depois  o  predicado;  o  n. 
predicativo  e  o  compl.  directo  (não  sendo  pron.  relativo 
ou  interrogativo)  depois  do  verbo ;  as  determinações  pre- 
posicionaes  depois  da  palavra  determinada;  os  pron.  re- 
lativos e  interrogativos  (precedidos  das, respectivas  pre- 
■*  posições  ou  loc.  preposicionaes)  e  os  advérbios  prono- 
minaes  relativos  e  interrogativos  no  principio  da  oração: 

Que  parte  da  Chrislandade  vedes  segura,  ou  quieta, 
ou  certa  de  seus  limites?  (Cast.,  Q.  Hist.,  1,  84) 

Exemplos  da  coUocação  emphatica: 

A  vaidade  e  o  orgulho  que  são,  senão  duas  espécies  de 


SYNTAXE  HISTOIUCA  PORTUGUESA  325 


um  género  único  de  fraquezas?  (Herc,  Op.,  I,  íõ).  Quejn 
tem  fome,  cardos  come  (Prov.). 

§  436.  Quando  o  sujeito  é  pron.  relativo,  antecede 
o  predicado  (excepto  nos  participios  absolutos). 

§  437.  Nas  or.  principaes  que  designam  o  discurso 
de  outrem,  quando  se  intercalam  no  discurso  ou  vão  no 
fim  d'elle,  vae  o  sujeito  depois  do  verbo: 

Não  me  enfada  nada  —  redarguia  este  (R.  da  Silva, 
Mocidade,  2,  196). 

Quando  uma  or.  interrogativa  directa  começa  pela 
expressão  interrogativa,  c  esta  não  encerra  o  sujeito,  pos- 
põe-se  o  sujeito  ao  verbo. 

§  438.  Quando  o  sujeito  é  um  nome  não  precedido 
do  artigo  definido,  pospòe-se,  não  havendo  emphase : 

1)  aos  verbos  existir,  apparecer,  occorrer,  e  aos  de 
significação  semelhante.    • 

2)  aos  verbos  reflexos  de  sentido  passivo. 

§  439.  Quando  os  pron.  isto,  isso,  aquillo,  o  mesmo, 
e  este,  esse,  aquelle,  o  mesmo  (com  os  seus  substantivos), 
sendo  complementos  do  predicado,  se  transportam  em- 
phaticamente  para  o  principio  da  or.  (principal),  o  sujeito 
pospòe-se  ao  verbo : 

Isto  fazê  os  príncipes  alheos  de  soberba,  ca  os  incha- 
dos delia,  inda  que  vejão  seus  erros,  ham-se  por  abbati- 
dos  em  os  emendar  (H.  P.,  /,  203).  Isto  fazem  os  Reis, 
quando  embebidos  |  Ntia  apparencia  branda  que  os  con- 
tenta, I  Dão  os  prémios  de  Aiace  merecidos  \  Á  lingoa  vã 
de  unisses  fraudulenta    (Lus.,  X,  24). 

§  440.  Quando  o  n.  predicativo  se  colloca  emphati- 
camente  antes  do  verbo,  o  sujeito  vae  usualmente  depois 
do  verbo: 

—  Cala-te,  impio  ! — gritou  frei  João  irado.— ímpio 
é  elle !  (R.  da  Silva,  Mocidade,  3,  36). 


826  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


§  441.  a)  Nas  phrases  do  typo  de:  O  que  eu  digo  é 
que—,  pode  o  sujeito  da  or.  relativa  transpôr-se  empha- 
ticamente  para  o  principio  da  phrase: 

o  concilio  o  que  fez  foi  annular  em  geral  os  casa- 
menlos  clandestinos  entre  os  catholicos  (Herc.,  Cas.  Civ.y 
127). 

b)  Nas  orações  de  que,  com  conjunctivo  de  sentido 
imperativo,  o  sujeito  pode  collocar-se  eraphaticamento 
antes  da  conjuncção  que: 

Alguns  dias  que  passem,  e  o  furor  d'elles  cederá  ás 
supplicas  dos  teus  poderosos  protectores  (Herc,  Monge,  II, 
305). 

§  442.  O  sujeito  de  uma  or.  infinitiva  não  precedida 
de  prepos.  (excepto  a  prepos.  a,  em  sentido  temporal), 
pospõe-se  normalmente  ao  infinitivo  de  verbos  intransi- 
tivos  011  passivos  (nos  tempos  compostos  pode  ir  depois 
do  auxiliar). 

§  443.  Nos  participios  absolutos,  o  sujeito  colloca-se 
depois  do  participio  (em  tempo  composto,  depois  do  au- 
xiliar, ou  depois  de  todo  o  participio);  quando,  porem, 
o  participio  ó  precedido  da  prepos.  em,  pode  o  sujeito 
collocar-se  antes;  também  os  sujeitos  isto,  isso,  aquillo, 
o  que,  podem  collocar-se  antes  do  participio  passivo 
simples : 

E  aly  acrecemtando-lhe  a  êmfirmidade .  .  Aquella 
alma  muy  Sanita  pasou  de  aqueste  mundo  a  deus  padre 
(Mil.  de  S.*^  Ant.,  27).  Feyta  agoada  e  carnagem,  par- 
tio-se  Vasco  da  Gama  híia  quinta  feyra  pela  manhãa 
que  forão  dezaseis  de  Novembro  (Castanh.,  7,  3).  Acabada 
a  solemnidade  daquelle  acto,  e  entregue  D.  João  do  go- 
verno da  índia,  se  partio  Martim  Affonso  para  Cochim 
a  tratar  do  seu  apresto  2^cira  o  Reino  (Freire,  29).    aca- 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  327 


badas  Completas  manda  tanger  a  .Capittdo  (Sousa,  V.  do 
Are,  I,  56). 

Esta  regra  é  do  port.  moderno,  mas  observada  por 
todos  os  bons  escriptores;  anteriormente  o  sujeito  ante- 
punha-se  ou  pospunlia-se  indifferentemente : 

depois  a  madre  noru  comprindo  o  voto  que  prometera 
inchou  oídra  vez  ao  moço  o  pescoço  (Mil.  de  SJ°  Ant.,  34). 
o  jogo  acabado  todas  as  peças  [do  xadrez]  sam  mistura- 
das com  as  oídras  sem  diff crença,  e  igualmente  metidas 
no  saco  dos  trebelhos  (H.  P.,  I,  431,  431  v.)  . .  a  raiva  \ 
succedendo  ao  desmaio,  entra  escumando  \  Na  grande  sa- 
cristia (Hyssope,  31). 

§  444.  Quando  aos  verbos  deixar,  fazer,  mandar, 
ouvir,  sentir,  ver,  se  liga  um  infinitivo  referido  ao  compl. 
directo  d'estes  verbos,  o  compl.  directo,  não  sendo  pron. 
pessoal,  ou  relativo,  ou  interrogativo,  pode  ir  depois  do 
infinitivo. 

§  445.  Quando  se  liga  um  infinitivo  aos  verbos  ir, 
vir,  etc,  mandar,  as  circunstancias  pertencentes  para 
aquelles  verbos  podem  ir  depois  do  infinitivo : 

quando  [o  leão]  avia  talante  de  comer,  anidava  a  ca- 
çar das  alitnarias  aa  ssilva  (Fabul.,  fab.  27). 

§  446.  Nos  tempos  compostos  pode  intercalar-se 
também  uma  circumstancia  entre  o  auxiliar  e  o  participio. 

§  447.  Os  adjectivos  attributos  coUocam-se  depois 
do  seu  substantivo,  quando  não  são  de  modo  algum  epi- 
thetos  oratórios  ou  poéticos :  olhos  azues,  mesa  redonda, 
amêndoa  amarga,  azeite  doce,  homem  coxo,  criança  cega, 
estrela  polar,  lado  direito;  e  quando  são  acompanhados 
de  uma  determinação  preposicional  (v.  g.:  lei  contraria  á 
liberdade). 

§  448.  a)  Os  numeraes  cardinaes  attributos,  empre- 
gados como   cardinaes,  antecedem  o  substantivo   {vinte 


328  SYNTAXE  HISTOKICA  P0KTUGUE8A 


homens)]  empregados  como  ordinaes,  pospõem-se  (Luís 
onze),  excepto  nas  combinações  com  o  artigo,  como: 
aos  quaiorze  dias  de  Junho. 

b)  Os  ordinaes  (ultimo  e  seus  compostos)  pospõem- 
se  aos  nomes  dos  príncipes  o  dos  papas  (A  ff  ouso  V; 
Pio  VI);  no  mais  antepõem-se  ou  pospõem-se ;  ha,  porêra, 
vários  substantivos,  junto  dos  quaes  tem  lugar  fixo,  v.  g.: 
primeiro  andar  (nas  epigraphes),  tomo  primeiro,  capi- 
tulo segundo,  paragrapho  quarto. 

§  449,  a)  Os  pron.  possessivos  attributos  pospõem- 
se  emphaticamente  ao  substantivo,  se  este  não  traz  artigo 
definido,  v.  g. :  Filho  meu  não  faria  tal. 

b)    Aos  pron.  possessivos  attributos  antepõem-se: 

1)  os  artigos:  o  teu  primo,  um  teu  primo. 

2)  os  demonstrativos:  este  teu  primo,  o  tal  teu  primo. 

Obs.    Sobro  niesuio,  v.  §  86. 

3)  os  interrogativos:  que  primo  teu? 

4)  os  relativos:  o  qual  teu  primo. 

5)  os  indefinidos:  algum  teu  primo;  mas  negativa- 
mente: primo  algum  teu. 

Diz-se:  ambos  os  teus  primos,  todos  os  teus  primos, 
e,  com  ambos  e  todos  em  opposição:  os  teus  primos  são 
ambos  intellig entes,  os  teus  primos  são  todos  intellig entes. 

Aos  pron.  possessivos  attributos  pospõem-se  os  nu- 
meraes  ordinaes:  a  tua  primeira  mídher;  com  os  cardi- 
naes  diz-se:  os  três  teus  primos,  três  teus  primos,  ires 
primos  teus. 

§  450.  Os  demonstrativos  este,  esse,  aquelle,  otdro 
(quando  é  rigorosamente  pronome),  tanto,  precedem  os 
outros  attributos,  excepto  ambos  e  todo:  ambos  estes  li- 
vros, todos  estes  livros. 

Tal  empregado  absolutamente  vae  antes  ou,  erapha- 


SYNTAXE   HISTÓRICA   POKTUGUESA  329 


ticamente,  depois  de  um  substantivo:  um  tal  homem,  um, 
homem  tal;  mas:  o  tal  homem. 

Quando  é  seguido  de  or.  consecutiva  ou  de  particula 
comparativa,  diz-se:  bulha  tal  que — ,  uma  tal  bulha  que — , 
um  homem  tal  como  elle. 

Obs.    É  poética  a  intercalação  do  substantivo  entre 
os  dois  pronomes:    Diante  do  pai,  ledo  que  a  agosalha,  \ 
Estas  palavras  tais  chorando  espalha  {Lies.,  Ill,  102). 

§  451.  Os  pron.  relativos  e  interrogativos  ante- 
põera-se  ao  seu  substantivo,  e  precedem  os  outros  attri- 
butos:  que  outro  homem?  A  cZo  gí<aí  antepõe-se  ordina- 
riamente o  substantivo  de  que  o  pron.  relativo  é  comple- 
mento : 

columnas  monolithas,  a  menor  das  quaes  os  braços  de 
dez  mil  árabes  não  valeriam  a  erguer  (Herc,  Op.,  II,  34). 
As  palavras  discretas  e  suaves,  j  Das  quaes  o  movimento 
I  Fará  deter  o  vento  e  as  altas  aves  (Cam.,  Ode  VI). 

§  452.  Sobre  a  collocação  de  todo  e  algum,  v.  §§  104 
e  106. 

Comtudo,  no  sentido  de  «inteiramente»,  diz-se:  Eu 
sou  iodo  seu  (Prestes,  18õj. 

Diz-se:  nós  todos,  todos  nós,  iodos  os  quaes. 

Cada  antepõe-se  ao  seu  substantivo :  cada  ovelha 
com  a  sua  parelha  (Prov.). 

Diz-se : 

1)  iodos  essoidros  (Vieira,  XI,  515). 

2)  qualquer  outro,  outro  qiiatquer : 

ou  per  outra  qualquer  (H.  P.,  II,  468  v.). 

Nenhum  antepõe-se,  ou,  emphaticamente,  pospõe-se 
ao  substantivo.  Certo,  um  certo,  antepõe-se  ao  substan- 
tivo. 


330  SYNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUESA 


Collocação  dos  pi^onomss  pessoaes  átonos  o  do  pronome 
demonstrativo  átono  o. 


1.°  Caso  —  Com  verbo  que  não  é  determinado  por 
infinitivo  nem  está  na  conjugação  periphrastica  formada 
com  o  participio  em  -fido: 

§  453.  a)  Se  o  verbo  é  de  or.  principal  do  indica- 
tivo, imperativo  ou  infinitivo,  e  não  é  precedido  de  pa- 
lavra negativa  ou  interrogativa,  os  pronomes  átonos  pos- 
põem-se  ao  verbo  (nos  tempos  compostos,  ao  auxiliar). 
Disse-Wo;  Tenho-Wo  dicto ;  Dizp.-Wo  (No  futuro  e  con- 
dicional: Dir-lh'o-hei;  Ter-Wo-hia  dido): 

Deixa-me;  quero  desabafar  eu  também  agora.  Ouve- 
me,  tens  obrigação  de  me  ouvir.  (Garrett,  Viag.,  209).  Tu, 
Hermengarda,  recordares-te  ? !  (Herc,  Eur.,  47).  Abomi- 
no-te,  destruidor  da  Hespanha . .  Não!  Enganei-me!  Des- 
prezo-te,  salteador  do  deserto    (Id.  ibid.,  205). 

Antepõem-se,  porém,  de  preferencia  : 

1)  quando  antes  do  verbo  vae  palavra  (v.  g.:  iodo, 
sempre,  já,  só),  em  que  naturalmente  recao  emphase,  ou 
a  que  se  pretende  dar  realce : 

Quem  está  em  ventura,  a  formiga  o  ajuda  (Prov.). 
tudo  m^atormenta  (Caminha,  158). 

2)  quando  a  or.  ú  precedida  de  uma  or.  adverbial, 
ou  é  uma  nova  or.  principal,  mormente,  se  ligada  por 
conjuncção: 

Como  o  caçador  espreita  o  leão  tomado  no  fojo,  os 
wisigodos  os  vigiavam,  esperando  o  romper  da  alvorada 
(Herc,  Eur.,  27).  tomara  parte  na  Campanha  da  Penín- 
sula e  a  fizera  quasi  toda  (Garrett,  Viag.,  102).  Impossí- 
veis unio  e  o  [cinto]  fez  tão  bello  (R.  Coelho,  Jerusalém 
libertada,  XVI,  24). 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  331 


Nas  orações  de  ou  —  oii  aiitepõem-se  ou  pospõem-se: 

Ou  me  dá  vida,  Galatea  ingrata,  |  Com  teu  fervor, 
ou  por  favor  me  mata  (Ulyss.,  V,  36).  * 

Se  o  verbo  ó  de  uma  or.  parenthetica,  que  indica 
um  discurso  directo,  intercalada  neste  discurso,  ou  posta 
no  fim  d'elle,  antepòem-se  ou  pospõem-se: 

Monstro  fero,  lhe  digo,  não  te  espante,  \  Se  neste  braço 
a  pena  merecida  \  Achaste . .  (Ulyss.,  III,  71). 

Se  antes  do  verbo  vae  palavra  negativa  ou  interro- 
gativa, antepõem-sc:  Não  IKo  disse.  Quem  Ih' o  disse?. 
Ninguém  Ih' o  disse.   Quem  Ih' o  teria  dicto?: 

Quem  me  descidpará  vendo-te  ausente?  (Ulyss.,  X, 
115). 

b)  Se  o  verbo  é  de  or.  principal  do  conjunctivo 
imperativo,  ou  optativo,  ou  concessivo,  e  não  é  prece- 
dido de  palavra  negativa,  pospõem-se;  mas  se  antes  for 
expressão  em  que  recaia  emphase,  antepõem-se: 

Pague-vos  Deus  no  cêntuplo  o  bem  que  fizestes  aos 
nossos  queridos  finados  (Cast.,  Outono,  II,  127).  do  ceu 
lhe  venha  o  remédio  (R.  da  Silva,  Mocidade,  1,  57). 

Nas  orações  de  quer — quer,  e  seus  synonimos,  ante- 
põem-se: Quer  o  diga,  quer  o  não  diga. 

c)  Se  o  verbo  é  de  or.  subordinada  de  modo  finito, 
antepõem-se:  Quero  que  Ih' o  digas: 

Sabemos  que  el  Bei  D.  João . .  lhe  era  pouco  affecto 
por  altivo  (Freire,  IS). 

d)  Se  o  verbo  está  no  infinitivo  e  não  é  precedido 
de  palavra  negativa,  pospõem-se:  Foi  bom  dizer-lh'o;  Foi 
bom  ter-Wo  dicto  : 

Que  proveito  te  traz  ver-me  perdido?  (Corte  Real, 
Nmif.,  291). 

Se  é  precedido  de  palavra  negativa,  antepõem-se  ou 
pospõem-se : 


332  SYNTAXE   HISTÓRICA  POUTUGUESA 


Um  bem  que  satisfaz  |  Todos  os  males  que  não  ver- 
vos  faz  (Caminha,  124). 

Se  é  precedido  de  preposição,  antepõem-se  ou  pos- 
põem-se:  para  Ih' o  [não]  dizer;  para  fnãoj  dizer- Ih' o: 

Ocupa-se  a  alma  em  querer-vos  (Caminha,  13).  Tanto 
a  dor  de  não  ver-vos  não  sentira  (Id.,  89).  E  faz  por  se 
soltar  força  infinita  (Ubjss.,  II,  82).  Apto  para  mandá- 
los  e  regê-los  (Lus.,  IV,  24).  somos  contentes  de  vos  obe- 
decer (Cast.,  Q.  Ilist.,  II,  27).  por  se  amarem  extremosa- 
mente? (R.  da  Silva,  Mocidade,  2,  106). 

e)  Se  o  verbo  está  no  participio  em  -ndo,  e  não  ô 
precedido  de  palavra  negativa,  nem  da  prep.  em,  pos- 
põem-se:  Oiwindo-me;  tendo-me  ouvido. 

Se  é  precedido  de  palavra  negativa  ou  da  prep.  ew, 
antepõem-se:  [em]  não  me  ouvindo;  [em]  me  não  ouvindo. 

2."  Caso  —  Com  verbo  que  não  está  na  conjugação 
periphrastica  formada  com  o  participio  em  -ndo,  e  está 
determinado  por  infinitivo  ou  infinitivos  successivamente 
subordinados  (referidos  ao  sujeito  do  verbo): 

§  454.  a)  Se  o  verbo  ó  de  uma  or.  principal  do  in- 
dicativo, imperativo  ou  infinitivo,  e  não  é  precedido  de 
palavra  negativa  ou  interrogativa,  os  pronomes  átonos 
vão  depois  do  verbo  determinado,  ou  depois  dos  infini- 
tivos: Podes-Wo  dizer;  podes  dizer-lh'o ;  Pode-las  come- 
çar a  plantar ;  podes  começá-las  a  plantar ;  podes  come- 
çar a  plantá-las : 

eu  venho-te  dizer  que  te  amo  (Garrett,  Viagens,  213). 

Antepõem-se,  porem,  de  preferencia  ao  verbo  deter- 
minado : 

1)  quando  antes  do  verbo  vae  palavra  (v.  g.:  todo, 
sempre,  só)  em  que  naturalmente  recae  emphase  ou  a  que 
se  pretende  dar  realce : 


SYNTAXE  HISTÓRICA  POUTCGUESA  333 


Mal  poderei  queixar-me  (Caminha,  158J.  D.  João  de 
Mascarenhas  o  tornou  a  abraçar,  espantado  de  ver  espí- 
ritos varonis  em  annos  tão  verdes  (Freire,  104).  Mal  te 
posso  esconder,  Cyrcc  formosa  {Ulyss.,  III,  104).  Só  as  es- 
treitas se  podiam  mirar  n'elles  [pensamentos]  (Cast.,  Cha- 
ve, 46). 

2)  quando  a  oração  ó  precedida  de  uma  or.  adver- 
bial ou  é  uma  nova  or.  principal,  mormente,  se  ligada 
por  conjuncção : 

tomando-lhe  o  novêllo  das  mãos  nhim  instante  desem- 
baraçou  o  fio  e  lho  tornou  a  entregar  (Garrett,  Viagens,  74). 

Se  ó  precedido  de  palavra  negativa  ou  interrogativa, 
antepõem-se  ao  verbo  determinado,  ou  pospõem-se  aos 
infinitivos:  Não  Ih' o  posso  dizer;  quem  Ih' o  pode  dizer? 
Não  posso  dizer-Wo ;  quem  pode  dizer-Wo  ?;  Não  as  pode 
começar  a  plantar ;  não  podes  começá-las  a  plantar ;  não 
podes  começar  a  plantá-las.  Quem  as  pode  começar  a 
plantar?;  quem  pode  começá-las  a  plantar ?;  quem  pode 
começar  a  plantá-las? : 

Com  vileza  nunca  se  pode  adjectivar  generosidade 
(Ceita,  94  v.).  Carlos  era  tudo  isso :  para  que  o  hei-de  eu 
negar  ?  (Garrett,  Viag.,  148).  Vi  nascer  florinha  branca, 
I  e  eu  não  tinha  a  sua  cor;  \  via-a  sorrir-me  alva  e  fran- 
ca, I  não  lhe  pude  rir  de  amor  (Cast.,  Outono,  II,  117). 
quem  te  poderá,  não  digo  exceder,  se  não  imitar !  (R.  da 
Silva,  Mocidade,  I,  270). 

b)  Se  o  verbo  é  de  or.  principal  do  conjunctivo  im- 
perativo, ou  optativo,  ou  concessivo,  e  não  é  precedido 
de  palavra  negativa,  pospõem-se  ao  verbo  determinado 
ou  aos  infinitivos;  mas  se  antes  fôr  expressão  em  que 
recaia  emphase,  antepõem-se  ao  verbo  determinado. 

Nas  orações  de  quer — quer,  e  seus  s^non.  pospõem-se. 

c)  Se  o  verbo  é  de  uma  or.  subordinada  de  modo 


33t  KYNTAXIO   HISTOKICA   PORTUGUESA 


finito,  antepõem-se  ao  verbo  determinado,  ou  pospõcm-se 
aos  infinitivos  :  Penso  que  Wo  podes  dizer ;  poiso  que  po- 
des dizer-Wo;  Creio  que  as  podes  conirçdr  a  phnildr; 
creio  que  podes  começá-las  a  plantar ;  creio  <iuc  podes  co- 
meçar a  plantá-las : 

os  que  vos  não  sabem  ver  \  Do  vosso  amor  não  se 
prendem  (Caminha,  11).  Conta-lhe  como  Ulysses  he  che- 
gado, I  . .  Que  quer  ir  visita-lo  acompanhado  \  Das  Dei- 
dades do  rio  caudaloso  (Ulyss.,  VII,  64).  E  o  velho 
Protheo  c'o  rebanho  errante  \  No  mais  fundo  do  pego 
determina  \  Ir  esconder-se  nas  cavernas  (Ibid.,  VIII,  8). 
Quando,  Ninfa  cruel,  para  matar-me  \  A  este  grande 
amor  não  correspondas,  \  Não  entendas  que  podes  esca- 
par-me,  \  Por  mais  que  no  profundo  mar  te  escondas 
(Ulyss.,  III,  48).  A  mortal  lança  Ulysses  levantando,  \  A 
Valinferno  sacudida  parte,  \  Onde  a  pallida  morte  vai 
voando,  |  A  que  não  pode  oppôr-se,  ou  força  ou  arte  (Ibid., 
IX,  60).  Eis  aqui  porciue  Diniz  d'Alhaide  7ião  quiz  ser 
bento . .  e  se  foi  metter  padre  franciscano  (Garrett,  Viag., 
104).  Orando  estão  peregrinos  lhes  queira  sempre  valer 
(Cast.,  Oídono,  II,  105).  Mas  como  queres  que  te  obedeça- 
mos, se  não  sabemos  de  quem  te  havemos  de  vingar? 
(Herc,  Eur.,  219).  são  tão  numerosos  e  flagrantes  os 
abusos  comettidos . .  que,.,  não  podemos  ai}ida  agora 
perrloar-lhe  (Cast.,  Q.  Hist.,  4,  79).  porque  nem  a  von- 
tade a  pode  occultar,  nem  o  engano  a  sabe  fingir  (R.  da 
Silva,  Mocidade,  3,  108).  Em  Porlngal  não  parece  que 
se  possa  admiííir  essa  mesma  origem,  seiião  como  excepção 
muito  rara  (Gama  Barros,  Hist.,  I,  47). 


Obs.  1."  Se  o  primeiro  iiifiiiitivo  é  precedido  da 
prcpos.  de,  os  pronomes  áuuiurf  podem  também  ante- 
por-se  ao  infinitivo: 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  335 


como  se  puniam  nas  duas  compilações  os  que  deixa- 
vam de  o  prestar  (Gama  Barros,  Hist.,  I,  172). 

Obs.  2."  No  port.  arch,  médio  também  se  dizia, 
V.  g.:  para  que  se  não  atrevesse  a  lhe  resistir  (Vieira,  I,  795- 
796). 

d)  Se  o  verbo  determinado  está  no  infinitivo,  e  não 
é  precedido  de  prepos.,  pospõem-se  a  qualquer  dos  infi- 
nitivos: podê-las  começar  a  plantar;  poder  começa-las  a 
plantar;  poder  começar  a  planta-las.  Se  ó  precedido  de 
palavra  negativa,  antepõem- se  ao  1.°  infinitivo,  ou  pos- 
põem-se a  qualquer  dos  infinitivos  :  não  as  poder  começar 
a  plantar ;  não  podê-las  começar  a  plantar ;  não  poder 
começá-las  a  plantar;  não  poder  começar  a  plantá-las: 

Se  é  precedido  de  prepos.,  antepõem-se  ao  1.°  infi- 
nitivo, ou  pospõem-se  a  qualquer  dos  infinitivos :  para 
[não]  as  poder  começar  a  plantar;  para  [não]  podê-las 
começar  a  plantar ;  para  [não]  poder  começá-las  a  plan- 
tar;  para  [não]  poder  começar  a  plantá-las. 

e)  Se  o  verbo  está  no  participio  em  -ndo,  e  não  é 
precedido  de  palavra  negativa  nem  da  prepos.  em,  pos- 
poem-se  ao  participio  ou  a  qualquer  dos  infinitivos:  po- 
dendo-as  começar  a  plantar ;  podendo  começá-las  a  plan- 
tar; podendo  começar  a  plantá-las.  Se  ó  precedido  de 
palavra  negativa,  ou  da  prepos.  em,  antepõem-se  ao  par- 
ticipio, ou  pospõem-se  a  qualquer  dos  infinitivos :  em 
[não]  as  podendo  começar  a  plantar ^  em  [não]  podendo 
começá-las  a  plantar;  em  [não]  podendo  começar  a  plan- 
tá-las : 

o  monarcha,  7ião  se  podendo  conter  mais, . .  desafogou 
em  frouxos  de  estrondosas  gargalhadas  (R.  da  Silva, 
Mocidade,  2,  18). 


336  SYNTAXE  HISTOUICA  PORTUGUESA 


Obs.  ao  2.0  caso.  Quando  o  infinitivo  tem  de  ser 
precedido  da  prepos.  de,  os  prononies  átonos  ante- 
pOem-se  ao  verbo  determinado,  se  este  não  for  no  rosto 
da  clausula,  ou  pospòe-se  a  prepos,  í/e,  ou  ao  infinitivo: 
Isto  se  devia  de  dar,  isto  devia  de  se  dar,  islo  der  ia  de  dar -se. 

Hei-a  de  ver  (Prestes,  215).  Ha-de-se  prover  a  gineta 
(Vieira,  I,  501).  tu  husde-o  deixar  morrer  assim,  meu 
Carlos?  (Garrett,  Viag.y  217).  Hão-de  os  humanos  \  Aos 
pés  pisar-ie  (Here.,  Pões..,  133).  Antes  de  David  entrar 
no  desafio  com  o  Gigante  perguntou,  que  premio  se  havia 
de  dar  a  quem  tirasse  do  mundo  aquelle  opprobrio  de  Is- 
rael (Vieira,  I,  967). 

Obs.  A's  perguntas:  hei-de':'  has-de?  ha-de?  hão-de? 
responde-so  no  port.  moderno  com  hei-de,  has-de,  ha-de, 
hão-de: 

E  eu  hei-de,  mentir . .?-—  Has-de,  porque  cu  te  mando 
(Garrett,  Fr.  Luís  de  Sousa,  act.  I). 

3.'^  Caso  —  Com  verbo,  que  não  está  na  conjugação 
periphrastica  formada  com  o  participio  em  -ndo,  de- 
terminado por  um  infinitivo  ou  infinitivos  successivos  re- 
feridos ao  compl.  directo  ou  indirecto  do  verbo: 

§  455.  Os  pronomes  átonos  dependentes  do  verbo 
principal  seguem  as  regras  do  1.°  caso :  Obriguei-o  a  fal- 
tar ;  não  o  obriguei  a  faltar ;  os  dependentes  de  um  só 
infinitivo  pospõem-se  a  elle ;  os  dependentes  de  infinitos 
successivos  pospòem-se  a  qualquer  d'elles:  Obrigo-a  a 
traduzi-lo;  obrigo-a  a  começá-lo  a  traduzir;  obrigo-a  a 
começar  a  traduzi-lo: 

sem  deixar-se  [sem  se  deixar]  vencer  do  amor  do  fi- 
lho (Freire,  133).  elle  sabia  fazer-se  respeitar  (R.  da  Sil- 
va, Mocidade,  1,  177).  Sinto  ver-me  obrigado  a  notar- 
Wo  (R.  da  Silva,  Mocidade,  I,  202). 


SYNTAXE  HISTÓRICA   POKTDGDESA  337 


Cruz  e  Silva  (no  Hyssope,  104)  diz  incorrectamente : 
deixai  passa-lo,  em  vez  de :  deixae-o  passar. 

Obs.  Quando  o  complemento  dos  verbos  deixar, 
fazer,  mandar,  sentir,  ouvir,  ver,  ao  qual  se  refere  o  infi- 
nitivo ligado  aos  mesmos  verbos,  é  indeterminado  (v.  g.: 
mandou  enterrar  os  mortos),  os  pronomes  átonos  com- 
plementos do  infinitivo  ou  se  consideram  complementos 
d'aquenes  verbos,  e  seguem  as  regras  do  1.°  caso  (miin- 
dou-os  enterrar),  ou  se  pospõem  {mandou  enterrá-los): 

O  rei  prendeu-os  e  mandou-lhes  tirar  os  olhos  (G. 
Barros,  Historia,  I,  108). 

4.°  Caso  —  Com  verbo  na  conjugação  periphrastica 
formada  com  o  participio  em  -ndo. 

§  456.  a)  Se  o  verbo  pertence  a  uma  or.  principal 
do  indicativo,  imperativo  ou  infinitivo,  e  não  determina 
{no  infinitivo)  outro  verbo,  quando  antes  não  vae  pala- 
vra negativa  ou  interrogativa,  pospõem-se  ao  verbo  au- 
xiliar (da  conjugação  periphrastica),  ou  ao  participio : 
Ando-o  lendo ;  ando  lendo-o  : 

quem  come  o  corpo  de  Christo . .  vai  conservando-se 
em  graça  (Man.  Bernardes,  Pão  partido,  II,  §  25).  Vão-se 
as  praias,  e  os  montes  affastando  {Ulyss,  II,  4).  Em 
quanto  aos  hombros  o  alto  Ceo  sustenta  \  Está  vendo-te 
Atlante  perturbado  (Ibid.,  F,  60).  foi . .  enriquecendo-se 
com  os  inventos  das  artes  e  descobrimentos  das  sciencias 
(Cast,,  Q.  Hist.,  4,  80).  Vamos  fazendo-nos  velhos,  meu 
amigo,  os  annos  não  passam  debalde  (R.  da  Silva,  Moci- 
dade, 3,  19). 

Antepõem-se  porem  de  preferencia : 

1)  quando  antes  do  verbo  vae  palavra  em  que  na- 
turalmente recae  a  emphase,jOu  a  que  se  pretende  dar 
realce : 

22 


338  SYNTAXE  HISTOUICA  PORTUGUESA 


Para  ti  os  frescos  vales  e  outeiros  |  Se  vão  cubrindo 
de  mil  varias  flores  (Caminha,  217).  Hum  dia  junto  ao 
mar  te  estavas  vendo  \  Nos  cristaes  da  agua  pura,  e  soce- 
gada,  \  Alli  amor  me  fazia  estar  tremendo,  |  Que  ficasses 
de  vêr-te  namorada  (Ulyss.,  Ill,  41). 

2)  quando  a  or.  ó  precedida  de  uma  or.  adverbial, 
ou  6  uma  nova  or.  principal,  mormente,  se  ligada  por 
conjuncção. 

Nas  orações  de  ou— ou  antepõem-se  ou  pospõera-se. 

Quando  antes  do  verbo  vae  palavra  negativa  ou  in- 
terrogativa, antepõera-se  ao  auxiliar,  ou  pospõem-se  ao 
participio :  Ninguém  o  anda  lendo.  Quem  o  anda  lendo  ? 
Ninguém  anda  lendo-o ;  quem  anda  lendo-o  ?  .  . 

Se  o  verbo  (no  infinitivo)  determina  o  verbo  de  uma 
or.  principal  do  indicativo  ou  imperativo,  pospõem-se  ao 
verbo  determinado  ou  ao  infinitivo  ou  ao  participio : 
Pode-lo  andar  lendo;  podes  andá-lo  lendo ;  podes  andar 
lendo-o.  Quando,  porém,  o  verbo  determinado  é  prece- 
dido de  palavra  negativa  ou  interrogativa,  antepõem-se 
ao  verbo  determinado,  ou  pospõem-se  ao  infinitivo,  ou 
ao  participio :  Não  o  pode  andar  lendo.  Quem  pode  an- 
dá-lo lendo  ?  Quem  pode  andar  lendo-o  ? : 

O  homem,  desfavorecido  dos  acasos  de  que  depende  a 
felicidade,  o  bem,  e  a  fortuna,  não  pode  nada  comsigo, 
nem  deve  estar  lacerando-se  com  as  suas  próprias  unhas 
para  extirpar  com  o  sangue  a  raiz  do  mal  (Camillo,  O 
romance  de  um  homem  rico,  50,  ap.  Barreto,  Est.,  128). 

b)  Se  o  verbo  é  de  or.  principal  do  conjunctivo 
imperativo,  ou  optativo,  ou  de  supposição,  e  não  é  pre- 
cedido de  palavra  negativa,  pospõem-se  ao  auxiliar,  ou 
ao  participio :  Esteja-o  elle  muito  embora  traduzindo ;  es- 
teja elle  muito  embora  iraduzindo-o. 


SYNTAXE  HISTÓRICA.  PORTUGUESA  339 


Nas  orações  de  quer — quer,  e  seus  synonymos,  ante- 
põem-se  ao  auxiliar:  Quer  o  esteja  traduzindo,  quer  não. 

c)  Se  o  verbo  pertence  a  or.  subordinada  de  modo 
finito,  e  não  determina  (no  infinitivo)  outro  verbo,  ante- 
põem-se  ao  auxiliar,  ou  pospõem-se  ao  participio :  Creio 
que  [não]  o  anda  lendo;  creio  que  [não]  anda  lendo-o : 

Chama-se  via  purgativa  o  estado  em  que  a  alma  anda 
purgando- se  de  seus  pecados,  e  desterrando  seus  vícios 
antigos  (Man.  Bernardes,  Exercidos  espir.,  32,  ap.  Barre- 
to, Est.,  127).  Vendo  Uljjsses,  que  o  muro  se  acabava,  I 
E  o  tempo  de  partir  se  vem  chegando,  |  As  saudades  c'os 
olhos  lhe  contava,  \  De  sua  grave  dôr  effeito  brando 
(Ulyss.,  X,  105).  fora  vendo  com  satisfação,  ainda  que 
não  sem  alguns  longes  de  cuidado  pelas  incertezas  do  fu- 
turo, os  progressos  de  um  primeiro  affecto,  que  de  dia 
para  dia  se  foi  activando,  até  que  chegou  o  verdadeiro 
amor,  apaixonado  e  invencivel  (Cast.,  Chave,  I,  77). 

Se  o  verbo  (no  infinitivo)  determina  o  verbo  de  uma 
or.  subordinada  (a  cujo  sujeito  está  referido)  de  modo 
finito,  antepõem-se  ao  verbo  determinado,  ou  pospõem-se 
ao  infinitivo :  Creio  que  [não]  o  pode  andar  lendo ;  Creio 
que  [não]  pode  andá-lo  lendo. 

d)  Se  o  verbo  está  no  infinitivo  e  não  determina 
outro  verbo  que  esteja  no  infinitivo,  (ou  no  participio  em 
não)  e  não  é  precedido  de  prepos.,  pospõem-se  ao  infini- 
tivo ou  ao  participio:  [É  bom]  andá-lo  lendo:  [é  born] 
andar  lendo-o  : 

Se  tanto  pôde  só  tia  esperança  j  De  vos  vêr,  que  fará 
estar-vos  vendo?  (Caminha,  SI).  Tudo  era  grave  horror, 
e  representa  \  Ir-se  armando  no  ar  grande  tormenta  (Ulyss., 
VIII,  75).  aquele  ar  espantado  significava  estar  o  doutor 
recordando-se  de  ter  conhecido  o  general  ou  a  filha  (Camilo^ 
Os  brilhantes  do  brazileiro,  165,  ap.  Barreto,  Est.,  128). 


840  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


Quando,  porém,  ó  precedido  de  prepos.,  antepõem-se, 
ou  pospõem-se  ao  infinitivo,  ou  pospõem-se  ao  partici- 
pio:  2)cif(í  [não]  o  andar  lendo;  j^ara  [não]  andá-lo  lendo; 
para  [não]  andar  lendo-o  : 

para  ir  assim  predispondo-a  a  mais  de  vontade  o  ser- 
vir (Camillo,  O  bem  e  o  mal,  lõõ,  ap.  Barreto,  Est.,  127). 

.Se  o  irrfinitivo  [da  conjug.  periphrastica]  determina 
outro  infinitivo,  sendo  os  dois  infinitivos  referidos  á 
mesma  pessoa  ou  cousa,  e  este  não  é  precedido  de  pa- 
lavra negativa  nem  de  prepos.,  pospõem-se  ao  infinitivo 
determinado,  ou  ao  infinitivo  da  conjug.  periphrastica,  ou 
ao  participio:  [É  bom]  podê-lo  andar  lendo;  [é  bom] poder 
andá-lo  lendo;  [é  bom]  poder  andar  lendo-o. 

Quando,  porem,  o  infinitivo  determinado  ó  precedido 
de  palavra  negativa  ou  de  prepos.,  antepõem-se  ao  infini- 
tivo determinado,  ou  pospõem-se  a  qualquer  dos  infiniti- 
vos, ou  ao  participio:  ^?ara  [não]  o  poder  andar  lendo; 
para  [não]  podê-lo  andar  lendo;  para  [?ião]  poder  andá-lo 
lendo;  para  [não]  poder  andar  lendo-o. 

Semelliantemente  no  caso  representado  nestes  exem- 
plos: [É  bom]  podê-lo  começar  a  andar  lendo;  [é  bom] 
pode?'  começa-lo  a  andar  lendo;  [é  bom]  poder  começar  a 
andá-lò  lendo;  [é  bom]  poder  começar  a  andar  lendo-o; 
para  o  [não]  poder  começar  a  andar  lendo;  para  [não] 
podê-lo  começar  a  andar  lendo;  para  [não]  poder  começá-lo 
a  andar  lendo;  para  [não]  poder  começar  a  andá-lo  lendo; 
para  [não]  poder  começar  a  andar  lendo-o. 

Se  o  infinitivo  da  conjug.  periphrastica  determina 
um  participio  em  -ndo  (sendo  o  participio  e  o  infinitivo 
referidos  á  mesma  pessoa  ou  coisa),  e  este  não  ó  prece- 
dido de  palavra  negativa,  ou  da  prepos.  em,  pospõem-se 
ao  participio  determinado,  ou  ao  infinitivo,  ou  ao  parti- 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  341 


cipio  da  conjugação  periphrastica :  podendo-o  andar  lendo; 
podendo  andá-lo  lendo;  podendo  andar  lenão-o. 

Quando,  porém,  o  participio  é  precedido  de  palavra 
negativa,  ou  da  prepos.  em,  antepõem-se  ao  participio 
determinado,  ou  pospõem-se  ao  infinitivo,  ou  ao  parti- 
cipio da  conjug.  periphrastica:  Em  [não]  o  jwdendo  andar 
lendo;  em  [não]  podendo  andá-lo  lendo;  em  [não]  podendo 
andar  lendo-o. 

Semelhantemente  no  caso  representado  nestes  exem- 
plos: poãenão-o  começar  a  andar  lendo;  podendo  começá-lo 
a  andar  lendo;  podendo  começar  a  andá-lo  lendo;  podendo 
começar  a  andar  lendo-o;  em  [não]  o  podendo  começar  a 
andar  lendo;  em  [não]  podendo  começá-lo  a  andar  lendo; 
em  [não]  podendo  começar  a  andá-lo  lendo;  em  [não]  po- 
dendo começar  a  andar  lendo-o. 

e)  Se  o  infinitivo  da  conjug.  periphrastica  determina 
(immediatamente,  ou  por  intermédio  d'outro  infinitivo) 
um  verbo  a  cujo  compl.  directo  o  infinitivo  está  referido, 
os  pron.  átonos  dependentes  do  verbo  principal  seguem 
as  regras  do  l.*'  caso;  os  dependentes  do  infinitivo  da 
conjug.  periphrastica  pospõem-se  a  esse  infinitivo,  ou  ao 
participio  (da  conjug.  periphrastica);  os  dependentes  do 
infinitivo  da  conjug.  periphrastica,  e  d'outro  infinitivo, 
pospõem-se  a  qualquer  d'elles,  ou  ao  participio:  Ohrigo-o 
a  andá-lo  tradiízindo;  obrigo -o  a  andar  traduzindo-o; 
ohrigo-o  a  começar  a  andá-lo  traduzindo;  ohrigo-o  a  come- 
çar a  andar  traduzindo-o. 

Obs.    Tem  também  aqui  lugar  a  obs.  do  3.°  caso. 

f)  Se  o  auxiliar  da  conjug.  periphrastica  está  no 
participio  em  -ndo,  e  não  é  precedido  de  palavra  nega- 
tiva, nem  da  prepos.  e??^,  os  pron.  átonos  pospõem-se  ao 


342  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


auxiliar,  ou  ao  2.°  participio:  Andando-o  lendo,  (tendo-o 
andado  lendo);  andando  lendo-o: 

. .  Philarco  em  vagaroso  2)asso,  \  Indo-se  retirando,  e 
resistindo,  |  Os  seus  recolhe  (UUjss.y  IX,  121). 

Se  é  precedido  de  palavra  negativa,  ou  da  prepos. 
em,  antepõem-se  ao  auxiliar:  não  o  andando  lendo  (não  o 
tendo  andado  lendo),  em  [não]  o  andando  lendo  (em  [não] 
o  tendo  andado  lendo): 

andando-o  elles  assy  buscando  (Vida  de  SJ°  Aleixo, 
na  Rev.  Lus.,  I,  835). 

§  457.  Observações  geraes  á  coUocação  dos  pron. 
pessoaes  átonos: 

Obs.  ]."  No  port.  moderno,  os  pronomes  procliti- 
cos  não  6  usual  estarem  separados  do  verbo  senão  peio 
adverbio  não,  e  pelos  pron.  pessoaes  eu,  tu,  ellc,  nós,  vós, 
elles. 

No  port.  arch.  médio,  havia  neste  respeito  ampla  li- 
berdade : 

o  leom,  porque  Jie  nobre,  lembrou-sse  da  boa  obra  que 
lhe  o  pastor  fezera  (Fabul,  fab.  27). 

Obs.  2."  Quando  um  pron.  pessoalátono,  que  devia 
ser  proclitico,  está  longe  do  principio  da  or.,  e  quando 
não  pertence  ao  1."  de  dois  ou  mais  membros  coor- 
denados do  discurso,  não  6  irregularidade  muito  de  es- 
tranhar fazê-lo  enclitico. 

Obs,  3."  Quando  um  infinitivo  regido  de  prepos. 
tem  por  compl.  directo  os  pron.  o,  a,  os,  as,  quasi  já  não 
está  em  uso  juntar  os  pronomes  á  preposição: 

todos  sairam  ao  receber  [=^a  recebê-lo]  (Diego  Aff.,  bO) 
muyto  trabalhava  lio  Bisjm  Eboraçense  pollos  reconciliar  e 
fazer  amigos  (Lá.,  74).    porque  não  liedirão  por  sy  mesmos 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  343 


estes  dous  discípulos,  pois  Unhão  tantas  razoens  que  os  ani- 
massem ao  fazer?  (Vieira,  //,  208).  As  duas  mulheres 
moças  lidavam  pelo  restaurar  e  lhe  estancar  o  sangue 
(Garrett,  Yiag.,  219).  os  padres  de  S.  Domingos  deram  os 
seus  arcos  de  graça  pelos  quererem  alugar  muito  caros. 
(R.  da  Silva,  Mocidade,  i,  10). 

Também  já  não  está  em  uso  juntar  os  mesmos  pro- 
nomes, quando  compl.  directo,  á  conjuncção  pois: 

poy-la  não  tem  (H.  P.,  J,  81  v.). 

Ohs.  4."  Aos  parti cipios  passivos  não  se  juntam  os 
pronomes  pessoaes  átonos;  todavia  encontram-se  espo- 
radicamente alguns  exemplos: 

Havendo  primeiro  harpoado-lhe  o  filho  (Brito,  Viag, 
do  Brasil,  121,  ap.  Blut.). 

§  458.  Os  artigos  antepõem-se  á  expressão  substan- 
tiva para  que  pertencem,  devendo  também  preceder  as 
outras  expressões  attributivas,  com  excepção  de  todo  e 
ambos:  um  bello  livro,  um  não  sei  quê,  os  vinte  homens; 
todos  os  homens,  ambos  os  homens. 

§  459.  As  preposições  pertencentes  para  uma  or. 
infinitiva  põem-se  no  rosto  da  oração. 

§  460.  a)  Os  advérbios  de  quantidade  pertencentes 
para  adjectivos  ou  para  outros  advérbios,  antepõem-se  a 
elles. 

b)  O  adverbio  não,  quando  nega  todo  o  predicado, 
antepõe-se  ao  verbo  (do  qual  só  pode  estar  separado  pe- 
los pronomes  átonos) ;  quando  nega  um  elemento  da  or., 
antepõe-se  a  elle  (não  sem  razão),  mas  pospõe-se  nas  ré- 
plicas ellipticas,  V.  g.:  Eu  não,  aqui  não  (em  inglêz:  Not 
I;  not  here). 

§  461.    As  conjuncções,  quando  ligam  orações,  vão 


344  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


no  rosto  da  oração  para  que  pertencem,  excepto  j^orêfn^ 
que  se  pode  pospor. 

§  462.  As  liberdades  da  collocaçào  poética  consis- 
tem principalmente  em : 

1)  antepor  nas  determinações  proposicionaes  o  de- 
terminante ao  determinado : 

Eis  já  do  livião  oiitomno — Pesa  o  manto  nas  florestas 
(Passos,  9).  Dos  homens  ai  quem  me  dera  \  Longe,  bem 
longe  viver!  (Idem,  40). 

2)  antepôr-se  ao  infinitivo,  que  determina  um  verbo, 
o  substantivo  que  é  compl.  directo  do  infinitivo. 

Esta  liberdade  tinha-a  também  a  prosa  archaica : 
começou  as  lanças  a  britar  (Graal,  15). 

3)  interpor  entre  duas  expressões  coordenadas  a 
expressão  a  que  ambas  se  prendem  syntacticamente : 

Quem  he,  me  dize,  esVoutro  que . .  \  Tantas  coroas  tem 
por  tantas  partes  j  A  seus  pés  derribadas  e  estandartes? 
(Lus.,   VIII,  10).    Contra  Ma  dama,  6  peitos  carniceiros, 
\  Feros  vos  amostrais  e  cavalleiros?  (Lus.,  III,  130). 

4)  coUocar  entre  o  sujeito  e  o  verbo  o  substan- 
tivo que  é  compl.  directo: 

As  filhas  do  Mondego  a  morte  escura  \  Longo  temj^o 
chorando  memorarão  (Lus.,  III,  13õ). 

5)  interpor  uma  or.  relativa  entre  o  artigo  ou  um 
attributo  do  substantivo,  e  o  substantivo : 

As,  que  ao  Eterno  enviar,  humildes  preces  (Eliezer, 
1,  17). 

6)  pôr  em  uma  or.  relativa  um  elemento  que  per- 
tence á  or.  demonstrativa : 

. .  quando  alevantárão  \  Hum  por  seu  capitão,  que  pe- 
regrino I  Fingio  na  cerva  espirito  divino  (Lus.,  I,  26). 

7)  Outros  exemplos  de  collocação  poética  são : 


SY-NTAXE   HISTOKICA   PORTUGUESA  345 


Já  fria^  o  corpo  teu,  lapida  encerra  (José  Agost.,  Epi- 
ceãio  d  morte  de  Bocage). 

CAPITULO  II 

Collocação  das  orações 

§  463.  Quando  uma  or.  breve  tem  ligada  a  si  uma 
or.  substantiva,  pode  o  sujeito,  ou  uma  determinação  do 
predicado  (inclusive  uma  or.  adverbial)  da  or.  substantiva, 
collocar-se  antes  da  or.  subordinante: 

. .  o  mui  namorado  \  Tristam  sei  hem  que  non  amou 
Jseu  I  quanfeu  [vos  amo  (Lang,  37).  Quem  nisto  bem 
olhasse,  certifico,  \  Que  não  fugisse  tanto  da  pobreza  (Diogo 
Bernardes,  EcL,  3,  10  v.).  Na  íris,  ou  Arco  celeste,  todos 
os  710SSOS  olJios  jurarás,  que  estão  vendo  variedade  de 
cores  (Meira,  I,  200).  Pregador  que  peleja  com  as  armas 
alheyas,7ião  hajais  medo  que  derrube  gigante  (Id.,  ibid.,  õ4). 
A  fazenda  que  se  ha-de  alijar  ao  mar  no  meyo  da  tempes- 
tade, não  he  mays  são  conselho  que  fique  no  porto,  e  com 
ganância?  (Id.,  ibid.,  llOò).  toda  esta  energia,  todo  este 
recordar-se  de  rica  herança  dir-se-hia  que  erão  suscitados 
(Herc,  Eur.,  84).  Se  me  enganasses,  ou  eu  ma.  enganasse, 
não  sabes  que  não  sobrevivia  á  dor  de  te  perder?  (R.  da 
Silva,  Mocidade,  3,  125). 

§  464.  As  or.  relativas  podem  estar  separadas  do 
seu  antecedente,  mas  de  modo  que  não  resulte  ambigui- 
dade. Nas  phrases  sentenciosas,  a  or.  relativa  separa-se, 
ás  vezes,  do  seu  antecedente,  por  toda  a  or.,  a  que  o 
antecedente  pertence: 

aquelle  se  chamará  bom  prelado  que  tiver  letras,  repu- 
tação, e  virtudes  (H.  P.,  I,  188).  Diz  São  Leão  papa  num 
sermão,  qve  naquelle  coração  não  ha  vestigio  de  justiça. 


346  SYNTAXE  HISTOKICA  PORTUGUESA 


ojide  a  avareza  tem  feyto  sua  morada  (Lá.,  II,  51  v.).  Esse, 
é  meu  amigo,  que  moe  no  meu  moinho  (Prov.). 

§  465.  Quando  uma  or.  adverbial  e  a  sua  subordi- 
nante  tem  sujeito  comum,  pode  intercalar-se  a  or.  adver- 
bial entre  o  sujeito  e  o  resto  da  or.  subordinante: 

O  abbade  assim  que  tomou  assento  estendeu  a  mão 
solemnemente  (R.  da  Silva,  Mocidade,  S,  56). 

§  466.  Quando  uma  or.  adverbial  pertence  para  uma 
or.  subordinada,  em  regra,  ou  se  pospõe  a  esta,  ou  se 
pospõe,  pelo  menos,  á  conjuncção  d'esta;  não  havendo, 
porem,  ambiguidade,  pode  até  antepor-se  ao  conjuncto 
formado  pela  or.  subordinante  com  a  subordinada: 

Quando  Atreo  deo  a  comer  a  Thyestes  a  carne  de  seo 
filho,  diz  a  Gentilidade,  que  fez  tal  horror  este  caso  á 
mesma  natureza,  que  o  Sol  contra  seo  curso  tornou  atraz, 
por  não  contaminar  a  pureza  de  seus  rayos,  dando  luz  a 
tão  abominável  mesa  (Vieira,  I,  166). 

§  467.  As  or.  causaes  de  porquanto  e  como,  e  as 
temporaes  de  como  não  se  pospõem  á  or.  subordinante. 

Appendice  á  Syntaxe 
Ellipse 

Ellipse  em  sentido  lato 

§  468.  a)  Não  havendo  ambiguidade,  o  sujeito  sub- 
entende-se  de  uma  or.  para  outra,  tanto  de  or.  principal 
para  principal,  como  de  principal  para  subordinada  e 
vice-versa,  e  também  de  uma  clausula  para  outra. 

b)  Os  pron.  pessoaes  átonos  pertencentes  a  verbos 
coordenados,  quando  pospostos,  repetem-se  junto  de 
cada  verbo;  quando  antepostos,  repetem-se,  ou  suben- 


SYNTAXE  HISTÓRICA   PORTUGUESA  347 


tendem-se  do  primeiro  verbo  para  o  seguinte  ou  se- 
guintes. 

c)  Um  substantivo  complemento  que  haja  de  refe- 
rir-se  a  vários  verbos  coordenados,  pode  subentender-se 
do  ultimo  para  os  antecedentes,  quando  vae  depois  do 
verbo,  e  do  primeiro  para  os  seguintes,  quando  vae  an- 
tes d'elles. 

Não  havendo  ambiguidade,  o  compl.  directo  de  uma 
or.  pode  subentender-se  para   sujeito  da  or.   seguinte : 

Por  mais  que  confeiteis  hum  Não,  sempre  amarga 
(Vieira,  II,  90). 

%  469.  a)  Na  coordenação  de  verbos,  pode  o  parti- 
cipio  passivo  ser  subentendido  de  uma  or.  para  as  ante- 
riores : 

As  calamidades  imprevistas  não  foram,  nem  podiam 
ser  comhatiãas  com  menor  energia  (Herc,  Op.  II,  322). 

b)  Na  coordenação,  jíode  o  verbo  auxiliar  de  um 
tempo  composto  (também  da  voz  passiva)  subentender-se 
de  uma  or.  para  as  seguintes : 

Tinha  roncado  e  harhateado  Pedro,  que  se  todos  fra- 
queassem,  só  elle . .  (Vieira,  II,  333,  ap.  Blut.).  Os  templos 
hão  de  ser  destruídos,  os  seus  ministros  proscriptos,  o  nome 
de  Deus  hlasphemado  d  vontade  n'esta  terra  maldita  (Gar- 
rett, Viag.,  93).  Foi  saqueada  a  vila,  e  assassinados  os 
partidários  dos  Felipes  (Camillo,  O  snr.  do  paço  de  Ni- 
nães,  145,  ap.  Barreto,  Est.,  191). 

§  470.  Em  membros  cordenados,  ou  ligados  por 
partículas  comparativas,  pode  dizer-se : 

Todos  os  homens  dalto  ingenho  tiveram  pêra  si,  que  a 
quietação  era  cousa  muy  doçar  e  segura,  e  a  governança 
viuy  azeda  e  perigosa  (H.  P.,  I,  343  v.). 

§  471.  a)  Em  or.  coordenadas,  pode  o  verbo  suben- 
tender-se da  primeira  or.  para  as  seguintes,  na  mesma 


348  8YNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA 


OU  em  differente  pessoa  e  numero,  e  até,  salva  a  clareza, 
em  differente  tempo  e  modo : 

Não  vedes  que  não  podeis  andar  por  vós  mesmo,  quanto 
mays  correr  ?  (Vieira,  7,  672).  Este  será  o  argumento,  e 
estes  08  dous  pólos  do  meu  discurso  (Id.,  II,  1).  Aquelle 
coração  precisa  de  dilatar-se,  aquelles  sentidos  de  recrea- 
rem-se  (Herc.,  Lendas,  II,  203).  Que  se  leia  inteira  a  pas- 
sagem impressa  daquella  carta,  e  ver-se-Jia  se  foi  o  Arce- 
bispo,  se  eu,  quem  usou  de  mais  desabrida  linguagem  (Id., 
Op.  III,  45).  Elles  tremiam  por  si:  eu  pela  sorte  da  Hes- 
panha  (Id.,  Eur.,  63). 

b)  De  uma  or.  de  modo  finito  pode  subentender-se, 
em  uma  or.  subordinada,  um  verbo  no  infinitivo. 

c)  Em  or.  comparativas,  pode  subentender-se  da  or. 
subordinante  o  verbo,  e  vice-versa: 

assi  como  o  outono  vay  desfolhando  as  arvores:  assi 
a  velhice  as  alegrias  (H.  P.,  //,  368).  Assi  como  o  ferro 
se  ha  com  a  lima:  assi  o  entendimento  com  a  disputa  (H.  P., 
II,  16). 

d)  De  uma  or.  negativa  tem  ás  vezes  de  subenten- 
der-se, menos  regularmente,  em  uma  or.  adversativa  o 
predicado  em  forma  positiva: 

Não  he  bem,  que  moura  a  lembrança  da  bõa  obra  rece- 
bida, mas  que  sempre  este  viva  na  memoria  (H.  P.,  77, 
325  V.,  326). 

e)  De  uma  or.  demonstrativa  subentende-se  o  pre- 
dicado para  uma  or.  substantiva  subordinada  á  relativa: 

Venção  agora  pois,  os  que  es  servido  [que  vençam] 
(Eneida  Portug.,  10  11). 

Ellipse  propriamente  dieta 

§  472.  Nas  exclamações  com  quanto,  qual,  que,  quão 
(como   adjectivo),   como  em:   Quantos  montes  então  que 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  349 


derribaram  \  As  ondas  que  batiam  denodadas!,  ha  ellipse 
de  um  verbo  como  haver,  e  a  cr.  de  que  é  propriamente 
relativa. 

No  discurso  animado,  quando  se  pretende  dar  con- 
cisão e  energia  á  phrase,  pode  omittir-se  o  verbo  ou  um 
substantivo  (sujeito),  se  se  subentendem  facilmente: 

Fazer  mancos,  fazer  aleijados,  fazer  cegos,  fazer  estro- 
peados,  isso  fazem  os  Reys,  e  isso  podem.  E  senão  ide  a 
essas  campanhas,  a  esses  exércitos,  e  a  essas  cortes:  [vereis] 
hims  em  muletas,  outros . .  (Vieira,  II,  22).  Donas,  res- 
peito ás  intangendas  roupas  (Cast.,  Fastos,  3, 163).  [o  caso] 
havia  de  ser  comigo  (Herc,  Lendas,  II,  141). 

§  473.  Geralmente  fallando,  os  pronomes  pessoaes 
como  sujeitos  só  vão  expressos  quando  o  requer  a  em- 
phase  ou  a  clareza: 

elles  vigião  nas  atalayas;  vós  dormis  (Vieira,  I,  989). 
— A  quem  as  entregou? — Á  tia  Perpetua.— Não  conheço. 
—  Conheço  eu! — gritou  frei  João,  erguendo-se  tremulo  da 
ira  reprezada  (R.  da  Silva,  Mocidade,  3,  209-10). 

§  474.  É  imitação  litteraria  do  latim  a  omissão  do 
verbo  dizer  das  or.  principaes,  quando  se  cita  o  dicto  de 
alguém,  acompanhando-o  de  uma  expressão  de  louvor  ou 
vitupério : 

Judiciosamente  [diz]  S.  Basilio  de  Seleucida  (Vieira, 
//,  27). 

Entre  os  casos  avulsos  de  ellipse  citar-se-hão  os  se- 
guintes : 

Deos  [seja]  louvado  (H.  P.,  I,  306).  Agora  ao  ponto 
[venhamos]  (Ceita,  195  v.).  e  depois  fica  tudo  como  d' antes 
(Garrett,  Fr.  Luis  de  Sousa,  acto  I). 


350  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA 


Zeugma 

§  475.  As  vezes  emprega-se  como  pertencente  em 
commum,  a  duas  orações  contrapostas,  ou  a  duas  deter- 
minações, o  verbo  que  só  quadra  á  primeira,  tendo  de 
subentender-se  para  a  segunda  outro  verbo  que,  com  o 
primeiro,  constitue  uma  categoria  que  comprehende  am- 
bos: 

Cabeças  pelo  campo  vão  saltando,  |  Braços,  pernas, 
sein  dono  e  sem  sentido,  \  E  de  outros  as  entranhas  palpi- 
tando, j  Pallida  a  côr,  o  gesto  amortecido  (Lus.,  III,  52). 

§  476.  É  corrente,  sobretudo  na  conversação,  subor- 
dinar a  um  verbo  de  pedir,  aconselhar,  ordenar, 
etc,  duas  orações  de  que,  quando  a  segunda  realmente 
depende  do  participio  do  presente  de  um  verbo  de  diz  er: 

E  este  rronssinoU  ho  rogava,  qua?ito  podia,  que  lhe 
desse  o  sseu  filho  e  nojn  lhe  fezesse  mall,  e  que  ssempre  fa- 
ria sseu  serviço  (Fábul,  fab.  31). 

Pleonasmo  (gramatical) 

§  477.  a)  Quando  o  compl.  directo,  que  regular- 
mente deveria  ir  depois  do  verbo,  é  transportado  em- 
phaticamente  para  o  principio  da  or.,  representa-se  no- 
vamente junto  do  verbo  pelo  pron.  pessoal  respectivo  ou 
— no  caso  do  compl.  directo  ser  uma  or. — pelo  demons- 
trativo o : 

Alguns  intentos,  que  tive,  abortou-m  os  a  fortuna 
(Vieira,  VII,  òl8,  ap.  Blut.),  Que  a  censura  previa  é  inú- 
til, os  factos  tem-no  sobejamente  provado  (Herc,  Op.,  1, 133). 

b)  A  pessoa  ou  cousa  designada  por  aquelle  que,  o 
que,  ou  por  um  substantivo  pode  ser  designado  de  novo 
por  um  pron.  demonstrativo  (de  ordinário  esse): 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  351 


O  serviço  que  sse  faz  de  voomtade,  aquelle  lie  bem  fecto 
(FabtU.f  fab.  3õ).  o  que  era  contra  a  honra  de  Deos,  e  em 
dano  das  almas,  isto  só  o  affíigia  e  lhe  tirava  o  gosto  da 
vida  (Sousa,  V.  do  Are,  I,  431). 

c)  Em  orações  interrogativas  o  substantivo  que  é 
sujeito,  repete-se  ás  vezes  emphaticamente,  depois  do 
verbo,  na  forma  de  pron.  pessoal : 

Aquelle  espantoso  dom  Vasco  da  Gama  conde  Almi- 
rante nam  fez  elle  cousas,  em  cuja  comparaçam  as  grande- 
zas antiguas  parecem  pouquidades  ? .  (H.  P.,  7,  458). 

Entre  os  casos  avulsos  de  pleonasmo  citar-se-hão  os 
seguintes : 

of  este  dia  Lang.,  30).  Oje  neste  dia  (Diego  Aff.,  96). 
logo  nessora  (Chiado,  Pratica,  103). 

Obs,    Não  hão-de  vêr-se   pleonasmos  em :  já,  já  ; 
logo,  logo ;  marche,  marche. 

Synese 

§  478.  A  synese  consiste  em  construir  a  or.,  olhando 
mais  ao  sentido  do  que  ás  palavras  que  se  empregam. 
Um  caso  é  o  emprego  do  verbo  no  plural  sendo  o  sujeito 
um  substantivo  collectivo  do  singular  (§  17,  e);  outro  é  o 
emprego  de  um  apposto,  referido  a  um  nome  represen- 
tado por  um  pron.  possessivo  : 

Opulenta  outr'ora,  os  seus  (de  Carteia)  estaleiros  ti- 
nham sido  famosos  antes  da  conquista  romana  (Herc, 
Eur.,  7).  Homem  de  paz,  cingindo  a  espada  do  guerreiro, 
que  outro  mister  deverá  ser  o  teu?  (Id.,  ibid.,  79). 

Aííracçáo  (e  assimilaçãa  de  modos) 

§  479.  Diz-se  haver  attracção  grammatical,  quando 
na  syntaxe  uma  palavra  se  regula  por  uma  outra,  pela 


352  SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGCESA 


qual  se  não  havia  de  regular.  Um  exemplo  de  atracção 
é:  uma  pouca  d'agoa  (por:  um  pouco  d'agoa). 

§  480.  Caso  particular  de  attrac<;ão  é  a  assimilação 
de  modos  (e  tempos)  que  se  encontra,  por  exemplo,  em: 

E  quando  caso  for  que  ew,  impedido  \  Por  quem  das 
cousas  he  ultima  linha,  |  Não  for  (por:  não  seja)  comvosco 
ao  i)razo  instituído,  \  Pouca  falta  vos  faz  a  falta  minha 
(Ims.,  VI,  55).  Porem  como  a  esta  terra  então  viessem  \ 
De  lá  do  seio  Arábico  outras  gentes  \  Que  o  culto  Mahome- 
tico  trouxessem  \  —No  qual  me  instituíram  meus  parentes — , 
I  Succedeo . .  (Id.,  VII,  33). 

Anacoiuíhiâ 

§  481.  Anacoluthia  consiste  em  uma  ou  mais  pala- 
vras do  principio  de  uma  or.  não  se  ligarem  ao  que 
vem  depois,  segundo  as  regras  da  syntaxe: 

Vereis  este,  que  agora  pressuroso  \  Por  tantos  medos 
o  Indo  vai  buscando,  \  Tremer  d'elh  Neptuno  de  medroso 
(Lus.,  II,  47). 

São  casos  particulares  de  anacoluthia : 

1)  pôr  no  principio  d' uma  clausula  (ou  membro  de 
clausula),  sem  ligação  grammatical,  a  designação  do  ob- 
jecto, a  respeito  do  qual  vem  depois  um  asserto: 

As  outras,  que  as  azas  do  anjo  Azrael  se  estendam  so- 
bre os  seus  cadáveres  (Herc,  Eur.,  163). 

2)  repetir  o  principio  duma  clausula,  quando  a 
phrase  ó  interrompida  por  parenthesis,  ou  vem  depois 
extensas  orações  subordinadas : 

He  possível  (dizia  Ezechías,  quando  o  propheta  o  avi- 
zou  para  morrer)^  he  possível  que  . .  (Vieira,  7,  1097). 

3)  repetir  a  conjuncção  que,  e  a  partícula  interro- 
gativa se,  quando  logo  depois  se  intercala  uma  or.,  e 
ainda  quando  não  ha  tal  intercalação : 


SYNTAXE   HISTOUICA   1'ORTUGUKSA  353 


devemos  catar  se  este  que  apelou  se  he  demandador  se 
demandado  {Port.  Mon.  Hist.,  Leis  e  post.  de  D.  Aff.  III, 
^24).  veja  se  os  graaos  da  ladeza  em  que  se  topar,  quer 
sejam  alem  da  equinocial  quer  aqiiem,  se  sam  conformes 
asy  do  luguar,  em  que  estever,  como  d'aquelle  em  cuja  busca 
for  {Esmeraldo,  124).  será  bem  feito . .  I  . .  que  o  Regente 
I  Que  esta  terra  governa,  que  vos  veja  \  E  do  mais  neces- 
sário vos  proveja  (Lus.,  I,  õõ).  E  dizem  que  saudades  que 
matam!  (Garrett,  Viag.,  241). 

4)  principiar  por  uma  or.  da  conjunção  que  a  parte 
subordinada  d' uma  frase  e  terminá-la  por  uma  or.  infi- 
nitiva. 

ssem  rrazom  parece  que  aquel  que  lie  atormentado  dar- 
Ihi  homem  outro  tormento.  {Port.  Mon.  Hist.^  Lei  de  D. 
AiTonso  II,  ap.  Gama  Barros,  Hist.  da  Administração,  1, 61). 

Contaminação  syntactica 

§  482.  Contaminação  syntactica  é  a  fusão  irregular 
de  duas  construcções  que,  em  separado,  são  regulares, 
V.  g.:  ..parecem  \  Que  nunca  brando  pêntem  conhecerão 
Lus.,  VI,  17) ;  a  construcção  regular  j^arecewi  nunca  bran- 
do pêntem  ter  conhecido,  e  a  construcção  também  regular 
parece  que  nunca  brando  pêntem  conheceram,  fundidas  irre- 
gularmente, deram :  parecem  \  Que  nunca  brando  pêntem 
conhecerão : 

Cornelio  moço  os  faz  que  compellidos  |  Da  sua  espada 
jurem  que  as  Romanas  \  Armas  não  deixarão,  em  quanto 
a  vida  \  os  não  deixar,  ou  nellas  for  perdida  {Lus.,  IV,  20). 


FIM 


23 


índice 

Pao 

Dedicatória v 

Designações  abreviadas vii 

PARTE  I 

Da  ligação  das  palavras  na  oração 

SECÇÃO  I  — Da  composição  da  oração;  concordância  do  predi- 
cado com  o  sujeito: 

Capitulo  I    — Composiçflo  da  oraçSo 1 

Capitulo  II  — Concordância  do  predicado  com  o  sujeito: 

A.— Concordância  do  verbo 11 

B.— Concordância  do  adjectivo  ou  participio  do 

predicado 16 

C. — Particularidades  da  concordância  do  predicado        17 
SECÇÃO  II— (sem  titulo): 

Capitulo  I     — Das  palavras  nominaes  em  geral 26 

Capitulo  II  — Das  palavras  nominaes  em  particular: 

A. — Do  substantivo 47 

B,— Do  adjectivo 52 

C— Do  nome  numeral: 

a. — Numeraes  propriamente  dictos     ....        59 

b. — Numeraes  indefinidos 61 

D, — Dos  pronomes : 

a.— Pronomes  pessoaes 62 

b.— Pronomes  possessivos 68 

c. — Pronomes  demonstrativos 70 

d. — Pronomes  relativos 77 

e. — Pronomes  interrogativos 82 

f .  — Pronomes  indefinidos 84 


356  8YNTAXE   IIISTOHICA   POUTUGURSA 


VJlG. 

E. — Appendice  aos  pronomes  o  nomes  numeraos : 

a. — Artigo  ^efinido 90 

b. — Artigo  indefinido 97 

c. — Artigo  partitivo 98 

Capitulo  III — Do  verbo 99 

Capitulo  IV — Da  preposição: 

A. — Preposições  que  substituem  casos  latinos: 
Preposições    que   substituem   o   dativo    e  o 

accusativo 104 

A  proposição  (í lOõ 

para 117 

de 121 

em 141 

com 147 

por  (per) lõO 

B. — Preposições  que  nSo  substituem  os  casos  la- 
tinos: 

a. — AnlCy  perante,  diante 168 

b. — após 159 

c.—trÚ8 ItíO 

Ci—até(té),alá 160 

Q.— desde  (dês) 161 

t.-sôhre 161 

g.—sôb  isô) 163 

li. — contra  (escontra) 163 

i. — entre  {antre) 161 

j.  —  sem 165  - 

k.— segundo  {assegwido) 166 

1. — conforme,  consoante 166 

C. — Equivalentes  de  preposições: 

a. — Participios  que  passaram  a  funccionar  co- 
mo preposições:  excepto,  salvo;  durante, 

mediante 167 

b, — Locuções  proposicionaes 168 

c. — Combinação  do  proposições 169 

d. — Repetição  das  preposições  e  loc.  proposi- 
cionaes       169 

Capitulo  V    — Do  adverbio: 

A. — Advérbios  empregados  na  gradação: 


SYNTAXE  HISTÓRICA  PORTUGUESA  357 


FAO. 

a. — Comparativo 171 

b. — Superlativo 174 

c— Outras  applicações  das  regras 175 

B. — Particularidades  de  alguns  advérbios.     .     .     .  176 

Capitulo  VI    — Da  conjuncção 179 

Capitulo  VII  — Da  interjeição 179 

Additamentos  á  secção   I 180 

PARTE  II 

Do  emprego  dos  modos  e  tempos  e  da  ligação  das  orações 

SECÇÃO  I  —  Do  emprego  dos  modos  e  tempos : 
Capitulo  I    — Do  indicativo: 

Tempos  do  indicativo: 

Do  presente 185 

Do  imperfeito 188 

Do  pretérito  perfeito  definido 191 

Do  pretérito  perfeito  indefinido 192 

Do  pretérito  mais  que  perfeito 193 

Do  futuro  imperfeito 195 

Do  futuro  perfeito 197 

Do  condicional 198 

Do  conjunctivo: 

Conjuíictivo  em  orações  principaes  ....  201 

Conjunctivo  em  orações  subordinadas  .     .     .  206 

Tempos  do  conjunctivo 219 

Do  imperativo 221 

Do  infinitivo: 

(Generalidades) , .222 

Infinitivo  independente 241 

Tempos  do  infinitivo 242 

Participios : 

Participio  (activo)  em  -ndo 247 

Participio  em  -nte 252 

Participio  passivo  (simples) 253 

Conjugação  periphrastica 255 

Appendice 259 


868  SYNTAXB  HISTÓRICA  POUTUQUKSA 


fAO. 

SECÇÃO  II  — Da  ligaçSo  das  orações: 

Capitulo  I    — Da  coordenação 260 

CAriTci-o  II  —Da  subordinação: 

A. — Orações  substantivas 267 

B.— Orações  adjectivas  (relativas) 277 

(/, — Orações  adverbiaes: 

a.— Conjuncções  condicionaos 283 

b,— ConjuncçÕes  causaes 287 

c— Conjuncções  finaes 291 

d. — Conjuncções  concessivas 291 

e. — Conjuncções  consecutivas 29G 

f,— Conjuncções  tomporaes 299 

g. — Conjuncções  comparativas 306 

Additamentos  á  secçío  II 312 

SECÇÃO  III  — Da  collocaçao: 

Capitulo  I     — Collocaçao  das  palavras  na  oraçSo 024 

Collocaçao  dos  pronomes  pessoaes  átonos  e  do 

pronome  demonstrativo  átono  o 330 

Capitulo  II  — CollocaçSo  das  orações 345 

APFENDICE  Á  SYNTAXE 

Ellipse: 

em  sentido  lato 346 

propriamente  dieta 348 

Zeugma 350 

Pleonasmo  (gramatical) 850 

Syneso 361 

Attracçfto  (e  assimilação  de  modos') 352 

Anacoluthia 352 

Contaminação  syntactica 363 


Declaração  do  editor 369 

Correcções  o  additamentos 361 


Declaração  do  editor 


O  Sr.  Epiphanio  Dias,  que  nasceu  em  Lisboa  em 
7  de  Abril  de  1841,  e  falleceu  na  mesma  cidade  em  30  de 
Novembro  de  1916,  após  terrível  enfermidade  que  lhe 
tolhera  os  movimentos  corpóreos,  e  o  prostrara  no 
leito  por  longos  meses,  havia  muito  tempo  que  traba- 
lhava na  coordenação  de  uma  Syntaxe  histórica  portu- 
guesa. Conhecendo  que  não  tornaria  a  recuperar  a  saúde, 
e  que  pelo  contrário  a  morte  se  avizinhava,  tratou  de  a 
mandar  copiar  e  enviar  para  o  prelo:  e  ainda  chegou  a 
ver  as  provas  typographicas  do  ante-rosto,  rosto,  dedica- 
tória e  primeiras  32  páginas.  Infelizmente  a  morte  sur- 
prehendeu-o  durante  o  trabalho  da  impressão,  mas  este 
continuou  conforme  o  plano  e  orthographia  adoptados 
desde  principio,  e  sob  a  direcção  de  um  amigo  que  o 
Snr.  Epiphanio  incumbira  da  revisão. 

Não  pôde  o  Auctor  dar  a  ultima  demão  á  obra :  por 
isso  ficaram  numerosas  regras  sem  os  respectivos  exem- 
plos, que  o  Sr.  Epiphanio  tencionava  accrescentar,  como 
consta  de  claros  que  o  manuscrito  apresenta;  e  também 
pelo  mesmo  motivo  ha  certas  incoherencias  na  disposi- 
ção typographica,  e  ás  vezes  no  uso  de  maiúsculas  e  minús- 
culas como  iniciaes.  O  revisor  não  ousou  pôr  os  exemplos 
que  faltam,  nem  modificar  o  systema  ou  arranjo  material: 
quis  seguir,  quanto  possível,  o  manuscrito  e  as  primeiras 


360  SYNTAXE   HISTOaiCA   POUTUGUESA 


duas  folhas;  se  alguma  rara  vez  se  afastou,  foi  para  emen- 
dar erros  na  numeração  dos  §§  e  na  ordem  das  letras  que 
designam  as  alíneas,  ou  para  melhorar  pontuarão  eviden- 
temente errada ;  não  podendo  verificar  todas  as  citações, 
verificou  comtudo  algumas,  o  também  neste  caso  emen- 
dou lapsos  palpáveis.  Quando  o  revisor  teve  duvidas  em 
pontos  de  orthographia,  recorreu  á  Gramadca  Portuguesa 
KlpAnenlar  do  mesmo  Auctor,  visto  que  o  manuscrito  da»%«- 
taxe  e  parte  dos  rascunhos  não  são  da  mão  do  Sr.  Epipha- 
nio:  assim  se  imprimiu  puder,  untepõem-se  o  pospõcm-se 
(no  manuscrito  estava  jwder,  no  futuro  do  conjuntivo,  e 
antepõem-se  o  pospõem-se^  ora  com  til,  ora  sem  elle). 

As  abreviaturas  que  vão  no  principio  cm  lugar  de 
prologo,  que  o  Auctor 'não  deixou,  acharani-se  soltas, 
em  tiras,  com  os  rascunhos  o  manuscritos  da  obra:  em- 
bora não  completas,  nem  perfeitas,  o  revisor  entendeu 
que  devia  juntá-las  assim  mesmas,  e  isso  fez,  alphabetan- 
do-as,  e  pondo-lhes  um  titulo,  de  accôrdo  com  o  que  o 
Sr.  Epiphanio  adoptara  na  sua  edição  d' Os  Lusíadas  em 
circumstancias  análogas  (vid.  vol.  I,  pg.  xxxvii). 

O  Índice  foi  feito  todo  pelo  revisor. 

A  secção  II  da  parte  I,  pg.  26,  não  tem  titulo  no 
manuscrito  que  serviu  de  original  á  composição  typogra- 
phica,  só  o  tem  no  rascunho,  que  neste  caso  é  autografo ; 
como  porém  esta  prova  foi  uma  das  que  o  Sr.  Epiphanio 
reviu,  parece  que  elle  não  quis  dar  titulo  á  secção,  e 
portanto  também  aqui  se  lhe  não  pôs.  Na  Grammaiica 
Portuguesa  Elementar  do  mesmo  Auctor  a  correspondente 
matéria  está  distribuída  de  modo  diferente  (<complemen- 
tos  constituídos  {)or  substantivos  ou  palavras  substanti- 
vas», e  «particularidades  de  syntaxo  relativas  a  diversas 
partes  do  discurso», —  em  dois  capítulos):  não  pôde  pois 
tomar-se  de  lá  um  titulo. 


STNTAXE   HISTÓRICA   PORTUGUESA  361 


Noutra  edição  desta  obra,  o  individuo  que  a  revir, 
tem  maior  liberdade  do  que  o  actual  revisor,  que  havia 
de  se  subordinar  ao  manuscrito  do  Auctor  e  á  recomen- 
dação do  mesmo,  o  qual  só  pediu  que  lhe  dirigisse  a 
publicação.  De  futuro  podem,  por  exemplo,  usar-se  títu- 
los nas  cabeças  das  paginas,  e  marcarem-se  ahi  os§§;  pôde 
regularizar-se  a  disposição  typographica,  a  pontuação, 
o  uso  de  maiúsculas  e  minúsculas,  preencherem-se  as 
lacunas  dos  exemplos,  acertarem-se  os  que  por  ventura 
estiverem  deslocados  ou  equivocados,  etc.  E  provável  que 
o  manuscrito  e  rascunho  da  Syntaxe  sejam  entregues  á 
Faculdade  de  Letras,  de  que  o  Sr.  Epiphanio  foi  Pro- 
fessor, e  um  dos  mais  distinctos  que  tem  havido  nella: 
o  revisor  de  outra  edição  devçrá  consultá-los  para  o  seu 
trabalho. 

Faz  hoje  um  anno  que  o  Sr.  Epiphanio  Dias  deixou 
de  existir:  julgamos  commemorar  dignamente  o  primeiro 
anniversario  da  morte  do  sábio  Professor,  trazendo  a  lume 
esta  magnifica  obra,  que  no  seu  género  não  tem  de  certo 
competidora  na  nossa  Litteratura. 


Lisboa,  30  de  Novembro  de  1917. 


O  editor. 


Correcções  e  additatnentos 


Além  d'outros  erros  typographicos  que  escapariam,  emendem-se 
os  seguintes :  ' 

Pg.    70 — O  C  do  titulo  que  encabeça  o  §  83  devia  ser  minúsculo. 
Pg.  104  —  Na  alinea  1.»  do  titulo  do  cap.  IV,  o  P  inicial  da  pa- 


HYNTAXR  HISTOf 


lavra  Preposição  devia  ser  minúsculo;  na  alinea  3.* 

deve  eupprimir-Be  «a.». 
Vg.  117  —  No  titulo  que  encabeça  o  §  157  supprima-se  cb.»  e  mu- 

de-se  P  em  p. 
Vg.  166 — No  titulo  que  encabeça  o  §  219  falta  uma  virgula  entre 

conforme  e  consoante. 
Pg.  174-176— No  manuscrito  que  serviu  para  a  composição  nSo  se 

marcaram  as  subdivisões  que  para  comodidade  do 

leitor  se  marcam  no  indico,  pg.  3õ7. 
Pg.  176— No  titulo  que  encabeça  o  §  233  mude-se  b  em  B. 
Pg.  216  —  Na  7.*  linha,  contando  de  baixo,  devia  ser  <Komm.,*  eff 

vez  de  *Komm,*, 
Pg.  237  —  Na  linha  1.*  devia  ser  «o.  6»  (abreviatura  de  cobsorva- 

çâo  6»,  em  voz  de  »o,  6». 
Pg.  258  —  Na  linha  8."  devia  ser  tAelher.»   (abreviatura  de  Aethe- 

riae\  em  vez  de   *Aethaer.». 
Pg.  298 — Na  linha  7.*  devia  ser  «na  loc.  não»,  em  vez  de  «nÍo 

loc.  não». 


Entre  os  papeis  da  Synlaxe  encontraram-se  os  seguintes  aponta- 
mentos, que  talvez  o  Auctor  quisesseintercalar  nos  respectivos  lugares: 

«1 — No  apposto:  L«<.,  2,  94». 

«2  — Na  concordância  do  predicado:  Quando  a  um  sujeito  com- 
«posto  se  juntar  uma  apposição  do  plural,  o  verbo  deve  ir  para  o  plurid. 
«Imitando  a  syntaxe  latina,  Camões  disse:  Lus.^  2,  112». 

Estes  apontamentos  não  são  da  letra  do  Sr.  Epiphanio,  foram  di- 
tados por  ello:  por  isso  tinham  erros  orthographicos  que  aqui  se  emen- 
daram. 

O  primeiro  passo  camoniano  a  que  se  alude  não  traz  nota  nenhu- 
ma na  edição  dos  Lusíadas  feita  polo  próprio  Sr.  Epiphanio;  o  segundo 
passo  traz  explicação  a  pg.  128  do  vol.  I. 


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